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1 Introdução
O solo não saturado é definido como o solo cujos vazios não estão completamente pre-
enchidos por água. No entanto, o domínio da mecânica dos solos não saturados se estende
a uma situação mais abrangente, qual seja: aos solos saturados quando submetidos a poro-
pressões de água negativas (Figura 1). Essas duas definições são, em princípio, contraditórias;
por isso, sua compreensão é importante. A literatura define o solo situado acima do nível
freático que se encontra no estado saturado, no qual atuam poropressões negativas, como
franja capilar, atribuindo a sua saturação a mecanismos capilares, os quais fazem a junção
entre os aspectos físicos, como o diâmetro dos capilares e o aspecto de energia de superfície,
predominando o primeiro. Esse conceito precisa, no entanto, ser ampliado, englobando a
energia decorrente das forças de adsorção, que constituem um fenômeno de natureza quími-
co mineralógica. Dada a grande mistura químico-mineralógica e textural que caracteriza os
solos na natureza, geralmente esses mecanismos atuam conjuntamente, podendo predominar
um ou outro segundo a composição do solo. Aqui, a abordagem inicial será restrita ao aspecto
convencional, abordando-se o problema como simples franja capilar. O capítulo 32 deste livro
discute a questão da energia decorrente das forças de adsorção.
(a) (b)
Figura 1. O domínio da Mecânica dos Solos Não Saturados: a) condição do solo e b) distribuição de
poropressões de água.
O solo da franja de ascensão capilar está geralmente saturado; mas, por estar sob poro-
pressões de água negativas, é considerado pertencente ao domínio da mecânica dos solos não
saturados. As poropressões de água em um solo não saturado estão frequentemente sujeitas
a variações causadas pelas condições na fronteira entre o solo e a atmosfera e por alterações
químicas que fazem variar a sucção osmótica. No caso de processos de infiltração, a poropres-
são da superfície pode aumentar drasticamente, seja durante eventos de precipitação, seja pela
oferta de água facilitada por sistemas de infiltração compensatórios.
O solo não saturado é composto por quatro fases: partículas sólidas, água, ar e película
contrátil. A Figura 2a ilustra essa situação para solo sedimentares e solos residuais pouco
intemperizados – solos saprolíticos. Fredlund e Rahardjo (1993) apresentam uma descrição
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 159
das quatro fases em evidência na Figura 2a e argumentam que a película contrátil precisa
ser reconhecida como uma fase do solo, devido às suas propriedades e ao seu papel no
comportamento do solo. Pode-se afirmar que as fases água e ar fluem nos poros do solo
quando submetidas a gradientes energéticos e o esqueleto sólido, juntamente com a rede de
películas contráteis, equilibram-se e deformam quando submetidas a variações de esforços
de tensões.
Para os solos tropicais profundamente intemperizados – solos lateríticos, a situação re-
presentada na Figura 2a permanece válida para os macroporos. Entretanto, a fração sólida
nela destacada passa à condição de “aparente”, tendo em vista sua constituição ser resultante
de agregação de partículas minerais estabelecendo a presença de microporosidade no interior
dos agregados, a qual é preenchida por água e/ou ar (Figura 2b). Embora em grande parte dos
casos a microporosidade presente no interior dos agregados permaneça em estado saturado,
quando ocorre perda de saturação, pode passar a atuar a situação descrita por esse mesmo
modelo.
Figura 2. Diagrama de fases de um solo não saturado: a) diagrama convencional; b) diagrama ilustrando
a divisão do solo em macro e microestruturas.
A continuidade das fases fluidas no solo não saturado varia à medida que o solo for sub-
metido à variação de grau de saturação. Um solo arenoso com baixa umidade, tal como um
solo na umidade higroscópica, possui uma fase ar contínua e uma fase água quase sempre des-
contínua. À medida que o solo for umedecido, a fase água passa a ocupar uma maior parcela
dos vazios do solo, tornando-se gradualmente, assim como a fase ar, uma fase contínua e com
menor déficit energético (i.e., maior energia). Se a quantidade de água do solo for aumentada
suficientemente, a fase ar passa a se tornar gradualmente descontínua, até desaparecer. A tran-
sição da condição de continuidade das fases do solo deve ser bem compreendida, pois existem
importantes implicações com respeito ao comportamento do solo. É importante observar que
o grau de saturação que corresponde à passagem de condição contínua para descontínua pode
depender também da textura do solo, assim como da distribuição de poros. Um solo mais fino
pode manter a condição de continuidade da fase água em pacotes de argila presentes em solos
pouco intemperizados ou no interior de agregados nos solos profundamente intemperizados,
mesmo com baixos graus de saturação globais. O entendimento da condição de continuidade
160 Tópicos sobre infiltração: teoria e prática aplicadas a solos tropicais
das fases e de aspectos menos óbvios, como a dependência em relação à textura, são funda-
mentais para a compreensão do comportamento do solo não saturado.
Além do estado volumétrico das fases, é necessário examinar o estado de tensões no
solo. O estabelecimento da disciplina “Mecânica dos Solos” é tradicionalmente associado com
os esforços de Terzaghi e seus contemporâneos e ao estabelecimento do princípio de tensões
efetivas. Já a Mecânica dos Solos Não Saturados tem seu estabelecimento formal mais vincu-
lado aos esforços realizados entre as décadas de 1950 e 1970, motivados principalmente pelos
estudos de “solos problemáticos”: os solos colapsíveis e expansivos. O estabelecimento do par
de variáveis de estado de tensões independentes (Figura 3) é um marco que deve ser ressalta-
do. O comportamento do solo não saturado deve ser interpretado em função de duas variáveis
de estado de tensão independentes, sendo conveniente a separação das tensões totais e da po-
ropressão de água. Tem-se, assim, a tensão total líquida, (σ – ua) e a sucção matricial, (ua – uw).
É importante ressaltar que as duas variáveis de estado de tensão, (σ – ua) e (ua – uw)
reduzem-se a uma variável única (i.e., a tensão efetiva), conforme o solo tende à condição de
completa saturação. À medida que o volume de água armazenada nos poros do solo cresce, o
volume de ar começa a ser reduzido e os meniscos antes existentes passam a dar lugar a uma
condição de ocupação dos volumes em que o ar é confinado no volume de água, estando o ar
no formato de bolhas oclusas. Nessa nova condição, em que os meniscos não mais existem,
qualquer volume de ar ainda presente se encontra sob pressão tal que (ua – uw). Assim, quando
o solo tende à condição de completa saturação, (ua – uw) = 0 e (σ – ua) = (σ – uw). Além da
energia capilar e da energia oriunda das forças de adsorção, é importante também ressaltar o
papel da sucção osmótica, como variável de estado de tensões adicional. A sucção osmótica é
frequentemente desprezada sob o argumento de que suas variações são pequenas e o impacto
dessas variações em problemas típicos de engenharia não é relevante. Mas qualquer problema
que envolva alteração da concentração de sais no solo deve ser examinado considerando com
atenção as sucções osmóticas.
Comportamento mais simples foi observado por Escario (1980), que estudou a argila
cinza de Madri, por meio de ensaios modificados de cisalhamento direto e triaxiais, ambos
com controle de sucção. O autor observou, para a faixa de sucções de até 600 kPa, um aumen-
to da resistência ao cisalhamento do solo que segue uma taxa constante (i.e., linear). Poucos
anos depois, Camapum de Carvalho (1985), Gan (1986) e Escario e Sáez (1986) observaram,
para outros solos argilosos, ganhos de resistência com a sucção que seguiam tendências não
lineares. O primeiro autor registrou comportamento semelhante ao representado na Figura 4
pelo “solo argiloso 3”, e os demais autores, comportamentos semelhantes ao representado na
Figura 4 pelo “solo argiloso 1”.
Conforme ressaltado por Gan (1986), a taxa de ganho de resistência ao cisalhamento
parece seguir o valor do ângulo de atrito efetivo para valores de sucção baixos e, posterior-
mente, quando a sucção é aumentada, parece seguir taxas de ganho cada vez menores. O
valor máximo de sucção para o qual o ganho de resistência segue o valor do ângulo de atrito é
considerado como sendo correspondente ao valor de entrada de ar (Fredlund et al., 1996,
VanapalLi et al. 1996). O mecanismo observado indica a associação à estrutura do solo e
ao estado de tensões nos micro e macroporos. Em um primeiro estágio, ocorrem variações
nas tensões dos macroporos e, em uma segunda fase, passa a atuar o aspecto micro com inte-
rações ponto a ponto, que se transferem ao comportamento do solo como forças coesivas. Em
uma terceira etapa, essa energia em escala pontual micro pode diminuir à medida que con-
tatos interpartículas saturarem o seu efeito. A saturação do efeito conduz ao comportamento
mostrado por Camapum de Carvalho (1985) (solo argiloso 3 na Figura 4), e a redução da
energia por perda de continuidade nos contatos conduz ao comportamento do solo argiloso
2 mostrado na mesma figura.
Pode-se também observar comportamentos fortemente não lineares e com perda de
resistência para altas sucções. Esse tipo de comportamento foi observado por Santos et al.
(2006) para a argila porosa colapsível de Brasília (Figura 5). É importante ressaltar que se
trata, de fato, de um solo argiloso, coesivo, composto de agregados com arranjo estrutural
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 163
que situa os poros em dois domínios: o dos microporos e o dos macroporos. As ligações
entre os agregados podem se dar por simples contatos, por meio de cimentação propor-
cionada dos oxi-hidróxidos de ferro e alumínio, ou ainda por meio de pontes de argila. Em
outros solos colapsíveis, esses contatos podem se dar por meio de matéria orgânica e prin-
cipalmente de sais. Portanto, os mecanismos podem ir do simples ao complexo, conforme
o tipo de solo.
Figura 5. Variação de coesão aparente com o aumento de sucção para a argila porosa colapsível de
Brasília (Santos, 2006).
No caso de solos como os estudados por Santos (2006), haveria duas fases de entrada de
ar: a dos macroporos e a dos microporos. O aumento da sucção produz redução de volume de
poros independentemente do valor da sução com relação aos valores de entrada de ar, embora
a mais importante seja aquela variação até a entrada de ar nos macroporos. Com isso, quando
há a retração dos agregados na fase de entrada de ar dos microporos, ocorre o comprometi-
mento de alguns pontos de contato formados por cimentos ou pontes de argila, o que resulta
na queda da resistência, como a indicada por Santos (2006).
A hipótese de variações lineares de resistência ao cisalhamento levou Fredlund et al.
(1978) a proporem a extensão da envoltória de Mohr-Coulomb, para o caso de solo submeti-
dos a sucções, da seguinte forma:
τf f = c' + (ua – uw)f tan Φb + (σf – ua)f tanΦ' (1)
em que: τf f é a resistência ao cisalhamento do solo no plano de ruptura; c' é a coesão efetiva;
(ua – uw)f é a sucção matricial no estado de ruptura; Φb é o ângulo que representa a taxa de
variação de resistência ao cisalhamento com a variação de sucção matricial; (σf – ua) é a tensão
total líquida no plano de ruptura, no estado de ruptura, e Φ' é o ângulo de atrito efetivo.
É importante ressaltar que a envoltória original de Mohr-Coulomb é um caso particular
da equação mais geral, proposta por Fredlund et al. (1978). Dessa forma, pode-se afirmar que
a Equação 1 é uma equação geral, para solos saturados e não saturados.
Outra característica importante da equação proposta é a sua compatibilidade com a no-
ção de “coesão aparente” muito difundida na comunidade geotécnica, em que se reconhece
164 Tópicos sobre infiltração: teoria e prática aplicadas a solos tropicais
que o solo não saturado tem uma variação de resistência que, na prática, ocorre na forma de
um ganho de coesão em função do aumento da sucção matricial. No caso da Equação 1, a
coesão total, ct , é dada por:
ct = c' + (ua – uw)f tan Φb (2)
Fredlund e Rahardjo (1993) apresentam uma coletânea de valores de Φ publicados na
b
literatura até aquela data. De forma geral, pode-se observar que os valores de Φb variam de
1/2 a 2/3 do valor de Φ'. Cabe destacar que efeitos de cimentação e outros estão incorporados
nessa equação, por meio da coesão efetiva, embora, em alguns casos como o da deposição de
sais nos contatos, esse efeito da cimentação possa ser facilmente destruído.
Finalmente, convém um comentário a respeito das possíveis críticas à utilização da
Equação 1, mediante o fato de que muitos solos apresentam variações não lineares de re-
sistência com a sucção matricial. Não se deve ignorar o simples fato de que a representação
linear permite uma avaliação simples e de fácil aplicação prática. Além disso, vale lembrar
que o mesmo procedimento é parte da prática na Geotecnia para a envoltória de solos sa-
turados argilosos muito pré-adensandos, que frequentemente apresentam envoltórias não
lineares. Já nos solos porosos colapsíveis, a perda de linearidade da envoltória pode se dar
por meio de variações no estado físico do solo oriundas de colapsos estruturais que ocor-
rem conforme é aumentada a tensão confinante, conforme ilustra Camapum de Carvalho e
Gitirana Jr. (2005). É importante destacar que a perda de linearidade, nesse caso, dá-se de
forma inversa ao convencionalmente obtido, ou seja, ocorre uma ascendência na envoltória
de resistência.
A Figura 6 apresenta uma representação gráfica da envoltória de resistência do solo
não saturado. A envoltória, que no caso de solos saturados é representada por uma relação
linear no plano τ versus (σf – uw), passa a ser representada por um plano no espaço τ; (σf – ua);
(ua – uw). A inclinação do plano que define os estados de ruptura é dada por tan Φb e tan
Φ'. Envoltórias como as estudadas por Camapum de Carvalho e Gitirana Jr. (2005) para os
solos colapsíveis, cuja representação foi adicionada em caráter de ilustração na Figura 6a,
representam peculiaridades dos solos tropicais atreladas a alterações estruturais oriundas
do processo de colapso, cuja análise requer considerar a física do solo relativa à alteração
de porosidade.
A variação não linear da resistência ao cisalhamento com a sucção matricial pode ser
vista como uma resposta do solo à diminuição da “área molhada” onde a sucção de fato atua.
Com base na observação relativa à redução da área molhada, Vanapalli et al. (1996) e Fre-
dlund et al. (1996) apresentaram formulações teóricas semelhantes, relacionando a variação
de resistência com a quantidade de água armazenada no solo. No caso da proposta de Fre-
dlund et al. (1996), tal relação é dada da seguinte forma:
τf f = c' + (ua – uw)f Ѳk tanΦ' + (σf – ua)f tanΦ' (3)
em que: Θ é o conteúdo volumétrico de água normalizado, dado por Θ = θ/θsat; θ é o conte-
údo volumétrico de água; θsat é o conteúdo volumétrico de água do solo saturado, e k é uma
parâmetro de ajuste, que permite levar em conta a proporcionalidade não linear entre a taxa
de ganho de resistência ao cisalhamento e os valores de Θ. De acordo com as propostas de
Vanapalli et al. (1996) e Fredlund et al. (1996), a taxa de variação de resistência com a sucção
é igual a tanΦ', enquanto o solo estiver saturado.
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 165
(a) (b)
Figura 6. Envoltória de resistência: a) solo com sucção igual a zero e saturado e b) solo com sucções
maiores que zero.
No caso dos solos tropicais marcados pela presença de agregados, essa abordagem re-
quer considerar que o conteúdo volumétrico de água intervindo no comportamento é, ge-
ralmente, aquele externo aos agregados e que atua principalmente em nível de macroporos
e, por vezes, também de mesoporos. Tratar de modo global os vazios e a água presente nos
solos tropicais profundamente intemperizados ricos em agregados pode conduzir a erros de
avaliação dos comportamentos hidráulico e mecânico, conforme mostrado por Camapum de
Carvalho e Pereira (2002) em relação ao comportamento mecânico.
Outra alternativa que pode ser encontrada na literatura para a representação de variações
de resistência não lineares é dada por Vilar (2006). A proposta de Vilar (2006) tem caráter mais
empírico e é baseada na observação de que o ganho de resistência pode ser bem representado
por equações hiperbólicas. Dessa forma, a equação proposta toma o seguinte formato:
(ua – uw)f
τf f = c' + + (σf – ua)f tanΦ' (4)
a + b(ua – uw)f
em que: a e b são parâmetros de ajuste. Os parâmetros a e b podem também ser estabelecidos
com base em duas considerações teóricas: a) a taxa de ganho de resistência é igual a tanΦ'
para baixos valores de sucção, e b) o máximo valor de resistência ao cisalhamento, cult, pode
ser obtido em ensaios com corpos-de-prova submetidos a “elevadas sucções” e tomado como
parâmetro da curva:
1
a= (5)
tanΦ'
1
b= (6)
cult – c'
Dessa forma, tem-se uma representação da resistência ao cisalhamento do solo não sa-
turado utilizando simples parâmetros e ensaios. Vilar (2006) mostra a boa capacidade de re-
presentação da resistência ao cisalhamento para numerosos solos. Obviamente, a proposta de
uso de uma relação hiperbólica não é capaz de representar bem aqueles solos que apresentam
perda de resistência para maiores valores de sucção.
Valência et al. (2007), ao proporem uma metodologia para obter a envoltória de ruptura
em solos tropicais agregados não saturados a partir de ensaios de cisalhamento direto em
amostras saturadas e ensaios de tração indireta e de compressão simples sobre amostras não
saturadas, mostraram, ao analisarem a curva característica da Figura 7a, que o parâmetro Φb
166 Tópicos sobre infiltração: teoria e prática aplicadas a solos tropicais
varia com a sucção atuante no solo (Figura 7b). Da comparação das duas figuras, constata-se
que, até o término de entrada de ar dos macroporos, Φb corresponde a aproximadamente o
ângulo de atrito do solo saturado. Desse ponto até o início da entrada de ar dos microporos
presentes no interior dos agregados, a variação de Φb com a sucção matricial passa a ser pra-
ticamente linear. A partir desse ponto, Φb passa a diminuir, tendendo a zero à medida que a
sucção aumenta e passa a atuar apenas no interior dos agregados. Esse modelo de comporta-
mento concorda com o apresentado por Santos (2006) para o mesmo tipo de solo (Figura 5).
Em síntese, faz-se necessário, diante do mecanismo de infiltração, considerar o tipo de
solo característico do maciço que definirá o seu comportamento mecânico frente ao aumento
da umidade do solo, bem com os reflexos em obras vizinhas.
4 Solos colapsíveis
Figura 9. Relação entre o PSD e os diâmetros dos poros das amostras no estado natural e colapsadas
(Mascarenha, 2008).
Para que se tenha uma noção mais ampla de como a infiltração concentrada das águas
pluviais pode impactar o comportamento de uma obra, é apresentado aqui o caso de uma
edificação (Figura 10) em que foi feito, para o nivelamento do terreno, um aterro com altura
variando de 0 a 3 m aproximadamente. A obra envolveu também um trecho adjacente de
corte, sem que houvesse preocupação com sua drenagem. O corte executado provocou, no
período chuvoso, o represamento de água (Figura 10a), promovendo o umedecimento do
solo de fundação do aterro sobre o qual foi implantada a edificação e, com isso, o seu colapso
estrutural. Adicionalmente, para a implantação de fossa séptica e sumidouro, foi feita uma es-
cavação a montante da edificação que também propiciou o acúmulo de água da chuva (Figura
10b). Nesse caso, o perfil de solo natural teve o seu estado de tensões ampliado pelo aterro a
ele sobreposto e, com o aumento da umidade do solo de fundação, ocorreu o colapso, gerando
recalque do piso da ordem de 5 cm, na parte mais alta do aterro.
Para avaliar o problema, foram realizados ensaios duplo oedométricos e ensaios com
inundação do solo sob a carga equivalente à do aterro. A Figura 11a apresenta os resultados
de recalque ocorridos ao longo do tempo quando da inundação do solo coletado a 1 m de pro-
fundidade abaixo da cota do aterro e submetido a uma tensão de 24 kPa. A Figura 11b apre-
senta a curva carga recalque nas diferentes etapas do ensaio (Camapum de Carvalho,
2004). O ensaio foi realizado compreendendo as seguintes etapas: consolidação até a tensão
de 24 kPa, inundação do solo com água destilada (ensaio convencional), retirada da água e
172 Tópicos sobre infiltração: teoria e prática aplicadas a solos tropicais
submissão do solo a desidratação, nova inundação do solo com solução de água contendo
defloculante (simulando a água proveniente do sumidouro), retirada da solução e submissão
do solo a nova desidratação.
(a) (b)
Figura 10. Impacto da infiltração em edificações: a) Represamento da água na área de corte e lateral à
edificação; b) escavação a montante da edificação destinada à implantação de fossa e sumidouro.
Figura 11. Análise experimental do colapso: a) recalque em função do tempo; b) variação do índice de
vazios em função da tensão aplicada.
Os resultados obtidos mostram que, quando se faz a infiltração das águas pluviais, pode
haver dois efeitos dele oriundos: o primeiro é o colapso estrutural do solo, e o segundo, re-
calques oriundos da desidratação pós-colapso. Esses recalques por desidratação pós-colapso
podem ser muito importantes devido ao fato de a estrutura do solo ter sido quebrada na fase
de colapso e a sucção que passa a atuar atingir valores muito elevados. Embora não seja tema
deste livro, as figuras mostram ainda que, nesses solos, é necessária atenção especial à infiltra-
ção de águas servidas, observando-se que, após o colapso por efeito do aumento da umidade,
ainda pode ocorrer colapso devido à alteração química. Essa constatação confirma o fato de
que, geralmente, o colapso estrutural oriundo da infiltração de águas servidas é maior que
aquele oriundo da infiltração de águas pluviais e potáveis.
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 173
5 Solos expansivos
dos canais de fluxo, a expansão pode conduzir não só a um aumento de permeabilidade, mas
também à sua redução.
A característica de expansão de um solo depende, primariamente, do tipo de mineral de
argila nele presente, uma vez que nem todos os minerais argilosos experimentam modifica-
ções volumétricas, com variação de umidade. A instabilidade é importante para argilas como
a vermiculita e, em especial, a montmorilonita. Outros argilominerais, como a ilita e a clorita,
podem ou não ser expansivos. Os minerais de argila interestratificados contendo camadas de
minerais expansivos também podem apresentar expansão em função do mineral e número de
camadas presentes no interestratificado.
Os solos podem apresentar expansão mineralógica e estrutural, de tal modo que a pre-
sença de uma não elimina a outra. A expansão mineralógica se dá pela necessidade de hidra-
tação das próprias camadas do mineral, sendo comum, devido à necessidade de neutralização
das cargas de superfície, que conjuntamente também ocorra expansão estrutural, embora seja
mais relevante a mineralógica. Já a expansão estrutural pode se dar por três motivos: pela
neutralização de cargas de superfície durante a hidratação; por alívio da pressão de sucção e
por alívio das tensões externas ao ponto. Apesar de a expansão mineralógica ser a maior, ge-
ralmente o comportamento hidráulico e mecânico é mais afetado pela estrutural, mesmo que
de origem mineralógica, pois é a ela que está relacionada a variação de porosidade do solo. É
evidente que, quando se está referindo à alteração do comportamento, não se está tratando da
expansão propriamente dita que pode causar grandes danos a estruturas vizinhas.
Para que um solo possa exibir expansividade, são necessários dois requisitos funda-
mentais: a) devem existir e entrarem em funcionamento certos mecanismos que, em nível
microescalar, produzam a instabilidade volumétrica do solo; b) devem estar presentes forças
capazes de transferirem a umidade de um ponto a outro do solo. Isso implica um desequilí-
brio da umidade natural do contorno. Esses requisitos podem ser classificados em intrínsecos
e extrínsecos. Os intrínsecos são próprios do solo (composição mineralógica e textura) e esta-
belecem a capacidade expansiva teórica; os extrínsecos são impostos por fatores externos, tais
como a climatologia, hidrogeologia, vegetação e a própria atuação humana, e determinam se
o potencial expansivo pode ou não se desenvolver.
Para que se manifeste o potencial expansivo por meio da mudança de umidade do solo,
destacam-se dois grandes grupos de alterações: a) mudanças sazonais e b) modificações da
umidade natural do terreno, pela ação humana. As mudanças sazonais estão vinculadas às
variações climáticas ao longo do ano e sofrem influência do antropismo. As oscilações perió-
dicas de umidade, na superfície do terreno, dependem da relação no binômio precipitação e
evaporação (Figura 12). Como a evaporação se realiza, com frequência, por meio da atividade
da biomassa, utiliza-se o termo “evapotranspiração”. Cabe salientar que, além desse balanço
hídrico, ainda intervém na umidade do solo superficial a hidratação oriunda de fluxos de
subsuperfície.
Se num período anual a precipitação excede a evapotranspiração e supera a capacidade
de retenção de água intrínseca do terreno, produz-se a eliminação, por drenagem do excesso
de água. Esse tipo de água, se o solo for permeável e assente sobre base impermeável, pode
dar lugar a um nível freático que é, geralmente, variável ao longo do ano. As alterações sa-
zonais de umidade do solo são, nessas condições, pouco manifestas. Caso as precipitações
estejam concentradas, em determinadas estações, nos meses de seca, pode produzir-se uma
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 175
evapotranspiração não equilibrada pela contribuição natural da água. Esse déficit tende a se
compensar a partir da água retida pelo terreno. A umidade perdida tenderá a ser recuperada
nos períodos de chuva. O resultado final são mudanças sazonais de umidade na franja mais
superficial do solo. A evapotranspiração depende da vegetação que desenvolve uma grande
atividade vital, precisamente, no começo dos meses secos, contribuindo para a dessecação do
terreno. Outros fatores, que a condicionam, são a umidade relativa do ar, sua velocidade e a
temperatura. Embora as variações de umidade do perfil de solo abaixo da zona mais ativa (ge-
ralmente 2 m a 4 m) possam ser relativamente pequenas, dependendo da curva característica
solo-água, tais variações de umidade podem ter importante impacto sobre o comportamento
mecânico do solo.
Figura 12. Balanço hídrico e perfil de expansão-contração na argila expansiva de Paulista-PE (BASTOS,
1994).
Figura 13. Variação de volume (expansão, colapso ou contração) de um vertissolo de Petrolândia (Fer-
reira e Ferreira, 2009).
(a) (b)
Figura 15. Danos em pavimentos por solos expansivos: a) trincas transversais a partir do bordo da via;
b) deterioração generalizada da estrutura de revestimento, em Urucu - AM.
Figura 16. Expansão em campo: a) fissuras e microrrelevos em período seco; b) fissuras e microrrelevos
em período chuvoso; c) zona ativa; d) tensões das terras e de expansão; e) razão entre tensões das terras
e de expansão, em vertissolo de Petrolândia-PE (FERREIRA e FERREIRA , 2009).
Da Silva (2001) observou que, durante os meses de seca, com chuvas escassas, a ve-
getação praticamente desaparece e as fissuras superficiais intensificam, desaparecendo a
uma profundidade de 2,5 m. Nessa profundidade, no período mais seco, a umidade natural
torna-se maior que a umidade correspondente ao limite de plasticidade, e o solo encontra-
-se no estado plástico. Essa é a espessura do solo exposta ao efeito de contração e expansão.
Os valores do Índice de Resistência à Penetração do solo (NSPT, golpes/0,3 m), medidos da
superfície até a profundidade de 4,5 m, variaram, no período seco, entre 16 golpes/0,3 m
a 5 golpes/0,3 m e, no período chuvoso, entre 5 golpes / 0,3 m a 16 golpes/0,3 m (JUCÁ et
al., 1997), Figura 17a e 17b. A partir de 3,0 m de profundidade, praticamente não houve
variação nos valores do NSPT entre o período seco e o chuvoso. A umidade do solo, medida
da superfície até a profundidade de 4,0 m, variou no período seco entre 10% e 43% e, no pe-
ríodo chuvoso, de 33% a 47%. A partir de 3,0 m de profundidade, praticamente não houve,
nos dois anos de observação, variação do teor de umidade do solo entre o período seco e
o chuvoso, indicando ser essa a profundidade limite da Zona Ativa de mudança do teor de
umidade (Figura 17c) e, também, da variação de sucção e do deslocamento (Figura 17d e
17e). No período de observação de 1998 a 2000, o solo apresentou-se mais contráctil do que
expansivo, conforme Figura 16e (DA SILVA, 2001).
O comportamento de solos não saturados submetidos à infiltração 179
Figura 17. Influência do clima: a) NSPT; b) Camada do solo; c) Umidade Volumétrica; d) Sucção Mátri-
ca; e) Deslocamento (adaptado de BASTOS, 1994; JUCÁ et al., 1997; DA SILVA, 2001).
6 Considerações finais
Foi apresentada, neste capítulo, uma visão geral dos principais aspectos de comportamen-
to mecânico de solos não saturados quando submetidos à infiltração. A infiltração de água no
solo produz variações no estado do solo, que podem ter impactos importantes em estruturas
vizinhas. Torna-se relevante, portanto, o entendimento das consequências do processo de infil-
tração na variação de resistência ao cisalhamento e nas variações de volume do solo.
Foram inicialmente apresentados conceitos gerais sobre solos não saturados, tais como
definições, estado de tensão e continuidade das fases. A continuidade das fases do solo foi
descrita com atenção, e sua dependência com relação ao grau de saturação e textura do solo
foi discutida.
Em seguida, foram discutidos aspectos relativos à resistência ao cisalhamento do solo
não saturado. Foram apresentados padrões de comportamento típicos e apresentadas formu-
lações disponíveis para a modelagem do comportamento do solo. Particularidades associadas
aos solos tropicais foram abordadas.
Finalmente, foi abordado o comportamento volumétrico de solos colapsíveis e expan-
sivos. Foram descritos os principais fatores que controlam o comportamento desses solos e
as alternativas de ensaios para avaliação do seu comportamento. O impacto da infiltração no
colapso e na expansão de estruturas vizinhas foi também discutido.
Portanto, a implantação de sistemas de infiltração deve sempre passar por estudos que
avaliem o impacto das variações de umidade no comportamento do solo, em especial em
relação à capacidade de suporte do solo e ao risco de desencadear fenômenos como os de
colapso e expansão.
Agradecimentos
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182 Tópicos sobre infiltração: teoria e prática aplicadas a solos tropicais