Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
CONSTITUCIONAL
MÓDULO - IV
PONTOS DO EDITAL A SEREM ESTUDADOS NO V E PRÓXIMOS MÓDULOS
INDICAÇÃO DOUTRINA
DOUTRINA BASE:
Capítulo 5, itens 5.3.7; Cap. 10, item 10.4, 10.6.1 do livro: Direito Constitucional. Teoria, história e
métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento – 2 Ed. Belo Horizonte; Ed.
Forum 2014
Parte II, Capítulo 3, Seção III do livro: Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.
Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Luis Roberto Barroso – 2 Ed. São Paulo;
Editora Saraiva.
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
1 – CONTEXTUALIZAÇÃO.
Nos módulos anteriores foi dado grande destaque ao processo de afirmação da autoridade da Cons-
tituição, que passou por transformações na arquitetura institucional em relação aos poderes do
Estado encarregados de promover a supremacia constitucional.
As soluções experimentadas apresentam argumentos favoráveis e contrários, vantagens e desvan-
tagens, que valem a pena recapitular.
PODER LEGISLATIVO
PODER JUDICIÁRIO
O Poder Judiciário, não eleito, é mais apropriado para defender os Direitos Fundamentais. A supre-
macia é deslocada do parlamento para a Constituição, que se transforma em uma norma jurídica de
verdade e não mera exortação política. Perde-se, contudo, em legitimidade democrática, pois uma
autoridade, não eleita, pode impor sua visão de mundo e valores a toda uma comunidade, amparada
no argumento de que está apenas fazendo valer a vontade constitucional. Perde-se, também, em
segurança jurídica, tendo em vista que se a interpretação está contaminada pelas pré-compreen-
sões, então, será verdade o ditado segundo o qual, a cabeça de cada juiz é uma sentença.
O tema já foi exaustivamente analisado nos últimos módulos com a diferença de postura entre os
americanos e os europeus, no caso destes, até antes da Segunda Guerra mundial.
O Neoconstitucionalismo, como visto, promove a expansão da jurisdição constitucional, atribuin-
do a Cortes Constitucionais a prerrogativa de exercer o controle das normas provenientes do Parla-
mento.
Em reação a este marco teórico do neoconstitucionalismo, há os adeptos do “constitucionalismo
popular”, visto superficialmente no Módulo IV, mas que, agora, precisa de um maior aprofunda-
mento.
Tem como objetivo principal devolver ao Parlamento o poder decisório no âmbito constitucional.
Até reconhecem que os juízes são atores importantes no constitucionalismo democrático, mas o
protagonista deve ser o próprio povo, através dos seus representantes eleitos.
Para isso, sustenta a ilegitimidade do controle jurisdicional de constitucionalidade.
Para seus adeptos, a função da Constituição é inspirar a política e não servir de parâmetro para que
autoridades não eleitas possam limitar a deliberação popular.
Trata-se de movimento centrado nos Estados Unidos da América e que possui defensores tanto no
campo progressista quanto no conservador, cada um se alternando nas críticas ao judicial review a
depender de como esteja o pêndulo da composição da Suprema Corte.
Segundo Sarmento, um dos maiores defensores do Constitucionalismo popular é JEREMY WAL-
DRON, para quem:
“Tanto o processo político no Parlamento como a jurisdição constitucional podem errar na resposta
sobre o conteúdo dos direitos, não havendo qualquer garantia a priori de que uma ou outra instituição
acerte mais nessa questão. Neste cenário, o mecanismo mais correto para resolver as discordâncias
existentes na sociedade sobre tal conteúdo não é a delegação da resposta a agentes não eleitos e não
responsivos à vontade popular. A forma mais adequada de solução, pelo menos em sociedades razoa-
velmente democráticas, em que haja uma cultura de valorização dos direitos humanos, é, para Wal-
dron, a deliberação que ocorre no processo legislativo, pois se trata de mecanismo baseado na atribui-
ção de igual oportunidade de influência nas decisões de todas as pessoas (Direito Constitucional. Teoria,
história e métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento – 2 Ed. Belo Horizonte; Ed.
Forum 2014. Pag. 228)
Um outro defensor do Constitucionalismo popular, Mark Tushnet, defende que não cabe ao Poder
Judiciário a competência para controlar a constitucionalidade das leis. Sustenta que não há garantia
nenhuma de que o controle de constitucionalidade judicial seja capaz de solucionar crises políticas
graves, como por exemplo, evitar o que ocorreu na Alemanha nazista. Um mundo sem o judicial
review não seria necessariamente caracterizado pelo desrespeito aos direitos fundamentais, a
exemplo do que ocorre na Inglaterra e Holanda em que a ausência de controle de constitucionalida-
de convive com governos limitados e de razoável respeito aos direitos humanos.
Outro teórico, Larry Kramer, sustenta que em nenhum momento no contexto da criação da Consti-
tuição norte-americana havia autorização para a supremacia judicial, de modo que os poderes que
vieram a ser assumidos pela Suprema Corte não eram o que pretendiam os pais fundadores do cons-
titucionalismo americano. Ademais, a supremacia judicial estaria assentada numa visão preconcei-
tuosa da elite em relação ao povo, não reconhecendo a este a capacidade de decidir sobre questões
constitucionais.
Argumenta que a participação popular na política constitucional não deve se resumir ao momento
de elaboração da Constituição, mas também na definição final do significado do texto constitucio-
nal. Sugere, por fim, a intensificação de pressão política sobre a Suprema Corte, cortando o orça-
mento ou se valendo de mecanismos como o impeachment de juízes, nomeação de novos integran-
tes e alteração de procedimentos por meio legislativo.
Não por outra razão, foram desenvolvidas teorias, a serem mais detalhadas nos próximos módulos,
sobre a sociedade aberta dos intérpretes constitucionais; os diálogos interinstitucionais; a prevalên-
cia prima facie da interpretação legislativa; o procedimentalismo; o minimalismo e autocontenção
judicial dentre outras.
Não será necessário reprisar tudo o que foi trabalhado nos últimos módulos para demonstrar a
prevalência do judicialismo constitucional, principalmente depois do movimento neoconstituciona-
lista que preconiza a expansão da jurisdição constitucional.
Ainda que existam sistemas que não prevejam o controle de constitucionalidade judicial, eles são
bastante minoritários. A imensa maioria dos ordenamentos jurídicos depositam no Poder Judiciário
a incumbência de guardião da Constituição, a exemplo do que estabelece o art. 102 da CRFB, “Com-
pete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - pro-
cessar e julgar, originariamente:
Não será necessário reprisar tudo o que foi trabalhado nos últimos módulos para demonstrar a
prevalência do judicialismo constitucional, principalmente depois do movimento neoconstituciona-
lista que preconiza a expansão da jurisdição constitucional.
Ainda que existam sistemas que não prevejam o controle de constitucionalidade judicial, eles são
bastante minoritários. A imensa maioria dos ordenamentos jurídicos depositam no Poder Judiciário
a incumbência de guardião da Constituição, a exemplo do que estabelece o art. 102 da CRFB, “Com-
pete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - pro-
cessar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação decla-
ratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.”
A vitória do judicialismo constitucional não fez sem preocupações com as críticas apresentadas
pelos defensores do constitucionalismo popular e dos que temem o governo e tirania dos juízes. Era
preciso estabelecer metodologias para a interpretação, a ponto de limitar o subjetivismo do intér-
prete, seja partindo da crença de que é possível se obter o conteúdo das disposições constitucionais,
seja para apenas conferir racionalidade a esse processo.
Diz-se tradicional ou clássica porque foi a primeira tentativa de sistematização do processo de inte-
pretação, fornecendo elementos para auxiliar nesta atividade. Remonta ao período do constititucio-
nalismo liberal, sob a influência do positivismo jurídico em que a lei, objeto a ser interpretado, se
valia de termos com alta carga de precisão, com conteúdo definido, que não dava margem à ativida-
de criativa dos juízes. Neste sentido, Barroso explica que:
É com a devida compreensão deste contexto que se pode analisar os elementos gramatical, históri-
co e sistemático, desenvolvidos por Savigny e o teleológico, contribuição de Ihering, que auxiliam na
obtenção do sentido da norma, para posterior subsunção aos fatos.
“De acordo com os artigos 94 e 115 da Constituição Federal, um quinto das cadeiras dos Tribunais
Regionais do Trabalho deve ser ocupado por ‘membros do Ministério Público com mais de dez anos de
carreira’. Não há como cumprir a regra quando não há membros do Ministério Público disponíveis com
esse tempo de serviço. Por essa razão, ao invés de preencher as vagas com advogados ou juízes de carrei-
ra, o STF permitiu que procuradores do trabalho com carreiras mais curtas também integrassem as
listas do quinto constitucional, em desacordo com o texto expresso da Constituição.” (Direito Constitu-
cional. Teoria, história e métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento – 2 Ed. Belo
Horizonte; Ed. Forum 2014. Pág. 416)
Ademais, há palavras que possuem significados diferentes a depender do campo em que são utiliza-
das. Neste caso, cabe-se questionar se a Constituição, como norma política fundamental, ao se
valer de seus termos estaria empregando a eles o sentido técnico ou coloquial? Seria ela dirigida aos
operadores do Direito ou a todo o povo?
Como se tem defendido cada vez mais, até em razão da questão da legitimidade democrática, que
conclama a uma sociedade aberta dos intérpretes constitucionais, os termos utilizados pela Consti-
tuição, salvo quando há referência proposital a conceitos jurídicos com sentido bem definido (Ex.:
direito adquirido, licitação etc), devem ser interpretados em seu sentido comum, ordinário, na “lin-
guagem popular”.
A interpretação histórica objetiva recriar o contexto no qual a lei foi editada, para entender as
razões que levaram o parlamento a cria-la. Acredita-se que, com isso, seja possível eliminar possibi-
lidades interpretativas que se afastem da causa originária que levou à edição da lei e, assim, se
manter fiel à vontade do legislador ou da própria norma.
A VISÃO SUBJETIVA
Se busca saber o que o legislador tinha em mente quando criou a lei. É o que se chama de “mens
legislatoris”, muito utilizada nos países do sistema do common law, a exemplo dos Estados Unidos
da América
A VISÃO OBJETIVA
Por ela, o intérprete deve buscar o sentido normativo da lei e não a vontade do legislador, ou seja, a
“mens legis”, o que a lei tentava regular quando foi produzida, o que ela queria, e não o que o legisla-
dor tinha em mente quando a produziu. Decorre desta visão o brocado, segundo o qual “a lei é mais
sábia do que o legislador”, permitindo que se solucionem problemas que não existiam ao tempo em
que a lei foi editada, e que, por tal razão, sequer tinham sido cogitados pelo parlamento.
O elemento histórico pode ser útil na interpretação constitucional. São exemplos da sua utilização,
pesquisas feitas nos anais da Assembleia Nacional Constituinte, leitura dos debates, interpretações
que foram expressamente rejeitadas pelo Poder Constituinte Originário.
Neste sentido, Sarmento comenta que não é democrático que pouco depois da elaboração de um
texto constitucional ele seja interpretado em sentido oposto ao que foi decidido pelos representan-
tes do povo, e exemplifica:
“Essa foi uma das críticas dirigidas à orientação do Supremo Tribunal Federal, sobre medidas provi-
sórias, forjada nos anos seguintes à promulgação da Constituição de 88, que praticamente reiterou a
jurisprudência da Corte sobre os decretos-leis, elaborada no regime constitucional anterior. A medida
provisória havia sido criada para substituir o antigo decreto-lei, que permitia ao Executivo legislar com
bastante liberdade. Na Assembleia Constituinte, não se quis desprover o Poder Executivo de um
instrumento de legislação de urgência, mas tampouco se pretendeu dar a ele poderes tão extensos
como aqueles que dispunha para a edição do decreto-lei, na Constituição de 1969. Ao ignorar as mu-
danças desejadas pelo constituinte originário nessa matéria, o STF deixou de empregar o elemento
histórico de interpretação, em um caso que seu uso se afigurava essencial.” (Direito Constitucional.
Teoria, história e métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento – 2 Ed. Belo Hori-
zonte; Ed. Forum 2014. Pág. 417).
Por outro lado, como já adiantado, quanto mais nos afastamos no tempo da elaboração da Cons-
tituição, menor a relevância do elemento histórico. Isto porque, interpretar um preceito editado
em passado longínquo de acordo com os valores da época é engessar a Constituição e prender as
novas gerações às decisões tomadas pelas anteriores. Assim como ocorre com Constituições imu-
táveis, o risco de ruptura constitucional é imenso. A crítica aqui é a mesma, porém em maior inten-
sidade, à que é feita às cláusulas pétreas, ou seja, a de se estabelecer uma ditadura dos mortos.
A sociedade, cada vez mais plural e complexa, com trânsito de informação nunca visto, quebrou os
paradigmas da moral única e está mais aberta para o reconhecimento de novos (na verdade não são
novos, apenas estavam invisibilizados) valores.
O apego ao elemento histórico não deixa de ser interessante ao discurso conservador já que mantem
a ordem jurídica ancorada em concepções valorativas do passado.
OBS.:
Tais concepções são corretas ou erradas, justas ou injustas, não cabe aqui comentar.
A relação do conservadorismo com o elemento histórico é apenas um dado fático.
2.7 – O ORIGINALISMO
Nos EUA há uma forte corrente prega a primazia do elemento histórico na interpretação constitu-
cional. São os adeptos do originalismo segundo o qual, a Constituição deve ser interpretada de
acordo com a intenção dos autores do seu texto ou o sentido que tinham as palavras no momento
em que a norma foi editada.
As críticas ao originalismo são várias. Como se prender, por exemplo, às concepções da sociedade
de 1.787 em pleno século XXI? Das duas uma, ou a sociedade não mudou de lá pra cá, ou, se mudou,
as atuais gerações não teriam qualquer poder de regular o seu próprio destino, o que, na verdade,
seria muito mais antidemocrático do que permitir os juízes de “atualizarem” a interpretação
constitucional.
2.8 – A LIVING CONSTITUTION
Os críticos do originalismo rejeitam a ideia de que a Constituição é uma obra acabada. Pelo contrá-
rio, é um instrumento dinâmico, vivo, que se adapta às transformações sociais, acompanhando-as.
Neste sentido, a própria opção do constituinte em escolher cláusulas abertas e vagas é a de permitir
que a Constituição sobreviva ao tempo, ajustando-se às novas necessidades sociais.
Não por outra razão, na ADPF nº 123 e ADI 4.277, que discutiam a união homoafetiva, o STF afastou
o elemento histórico que revelara que a Assembleia Nacional Constituinte não quisera estender o
instituto da união estável, previsto no art. 226, §3º da CF, aos casais homossexuais.
Observem trecho do voto do Min. Ricardo Lewandowski:
“Verifico, ademais, que, nas discussões travadas na Assembléia Constituinte a questão do gênero na
união estável foi amplamente debatida, quando se votou o dispositivo em tela, concluindo-se, de modo
insofismável, que a união estável abrange, única e exclusivamente, pessoas de sexo distinto. Confira-se
abaixo:
A Corte Suprema, mesmo diante da inequívoca intensão do poder constituinte originário, entendeu
que a Constituição é criatura que difere do seu criador, que tem vida própria, que cresce junto com a
sociedade e se adapta à contemporaneidade e que, seu núcleo essencial é que orientará a intepreta-
ção de todas as suas cláusulas, em destaque para a dignidade humana, que preconiza o direito à auto-
nomia e ao reconhecimento (a serem estudados em módulos futuros).
A interpretação sistemática preconiza que cada norma jurídica deve ser interpretada em considera-
ção com todas as outras, em unidade orgânica, e não de forma isolada. Parte da premissa de que o
ordenamento jurídico é um sistema, em que cada parte tem conexão e influencia as demais, sempre
harmonicamente.
Assim, ainda que uma norma individualmente considerada indique a intepretação em uma direção,
esta poderá ser alterada quando confrontada com as demais. A tarefa do intérprete é harmoniza-las
tendo referência a existência de um todo unitário. Neste sentido, não se pode, por exemplo, inter-
pretar a garantia da propriedade privada sem levar em consideração a função social, a proteção ao
meio ambiente e outros valores constitucionais.
No âmbito constitucional, ainda que uma norma não seja formalmente superior às outras, é reco-
nhecida que algumas norma são materialmente mais importantes, como é o caso do princípio da
dignidade humana, que desempenha uma função mais destacada no sistema, influenciando a inter-
pretação das demais.
Tanto é assim, que Sarmento elenca entre uma das funções do princípio da dignidade humana a de
ser um norte para a hermenêutica jurídica.
“É que, como ressaltou Jorge Miranda, em lição orientada para a ordem jurídica portuguesa, mas
também aplicável ao Brasil, ‘A constituição, a despeito do seu caráter compromissório, confere uma
unidade de sentido, de valor e de concordância prática aos sistema de direitos fundamentais’. Embora
em intensidade variável, a dignidade da pessoa humana está presente em todos – ou praticamente
todos – os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados: liberdades individuais, direitos
políticos, sociais, culturais e transindividuais. Assim, é natural que ela seja o principal norte na interpre-
tação dos direitos fundamentais. (...) Como diretriz hermenêutica, a dignidade humana se prestou, por
exemplo, para justificar uma ousada – e correta! – leitura pelo STF do art. 226, §3º, da Constituição
Federal, que estendeu o instituto da união estável para casais formados por pessoas do mesmo sexo.
Interpretou-se a Constituição no sentido de que seria impositiva a analogia entre a união homoafetiva
e a heteroafetiva, sob pena de violação à dignidade humana e outros direitos dos homossexuais.”
(Dignidade da Pessoa Humana – Conteúdo, Trajetórias e Metodologia. Belo Horizonte; Ed. Forum 2016.
Pág. 80/81).
É natural, portanto, que em uma Constituição com essa característica conflitos e tensões entres
suas disposições apareçam com frequência. Em tal caso, cabe ao intérprete fazer aquilo que o twit-
ter e o grupo de whatsapp da família tornaram quase impossível, unir Esquerda e Direita para que
convivam harmonicamente (peço licença, mas não poderia perder a piada, ), já que ocupam o
mesmo espaço no texto constitucional. Nesta árdua tarefa, a interpretação sistemática desenvolveu
princípios interpretativos específicos, tais quais o da Unidade da Constituição e da Concordância
Prática.
2.9 – PRINCÍPIOS DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA
De acordo com o Princípio da Unidade da Constituição, esta deve ser interpretada como um todo
integrado de normas que se completam e se limitam reciprocamente. Todas as normas fazem parte
de um conjunto unitário, de modo que jamais devem ser observadas isoladamente, mas sim em
conexão total. Parte-se da premissa de que o ordenamento jurídico é, na verdade, um sistema jurídi-
co.
Proposta de resposta:
“O conceito de ordenamento jurídico foi bem definido por Norberto Bobbio, na sua
famosa obra denominada Teoria do Ordenamento Jurídico, segundo o qual, o ordena-
mento jurídico nada mais é do que o conjunto de normas que se relacionam entre si,
ainda que predispostas hierarquicamente.
O sistema jurídico, por outro lado, é o fenômeno que confere unidade e coerência ao
ordenamento jurídico de acordo com alguns princípios e finalidades. É o sistema que faz
com que o ordenamento seja um todo harmônico e não apenas um grupo de normas
dispostas uma ao lado da outra de forma aleatória.
ATENÇÃO: JÁ CAIU EM PROVA.
Proposta de resposta:
A titulo de exemplo, imaginem um espaço com um quadro negro, vinte cadeiras, cerca-
dos por quatro paredes e uma porta. A depender do sistema, da finalidade que unifica a
relação entre todos esses elementos, tal espaço pode ser uma sala de aula ou um depó-
sito de materiais.
Como dito, a ausência de hierarquia formal não impede o reconhecimento de normas hierarquica-
mente superiores que, em que pese não serem absolutas, possuem supremacia prima facie, ou seja,
“saem na frente” na disputa quando em confronto com outras normas e princípios constitucionais.
Neste sentido, as palavras de Sarmento são absolutamente precisas:
“De modo que eu assento, de maneira expressa, como uma das premissas teóricas e filosóficas da
minha convicção nesta matéria, como nos casos de liberdade de expressão em geral, que, no Brasil, por
força da Constituição e das circunstâncias brasileiras, a liberdade de expressão deve ser tratada cons-
titucionalmente como uma liberdade preferencial. E as consequências de se estabelecer essa premissa
são igualmente três. Em primeiro lugar, ao se dizer que a liberdade de expressão é uma liberdade prefe-
rencial, estabelece-se uma primazia prima facie da liberdade de expressão no confronto com outros
direitos fundamentais. Não uma hierarquia superior, apenas uma primazia prima facie, a demonstrar
que aquele que pretenda cercear a liberdade de expressão em nome do direito de imagem, em nome
da honra, em nome da privacidade, é essa parte que tem o ônus de demonstrar o seu direito superador
da preferência da liberdade de expressão. Portanto, o ônus argumentativo de quem pretende paralisar
a incidência da liberdade de expressão no caso concreto é maior, evidentemente, do que de quem
esteja preservando a liberdade de expressão.” (ADI 4.815/DF).
Este argumento é o que norteia a posição da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, na Nota
Técnica nº 11/2017/PFDC/MPF, assinada pela Dra. Deborah Duprat, relativa aos espetáculos que
envolvem nu artístico na presença de crianças, na qual se defendeu, com base no voto do Min. Bar-
roso, que:
“a posição de preferência da liberdade de expressão abrange o estabelecimento de três presunções:
‘A primeira e mais conhecida delas é a presunção de primazia da liberdade de expressão no processo de
ponderação. Ela se funda na ideia de que as colisões com outros valores constitucionais (incluindo os
direitos da personalidade) devem se resolver, em princípio, em favor da livre circulação de ideias e infor-
mações. Isso não significa, por evidente, que a liberdade de expressão ostente caráter absoluto. Excep-
cionalmente, essa prioridade poderá ceder lugar à luz das circunstâncias do caso concreto. Sua posição
preferencial deverá, porém, servir de guia para o intérprete, exigindo, em todo caso, a preservação, na
maior medida possível, das liberdades comunicativas.
Uma segunda presunção se refere à suspeição de todas as medidas – legais, administrativas, judiciais
ou mesmo privadas – que limitem a liberdade de expressão. Tais restrições deverão, por isso, submeter -
se a um controle mais rigoroso, no qual se proceda a uma espécie de inversão da presunção de constitu-
cionalidade das normas restritivas e se atribua um ônus argumentativo especialmente elevado para que
se possa justificá-las.
Tal opção não ignora o perigo de que o exercício das liberdades comunicativas seja abusivo e produza
danos injustos. No entanto, ela decorre do reconhecimento, historicamente comprovado, da impossibi-
lidade de eliminar a priori os riscos de abusos sem comprometer a própria democracia e os demais valo-
res essenciais tutelados, como a dignidade humana, a busca da verdade e a preservação da cultura e da
memória coletivas. Em uma sociedade democrática, é preferível arcar com os custos sociais que decor-
rem de eventuais danos causados pela expressão do que o risco da sua supressão. Disso resulta a neces-
sidade de conferir à liberdade de expressão uma maior margem de tolerância e imunidade e de estabele-
cer a vedação à censura”
O tema da prevalência material de alguns princípios constitucionais, em especial o da liberdade de
expressão, é de tamanha importância para a examinadora que já foi cobrado em diversas ocasiões:
IV) No sistema democrático, a liberdade goza de uma forte prioridade prima facie,
decorrente de seu status de condição para a cooperação na deliberação democrática,
mas não de uma prioridade absoluta.
1. Emenda Constitucional 19/98. Alteração não-substancial do artigo 37, II, da Constituição Fede-
ral. Prejudicialidade da ação. Alegação improcedente.
5. Contratos de Trabalho. Locação de serviços regida pelo Código Civil. A contratação de pessoal
por meio de ajuste civil de locação de serviços. Escapismo à exigência constitucional do concurso
público. Afronta ao artigo 37, II, da Constituição Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade julga-
da procedente para declarar inconstitucional a Lei 418, de 11 de março de 1993, do Distrito Federal.
(ADI 890, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2003, DJ 06-02-2004
PP-00021 EMENT VOL-02138-01 PP-00034)
Reconhecer que a Constituição é um todo, segundo o Princípio da Unidade da Constituição, não
implica, conforme já adiantado, em desconsiderar a existência de conflitos e tensões entre as partes
integrantes. Em tais situações, é imposto ao intérprete que busque a concordância prática das
normas constitucionais.
O Princípio da Concordância Prática demanda ao intérprete buscar uma interpretação que, compa-
tível com as possibilidades textuais e sistêmicas da Constituição, promova, no máximo possível, os
valores e interesses que estão em conflitos, evitando o sacrifício total de um em relação aos outros.
Neste sentido, Sarmento cita um caso interessante envolvendo a intimação de indígena para depor
em Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Estado de Roraima:
“De um lado, a Constituição assegura às CPIs, ‘o poder de investigação próprio das autoridades judi-
ciais’ (art. 58, §3º), o que lhes permite convocar testemunhas. Por outro, existe o direito dos indígenas
à sua cultura e a permanecer em suas terras, protegido pelos artigos 215, 216 e 231 da Constituição. O
depoimento de indígena que não está incorporado à sociedade envolvente e não partilha dos costumes
ocidentais, fora de seu habitat e sem qualquer assistência, poderia significar grave violência, expondo-o
a sérios constrangimentos. O STF, apreciando um habeas corpus impetrado em favor do líder indígena
adotou solução para o caso que conciliava as normas constitucionais em tensão: permitiu o depoimen-
to, mas apenas no interior das terras indígenas, e com a presença de representante da FUNAI e de antro-
pólogo com reconhecimento da comunidade étnica em questão.” (Direito Constitucional. Teoria, história
e métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento – 2 Ed. Belo Horizonte; Ed. Forum
2014. Pag. 439.
A concordância prática tem reflexo inclusive quando se está diante de normas materialmente
penais, como é o caso da possibilidade de suspensão de prazo prescricional. Em decisão publicada
recentemente, o Supremo Tribunal Federal resolveu Questão de Ordem para entender que o sobres-
tamento de ações penais em razão do reconhecimento de repercussão geral (art. 1.035§5º do CPC)
gera também a suspensão do prazo prescricional da pretensão punitiva dos crimes objetos dos pro-
cessos suspensos, sob pena de violação do princípio da proteção deficiente. O acórdão do RE 966177
RG-QO é esclarecedor:
Questão de ordem na repercussão geral no recurso extraordinário. Direito penal e proces-
sual penal. Contravenções penais de estabelecer ou explorar jogos de azar. Art. 50 da lei de
contravenções penais.
Suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos crimes processados nas ações
penais sobrestadas. Interpretação conforme a constituição do art. 116, i, do cp.
Postulados da unidade e concordância prática das normas constitucionais.
1. A repercussão geral que implica o sobrestamento de ações penais, quando determinado este
pelo relator com fundamento no art. 1.035, §5º, do CPC, susta o curso da prescrição da pretensão
punitiva dos crimes objeto dos processos suspensos, o que perdura até o julgamento definitivo do
recurso extraordinário paradigma pelo Supremo Tribunal Federal.
2. A suspensão de processamento prevista no §5º do art. 1.035 do CPC não é consequência auto-
mática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do
mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma
determiná-la ou modulá-la.
3. Aplica-se o §5º do art. 1.035 do CPC aos processos penais, uma vez que o recurso extraordiná-
rio, independentemente da natureza do processo originário, possui índole essencialmente constitu-
cional, sendo esta, em consequência, a natureza do instituto da repercussão geral àquele aplicável.
10. Em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art.
1.035, §5º, do CPC, poderá o juízo de piso, a partir de aplicação analógica do disposto no art. 92,
caput, do CPP, autorizar, no curso da suspensão, a produção de provas e atos de natureza urgente.
11. Questão de ordem acolhida ante a necessidade de manutenção da harmonia e sistematicidade
do ordenamento jurídico penal.
(RE 966177 RG-QO, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2017, PROCESSO ELE-
TRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2019 PUBLIC 01-02-2019).
O Direito não é um fim em si mesmo, mas existe para realizar objetivos que a sociedade estabele-
ceu como prioritários. Como o próprio nome já indica, a interpretação teleológica ou finalística é a
que busca interpretar o preceito de acordo com a sua finalidade. Tem expressa previsão no art. 5º da
LINDB, segundo o qual, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.”
Um exemplo citado por Sarmento é a interpretação dada pelo STF ao art. 14, §7º da CF, cuja reda-
ção estabelece serem “inelegíveis, no território da jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes con-
sanguíneos ou afins (...) de Prefeito”. No caso:
“A Corte considerou elegível candidato que se encontrava separado de fato da filha do então Prefeito
antes do início do mandato, tendo sido a sentença de divórcio proferida depois de o mandato ter se
iniciado. A finalidade do art. 14, §7º, era, para a Corte, ‘obstar o monopólio do poder político por grupos
hegemônicos ligados por laços familiares’. Na hipótese, a circunstância de a sentença ter ‘reconhecido a
ocorrência da separação de fato em momento anterior ao início do mandato’ afastaria a incidência da
regra, não se cogitando da ‘perenização no poder da mesma família. A aplicação da regra, com funda-
mento em uma interpretação meramente literal, restringiria significativamente os direitos políticos do
cidadão, sem que isso se desse para garantir outra finalidade que também fosse objeto de proteção
constitucional.’”
(Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel
Sarmento – 2 Ed. Belo Horizonte; Ed. Forum 2014. Pág. 421).
No plano Constitucional, o art. 3º estabelece objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, dentre eles o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a margi-
nalização além de reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como, promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Estas são finalidades buscadas pelo Estado brasileiro, razão pela qual, ao se interpretar os dispositi-
vos do ordenamento jurídico do país, o intérprete não as pode perder de vista, sob pena de direcionar
a norma para sentido oposto.
A hermenêutica tradicional carrega uma questão de fundo bastante complexa, inclusive sob o
ponto de vista filosófico. A sua utilização tem o grande mérito de pelo menos tentar conferir maior
segurança jurídica.
Quanto mais a atividade criativa do intérprete sofre algum tipo de limitação, mais se privilegia o
texto oriundo do parlamento e, portanto, com presunção de legitimidade democrática.
Por outro lado, quanto maior o espaço de criação dos juízes, menor a segurança jurídica e menor o
grau de legitimidade democrática da decisão judicial, haja vista a alteração do sentido literal do
texto.
“Regras são normas que especificam a conduta a ser seguida por seus destinatários. O papel do intér-
prete, ao aplica-las, envolve uma operação relativamente simples de verificação da ocorrência do fato
constante do seu relato e de declaração da consequência jurídica correspondente. Por exemplo: nos
termos do art. 40, §1º, II, da Constituição, a aposentadoria compulsória do servidor público se dá aos 70
anos (regra); José, serventuário da Justiça, completou 70 anos (fato); José passará automaticamente
para a inatividade (conclusão). A interpretação jurídica tradicional, portanto, tem como principal
instrumento de trabalho a figura normativa da regra.” (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo
1ª Ed. pag. 297).
Por tal razão, a hermenêutica clássica segue sendo a que primeiro deve valer o intérprete, principal-
mente envolvendo os chamados “casos fáceis”, cujas possibilidades interpretativas são reduzidas, o
que costuma ocorrer quando se está diante de regras jurídicas. É o que afirma Barroso, explica:
Quando se está diante de regras jurídicas, portanto – e a Constituição possui muitas – a hermenêu-
tica tradicional é extremamente recomendada pois fornece mais segurança jurídica e deferência ao
regime democrático.
Todavia, como o neoconstitucionalismo, através do pós-positivismo, levou valores extremamente
abertos e abstratos para as Constituições, bem como, com a descoberta de que o intérprete não é
neutro ou imparcial, e sim contaminado por suas pré-compreensões, a hermenêutica tradicional se
tornou insuficiente para resolver os casos difíceis, que envolvem conflitos de princípios marcados
pela elevada carga de indefinição e cuja solução passará, necessariamente, pode debates de ordem
moral.
Como justificar uma decisão sobre conteúdo moral, sabendo que o intérprete está influenciado por
suas pré-concepções? Foi visto no início do módulo que a hermenêutica tradicional tem como uma
de suas virtudes a deferência à vontade do legislador, ou seja, ao princípio democrático.
Ora, se o intérprete irá chegar a uma conclusão interpretativa que nada mais é do que o reflexo de
suas pre-concepções, é a vontade dele e não do legislador ou do constituinte originário que estará
prevalecendo. Ironicamente, nesses casos difíceis, a hermenêutica tradicional leva ao que promete
combater, o arbítrio do intérprete.
É por essas razões que o movimento neoconstitucionalista, ao criar o problema de reconectar o
Direito com a Moral, precisou apresentar soluções, o que se deu com seu terceiro marco teórico: A
Nova Hermenêutica Constitucional.