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CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
FORTALEZA, CE.
2009
MILIANY MICHELLY BARRETO DE SOUZA
FORTALEZA, CE.
JUNHO/2009
MILIANY MICHELLY BARRETO DE SOUZA
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profa. Dra. Vilma Maria Barreto Paiva (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará – UFC
__________________________________________
Profa. Ms. Maria de Fátima Vitoriano de Azevêdo
Universidade Federal do Ceará – UFC
___________________________________________
Ms. Raimundo Severo Júnior
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
FORTALEZA, CE.
JUNHO/2009
DEDYCATÓRYA
Esta não poderia ser uma dedicatória convencional. Não aos meus companheYros, que
me ensinaram a ver tantas possibilidades de ser diante das ordens do mundo, que me
mostraram, cada um ao seu jeito, ao seu palhaço, entre brancos e augustos, o caminho mais
doce de se quebrar paradigmas. Não poderia escrever uma dedicatória convencional àqueles
que, em essência, não o são. Não mostraria a essência de ser Y.
O Y me mostrou ser o que Anitelli chama de “uma desculpa esfarrapada pra um bando
de gente rara se encontrar”: encontrar palhaços, encontrar crianças, encontrar a si mesmos,
encontrar paixões, amor, respeito e fé, encontrar o valor ao outro e à vida, e descobrir o valor
de fazer da vida uma brincadeira capaz de transformar. Transformar, seja por um momento ou
pela vida inteira, adultos em crianças, crianças em essencialmente crianças, hospital em lugar
pra se brincar, estudantes em palhaços, seres humanos em seres que sabem o valor de ser
humano.
A vocês, que me mostraram o valor de provocar encontros. A vocês, que transformaram
meus dias em dYas. Aos companheYros do Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde, este trabalho
como agradecimento pelo muito que aprendi a ser com vocês, por aprender a ser em Y.
AGRADECIMENTOS
Aos companheYros do Projeto Y, pelo apoio, pela ajuda e pela compreensão da minha
ausência e ocupação durante este período de confecção da monografia.
A “Pimentinha” e “Arrelia”, por terem se disponibilizado a construir esse trabalho e,
principalmente, por terem me ensinado tanto durante esses anos de Y.
A Allan Denizard, fundador e orientador do projeto, pelo apoio que depositou desde o
início nas idéias deste trabalho.
Ao grande amigo Emanuel Meireles, por acreditar que isto tudo seria possível, pela sua
disponibilidade e pela dedicação imensa em me ajudar nesta caminhada. Este pequeno
parágrafo não dá conta da minha enorme gratidão por você.
À Marília Studart, “Borboletinha”, quem um dia me disse “faça, senão outro alguém o
fará” e, durante este ano, me ensinou a não ter medo de confiar em mim e a acreditar que seria
possível concretizar este trabalho.
À Elívia, amiga, irmã, parceira de trabalhos, companhia inestimável, presente de Deus
pra mim, que tanto me ajudou, me confortou e me ensinou durante toda a faculdade.
À Carolina Rocha, minha madrYnha e grande amiga, por me dar aquele apoio e
aconchego nas horas difíceis que só amigas sabem o quanto vale.
À Ir. Delnise, pela pintura que tanto me deu forças pra seguir e que me fez crer que
alguém lá em cima me protege.
A minha sogra, Euridice, pela ajuda que me prestou, pela acolhida e pelos almoços de
segundas-feiras.
Aos meus pais, José e Silvia, por me ajudarem e por compreenderem minha ocupação
em fazer tal trabalho.
Aos meus irmãos Jean e Kelly, e aos cunhados Eli e Vitor, pelo apoio para realizar este
trabalho, por entenderem meu confinamento produtivo e principalmente, por me darem a
alegria de conviver com quem agora agradeço;
A minhas sobrinhas Sarah e Yanna, presentes impagáveis na minha vida, que tanto me
ensinam, mesmo com a pouca experiência de vida, e que, com os sorrisos e as brincadeiras de
quem começa a descobrir o mundo, me fazem esquecer os problemas.
Aos meus companheirinhos de escrivaninha, Simba e Fluffy, pelo trabalho que me dão e
pelos sorrisos que me fazem soltar.
À Dra. Fátima Azevêdo, por ter aceitado o desafio de me orientar no início e por aceitar
representar o Projeto Y na banca examinadora.
À Profa. Vilma Paiva pela disponibilidade em aceitar orientar este trabalho no meio da
caminhada e por ter acreditado nele.
Ao médico, pai, facilitador, artista e pessoa linda que é Raimundo Severo, por ter
aceitado fazer parte da banca examinadora e por ter me dado o prazer de aprender, durante um
ano e meio e pelo resto da vida, o valor de fazer arte com paixão.
A meu parceiro, amigo e amor, Jan Diego, pela força, pela confiança, pelos colos, pelo
conforto, pela compreensão, pelas “melhores partes do meu dia”, pela minha certeza (4!), por
você na minha vida. Obrigada! 3!
A Deus, seja lá no que eu acreditasse, parece que você sempre acreditou em mim.
Este trabalho jamais seria realizado se não fosse pela preciosa ajuda de vocês. Obrigada!
SER PALHAÇO (EM Y) 1
Maquiagem e balões
Suas graças, diversões
E assim vai o palhaço
Outra visita começar.
1
Música composta por Johann Vargas, graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará, para o
Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde, do qual foi integrante.
RESUMO
This research arose from the interest in investigating, based on Carl Roger‟s
psychological theory, the action of the members of Project Y of Laugh, Smile and Health, an
extension project of the College of Medicine of the Federal University of Ceará (UFC) in
which members, characterized as clowns, visit the pediatric ward of the university hospital
Walter Cantídio (HUWC-UFC). The general objective of this research is to identify whether
there are similarities between the posture adopted by the clowns of Project Y of Laugh,
Smile and Health when acting in the pediatric ward of the HUWC-UFC and the theory of
human relations designed by Carl Rogers. Specific objectives are to understand how
members perceive their own performance at the Pediatrics of HUWC as visitor clowns; to
understand how they perceived the relationship established with hospitalized children at the
moment of the visit to HUWC Pediatrics and; to point out the similarities between the
posture adopted by the members of Project Y when interacting with children at the moment
of the visit and the theory of Carl Rogers, as well as the peculiarities of each. The
justification for the importance of the practice of Project Y in the hospital context is the
attempt of helping children and their families to cope with the hospitalization process, which
is sometimes very painful, through the act of playing, in order to transform their perspective
on the hospital environment, rescue the recreational experiences of the past and allow the
children to express feelings and perceptions of their experience, and the relationship with the
clown, based on improvisation, on the self-surrender to the moment of play and in a genuine
interest. As a theoretical foundation, there is the psychological theory of Carl Rogers, which
considers that every individual, in favorable conditions, can guide himself towards personal
growth and adjustment. To do so, he must experience a warm and affable relationship, in
which his experiences are valued, in which the other takes certain attitudes facilitative of
growth: empathic understanding, authenticity, and unconditional positive regard. The
methodology of this research is a qualitative approach with a phenomenological point of
view, which considers as valid data for research, the experience of the research participant.
Individual semi-structured interviews were used as instrument for data collection and the
method of Theme Analysis was used to analyze the collected data. Two members of Project
Y, both medicine academics, were selected as participants in this investigation. The analysis
results bring the similarities between students' performance and the theory of Rogers and
reveal the interviewees' perception about the objectives of the project, their own actions
during the visits, the posture they adopt when interacting with patients, in addition to the
understanding of humane practice of health professionals and the perception of the project‟s
outcomes and its influences for their professional training. The importance of this research
consists on showing the academic community the possibility to promote humane health
practices properly based, according to the proposal of human relations of Carl Rogers, in
addition to announcing the placement of future professionals of different areas of health
concerned with a hospital practice that considers humanized relations, alert to the respect and
valuing of the patient‟s subjectivity.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1. A CRIANÇA E O PALHAÇO: TRANSFORMAÇÕES NO HOSPITAL ................. 14
1.1 A criança hospitalizada e sua família. ................................................................................ 14
1.2 Hospital é lugar de brincadeira? ......................................................................................... 18
1.3 E o palhaço entrou no hospital... ........................................................................................ 20
1.3.1 A representatividade do palhaço.................................................................................. 21
1.3.2 O palhaço e o hospital: que soma é essa? ........................................................................ 22
1.3.3 Ser palhaço em Y. ............................................................................................................ 25
2. CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA: UMA PROPOSTA
ÀS RELAÇÕES HUMANAS. ............................................................................................... 28
2.1 Quem foi Carl Rogers. ........................................................................................................ 28
2.2 Os fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa. ........................................................ 32
2.3. A relação proposta por Carl Rogers e suas implicações. ................................................... 36
3. METODOLOGIA............................................................................................................... 40
3.1. Contexto: O Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde. .............................................................. 41
3.2 Participantes. ..................................................................................................................... 44
3.3 Instrumento de Coleta de Dados. .................................................................................... 46
3.4 Análise dos Dados. .......................................................................................................... 46
3.5 Procedimentos. ................................................................................................................... 49
3.5.1 Definição dos critérios para a escolha dos participantes da pesquisa............................. 49
3.5.1.1 Pré-teste. ....................................................................................................................... 50
3.5.1.2 Coleta de Dados. .......................................................................................................... 50
3.5.1.3 Transcrição dos Dados Coletados. .............................................................................. 51
3.5.1.4 Análise dos Dados Coletados. ..................................................................................... 51
3.5.1.5 Devolutiva. .................................................................................................................. 52
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................................... 53
4.1. Discussão sobre o tema “Componentes da Atuação do Projeto”. ..................................... 54
4.2 Discussão sobre o tema “Postura adotada na Relação”. ..................................................... 61
4.3 Discussão sobre o tema “Resultados do Trabalho do Projeto”. ......................................... 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 75
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 79
APÊNDICES ........................................................................................................................... 83
ANEXOS ................................................................................................................................. 87
INTRODUÇÃO
9
Em se tratando da hospitalização infantil, Lage e Holanda (2007) afirmam
que a criança passa por diversas experiências que corroboram para um entrave em seu
desenvolvimento, tais como o afastamento de seu lar, os sofrimentos físicos, a
despersonalização ao ser tratada como número de leito, entre outras.
O ato de brincar tem sido um recurso utilizado como auxílio à criança a
enfrentar as adversidades oriundas do processo de hospitalização. Para Kumamoto
(2004), o brincar é capaz de transformar o ambiente hospitalar, permitindo à criança se
apropriar de suas experiências no hospital e proporcionando-a melhores condições
psicológicas.
Entre as várias formas de inserção da brincadeira no contexto hospitalar,
tendo em vista o desenvolvimento desta pesquisa, destacamos a atuação do palhaço,
baseada na relação que estabelece com o paciente, o familiar ou o profissional. A partir
desta, é possível transformar a perspectiva da realidade hospitalar. Isso acontece porque
o palhaço, atuando segundo a sua perspectiva de mundo, pode fazer de um objeto ou
acontecimento um recurso para sua atuação, conferindo à criança uma nova
possibilidade de percepção do ambiente. Para Masetti (1998), o palhaço cria situações
inusitadas e imprevisíveis, abrindo a possibilidade para que os acontecimentos sejam
percebidos de outras formas.
A atuação dos palhaços é baseada no “aqui-e-agora”; uma vez que, no
ambiente hospitalar, é impossível prever os acontecimentos. Este tipo de atuação é
capaz de proporcionar ao paciente um momento que torne o ambiente hospitalar menos
insalubre. A lida com o improviso é mais eficiente quando o palhaço está disposto a
fazer parte de uma relação em que a criança tenha autonomia e controle da situação. O
palhaço no hospital permite à criança conduzir a brincadeira e ditar as regras do jogo, já
que é movido pela curiosidade e pelo interesse por tudo que se apresenta no hospital e,
independente de julgamentos, tem uma atitude solícita, interessada e genuína. É capaz
de estabelecer com a criança uma comunicação efetiva, assumindo seu ponto de vista
por crer que está inserido numa relação entre iguais. (Ibid.).
A atuação dos palhaços do Projeto Y acontece calcada no improviso e na
abertura a agir diante de qualquer possibilidade de acontecimento. Também é baseada
no amor à criança em detrimento de sua condição de doente, no respeito e na
disponibilidade de afetos que trocarão com esta e na valoração de tudo que é trazido à
brincadeira.
10
Como fundamentação teórica desta pesquisa, tem-se a teoria psicológica do
psicoterapeuta e criador da Abordagem Centrada na Pessoa, Carl Rogers, com foco na
proposta de relações humanas. Rogers considera, em sua teoria, que todo organismo, em
condições favoráveis, é capaz de guiar-se rumo ao crescimento pessoal e ao
ajustamento. Para tanto, o indivíduo deve experimentar uma atmosfera acolhedora,
impregnada de calor e segurança, em que suas experiências sejam valorizadas. Tal
atmosfera consiste numa postura de atitudes facilitadoras, tomadas por quem entra numa
relação de ajuda com o indivíduo. São essas: a compreensão empática, a autenticidade e
a consideração positiva incondicional.
O processo de compreensão empática, como Rogers e Rosemberg (1977)
descrevem, significa penetrar no mundo perceptual do outro para lidar com suas
percepções e sentimentos vivenciados e deixar de lado seus próprios juízos e valores,
para que não haja sentimentos de preconceito.
A apreciação, ou consideração, positiva incondicional trata-se de uma
atitude de aceitação para com os conteúdos e as vivências do indivíduo em sua
totalidade, de forma não possessiva e não condicional, ou seja, não o apreciando
segundo o julgamento de suas atitudes (ROGERS, 2001a).
A autenticidade ou congruência, que proporciona uma relação genuína,
consiste em tomar consciência dos sentimentos que vivencia na relação com o outro e
assumi-los (Ibid.).
Na relação facilitadora do crescimento pessoal, é preciso que haja, além das
três atitudes facilitadoras, um cuidado amoroso não possessivo, que implica o respeito à
pessoa e um interesse por aquilo que ela trouxer à relação, a presença e uma escuta
atenta e compreensiva à pessoa. Esta relação permite que o indivíduo possa liberar a
manifestação de sua tendência realizadora, bloqueada por defesas, angústias e
percepções incongruentes da realidade. O indivíduo transforma-se rumo à maturidade,
aceitando mais seus próprios sentimentos e estando aberto a experimentar novas e
diversas situações sem defesas e bloqueios.
Segundo Rogers (Ibid.), uma relação baseada nas atitudes facilitadoras pode
incluir facilmente relações entre professor e aluno, terapeuta e cliente, mãe e filho ou
entre médico e paciente, já que se trata de relações entre pessoas.
A partir das considerações feitas até aqui, há subsídios para hipotetizar que
há similaridades entre a postura adotada pelos integrantes do Projeto Y enquanto
11
palhaços, quando de sua visita às crianças hospitalizadas, e a proposta de relações
humanas, facilitadoras do crescimento pessoal, de Carl Rogers.
Esta pesquisa parte então da seguinte pergunta: “A partir do discurso de
integrantes do Projeto Y, que similaridades podem ser encontradas entre a sua postura
enquanto palhaço durante a atuação na Pediatria do HUWC-UFC e a teoria psicológica
de Carl Rogers?”.
Esta pesquisa tem como objetivo geral identificar se há similaridades entre a
postura adotada pelos palhaços do Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde quando de sua
atuação na Enfermaria de Pediatria do HUWC-UFC e os pressupostos teóricos de
relações humanas definidos por Carl Rogers.
Os objetivos específicos desta pesquisa são compreender como os
integrantes percebem a sua própria atuação na pediatria do HUWC enquanto palhaços-
-visitantes; compreender como os integrantes percebem a relação que estabelecem com
as crianças internadas no momento da visita à pediatria do HUWC; apontar as
aproximações entre a postura adotada pelos integrantes do Projeto Y quando da
interação com a criança no momento da visita e a teoria de Carl Rogers, bem como as
peculiaridades de cada uma.
Esta pesquisa se trata de uma investigação de cunho qualitativo de enfoque
fenomenológico, que considera a experiência do participante da pesquisa como
significativa e, portanto, como dados válidos à investigação. Foi utilizada como
instrumento de coleta de dados a entrevista individual e semi-estruturada. A análise dos
dados coletados foi feita à luz da Análise de Conteúdo de Bardin, mais especificamente
da Análise Temática.
Foram escolhidas duas integrantes do Projeto Y, ambas acadêmicas de
Medicina, como participantes desta investigação. Anteriormente, foi realizado um pré-
-teste a fim de verificar as condições do roteiro de entrevista, instrumento de coleta de
dados. As entrevistas foram transcritas, organizadas em um quadro temático e,
posteriormente, submetidas à análise. A escolha desta metodologia se deu por esta se
mostrar eficiente quanto ao cumprimento dos objetivos aqui propostos.
A análise, além de trazer as aproximações entre a prática dos estudantes e a
teoria de Rogers, revela a percepção das entrevistadas quanto aos objetivos do projeto, a
sua atuação durante as visitas, bem como a postura que adotam durante a interação com
os pacientes, além da concepção sobre a prática humanizada do profissional de saúde e
da percepção quanto aos resultados do projeto e das influências deste para a sua
12
formação profissional. Por fim, têm-se as considerações finais desta pesquisa, que
tratam da sua relevância.
A importância desta pesquisa consiste em mostrar à comunidade acadêmica
que há a possibilidade de promoção de práticas humanizadas na área da saúde
fundamentadas na proposta de relações humanas de Carl Rogers, provenientes de uma
teoria psicológica consistente. Esta pesquisa é uma oportunidade de colaborar com a
atuação dos integrantes do Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde por trazer uma possível
fundamentação teórica de relações humanizadas. Esta pesquisa também faz uma
importante divulgação da percepção de futuros profissionais de diferentes áreas da
saúde sobre a busca de uma terapêutica hospitalar que considere relações humanizadas,
atentas ao respeito e à valoração da subjetividade do paciente.
13
1. A CRIANÇA E O PALHAÇO: TRANSFORMAÇÕES NO HOSPITAL
Mas aí tem a criança... ow a criança... pense num bicho esperto, que tanto
sabe! Ela consegue fazer você se tornar engraçado. Ela simplesmente ri de
ti. [...]. Então, lá de dentro de você sai a alegria. Sai uma alegria que
contagia. [...]. E eu achando que eu ia trazer alguma coisa pra dar. São elas
que trazem pra mim... trazem à tona o que eu tenho de melhor.
(Dra. Estrelinha).2
2
Ex-integrante do Projeto Y. Disponível em: <http://projetoy.blogspot.com>. Acesso em: 18 de Jul 2008.
14
dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social”. Ou seja, é
importante considerar o sujeito como ser formado e influenciado por diversos fatores
que não somente orgânicos, mas psicológicos, sociais e espirituais, bem como seu
estado de doença.
15
Para explicar tal entrave mencionado pelas autoras acima, tomando-se os
estudos do psicólogo suíço Jean Piaget como um exemplo de literatura sobre o
desenvolvimento infantil (com foco na explicação psicológica na gênese da
inteligência), será mencionada a importância da interação social com os objetos; no
caso, os brinquedos, para o desenvolvimento da criança. Piaget (2002) afirma que o
conhecimento obtido pela criança não pode ser colocado como preconcebido, nem em
suas estruturas mentais, já que estas resultam de uma “construção efetiva e contínua” do
sujeito (p.1), nem no objeto, uma vez que este precisa da mediação necessária fornecida
pelas estruturas.
Num primeiro momento, Piaget chega mesmo a afirmar que não há uma
separação entre sujeito e objeto: o conhecimento (material para o indivíduo
cognoscitivo) se daria numa interação em meio termo entre os dois. Dessa forma, a
criança passa de um estado de “egocentrismo radical” (Ibid., p. 10), no primeiro estágio
chamado sensório-motor, para o seguinte, o pré-operatório. Neste, já há o uso da
linguagem (função semiótica), mas a capacidade de descentração é limitada, precisando
de uma nova estrutura, a operatória, para, a partir da possibilidade de reversibilidade de
uma ação, a criança ou o adolescente caminhar rumo ao pensamento lógico e formal,
num poder de abstração e descolamento do espaço e tempo crescente. Em resumo:
16
funcional e experiência; o “papel do exercício e da experiência adquirida na ação
efetuada sobre os objetos” (p. 137), entendendo-os como a realidade material; e as
interações e transmissões sociais. O ato de brincar tanto faz parte dessa realidade como
promove uma interação com outras crianças e com pessoas mais velhas, estimulando a
imaginação e a fantasia, que também são envolvidas pela cognição e que refletem o
momento ou o estado de desenvolvimento, tanto cognitivo como afetivo, em que se
encontra a criança. Com esse quadro geral, é possível perceber como um ambiente
organizado e rígido em suas rotinas e normas, por vezes ameaçador, que não apresenta
muitos “estímulos” interessantes às crianças, pode afetar o seu desenvolvimento.
Quando doente, a criança pode reagir de diferentes maneiras à
internalização, dependendo de alguns fatores descritos por Chiatonni (1988), como a
idade da criança; a situação e o tempo de hospitalização; a relação com a mãe; a
situação psicoafetiva em que se encontra; as atitudes e a rotina da equipe hospitalar; a
duração e o tipo da internação; a natureza da doença; as experiências vividas no
hospital; a personalidade da criança e sua capacidade de adaptação a novos ambientes.
Diante do estresse provocado pela internação, algumas reações são possíveis
de serem manifestadas pela criança, como mencionam Lage e Holanda (op. cit.) e
confirmam Carvalho e Begnis (2006), como distúrbios do sono e de alimentação,
manifestações de apego, comportamentos regredidos, diminuição no ritmo de
desenvolvimento, agressividade e passividade diante dos procedimentos médicos.
Algumas crianças ainda experimentam a internação no regime de
isolamento, em que, a fim de proteção do seu estado de saúde, por vezes debilitado, é
mantida, junto ao seu acompanhante, num quarto afastado dos outros leitos e isolado
por janelas de vidro. As visitas e o contato com outras pessoas do hospital são restritas.
Segundo Chiatonni (op. cit.), permanecer no setor de isolamento significa um contato
mínimo com o ambiente externo. A criança experimenta, então, uma extrema limitação
de estimulação e de suas atividades, sentimento de abandono e intensificação de seu
sofrimento.
Em pesquisa sobre o estresse em crianças em tratamento quimioterápico
realizado por Marques (2004), as crianças revelaram que a hospitalização lhes suscitava
sentimentos desagradáveis como isolamento e limitação, por conta dos impedimentos
impostos pela doença e pelo tratamento, e o hospital, para os pacientes, tinha
representações ambivalentes de cura, reabilitação, controle e agressão.
17
A hospitalização afeta e mobiliza também a família da criança. Segundo
Romano (1999), a família é um sistema, com regras, acordos e objetivos comuns, que
tenta manter seu equilíbrio e, portanto, tenta se adequar a eventuais mudanças. A
hospitalização de um de seus membros é um evento estressante que ameaça a situação
de equilíbrio e que implica necessidades de mudanças e adaptações.
Ferro e Amorim (2007) concordam com a autora acima e ressaltam que a
criança doente tem as atenções da família, que passa por um momento de
desestruturação, voltadas a si. A família necessita se reorganizar de modo a cuidar do
membro enfermo e a lidar com as emoções emergentes que influenciam nas relações
entre os membros.
Com a hospitalização prolongada de uma criança, a família depara com a
necessidade de reorganizar sua rotina. O acompanhante se vê obrigado a mudar o seu
cotidiano de forma a dar assistência ao membro enfermo. Muitas mães deparam com a
necessidade de se distanciar do lar e dos outros filhos a fim de cuidar da criança
hospitalizada.
A família ainda tem de lidar com sentimentos que possam emergir por conta
da situação de hospitalização, como o medo da possibilidade de morte, o estresse por
conta da rotina hospitalar, os sentimentos da criança hospitalizada, as saudades do lar e
dos convívios de antes, os sentimentos em relação à falta de privacidade etc.
Com o objetivo de ajudar a criança a enfrentar as adversidades que afetam
seu desenvolvimento enquanto hospitalizada, um dos possíveis recursos utilizados por
crianças e profissionais de saúde tem sido o ato de brincar, além de ser motivo para
várias pesquisas na atualidade (PEDROSA et al., 2007; ALMEIDA, 2004; MASETTI,
1998; 2003; MOTA; ENUMO, 2004; KUMAMOTO et al., 2004).
18
crianças evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das
intervenções de brincadeiras feitas por outras crianças e por adultos. Ao
enriquecerem-se, as crianças ampliam gradualmente sua capacidade de
exagerar a riqueza do mundo externamente real. A brincadeira é a prova
evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência
(WINNICOTT, 1985, p. 163, grifo nosso).
Segundo Masetti (1998, p.26), “seja como for, por mais difícil que pareça,
em cada leito há uma alma infantil, cuja essência é o desejo de brincar”. Em pesquisa
realizada com crianças sobre o brincar como uma estratégia de enfrentamento à
hospitalização, Mota e Enumo (2004) detectaram que, de modo geral, o ato de brincar
faz parte das pretensões das crianças quando hospitalizadas. Ainda segundo as autoras, a
própria preferência por brincar com outras crianças a aproxima ainda mais da sua
realidade anterior à hospitalização. Além de reproduzir atividades que são familiares ao
seu cotidiano através das brincadeiras, a criança pode aliviar o estresse e o sofrimento
decorrentes da internação, expressar seus sentimentos, explorar, significar e se apropriar
de suas experiências no hospital.
19
O ato de brincar é capaz de transformar o contexto hospitalar, seja
desmistificando profissionais e aproximando-os dos pequenos pacientes, seja pela
mudança de perspectiva do ambiente através da criatividade infantil.
Carvalho e Begnis (2006) ressaltam que as atividades lúdicas também
exercem efeitos positivos nos pais das crianças, quando, durante a brincadeira, deixam
de pensar na doença e percebem aquele momento como um tempo para se divertirem e
aliviar o estresse relativo à doença e à internação. As atividades lúdicas, então,
possibilitam uma interação entre pais e filhos e proporcionam um momento de alívio e
descanso.
Os autores ainda refletem sobre a importância do brincar como uma
preocupação em proporcionar condições favoráveis para a reabilitação do
desenvolvimento de crianças e em considerar o bem-estar global do indivíduo, de modo
que a atenção à saúde passa por um momento de transformação, em que o paciente
começa a ser enxergado de maneira holística.
20
inspirando a formação de diversos grupos semelhantes pelo país (DOUTORES DA
ALEGRIA3, 2008) como o Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde.
Essa busca de seu próprio clown reside na liberdade de poder ser o que se é e
de fazer os outros rirem disso, de aceitar a sua verdade. Existe em nós uma
criança que cresceu e que a sociedade não permite aparecer; a cena a
permitirá melhor do que a vida (LECOQ, 19876, grifo nosso).
3
Disponível em: <http://www.doutoresdaalegria.org.br/internas.asp?secao=osdoutores_quem>. Acesso
em 21 de Set 2008.
4
Disponível em < www.grupotempo.com.br/tex_fellini.html >. Acesso em 10 de Nov 2008.
5
Disponível < www.grupotempo.com.br/tex_burnier.html >. Acesso em 09 de Mar 2009.
6
Disponível em <www.grupotempo.com.br/tex_busca.html>. Acesso em 09 de Mar 2009.
21
Pode-se dizer, então, que o palhaço é uma figura transgressora da ordem,
por evidenciar a fragilidade humana que se esconde desprezada na perfeição ordenada,
na lógica e na civilidade, através da ingenuidade e da pureza infantil de cada ser
humano.
22
O palhaço é visto como aquele que desafia a ordem do hospital e instiga a
repensar atitudes (MASETTI, 2003). Ele busca relações diferentes daquelas que
costumam ser estabelecidas no hospital. Em vez da relação entre profissionais que
buscam a cura, um momento futuro, e seus pacientes, o palhaço busca uma relação sem
hierarquias, num momento presente, de modo a modificar aquele contexto. É
transformando a rotina hospitalar e o instante em que se encontra, é travando relações
com crianças, acompanhantes e profissionais e facilitando as relações entre estes, que
certas posturas e vivências profissionais se modificam. A seriedade e o afastamento dão
lugar a uma relação mais próxima entre seres cuidados e cuidadores.
Wuo (op. cit.) afirma que o clown mostra ao outro a possibilidade de olhar o
mundo por diferentes ângulos, transcendendo a condição de pessoa fragilizada. Através
do palhaço e do brincar, é possível, na relação com a criança hospitalizada, transformar
a perspectiva da realidade hospitalar. Isso acontece porque o palhaço, na sua perspectiva
de mundo, pode fazer de um objeto ou acontecimento no hospital um recurso para sua
atuação, quebrando a lógica de fatos previsíveis, abrindo a possibilidade para perceber a
realidade por outras perspectivas.
23
privilegia a qualidade da relação, tira o foco do que acontecerá e nos
reconecta com o que efetivamente está ocorrendo. (MASETTI, 1998 p.26).
24
pedido para adentrar o mundo da criança, e, desde já, visitar este mundo implica
respeitá-lo. Se a criança não aceita esse pedido, sua vontade também deve ser
respeitada.
A criança hospitalizada, até então, experimentou ser colocada em uma
postura passiva nas relações com profissionais e acompanhantes, quando é obrigada a
tomar o remédio, quando tem seu sono interrompido para que meçam sua temperatura
ou para ser examinada, quando deve comer naquela hora exata ou quando não pode
relutar em ser submetida a um procedimento doloroso. Na relação com o palhaço, o
contexto hospitalar, até então sofrível, transforma-se no palco para brincadeiras: a
grande janela do quarto de isolamento vira televisão, os depósitos de álcool para
assepsia das mãos viram perfumes, e a recepção do hospital vira balcão de lanchonete.
Uma nova situação é criada, transcendendo a anterior. É assim que a realidade
hospitalar é reinventada, segundo as criações da criança e do palhaço.
25
Ao longo do desenvolvimento do projeto, foram conhecidas ideias de
pensadores diversos que mostravam certa similaridade com tais pressupostos e que,
então, passaram a colaborar para a criação do que os integrantes chamam de
“Fylosofya”. Alguns pensamentos que aqui podem brevemente ser mencionados (não
serão desenvolvidos tendo em vista o foco deste capítulo, que se trata da atuação dos
palhaços em hospital, especialmente da atuação do projeto) são o pensamento cristão de
amor ao próximo, já mencionado em citação, e a defesa de Janusz Korczak.8pelo amor à
criança, sem interesses ou cobranças, e pelo respeito que devemos a essa, que a deixa
livre para ser a criança que é. (KORCZAK, 1986). Além dessas ideias, tem-se a crença
do médico-palhaço Patch Adams no contexto de amor e humor como estratégia de
benefício social e não simplesmente terapêutico (ADAMS, 2007).
A filosofia do projeto, criada com base no amor ao outro, partiu não do
aprendizado na formação de um palhaço, mas da vontade dos integrantes, enquanto
acadêmicos-palhaços, de atuar segundo esse sentimento. “Então, o palhaço, ele veio do
nosso coração, mas depois a gente percebeu que tinha que ser ele. E aí através dele a
gente veio com teatro, fantoches e tudo mais, mas sempre através dele, que foi o grande
canalizador.” (PROJETO Y, op. cit.).
Vale relembrar o que já foi escrito neste capítulo, mas que será ressaltado,
agora, a partir da perspectiva do projeto: da importância do simples ato de brincar, que é
capaz de iniciar diálogos e transformar lugares.
[...] que a hora da maquiagem seja eterna enquanto dure e que dure para
sempre, porque se tem um pouco do estômago quase saindo pela boca
quando não se sabe o que te aguarda atrás da porta. Atrás da porta? ahh.. atrás
8
Janusz Korczak (1878?-1942) era judeu polonês, médico, escritor para crianças e diretor de um orfanato
para crianças judias. Tinha uma proposta de pedagogia que defendia o dever de reconhecer as crianças
como seres humanos completos, não como futuros adultos, que deveriam ser adestrados. Morreu junto às
crianças do orfanato numa câmara de gás em agosto de 1942 (KORCZAK, 1984).
26
da porta tinham crianças que tomavam aguinha pela mão e que usavam um
chapéu de esparadrapo bacana na cabeça; tinham celebridades: a prefeita e o
cara do dicionário; tinham aquelas que não sorriam tanto, mas ficavam
encantada com o brilho da bolinha de sabão; [...]. No fim, restaram sorrisos...
nos rostos das crianças e nos nossos... principalmente. Creio que eternos
sorrisos toda vez que esse momento for relembrado. E sabe aquele estômago
que outrora tava quase saindo pela boca? Coloquei-o todo pra fora! Sim!
Porque fui preenchida por uma paz inexplicável e por uma alegria sincera,
sem culpa e sem preocupação, igualzinha a que eu sentia quando era piveta.
(PROJETO Y, 2008b, p.23).
27
2. CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA: UMA
PROPOSTA ÀS RELAÇÕES HUMANAS.
Para que esta pesquisa possa seguir com sua investigação, este capítulo se
propõe a expor sua fundamentação teórica: a compreensão de relações humanas
proposta pelo psicólogo Carl Ransom Rogers, fundador da Abordagem Centrada na
Pessoa. Porém, é preciso que antes seja explanado quem foi esse homem, quais foram
seus pensamentos e que contribuições estes ofereceram à psicoterapia e a demais
âmbitos. Para tanto, será relatada uma biografia sobre Rogers, a fim de que seja possível
compreender como surgiu a Abordagem Centrada na Pessoa e que conceitos a
fundamentam, uma vez que essa recebeu grande influência de suas práticas ao longo da
sua vida. Assim será possível abordar aqui a proposta de relações humanas de modo a
entender qual sua pertinência para este trabalho.
Carl Rogers […] is the most influential psychologist in American history. His
contributions are outstanding in the fields of education, counseling,
psychotherapy, peace, and conflict resolution. A founder of humanistic
psychology, he has profoundly influenced the world through his empathic
presence, his rigorous research, his authorship of sixteen books and more
than 200 professional articles. […]. His lifetime of research and experiential
work focused on demonstrating the psychological conditions for allowing
open communication and empowering individuals to achieve their full
potential. Carl Rogers was a model for compassion and democratic ideals in
28
his own life, and in his work as an educator, writer, and therapist. (ROGERS,
N., 20099, grifo nosso).
Carl Ransom Rogers nasceu em Oak Park, Estados Unidos da América. Era
o penúltimo de seis filhos. Teve uma educação familiar conservadora e bastante
religiosa. Era uma criança de vida social reduzida, mas de leitura e estudos incessantes.
Aos doze anos de idade, Rogers se muda com sua família para uma fazenda, organizada
por seu pai segundo uma base científica, e passa a se interessar por estudos sobre
métodos científicos através das leituras que fazia sobre agricultura racional. O trabalho
na fazenda leva Rogers a cursar Agronomia na faculdade em Wisconsin. Porém, movido
por discussões acadêmicas sobre religião, muda para o curso de História a fim de seguir
o sacerdócio (ROGERS, 2001a; HIPÓLITO, 1999).
Em 1922, Rogers faz uma viagem à China para participar de um congresso
destinado a estudantes cristãos que o influenciou profundamente e o fez decidir por
fazer parte do Union Theological Seminary (Seminário de União Teológica),
considerado na época o mais liberal do país. É nesta época de seminarista que tem os
primeiros contatos com a psicologia e a psiquiatria através de cursos. (ROGERS,
2001a).
Tempos depois, Rogers desiste de seguir sua carreira como pastor e começa
a aprofundar seus estudos e suas práticas em psicologia e psicopedagogia no Teacher‟s
College da Universidade de Colúmbia. É contratado como psicólogo pelo “Child Study
Department” em Rochester, Nova York, e lá passa oito anos trabalhando com
diagnósticos e planejamento de casos de crianças delinquentes e sem recursos e com
entrevistas de tratamento. Quanto a seu trabalho, relata:
9
Disponível em <www.nrogers.com>. Acesso em 07 Jun 2009.
29
incêndios associada a um impulso sexual ligado à masturbação. Quando o caso foi dado
por resolvido, o garoto, posto em liberdade condicional, recaía no mesmo problema. A
partir desta experiência, afirma: “Seja como for o caso me fez ver com clareza a
possibilidade de erro por parte da autoridade dos mestres e que havia novos
conhecimentos a adquirir” (Ibid., p.12). Rogers percebia que seus fracassos aconteciam
por insuficiência das relações clínicas baseadas no método coercivo, na autoridade e na
interpretação de condutas, e que era mais eficaz deixar à pessoa a “direção do
movimento no processo terapêutico” (Ibid., p.13).
Rogers passa a duvidar que a prática que exercia era uma atuação
psicológica, pois era diferenciada dos modelos psicológicos vigentes na época, que
abordavam apenas a aplicação de testes e os psicodiagnósticos. Cabia à psiquiatria o
trabalho de psicoterapia. (ROGERS, 2001a; Idem, 2001b; VIEIRA, 2004; BRITO,
2008). Ainda assim, lança, em 1939, seu primeiro livro “Clinical Treatment of the
Problem Child” (O Tratamento Clínico da Criança Problema), referente às experiências
com o diagnóstico de crianças (BRITO, op. cit.).
Um ano depois, como professor efetivo na Universidade de Ohio, tenta
ensinar aos seus alunos o que aprendeu sobre tratamento e aconselhamento psicológico
e percebe que havia criado uma perspectiva própria, baseada em suas experiências.
Numa conferência em Minessota, tenta explanar tais ideias e recebe fortes críticas
(ROGERS, 2001a). As compreensões de Rogers dão início ao que Vieira (op. cit.)
comenta como uma revolução no âmbito da psicoterapia e da psicologia americana,
dominada pela psicanálise vigente e pela teoria comportamental de B. F. Skinner.
Rogers escreve, em 1942, “Counseling and Psychotherapy” (Psicoterapia e
Consulta Psicológica), insatisfeito com as abordagens vigentes em psicoterapia e
aconselhamento, que julgava como diretivas e “centradas no conselheiro”, acreditando
em uma orientação psicológica mais eficaz, baseada na relação terapêutica como uma
experiência de crescimento para o cliente. Tal livro marca o início da época denominada
por Cury (1987) como o período do aconselhamento não diretivo, em que Rogers
mostra a preocupação em criar uma atmosfera de maior permissividade ao cliente, que
indica como deve se dar a direção do processo terapêutico, sem que o terapeuta se
coloque numa posição de autoridade. Nesta fase, Rogers opta por usar a palavra
“cliente” em vez de “paciente”, referente às práticas médicas (Ibid.).
Em 1951, Rogers escreve o livro “Client Centered Therapy” (Terapia
Centrada no Cliente), que traz a terapia como um processo, uma relação singular com o
30
cliente, e ainda elementos que foram descobertos nas relações terapêuticas que
experimentou (ROGERS, 1992). Tal livro marca o período reflexivo (CURY, op. cit.),
em que há uma ênfase nas respostas reflexivas como método de compreensão empática
por parte do terapeuta (VIEIRA, op. cit.). Neste período, Rogers sugere que o cliente
seja o foco da relação e que o terapeuta tome uma postura mais ativa e atitudes
facilitadoras do momento terapêutico, a serem descritas aqui posteriormente: a
compreensão empática, a aceitação positiva incondicional e a autenticidade.
Em 1967, através de suas práticas bem sucedidas com pacientes
esquizofrênicos, Rogers escreve “Person to Person: The Problem of Being Human”
(De Pessoa para Pessoa: O Problema de Ser Humano), comprovando a eficácia de suas
ideias neste tipo de tratamento. Em 1961, Rogers escreve “On Becoming a Person”
(Tornar-se Pessoa), tratando de suas experiências clínicas e da ampliação de suas ideias
para outros contextos que não somente terapêuticos, como as relações e o aprendizado
em sala de aula, relações familiares e trabalhos com grupos.
É a partir daí que, segundo Vieira (Ibid., p.6), Rogers pode passar a ser
considerado não apenas um psicólogo, mas um “investigador das relações humanas”,
que busca, através destas relações, a facilitação para o crescimento pessoal. Brito (op.
cit.) comenta que Rogers passa a tomar outras direções além da psicoterapia, levando a
sua proposta de atitudes facilitadoras para outros âmbitos, como escolas, empresas,
terapias em grupo, entre outros tipos de relações que tenham como objetivo o
desenvolvimento pessoal. Assim, a „Terapia Centrada no Cliente‟ torna-se uma das
possibilidades de aplicação da „Abordagem Centrada na Pessoa‟.
Esta fase é representada por Cury (op. cit.) como o período experiencial, em
que a terapia passa a ser vista como um processo experiencial, e tanto terapeuta como
cliente se afetam mutuamente, sendo que o “caráter recompensador para o terapeuta
reside no interior do próprio processo e o maior benefício é permitir ao cliente e a si
mesmo vivenciarem um fluxo de experiências vividas no espaço entre ambos”. (Ibid.,
p.23).
A partir de então, Rogers segue sua carreira ampliando as possibilidades de
atuação através de sua teoria. Através das investigações do seu trabalho em sala de aula,
Rogers publica livros sobre a facilitação da aprendizagem a partir das condições
facilitadoras, como o “Freedom to Learn” (Liberdade para Aprender). Outra forte
manifestação de suas práticas além do contexto clínico foi seu trabalho com fins
terapêuticos com pequenos grupos em diferentes espaços e instituições, que rende o
31
livro “Encounter Groups” (Grupos de Encontro). Em “On the Personal Power” (Sobre
o Poder Pessoal), escrito em 1977, Rogers mostra que sua proposta de facilitar relações
humanas estende-se para a busca de autonomia pessoal através do potencial criativo de
cada indivíduo. Assim a Abordagem Centrada mostra seu impacto político (VIEIRA,
2004). Outras obras significativas são “A Pessoa como Centro”, “A Way of Being” (Um
Jeito de Ser) e um artigo não publicado, “At the Heart of the South African Struggle”
(No Coração da Agonia Sul-Africana), que trata de um workshop realizado na África do
Sul em plena época do Apartheid, a fim de facilitar diálogos e mediar conflitos entre
grupos de negros e brancos, como uma alternativa à violência. (VIEIRA, Ibid.; BRITO,
2008). Por trabalhos como este, em 1987, Rogers é indicado ao Premio Nobel da Paz,
pouco antes de sua morte. As contribuições de Carl Rogers ainda mereceram o
reconhecimento em várias partes do mundo, segundo Natalie Rogers (2009):
Recognition of his work has come through dozens of honorary awards and
degrees bestowed on him from around the world, among them the American
Psychology Association‟s Distinguished Scientific Contribution Award the
first year it was given. A few years later he also received the American
Psychology Association‟s Distinguished Professional Contribution Award.
32
Para Rogers (1983), todo organismo comporta-se com o intuito de se
manter, crescer e se reproduzir, independente de estímulos ou de condições ambientais.
Sendo assim, a tendência atualizante não pode ser destruída, a não ser que o organismo
também o seja, mas pode ser desvirtuada se as condições em que o organismo se
encontra não forem favoráveis ao seu desenvolvimento.
Rogers também formulou a noção de „tendência formativa‟, que diz respeito
a uma tendência do universo e de todos os elementos que o compõe a uma constante
construção e criação, que coexiste com a já conhecida „entropia‟, tendência à
desorganização e deterioração. Segundo Rogers (Ibid.), a tendência formativa pode ser
observada em qualquer nível do universo, ao perceber que todas as formas passam por
um estágio de menor complexidade para maior complexidade. Assim, todos os
elementos, incluindo os seres humanos, passam por um processo constante de
construção e também de deterioração. Esta ideia, segundo Brito (op. cit.), surgiu ao final
da carreira de Rogers, quando sua atenção se voltava às questões da humanidade, e não
mais do ser humano em específico.
Em se tratando de seres humanos, a Abordagem Centrada na Pessoa os
compreende como sendo, em essência, organismos dignos de confiança que têm uma
tendência natural para o desenvolvimento completo (ROGERS, 2001b). Apesar dessa
tendência, os seres humanos experimentam, muitas vezes, ao longo da vida, relações
que não favorecem o crescimento. Daí o surgimento de conflitos que impedem o
desenvolvimento pessoal.
33
luta em que se empenham para crescer e ser, utilizando-se dos recursos que
acreditam ser os disponíveis. Para as pessoas saudáveis, os resultados podem
parecer bizarros e inúteis, mas são uma tentativa desesperada da vida para
existir.” (p.41, grifo nosso).
34
perceptual do outro, usando da sensibilidade para lidar com suas mudanças, percepções,
sentimentos e confusões vivenciados, e deixar de lado, ao entrar no mundo do outro,
seus próprios juízos e valores, para que não haja sentimentos de preconceito. A pessoa
que toma a postura empática torna-se alguém de confiança para o outro e pode ajudá-lo
a vivenciar seus significados e sentimentos de forma mais plena, fazendo com que tenha
uma compreensão mais clara do seu próprio mundo (ROGERS; ROSEMBERG, 1977;
ROGERS, 2001b). Mais detalhadamente, sobre o processo da maneira empática de ser,
Rogers afirma:
35
Significa que não há condições para a aceitação, nem sentimentos do tipo:
„gosto de você, apenas se você for desta ou daquela maneira‟. Implica numa
„apreciação‟ [...]. Está no pólo oposto de uma atitude de avaliação seletiva
[...]. Isto significa um cuidado com o cliente, mas não de forma possessiva,
ou simplesmente para satisfazer as necessidades do próprio terapeuta. Implica
numa forma de apreciar o cliente como uma pessoa individualizada, a quem
se permite ter os próprios sentimentos, suas próprias experiências. (Idem,
1994, p.163, grifo nosso).
Rogers explica que, a partir das descrições, fica evidente que uma
consideração positiva incondicional total nunca existiria, exceto em teoria. O que
acontece é que a pessoa que toma tal atitude, no momento da relação, ora experimenta
tal consideração, ora experimenta apenas uma consideração positiva, ou, às vezes, até
uma consideração negativa. Para Rogers, é “neste sentido que a consideração positiva
incondicional existe como uma questão de grau em qualquer relação.” (Ibid., p.164).
Estas atitudes permitem que a pessoa possa, na relação, libertar-se dos
bloqueios a seu crescimento pessoal e transformar-se rumo à maturidade. Quando a
pessoa é ouvida e acolhida em sua totalidade, como ser único que é, começa a ser capaz
de ouvir a si mesma, de se perceber e reconhecer seus sentimentos e percepções. À
medida que se abre a si mesma, passa a aceitar-se mais, a avaliar-se menos e vivenciar
suas experiências mais abertamente, a abandonar suas fachadas e defesas e a ser mais
congruente com seus sentimentos. A pessoa passa, então, a se descobrir livre para ser
quem realmente é e crescer pessoalmente (Idem, 2001a).
36
Este tipo de relação, para que seja potencialmente curativa, além de ser
estabelecida como “genuinamente humana e real” (CURY, 1987, p.23) e empática,
necessita de que haja um cuidado e amor não possessivo com o outro. Implica que a
pessoa deve ser respeitada; e seus sentimentos e pensamentos, considerados. Como
afirma Shlien (In. Rogers et al.1987b, p.178), “queremos pensar naquela pessoa como
uma pessoa – uma pessoa única, com dignidade e capacidade, merecedora de nosso
respeito incondicional.” Fonseca (2008)10, em sua perspectiva sobre a Abordagem
Centrada, acrescenta que, na relação, há um interesse por parte da pessoa em respeitar e
interagir com a diferença particular do outro. O crescimento pessoal proporcionado por
essa atitude se estende a quem é considerado e a quem considera.
10
Disponível em < www.rogeriana.com>. Acesso em 10 de Jan 2008.
37
O mais importante, na relação aqui descrita, é até que ponto as atitudes
facilitadoras se fazem presentes. Nessa relação, não são úteis nem relevantes avaliações,
julgamentos, rotulações ou modelagens, já que é a pessoa que aponta os caminhos que
precisa seguir. Não há momento terapêutico eficiente quando se tenta criar numa pessoa
algo que nela não existe (ROGERS, 2001b; ROGERS et al. 1987b; ROGERS; WOOD,
1978). As teorizações também não são úteis no momento da relação terapêutica. Neste
momento, o encontro é mais importante que a consciência da teoria. Segundo Rogers
(In. Rogers et al., 1987b, p.218, grifo nosso), “na medida em que estamos pensando
teoricamente na relação, tornamo-nos espectadores e não participantes – e é como
participantes que somos eficientes”.
Como é possível perceber pelas descrições aqui já feitas, esse tipo de
relação implica uma mudança em todos os envolvidos, tanto para quem é compreendido
e aceito, que se reconhece e se torna capaz de aceitar a si mesmo, como para quem
compreende, escuta e aceita, que vive uma experiência enriquecedora.
Esta mudança advinda da relação pode ser percebida quando a pessoa torna-
-se mais consciente dos seus sentimentos, das suas atitudes e da realidade externa, perde
certa rigidez em relação a opiniões e percepções, torna-se mais capaz de assimilar
informações contraditórias sem se fechar à experiência da situação. A pessoa torna-se
mais aberta às suas experiências (Idem, 2001a).
Pessoas que experimentam esse tipo de relação fundamentada nas atitudes
facilitadoras também se tornam mais motivadas a aprender através de suas próprias
descobertas. Suas aprendizagens são capazes de modificar suas atitudes e escolhas. São
aprendizagens significativas, que não se limitam a um aumento de conhecimento, mas
influenciam o ser humano como um todo. (Ibid.).
Tal relação, por propiciar ao outro um clima de segurança para que ele
experimente ser quem de fato é, torna possível a experimentação do ato de criar. Uma
vez que o ser humano é compreendido por Rogers como um ser de potencialidades,
38
assim como a tendência atualizante, o potencial criativo é imanente aos seres humanos e
necessita das condições facilitadoras para emergir. (Ibid.).
A proposta da relação aqui descrita, apesar de formulada num contexto
psicoterapêutico, expandiu-se para outros contextos ao longo da carreira de Rogers,
interessado em investigar e pôr em prática relações de ajuda. Rogers compreendia que
este tipo de relação poderia ser perfeitamente exercido em qualquer outro âmbito, fosse
este familiar, escolar, administrativo, hospitalar, terapêutico ou religioso; já que, em
todos estes, implicam relações entre seres humanos. A relação terapêutica seria apenas
mais um exemplo.
Entendo por esta expressão [relação de ajuda] uma relação na qual pelo
menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o
desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior
capacidade de enfrentar a vida. [...]. Ela inclui, sem sombra de dúvidas, as
relações da mãe ou pai do com seu filho, ou a relação do médico com o
doente. [...] Todas essas são principalmente relações entre duas pessoas
(Ibid., p.45-46, grifo nosso).
39
3. METODOLOGIA
40
Ainda segundo este autor, os depoimentos, relatos verbais, focalizam a
experiência imediata que é o objeto de investigação, mas é preciso levar em conta a
elaboração do significado vivido pelo sujeito.
O intuito deste tipo de enfoque metodológico, por considerar como fontes
fidedignas de conhecimento sobre um dado fenômeno as percepções e os significados
oriundos da experiência do indivíduo, faz-se coerente com os objetivos desta pesquisa.
11
O nome do projeto surgiu quando os estudantes, mobilizados para organizá-lo, prepararam uma lista de
discussão na internet em que tinham um intuito de cadastrar o projeto, ainda sem nome. Os estudantes
tentaram “Projeto X” como um nome provisório, mas já havia um cadastro de mesmo nome. Então, foi
cadastrado como “Projeto Y”. Em uma reunião inicial, os estudantes optaram por deixar este nome como
sendo o oficial e, depois, perceberam como ele poderia ser coerente com o grupo. Várias metáforas
surgiram então para explicar o “Y”, como, por exemplo, a tríade no hospital formada por paciente, família
e profissionais, representada pelas três retas que formam a letra. A explicação mais conhecida é o desenho
que forma o estetoscópio, que foi escolhido para ser o símbolo do projeto (PROJETO Y, 2008a).
41
estudantes dos cursos de Medicina, Psicologia e Enfermagem a fim de que futuros
profissionais que têm contato direto com pacientes hospitalizados possam lidar de modo
vivencial com o tema da interdisciplinaridade nas práticas de saúde.
O Projeto Y conta, atualmente, com dezesseis integrantes e é coordenado
por uma médica geneticista, professora do Departamento de Saúde Materno Infantil, e
orientado por um médico graduado pela UFC, fundador do projeto. Há também, no
projeto, uma coordenação de pesquisas comandada por uma professora graduada em
Enfermagem.
O Projeto Y realiza quatro visitas semanais, sendo três à Enfermaria de
Pediatria do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC-UFC) e, desde 2007, uma
visita à Enfermaria de Pediatria do Instituto do Câncer do Ceará (ICC), ambas com
média de uma hora e meia de duração. As visitas normalmente acontecem durante o
intervalo para o almoço. Os estudantes vão até a sala do projeto, caracterizam-se de
palhaços e, em grupos de, no mínimo, duas pessoas, percorrem o trajeto até a enfermaria
de pediatria, tentando interagir com pessoas ou objetos que encontrarem pelo caminho.
Na enfermaria, os estudantes buscam interagir com as pessoas presentes no hospital, os
pacientes, os acompanhantes ou os funcionários, parodiando situações médicas e se
utilizando de brinquedos ou outros recursos lúdicos para estabelecer uma relação com a
criança naquele momento de visitação. As brincadeiras normalmente acontecem pelos
corredores da enfermaria, com a aproximação das crianças logo quando avistam os
palhaços. Se há alguma criança impossibilitada de sair do leito, os palhaços buscam
interagir com ela em seu espaço. Os palhaços também procuram interagir com as
crianças internadas em regime de isolamento através da vidraça do quarto.
[...] a gente faz transplante de nariz, a gente faz infusões de alegria, faz
injeções de bom humor, injeções de coragem, dá „comprimidos‟ [abraços]
bem apertados nas crianças, como também a gente leva música, contação de
história, usa o teatro, leva um brinquedo, leva balões, malabarismo [...].
(Ibid).
42
Às sextas-feiras, acontecem reuniões destinadas à discussão de assuntos
administrativos ou acadêmicos referentes ao projeto, à partilha das impressões sobre as
visitas da semana e a um momento de capacitação, em que os integrantes ensaiam
músicas, encenações de situações cômicas (Gag‟s), aprendem artesanato, malabares e
outros recursos para utilizarem nas visitas a fim de torná-las mais interessantes às
crianças.
No começo de cada semestre letivo, ocorre uma reunião para o
planejamento das atividades dos próximos seis meses, como visitas em datas
comemorativas, apresentação de trabalhos em congressos, encaminhamento de
pesquisas, organização de cursos e outros eventos.
Todo ano ocorre uma seleção para novos integrantes. São escolhidos, em
média, doze estudantes dos três cursos. Após a seleção, os estudantes passam por
quarenta horas de oficinas de capacitação na arte do palhaço, distribuídas em dez dias.
Atualmente, os novos integrantes são orientados por um ex-integrante do projeto, já
graduado. No início do projeto, as capacitações eram orientadas por um estudante em
artes cênicas com formação extensa na arte do palhaço, que introduziu pensamentos,
atividades e técnicas que contribuíram para a formação dos palhaços do Projeto Y e para
as capacitações seguintes. Podem ser citadas como técnicas contribuintes as do teatro
Butoh, de aquecimento de expressão corporal e facial, de voz e de mímica. Como
exemplos de pensamentos contribuintes, têm-se a necessidade da libertação corporal e
as ideias do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.
43
vazio”, momentos de reflexão, que normalmente são relacionados à atividade do dia, e
momentos de estudo sobre como se constitui a figura do palhaço.
O Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde vem alcançando os objetivos que
propõe. Tem conseguido tornar a estadia de pacientes e acompanhantes no hospital mais
agradável e estabelecer vínculos com as crianças, seus familiares e os profissionais de
saúde. É, atualmente, apoiado e considerado pela equipe profissional do HUWC por sua
intervenção e auxílio à internação dos pacientes, sendo convocado para visitar em
setores diversos do hospital que não somente a pediatria. O projeto também é
convocado para realizar visitas em datas comemorativas, em aniversários de pacientes
ou mesmo para auxiliar em certos casos de internação. A receptividade de alunos e
professores em relação ao projeto é bastante positiva.
3.2 Participantes.
44
O entrevistado deveria mostrar disponibilidade para participar da
entrevista e autorizar a sua participação na mesma.
A necessidade em estabelecer o primeiro critério foi para que os
entrevistados pudessem, quando da entrevista, falar de suas experiências dentro do
projeto, em relação às visitas, às atividades e aos outros eventos, tendo uma maior
noção histórica do percurso do projeto que os integrantes mais novos. Para que fossem
obtidos dados, com maior clareza, sobre o processo de formação do projeto, foi
especificado que um dos entrevistados teria de participar desde 2005, ano em que o
projeto foi fundado. Além disso, os integrantes que estão há mais tempo no projeto
teriam maior probabilidade de atender ao segundo critério, por já estarem fazendo parte
de semestres mais avançados e, portanto, terem a oportunidade de entrar em contato
com pacientes pelo meio acadêmico.
A opção em entrevistar integrantes que já atuassem com pacientes deve-se à
necessidade desta pesquisa em entender como o projeto poderia influenciar a percepção
do estudante a respeito de sua futura atuação profissional e do paciente, uma vez que é
objetivo do projeto a prática voltada à humanização da saúde.
Integrantes que atendem aos critérios estabelecidos foram convidados, ou
através de um e-mail enviado pela pesquisadora, ou pessoalmente, durante as reuniões
do projeto que acontecem às sextas-feiras, momento em que todos os integrantes se
reúnem.
O Projeto Y, atualmente, é composto em sua maioria por estudantes do
curso de Medicina, sendo que os integrantes que atendem aos critérios exigidos são,
quase que exclusivamente, estudantes desse curso. Por este motivo, as duas
entrevistadas escolhidas, que mostraram maior disponibilidade em participar desta
pesquisa, são estudantes de Medicina.
As participantes escolhidas foram uma estudante de 23 anos, do nono
semestre de medicina, integrante do projeto desde a fundação, em 2005, e outra,
também de 23 anos, que cursa o sétimo semestre, integrante desde 2006. Por questões
de sigilo ético, as entrevistadas serão identificadas, respectivamente, por Pimentinha e
Arrelia12, nomes fictícios.
12
Arrelia e Pimentinha são, respectivamente, Waldemar Seyssel (1905-2005) e seu sobrinho Walter
Seyssel (1925-1993), ambos importantes palhaços brasileiros e de tradição familiar circense. (Disponível
em <www.mundoclown.com.br>. Acesso em 20 de Mai 2009). Esses nomes foram escolhidos para
identificar as entrevistadas, para fazer referencia a palhaços como forma de homenagem, de modo que os
45
3.3 Instrumento de Coleta de Dados.
nomes se adequassem ao gênero feminino, uma vez que a maioria dos palhaços famosos no Brasil são
homens.
46
Ainda segundo Bardin,
47
A interpretação, fase da análise em que se busca “ir além do material”
(Minayo, op. cit., p.90), atribuindo ao conteúdo analisado um grau de significação mais
ampla. Consiste em relacionar as estruturas semânticas (significantes) com estruturas
sociológicas (significados) dos enunciados presentes nas mensagens. Para que este
procedimento possa ser realizado, além das inferências como base, é preciso uma
fundamentação teórica acerca do que está sendo investigado.
É importante ressaltar como se deu o processo de categorização desta
pesquisa. Baseado no modelo de trabalho de Barros (2007), primeiramente, foi feita
uma leitura atenta, compreensiva e exaustiva (“leitura flutuante”) das entrevistas.
Depois foi necessário codificá-las, enumerando linhas, perguntas e respostas, para
facilitar eventuais consultas ao material coletado. Foram retirados, então, os núcleos de
sentido do texto. Para que os núcleos de sentido continuassem compreensivos ao leitor,
algumas falas da pesquisadora foram incluídas nos quadros temáticos, sem detrimento
do diálogo. As entrevistas foram divididas por categorias em subtemas que compõem
categorias maiores, os temas, de acordo com os núcleos de sentido. Foi construído um
quadro temático, reunindo as duas entrevistas devidamente categorizadas, a fim de
organizar o material coletado, complementadas com uma breve descrição dos subtemas
e com palavras-chave.
Como exemplo do quadro temático construído, tem-se abaixo:
Quadro 1:
Tema: Componentes da Atuação do Projeto
Sub-tema Descrição Unidades de sentido
Recursos Para as P., R.29, L.287-299 – Adorava a caixinha de música,
utilizados entrevistadas, os gostava muito da caixinha de música. Era uma forma de,
brinquedos, às vezes, acalmar aqueles que estivessem muito:
histórias e a música “Ahhhhhhhh!!”. Muito agitadas. “Bota a musiquinha!” ou
são recursos para então, também, era carta na manga... Não tinha o que
as visitas e têm sua fazer, aí: “Bota a musiquinha e vamos dançar”, fazer
importância ligada alguma palhaçada com a musiquinha. Servia também para
à facilitação da neném, que não dava para interagir com a palavra que era
interação com a o que a gente mais fazia. Então a musiquinha fazia
criança e com a alguma coisa. A caixinha de música servia também para a
mãe. As interação com a mãe que está triste, que está ali parada,
entrevistadas que não está a fim de interagir assim conversando e
acreditam que esses brincando, mas ela está ali perto e se você bota a
recursos, bem musiquinha ali perto talvez, na minha cabeça, aí tem a
como os momentos história de servir de consolo talvez, né. Um momento
proporcionado pela assim para ela se sentir ao menos apoiada, saber que tem
brincadeira, alguém ali que não quer fazer hora com a dor dela, mas
48
possam ser uma que está ali respeitando o sofrimento dela e tudo, né. Quer
forma de intervir, alegrar a criança, mas não está ignorando o sofrimento do
aliviando o acompanhante, né. Também.
sofrimento pela P., R.30, L.301-311 - (...) tinha essa bolha de sabão
internação através também, que é ótimo, salva tudo, porque bolha de sabão é
do respeito ao quase uma mágica. Bolha de sabão é tudo. Os recursos
outro, de eram esses... E cantar, fazer música, (...)Esses eram os
mensagens de recursos. Inicialmente, a gente também tinha os livrinhos
alegria e da de história, a gente contava história, a gente interagia, a
mudança da gente interpretava a história. Ou então a gente mesmo
perspectiva da contava história. Então, quer dizer contos, histórias,
realidade. música, bolha de sabão, caixa de música... Basicamente
isso. Aí tem arte com balão que era só mais em datas
Palavras-chave: comemorativas.
interação, apoio,
respeito, música,
alegria, história,
ferramenta,
transformação,
brinquedo.
Legenda: E. – Entrevistadora; P.25 – Pergunta nº 25; L.309-310 – Linhas 309 e 310; R. 10 – Resposta
nº10; A. – Arrelia; P. – Pimentinha.
3.5 Procedimentos.
49
estabelecidos para a escolha dos participantes, para que a entrevista pudesse fornecer
informações capazes de cumprir com os objetivos propostos.
3.5.1.1 Pré-teste.
50
Um importante comentário a ser mencionado é que ambas as entrevistadas,
Pimentinha e Arrelia, disseram que, ao final da entrevista, sentiram-se reflexivas, que a
entrevista proporcionou um momento de reflexão sobre suas participações no projeto e
sobre os seus percursos acadêmicos.
Quadro 2:
Temas e Subtemas
TEMAS SUBTEMAS
Componentes - Recursos Utilizados
da Atuação do
Projeto - Objetivos e Idéias do Projeto
- Capacitações
Postura - A interação com paciente e acompanhante
Adotada na
Relação - A figura do Palhaço
51
Cada tema e subtema será comentado no capítulo de Análise e Discussão
dos Resultados e pode ser encontrado vide anexo, ao final desta obra.
3.5.1.5 Devolutiva.
52
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
13
SAIDE In. DOUTORES DA ALEGRIA, 2005, P.30
53
4.1. Discussão sobre o tema “Componentes da Atuação do Projeto”.
[...] até pra quebrar o gelo com os outros profissionais, que também
interagem com a gente, e que, quando veem a gente, até se sensibilizam,
alguns, e acabam refletindo sobre o trabalho deles, sobre o que eles podem
fazer para melhorar. (ARRELIA, R. 10, L.69-72, grifo nosso).
54
machuca, com a intenção de minimizar o seu medo, através do momento lúdico.
“Talvez, quando o médico for consultá-la, ela veja com mais tranquilidade, não fique
tão apreensiva.” (ARRELIA, R.25, L.316-317).
A facilitação da hospitalização da criança surge através de uma relação
descontraída, capaz de “transformar o ambiente hospitalar” (PIMENTINHA, R.12,
L.110) e “levantar a criança” (Ibid., L. 112), ou seja, de transformar a perspectiva da
criança em relação ao hospital, de modo a percebê-lo como menos hostil, menos sério e
rigoroso, como um lugar em que ela poderá brincar e ser a criança que é. Esta relação
também leva em consideração os sentimentos da criança e não sua condição de doente.
Se sensibilizar com a dor do outro, que também é muito do Projeto [...] é uma
coisa que eu vejo muito, a gente tá lá, interagindo com a criança, e ela tá toda
cheia de lesão, tá muito doente, e eu nem me ligo em saber qual a doença que
ela tem. No momento, aquilo não me importa. Eu estou ali com outro
objetivo, entendeu? (ARRELIA, R.11, L.80-84).
55
pessoa como se fossem seus, sem esquecer o caráter de „como se‟. Tal atitude requer
sensibilidade.
Para que os intentos do projeto, mencionados no começo deste tópico,
possam ser cumpridos, os estudantes passam pelas capacitações, momentos de
aprendizado que os preparam para uma tomada de conduta lúdica adequada às visitas.
Nas capacitações, os estudantes aprendem sobre a arte do palhaço e suas
fundamentações e passam por exercícios que auxiliam na formação desta figura cômica.
Exercícios significativos para a formação do palhaço são os que envolvem expressão
corporal, jogos infantis, para que os integrantes possam aprender a atuar de forma mais
desinibida, e criar gestos e movimentos nunca antes feitos, para compor a figura do
palhaço, correspondente ao jeito de ser de cada integrante.
Ele [o orientador] colocava muitas situações, pra a gente fazer, sem falar, pra
ver como você age em determinada situação, entendeu? Ele falava muito de
buscar o vazio, pra a gente não programar muito o que vai fazer. Que é o que
a gente usa muito no hospital! Que não adianta, agente pode é ter Gag, pode
é ter cartas na manga, ter brinquedos, tudo, mas sempre a gente vai lidar com
o improviso, nunca vai ser bem programado, como a gente espera!
(ARRELIA, R.20, L.187-192).
56
A importância de conhecer a si e de libertar o próprio corpo pode ser
associada ao conceito de abertura à experiência.
É o pólo oposto à atitude defensiva. Descrevi esta última atitude como sendo
a resposta do organismo a experiências apreendidas ou antecipadas como
ameaçadoras, como incongruentes com a imagem que o individuo faz de si
mesmo ou de si em relação ao mundo. [...]. Se, contudo, uma pessoa pudesse
se abrir completamente à sua experiência, todo estímulo – quer a sua origem
seja o organismo ou o ambiente – seria livremente retransmitido através do
sistema nervoso sem ser distorcido por nenhum mecanismo de defesa. [...] a
pessoa “viveria” essa experiência, torná-la-ia inteiramente disponível à
consciência. [...]. O individuo torna-se progressivamente mais capaz de ouvir
a si mesmo, de vivenciar o que passa em si. Está mais aberto aos seus
sentimentos de receio, de desanimo e de desgostos. Fica igualmente mais
aberto aos seus sentimentos subjetivamente, como existem nele, e é
igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver
completamente a experiência de seu organismo, em vez de mantê-la fora da
consciência (ROGERS, 2001a, p.214-215).
57
para quem é visitado, uma similaridade com a prática de Rogers em ouvir alguém
atentamente, de maneira presente, numa relação, que traz consequências
enriquecedoras, tanto para si quanto para o outro.
Como visto, o ouvir para Rogers não é um ato simplesmente de escuta, mas
um ato que exige presença, respeito e aceitação a quem é escutado. Implica a construção
de uma relação em que ambos os indivíduos enriquecerão pessoalmente, independente
do que eles sejam: estudantes, desempregados, médicos, advogados, professores ou
terapeutas. Nesse encontro, pode não acontecer de todo uma mudança de personalidade
à criança ou à palhaça, mas ambas fazem daquela relação passageira um momento
positivo, significativo para si, que de certa maneira as faz dar um passo rumo ao
crescimento, seja a estudante, por ter vivenciado uma relação de entrega, seja a criança,
por ter conseguido amenizar sua angústia ou seu tédio pela internação e resgatar um
pouco do seu cotidiano fora do hospital.
A capacitação, além de ser um momento de convivência entre os integrantes
que fortalece o grupo, mostrou ser uma oportunidade para delinear as ideias e os
objetivos do projeto, segundo Arrelia: “Foi legal pra conhecer melhor o grupo.
Conhecer a filosofia do Projeto, conhecer os tipos de clown, o Augusto, o Branco!”
(R.20, L.196-197). A capacitação também se revelou como um fator importante para o
aprendizado de potencialidades pessoais, quando os próprios integrantes a coordenam,
ou quando são orientados por um colega.
58
lembrar que a aprendizagem significativa provoca uma modificação profunda no
indivíduo. Segundo Rogers, este tipo de aprendizagem é “uma aprendizagem
penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra
profundamente todas as parcelas de sua existência.” (Ibid., p.322).
Nestas capacitações, os integrantes aprendem a confeccionar e como utilizar
recursos para enriquecer as visitas. Tais recursos, segundo as entrevistadas, facilitam a
interação do palhaço com a criança e seus familiares e servem como uma forma de
intervenção para aliviar o sofrimento de ambos pela internação, mesmo que
momentaneamente. Os recursos vão desde brinquedos ao uso da música, do teatro, da
dança e da contação de histórias. Segundo as entrevistadas, esses servem como uma
“ferramenta para entrar em contato com a criança” (ARRELIA, R.25, L.311) e também
para interagir com os familiares. Uma das entrevistadas fala de sua interação com as
mães de pacientes utilizando uma caixinha de música.
A caixinha de música servia também para a interação com a mãe que está
triste, que está ali parada, que não está a fim de interagir assim conversando e
brincando, mas ela está ali perto e se você bota a musiquinha ali perto talvez,
na minha cabeça, aí tem a história de servir de consolo talvez, né. Um
momento assim para ela se sentir ao menos apoiada, saber que tem alguém ali
que não quer fazer hora com a dor dela, mas que está ali respeitando o
sofrimento dela e tudo, né. Quer alegrar a criança, mas não está ignorando o
sofrimento do acompanhante, né. (PIMENTINHA, R.29, L.292-299).
59
formação de um clima de calor e segurança, em que a pessoa se sente mais apoiada para
enfrentar as suas adversidades. Pode-se dizer que o hospital é um lugar de “cura física”
e “adoecimento psicológico”, por todos os motivos já comentados no primeiro capítulo.
A internação representa um momento de angústia e de ameaça à integridade pessoal.
Vale relembrar as autoras mencionadas anteriormente, Lage e Holanda (2007), que
consideram a internação um entrave no desenvolvimento infantil, e Romano (1999),
Ferro e Amorim (2007), que apontam a hospitalização como um evento de
desestruturação familiar. Tanto as crianças como os seus acompanhantes precisam se
sentir apoiados durante a hospitalização, para que possam se sentir fortes para superar as
dificuldades desse momento e vivenciá-lo mais facilmente.
Outra função dos recursos utilizados na atuação do projeto refere-se à
motivação das crianças à alegria.
Deixar uma mensagem, pra a criança também, pra que ela entenda, ou
mesmo a mãe, dizer da importância do abraço, do carinho, para a recuperação
da criança... Colocar isso para a mãe, também. Tem muita música, a gente
tem as músicas do projeto, que falam da alegria, fala pra esquecer as
tristezas... (ARRELIA, R.23, L.273-277).
É uma oportunidade também, da gente fazer com que a criança veja aquela
situação, que às vezes é só mais uma intervenção, aí ela, “ah, lá vem o
médico de novo, mexer comigo!”, mas naquele momento ela vai ver que é
uma brincadeira, ela vai enxergar aquilo com outros olhos... (ARRELIA,
R.25, L.313-316).
60
Centrada não objetiva o crescimento pessoal. Essa diferença de objetivos não invalida
as aproximações que até agora foram feitas e as que virão a seguir; já que, como visto, a
proposta de relações humanas de Rogers, calcada nas atitudes facilitadoras, é possível
de acontecer entre seres humanos, e não somente em situações psicoterapêuticas. É
preciso lembrar que os integrantes do projeto, durante as visitas, estabelecem relações.
Nesta pesquisa não se procuram similaridades entre objetivos, mas entre as relações
aqui descritas, a proposta por Rogers e a que acontece através da atuação do Projeto Y,
bem como suas implicações.
Eu faço, às vezes, é auscultar, ficar ouvindo o coração e digo “ah, esse aqui é
forrozeiro! Tô ouvindo um forró!” [...]. Tem o transplante de nariz, tem a
anestesia, tem a brincadeira, toda uma preparação, que a gente faz com os
pacientes, levanta o braço, bota o “suvacômetro”, pra ver como está a
temperatura; tem o reflexo patelar, que a gente fala “patolar” que a gente dá
uma batidinha no joelho aí faz um mungango, tem os “comprymydos” que a
gente dá, que são os abraços bem fortes que a gente dá, que é o
“comprymydo” bem apertado, que a gente fala! (ARRELIA, R.23, L.263-
271).
61
É aquela oportunidade que você tem de não ser você, entre as aspas né, e ser
você... É, assim, de você conseguir chegar até a criança né, você bota a
máscara e aí você pode ser quem você quiser, embora, quem estuda o
palhaço, você vê que, no final, é você mesmo né, o seu eu, aquela coisa, mas
é a possibilidade de ser quem você quiser para fazer o que você quer com a
criança. [...]. O palhaço me dá a liberdade de eu ser quem eu quiser... de eu
poder ir no hospital que eu entro como estudante de medicina, eu tenho que ir
toda de branquinho, eu tenho que andar normal... lá eu chego, aí eu subo a
escada, desço pelo corrimão e caio... (PIMENTINHA, R.14-15, L.126-136,
grifo nosso).
É tanto que às vezes a gente, na vida real age... “ah, eu não vou fazer isso, o
que os outros vão pensar de mim?”, e como palhaça, eu faço tudo o que
quero! Eu dou um abraço em que eu acho que é legal e que eu não teria
coragem de dar! Ou então, eu fresco com aquela pessoa muito chata do
hospital! Aquele porteiro antipático, que eu brinco com ele, entendeu? Ou
então aquele médico chato, um professor que vem passando... Então, eu acho
que isso foi muito legal! Você tem essa liberdade. (ARRELIA, R.21, L.203-
209).
62
acho que dá um vazio na mente! É só alegria, né? Pelo menos, eu tento me deixar aberta
pra o que possa acontecer”. (R.36, L.430-432).
Faz parte da postura dos integrantes a necessidade de se respeitar a criança e
o seu momento. Diferente de apresentações artísticas, o que acontece durante as visitas
são interações, em que será respeitada a vontade da criança, seja para brincar daquilo
que ela quiser, seja para respeitar seu desejo de não brincar, para que aconteça uma
interação bem sucedida, que não faça daquele momento mais uma experiência invasiva
e desagradável.
63
respeito e acolhimento dos anseios da criança, e a compreensão empática, pela
necessidade de compreender e “adentrar o seu mundo” de modo consentido e
respeitoso, ou seja, de estabelecer a interação com a criança procurando entendê-la. Em
outras palavras, permitir-se vivenciar aquilo que a criança manifestar, pois é ela quem
define o que acontecerá na brincadeira.
Faz parte dos cuidados com a criança considerá-la como ser humano em
detrimento do ser doente e mostrá-la essa consideração.
[...] por mais que acabe se impressionando com a doença do paciente, que às
vezes tem uns que ficam com umas deformidades e tudo, da gente tentar
conter as emoções, que às vezes é muito difícil! A gente, principalmente
visitando o Hospital do Câncer, e ter criança sem braço, sem perna, bem
carequinha, bem magrinha, com a face bem sofrida... E você acaba chocando,
né? Mas é pra gente não demonstrar isso, porque a gente tá ali, não pra ver
o aspecto da criança, pra gente tentar enxergar ela com outros olhos.
(ARRELIA, R.24, L.280-286, grifo nosso).
Eu vou estar ali, e posso ter contribuído pra ela esquecer por um minutinho
só, a dor que ela estar sentindo! Pra tentar amenizar, aliviar, pra tentar fazer
64
com que ela se sinta mais alegre, que ela possa ver que o hospital não é esse
ambiente tão pesado, como parece, que as pessoas têm a cara fechada, que ela
não pode conversar, não pode brincar! (ARRELIA, R.12, L.88-93).
[...] é ter cuidado com o que falar, esse negócio de “ó, o menino vai ficar
bom...”. Pode ser que ele não fique bom. É melhor dizer assim: “Vai
melhorar!” a gente dá aquela mensagem mais otimista, mas eu acho que esse
negócio de dizer que vai ficar bom, que vai ficar curado, eu acho meio
sacanagem. [...] por que pode encarar como promessa. (PIMENTINHA,
R.26-27, L.252-257).
65
4.3 Discussão sobre o tema “Resultados do Trabalho do Projeto”.
Eu sei que tinha uma criança lá, que ela tinha... [...]. Eu não sei o que era, só
sei que a criança estava meio que inerte, e eu mongol, cheguei lá desavisada,
[...]. Aí, eu cheguei, olhei para a criança e disse assim: “Ah, eu vou fazer uma
coisa. Se eu jogar um negócio para ti, tu segura?”. Aí a mãe pegou e falou
assim: “Não, ela não se mexe.”. [...]. Toquei na ferida, né... Aí eu, já estava
lá, né, “mas mesmo assim eu vou fazer”. Aí peguei e dei um beijo na minha
mão e joguei no ar para ela pegar. Aí ela pegou assim e mexeu, fez um
movimento com os dedos, como se quisesse fechar. [...]. Naquela hora a
gente viu assim que poderia ter uma transformação. Uma menina que
aparentemente não interagia com ninguém nem nada, ela realmente estava
entendendo o que estava falando. (PIMENTINHA, R.54, L.572-589).
[...] nesse dia, tinha uma senhora, que estava sentada, com um travesseiro na
mão. E a gente passou, e eu lembro que a gente nem interagiu com ela. A
gente foi direto para as crianças. Eu observei que a senhora ficou só olhando,
muito séria, sabe? Não deu um sorriso. Tudo que a gente fazia, ela não sorria!
[...]. E quando a gente estava indo embora, eu fiquei com aquilo na minha
cabeça, e foi uma visita muito legal, e tava todo mundo rindo. E ela não ria.
66
Então, eu voltei, só fiz sentar na perna dela e dei um abraço nela, só isso. Ela
começou a chorar, chorava, chorava, e eu fiquei sem saber o que falar, e de
repente... Aí eu falei; desejei que ela tivesse uma bom dia, que Deus desse
forças pra ela, aí ela disse assim, “olha, você não sabe como esse abraço foi
bom pra mim! Você não sabe, como isso mudou o meu dia!” E agradeceu
muito! (ARRELIA, R.22, L.225-234).
Tem muito caso no HU, de criança que faz transplante. Elas ficam em
isolamento. Então elas ficam no quarto com vidro e tal, e que muitas vezes a
gente podia passar batido e nem visitar ela, porque ela tá isolada, mas a gente
procura artifícios, pra tentar interagir com elas! Fazer brincadeiras pelo do
vidro. A gente têm tido experiências muito legais. Da criança ficar super feliz
da gente ficar soltando bolinha de sabão pela janela... (ARRELIA, R.24,
L.296-301).
A criança que era quieta, no canto dela, não falava com ninguém, mas depois
da visita passou a falar mais... [...]. Tem criança que vai fazer uma cirurgia, e
ela tá tão nervosa e a gente vai lá visitar, e daí a gente perceber que ela fica
menos ansiosa por que pelo menos esqueceu um pouquinho que ia fazer a
cirurgia. (ARRELIA, R.34, L.408-412).
67
A transformação da perspectiva da criança em relação ao hospital culmina
numa alegria, no alívio da ansiedade e do sofrimento, ou seja, numa melhoria de estado
para enfrentar a hospitalização, o que não deixa de ser uma transformação de si. Tal
transformação pode se aproximar à manifestação da tendência realizadora, existente em
cada indivíduo. Como visto no segundo capítulo, a tendência realizadora se trata de uma
tendência ao desenvolvimento inerente a todos os organismos vivos, inclusive os seres
humanos, compreendidos por Rogers como seres dignos da confiança de que têm a
capacidade para caminhar rumo à maturidade. Tal tendência pode ser deturpada ou
liberada, dependendo das condições em que se encontre o organismo. São as atitudes
facilitadoras que proporcionam ao ser humano a liberação desta tendência.
68
Uma das entrevistadas relatou perceber que a atuação do projeto
proporciona ao acompanhante a confiança no hospital pelo cuidado destinado ao
paciente.
69
então, obviamente, a gente vai estar pensando muito na doença e , querendo
ou não, se a gente ficar só nessa, tendo aquele ritmo acadêmico, a gente vai,
às vezes por defesa própria, vai ignorar, um pouco, o impacto que aquela
doença tem no paciente. [...]. E o “Y”, por a gente estar em contato com o
outro lado do paciente, com o outro lado da história, a gente tava
relembrando, relembrando, relembrando.
(PIMENTINHA, R.32-34 L.345-353).
Eu penso que é por essa vivência, que a gente tem com os pacientes, como
seres humanos, como pessoas, e, não, só como aqueles portadores de doença.
Eu acho que isso facilita a interação, pra nossa vida futura, como profissional
médico, eu acho que fica mais fácil de abordar o paciente, até de ter mais
empatia, de sensibilizar mais com a dor dele, que é muito da empatia, de você
se colocar no lugar dele, de você ter essa capacidade. De você ter a
compreensão da dimensão daquela doença dele. Às vezes, ele tá sentindo
aquela dor, mas, será que é só aquela dor física? Ou tem todo um contexto
emocional que pode estar contribuindo pra agravar aquilo? [...]. É ver como
um todo, como um ser completo! (ARRELIA, R.27, L.325-339).
70
médico seus sintomas, seu cotidiano, e não se sente tão constrangido ao se despir para
ser examinado, pode ser vista, segundo o prisma da teoria de Rogers, como uma relação
em que o médico é capaz de proporcionar segurança ao paciente, para que este sinta
mais liberdade de se expor, certo de que não será desrespeitado ou invadido.
Segundo as entrevistadas, a participação no Projeto Y influenciou não
somente a postura tomada quando de um atendimento mas também a concepção de
prática profissional humanizada. Através da entrevista, foi possível perceber que as
entrevistadas, ao ingressar na faculdade, tinham uma concepção de humanização da
prática médica, como salvacionista, construtora de um mundo melhor, que consideram
hoje como idealista e romântica.
Eu queria fazer uma coisa tipo Patch Adams... É inevitável, né... Que era a
identificação que a gente tem... E eu, como eu queria medicina, aí pronto, eu
também quero fazer um hospital muito massa, que as pessoas possam ser
melhor atendidas, quebrar um pouco o negócio do paciente lá...assim, tudo é
muito voltado só para a doença e quero chegar lá, eu quero alegrar o pessoal,
fazer um mundo melhor, né... [...] porque quando a gente pensa nisso, a gente
acha que o paciente vai curar porque eu fiz ele sorrir, a gente vai vendo que
não é bem assim... Realmente dá uma ajuda, tudo, mas não é como uma
varinha de condão, a gente tem uma pequena ajuda, né... Assim, a gente
sempre quer que tenha aquela transformação total e a gente vê que não é
sempre aquela transformação total [...]. (PIMENTINHA, R.7-8, L.36-51).
O projeto, então, mostra ser um meio para que os estudantes possam entrar
em contato com o paciente com uma perspectiva diferenciada deste, costumeiramente
visto no meio acadêmico como um objeto de estudo, em que a sua doença, o seu caso
clínico deve ser o foco das atenções. Através da relação entre palhaço e pessoa, os
71
estudantes têm a oportunidade de conhecer o paciente como ser humano e levar a
experiência desta relação para a sua postura profissional.
A concepção de prática humanizada dos integrantes do Projeto Y também
envolve a noção da importância do trabalho em equipe multiprofissional, uma vez que o
projeto conta com o trabalho de estudantes de Medicina, Psicologia e Enfermagem.
[...] embora às vezes a gente tenha uma preocupação com a hora para sair,
mas chega uma hora que, realmente, a gente se entrega às brincadeiras,
àquele momento divertido e isso é bom... [...]. Saber que a gente está fazendo
o bem a alguém, saber que a gente está alegrando alguém, saber que a gente
está dando ânimo... É, massageia o ego da gente, é bom, claro... Você está
fazendo bem a alguém, isso é bom para a gente também, saber que a gente
como pessoa a gente está fazendo alguma coisa boa... [...]. Saber que a gente
está interferindo, de alguma forma, ali, talvez, até na evolução da doença...
Alguns muitos casos, eu acredito que tenha essa ação, né, na evolução da
doença, assim, de ajudar a criança a acreditar mais que ele pode vencer,
mudar o humor dela. [...]. Você se sente útil na vida (PIMENTINHA, R.47-
50, L.492-508).
72
Uma relação facilitadora que também é mútua, que só é capaz de levar ao crescimento
se ambos se permitirem reconhecer seus sentimentos e suas atitudes e viver aquele
momento presente.
[...] como o Y pra mim, pessoalmente, eu acho que me enriquece. Até, assim,
depois de uma visita, acaba se sensibilizando com algum paciente, com
alguma doença... Às vezes alguém fala alguma coisa pra gente, e acaba
marcando, e você acaba aprendendo a dar mais valor a sua vida, a achar que
nossos problemas não valem nada diante da vida de alguns pacientes, que,
fora a doença, tem problemas financeiros difíceis, familiar. Faz refletir
também a importância de uma simples conversa, ou um simples sorriso! Pra
alguém, como isso pode mudar o dia dela, e que, às vezes, pra gente, não vale
nada. [...]. E você vê o quanto foi importante aquele trabalho que você fez!
Acaba que a visita é mais terapêutica pra gente, também! (ARRELIA, R.22,
L.217-238, grifo nosso).
73
valorização a faz refletir e a modifica. A estudante cresce com o paciente, com o
aprendizado que este lhe proporcionou.
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“[...] se a coisa não te emociona, se a coisa não te faz chorar, ela fica
distante, e talvez você se torne menos humano por que não levou o paciente
pra casa.”
(PROJETO Y, 2008a)
75
É possível afirmar que os objetivos deste trabalho foram cumpridos. Foi
possível conhecer o Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde, compreender como duas de
seus integrantes percebem as suas atuações no projeto e as relações que estabelecem
com os pacientes durante as visitas hospitalares e, a partir de então, estabelecer
aproximações entre a relação palhaço-estudante e paciente, segundo a perspectiva das
entrevistadas, e a relação facilitadora proposta por Carl Rogers.
Vale frisar a importância de ampliar a investigação das experiências dos
demais integrantes, para que se tenha acesso a mais opiniões e percepções que podem
concordar, divergir ou acrescentar novidades às ideias das participantes que aqui foram
exploradas.
Esta pesquisa trouxe reflexões quanto à discussão sobre a humanização das
práticas de saúde no contexto acadêmico, nem sempre lembrada por professores e
estudantes quando da prática no hospital. As entrevistadas mostram que há a discussão
desta temática, mas que nem sempre esta é exercida na prática, por falta de orientação
docente adequada, por inexperiência dos estudantes em lidar com os pacientes, por
defesa e por necessidade constante de entrar em contato com aspectos sofridos e
dolorosos do paciente ou por visualizar neste um objeto de trabalho em que a única
coisa importante e necessária a ser feita é a descoberta do diagnóstico e a cura da
doença.
A teoria de Rogers, apresentada aqui ao Projeto Y, pode fornecer um auxílio
na sua atuação com pacientes, além de uma fundamentação desta prática e da
importância das atitudes que são tomadas pelos palhaços-estudantes quando das visitas.
A aproximação que se mostrou possível de ser feita entre a prática dos
integrantes do Projeto Y e a proposta de relações humanas de Carl Rogers mostra a
estudantes e profissionais a possibilidade de se trabalhar tendo como foco a melhora do
estado do paciente sem esquecer que vê-lo como o ser humano que é, que tratá-lo como
pessoa, sem desconsiderar seus sentimentos ou a sua história, contribui para a melhora
de seu tratamento. Tanto o Projeto Y quanto a Abordagem Centrada mostram que o
caminho para o tratamento humanizado está em manter o paciente personalizado, ou
seja, respeitá-lo e não se esquecer de considerá-lo como a pessoa que ele é, capaz de
proporcionar uma relação de afetamentos, aprendizados e enriquecimento pessoal. Vale
aqui mostrar o discurso de um dos integrantes, que fala sobre a oportunidade que o
projeto oferece aos estudantes de experimentar ter uma perspectiva diferente dos
pacientes, como seres humanos capazes de afeto, e não como objetos de estudo.
76
Esse momento não foi engraçado, mas é um momento que eu vou dizer pra
vocês que é como o Y tem a capacidade de fazer com que você crie afeto e
intimidade com as crianças. Tinha um meninozinho lá que ele tava muito
doente do fígado. [...] eles [os médicos] não estavam conseguindo achar a
cura pro menino. Ele era contra todos os palhaços, menos uma em especial,
era a Dra. C., que é a M. Ele só gostava dela, era incrível. [...]. A M. chegava
lá e transformava o soro em nave espacial, transformava as máquinas que
viam como tava o coração dele em informações pelo computador da nave.
Ele gostava muito e entrava no jogo com ela. Teve um dia que a gente soube
que ele havia morrido, e a enfermaria tinha ficado menor sem ele. [...].
Quando a gente foi encontrar a M. e a gente falou isso pra ela, teve um
momento de parar assim, como se fosse uma lembrança, e ela chorou. [...].
Eu acho que a M. naquele momento aprendeu o que é lidar com alguém,
alguém no hospital mesmo. Não é simplesmente um objeto de estudo, era
alguém a que ela tinha se afeiçoado. (PROJETO Y, 2008a, grifo nosso).
A ciência, como a terapia e todos os outros aspectos da vida, tem sua raiz e se
baseia na experiência imediata, subjetiva, de uma pessoa. Ela brota da
vivencia interior total, organísmica, que é comunicável apenas em parte e
imperfeitamente. É uma das fases da vivência subjetiva. É por reconhecer o
valor e a satisfação nas relações humanas que entro numa relação chamada
terapêutica, onde os sentimentos e o conhecimento se fundem numa
experiência unitária que é vivida em vez de analisada, cuja consciência é não-
reflexiva e em que eu sou mais um participante do que um observador
(ROGERS, 2001a, p.254, grifo nosso).
Rogers aqui mostra que a implicação do ser humano em sua atuação o torna
participante, ser ativo no processo que se constrói, e não um mero observador. As
experiências em visitas possibilitam aos estudantes do Projeto Y reconhecer seus
valores pessoais e os permitem imbricá-los em futuras relações com pacientes, vistos
tão como pessoas quanto são os profissionais, sem que necessariamente o trabalho
técnico seja prejudicado pelo envolvimento de sentimentos e comoções.
Esta pesquisa propicia vários questionamentos, que podem se transformar
em futuras outras pesquisas. Após percebermos que as atitudes propostas por Rogers
são possíveis de se tomar no contexto hospitalar, é possível questionar qual a
importância e que impacto têm tais atitudes para o tratamento dos pacientes segundo a
77
perspectiva destes. Certamente, se esta questão fosse futuramente respondida, a
importância da prática de humanização se tornaria mais clara aos profissionais e
acadêmicos.
É possível também questionar como a teoria de Carl Rogers pode
fundamentar a prática do psicólogo no hospital para além da contribuição à
humanização da saúde e, ainda, como esta mesma teoria pode colaborar, em sala de
aula, para uma formação humanizada de acadêmicos de saúde.
Outro questionamento possível é como a teoria de Rogers pode contribuir
para a proposta da Clínica Ampliada, da Política Nacional de Humanização (PNH)
Humaniza SUS, que visa, através do trabalho conjunto, multiprofissional, fornecer um
tratamento clínico, considerando o paciente como ser holístico e, portanto, os vários
contextos que regem sua vida de modo a interferir no seu tratamento, e tem como
sugestão para a prática clínica a escuta atenta, a construção de vínculos entre paciente e
profissional. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
Por fim, é um desejo da autora que esta pesquisa não se dê por encerrada,
que possibilite a concretização de mais outros estudos e que os leitores que
compartilharem das ideias aqui apresentadas possam ter, se não ao menos a certeza, a
esperança de que é possível ser os personagens que quiserem ser, profissionais, pais,
religiosos, amigos etc., sem que esqueçam que são seres humanos. É possível exercer
tais personagens com competência lembrando que são pessoas lidando com pessoas e
que não importa que personagens são exercidos: em essência, o outro é seu semelhante.
78
REFERÊNCIAS
ADAMS, P. Humour and Love: the origination of clown therapy. Postgrad. Med. J. p.
447-448. Disponível em: < pmj.bmj.com >. Acesso em: 12 de Jan 2007.
____________ Por uma Psicologia Humana. São Paulo: Alínea Editora, 2001.
79
DIAS, R. R. et al. In.: BAPTISTA, M. N.; DIAS, R. R. (orgs.). Psicologia Hospitalar:
Teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.
DOUTORES DA ALEGRIA. Boca Larga: Caderno dos Doutores da Alegria N.1. São
Paulo: Doutores da Alegria, 2005.
FELLINI, F. Fellini por Fellini. Porto Alegre: L&PM Editoras Ltda., 1974. Disponível
em: < http://www.grupotempo.com.br/tex_fellini.html > Acesso em: 10 de Nov 2008.
____________ Como amar uma criança. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1986.
LECOQ, J. Le Thêatre du geste. Paris: Ed. Bordas, 1987. Disponível em: <
http://www.grupotempo.com.br/tex_busca.html > Acesso em: 09 de Mar 2009.
80
___________ Boas Misturas: a ética da alegria no contexto hospitalar. São Paulo:
Palas Athena, 2003.
ROGERS, C. et al. Quando fala o coração. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987a.
___________ Sobre o Poder Pessoal. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001b.
81
ROGERS, C. R.; ROSENBERG, R. L. A pessoa como centro. São Paulo: Editora
Pedagógica Universitária, 1977.
82
APÊNDICES
83
APÊNDICE 1
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)
84
APÊNDICE 2
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Dados Pessoais
1. Idade:
2. Sexo:
3. Curso:
4. Semestre:
Dados Seletivos
8. Que idéias do Projeto Y, ou a que este é adepto, colaboram para a sua atuação
enquanto integrante do projeto na pediatria do HUWC?
9. Qual (is) dessas idéias você acredita que tenha principal influência sobre a sua
postura adotada durante a visita?
10. Para você, como a figura do palhaço, em geral, contribui para a sua atuação com
as crianças internadas durante uma visita?
11. Que tipo de atividades são desenvolvidas na capacitação e que importância você
atribui a elas?
12. Descreva como você costuma interagir com a criança numa visita à Enfermaria
de Pediatria do HUWC.
13. Que precauções devem ser tomadas durante as visitas? O que se deve evitar que
aconteça?
14. Que recursos você costuma usar na interação com a criança e que importância
você atribui a eles?
15. Como a atuação no Y pode colaborar para sua relação com pacientes, enquanto
acadêmico ou futuro profissional?
16. Você já teve contato com algum paciente antes de integrar o projeto? (Se sim,
responder as próximas questões, se não pular para questão nº19)
85
17. Você nota diferenças entre como você percebia o paciente antes de ingressar no
projeto e como você o percebe atualmente? Se sim, quais são essas diferenças e
por que você acha que elas surgiram?
18. O que você nota em relação a como você percebe o paciente e como outros
estudantes/profissionais o percebem?
19. Você percebe que mudanças você proporciona ao paciente quando realiza uma
visita?
20. Você acredita que o momento da visita lhe proporciona algo? Se sim, o que?
21. Que sentimentos são despertados em você enquanto realiza, e após, uma visita?
Considerações do Entrevistado
23. Num âmbito geral, que principal (is) lição(ões) a atuação no Projeto Y lhe
proporcionou?
86
ANEXOS
87
QUADRO TEMÁTICO
88
E., P.25, L.309-310 - Que importância você atribui a
esses recursos que você utiliza? Qual a importância que tu
vê dessas brincadeiras?
A., R.25, L.311-318 - Eu acho que é importante porque
acaba que é uma ferramenta pra gente tentar contato com
a criança. Não deixa de ser um canal, de abrir um canal
com a criança, aquela brincadeira! É uma oportunidade,
também, da gente fazer com que a criança veja aquela
situação, que às vezes é só mais uma intervenção, aí ela,
“ah, lá vem o médico de novo, mexer comigo!”, mas
naquele momento ela vai ver que é uma brincadeira, ela
vai enxergar aquilo com outros olhos... Talvez, quando o
médico for consultá-la, veja com mais tranqüilidade, não
fique tão apreensiva. Enxergar com outros olhos!
89
falei antes! Mas... se sensibilizar com a dor do outro,
e uma coisa que eu vejo muito, a gente tá lá,
interagindo com a criança, e ela tá toda cheia de
lesão, tá muito doente, e eu nem me ligo em saber
qual a doença que ela tem. No momento, aquilo não
me importa. Eu estou ali com outro objetivo,
entendeu? É, acho que basicamente é isso...
A., R. 10, L.68-72 – (...) outra coisa, que a filosofia
do Projeto é a própria humanização da saúde! E para
o palhaço, isso é bom, até pra quebrar o gelo com os
outros profissionais, que também interagem com a
gente, e que, quando vê a gente, até se sensibilizam,
(alguns) e acabam refletindo sobre o trabalho deles,
sobre o que eles podem fazer para melhorar.
90
expressão, capacitação do D. que fazia as músicas, que ele vinha
descoberta. ensinar para a gente, então era uma coisa que a gente
usava nas visitas. A história da higienização das
mãos, na época, de fato foi bom para a gente, deve ter
diminuído a contaminação, foi importante. Então,
além da importância do aprendizado em si, eu acho
que tem outra importância ainda de momento em
grupo, momento de interação de grupo, eu acho que
isso também é importante... Era um momento que
todo mundo se reunia, todo mundo se juntava, para
fortalecer os laços do grupo.
A., R.14, L.109-130 - Assim, capacitação de estudar
um texto, e falar pro pessoal, comentar um texto
sobre comportamento infantil, alguma coisa... Fazer
uma capacitação de malabares, pra ser uma
ferramenta para a gente utilizar na visita, entendeu?
Tanto essa do malabares como essa da leitura de um
texto, eu acho que contribui pra a gente tentar
elaborar uma visita melhor, e não simplesmente só
brincar. (...). A gente já teve capacitação de mágica,
de balões, que são muitas coisas que a gente leva na
visita... Que mais... Capacitação de gags, é um jogo
de interação com os palhaços, que a gente faz uma
espécie de esquete, uma brincadeira pra ter uma carta
na manga, pra quando chegar lá, para interagir com a
criança, ter tipo uma piada pronta. Nem tudo é só
improviso. Claro que muito do que a gente usa é
improviso, mas a gag ajuda, pra tentar fazer uma
coisa mais elaborada na visita! Aí, no caso, já teve
capacitação de gag, até pra gente treinar, assim, como
eu te disse; que faço muita paródia das situações
médicas; atendimento médico; uma ausculta, como é
que eu vou fazer, transplante de nariz, como vou
fazer um exame físico, da criança, já teve gag
treinando esses aspectos, né? Que mais que
teve?...Capacitação de origami, que também são
coisas que a gente leva na visita. Pra deixar alguma
lembrancinha pras a criança. Pronto, é basicamente
isso que a gente teve, eu acho... E tem outra
capacitação. A gente teve de como fazer reuniões, e
tudo, sabe? Esse tipo de capacitação, pra tentar
melhorar o entrosamento do grupo (...).
A., R.19, L.176-185 – Ele [M.] fez muito exercício,
mais ou menos parecido com o de vocês. Muito
exercício de expressão corporal. De procurar as
energias escondidas no nosso corpo. Ele se baseava
muito com a idéia do Teatro Oriental. (...). Tinha
exercício de energia, né? De aquecimento, tinha outro
exercício da gente conhecer o corpo, e a possibilidade
que o corpo tem; de movimento; de expressão facial;
91
de voz, de mímica, que faz parte da expressão facial.
Que mais? Aí, nesse momento, nas oficinas, a gente
fazia jogos; jogos infantis, pra gente se soltar! É... Ele
fazia jogos de dupla, de esquete pra gente trabalhar
em grupo...
A., R.20, L.187-197 - E trabalhar com improviso! Ele
[M.] colocava muitas situações, pra gente fazer, sem
falar, pra ver como você age em determinada
situação, entendeu? Ele falava muito de buscar o
vazio, pra a gente não programar muito o que vai
fazer, que é o que a gente usa muito no hospital! Que
não adianta, a gente pode é ter gag, pode é ter cartas
na manga, ter brinquedos, tudo, mas sempre a gente
vai lidar com o improviso, nunca vai ser bem
programado, como a gente espera! Então, a gente
fazia muito isso. E depois, tinha algumas reflexões.
Depois de cada dia, tinha reflexão sobre o significado
que teve cada atividade, tudo! É... Basicamente isso.
A gente discutia muito, também, entre si. Foi legal
pra conhecer melhor o grupo. Conhecer a filosofia do
Projeto, conhecer os tipos de clown, o Augusto, o
Branco!
92
momentaneamente era criança maior, rapazinho, mocinha, assim, pré-
a perspectiva do adolescente. Aí era ruim porque você sozinha não
hospital para a dava para ter a interação legal com outro palhaço,
criança e não dava para fazer macacada, palhaçada e com a
tranqüilizar sua criança dava pra ficar de piadinha. Aí com pré-
estadia, propõem a adolescente, eles são meio um saco, né, eles não
brincadeira e colaboram muito, né. Então, a gente acabava meio
deixam a criança que conversando. Aí, nesse conversando, acabava
guiar o momento. também entrando na doença. “Ah, tudo bem? Como é
Ambas dizem que tá?”. Várias vezes aconteceu de acabar
sentir preocupação entrando... “Quando fica bom da doença?”, e a
e ansiedade antes criança... “Eu não sei”... Eu tinha que tomar cuidado
das visitas, euforia com isso... Se eu começasse a conversar, como
e alegria durante as palhaço, conversar com a criança, conversar sobre a
visitas e alegria, vida da criança... Nem sempre dava para a gente ficar
agitação e reflexão naquele mundo de palhaçada, de fantasia... Não sei se
depois das visitas. isso já aconteceu contigo, mas... Às vezes acabava
que a gente entrava num... Era como se fosse um
Palavras- outro voluntário, como um voluntário qualquer que
chave:interação, chegasse lá só para conversar e ter aquele papo bom,
solidão, conversa, ter aquele momento bom... Então, às vezes acabava
jogo, improviso, que com os maiores que não queriam brincadeira,
brincadeira, que achavam muito besta brincadeira de palhaço, a
preocupação, gente ficava nessa de conversa, como palhaço, mas
euforia, alegria, não dava para levar muito para o mundo da fantasia e
reflexão, alívio, acabava que falava sobre coisas do mundo real.
paródia, Assim a mocinha: “Ah, olha o que eu sei fazer, como
transformação. é lindo!”... Aí tu “Ai é, e tu faz?” Conversa da vida
da criança... Isso era legal, mas o paciente desviava.
A criança: “Ah, não estou me sentindo bem”...
P., R.51, L.510-513 – Às vezes eu sinto preocupação.
Preocupação de “Será que vai dá certo?”... É
basicamente, “será que vai dá certo?”, “será que eu
vou fazer alguma besteira?”, “será se, o que a gente
quer levar, que eu vou estar usando o bom
momento?” Eu tenho essa preocupação. “Será que a
gente vai ser bem aceito?”, também, essas coisas
assim. E tenho a preocupação com a hora: “Tenho
aula daqui a pouco, não posso me perder na hora,
então, vou botar meu despertador e não sei o quê e
não sei o quê...” e quando acaba aquele momento
assim de euforia que a gente chega tão agitado e foi
bom, às vezes pode até não ter sido tão ótimo, mas
foi bom, assim... Quando termina tudo, que deu tudo
certo, “foi bom, foi ótimo...”, aí dá aquele alívio
também e alegria, assim. Chegava na aula e agitada,
assim, e os professores chegavam: “Minha filha
calma, se acalme, você está tão agitada...”
A., R.10, L.68-72 - E até porque assim, uma coisa
que o meu palhaço faz muito, é parodiar situações
93
médicas. Parodiar o atendimento... E vai fazer uma
ausculta, sendo que é diferente da ausculta que o
médico faz, e acaba que a criança vê aquele momento
como uma brincadeira. E eu acho que quando o
médico vai atender ela, pode ser que ela fique mais
tranqüila, pode ser que ela veja que não é uma coisa
tão aterrorizante, assustadora!
A., R.23, L.252-271 - Tem muito o negócio do
improviso, de a gente chegar, tem os jogos de
entrada. De chegar no quarto, e pedir licença, aí
sempre tem uma brincadeira, “eu posso entrar?
Fazemos isso, isso e isso...” e a gente já dentro do
quarto! É sempre com uma brincadeira. Dependendo
de como a criança está, surge uma coisa na hora. Não
dá pra programar muito. E aí faz uma brincadeira,
leva bolinha de sabão, leva um balão ou então, faz
uma brincadeira com o nome dela... Eu costumo me
apresentar como a Dr. M.. Geralmente, eu vou com o
estetoscópio, falo que vou fazer uma consulta; que
vou ser a médica do dia; é sempre uma gozação! O
pessoal fica “você não é uma doutora, você é uma
palhaça!”, aí fica nessa brincadeira. Acabo
interagindo também com a acompanhante. E no HU,
as crianças nem sempre ficam no leito, acabam
saindo do quarto, e a gente acaba interagindo no
corredor. E é muito no momento que surge a
brincadeira. Eu faço, às vezes, é auscultar, ficar
ouvindo o coração e digo “ah, esse aqui é forrozeiro!
Tô ouvindo um forró!” Coisinhas assim! Ou então,
de chegar, e ouvir um enfermeiro, ou então, um
porteiro e dizer “esse aí, engoliu muito sapo, tá um
barulho estranho!” Tem o transplante de nariz, tem a
anestesia, tem a brincadeira, toda uma preparação,
que a gente faz com os pacientes, levanta o braço,
bota o “suvacômetro”, pra ver como está a
temperatura; tem o reflexo patelar, que a gente fala
“patolar” que a gente dá uma batidinha no joelho aí
faz um mungango, tem os “comprymydos” que a
gente dá, que são os abraços bem fortes que a gente
dá, que é o “comprymydo” bem apertado, que a
gente fala!
A., R.36, L.427-437 - Toda visita, eu fico muito
ansiosa! É muito pela expectativa de saber o que vai
acontecer, o que vai ter de novo, se vou conseguir
interagir, quais as dificuldades que eu vou enfrentar...
Dá um medo, de não falar nenhuma bobagem, saber
como agir em determinadas situações. A gente
sempre encontra coisas novas, com situações
diferentes. Durante, eu acho que dá um vazio na
mente! É só alegria, né? Pelo menos, eu tento me
94
deixar aberta pra o que possa acontecer. Depois da
visita, eu acho que é mais a reflexão... Eu sempre
fico refletindo como foi a visita, o que poderia ter
feito melhor, o que fiz que não foi legal, como
poderia ter abordado melhor a criança, o que poderia
ter falado... Tem muito caso que a gente vê assim,
que a criança morreu, e a gente vai abordar a mãe, ou
mesmo a criança começa a chorar quando vê a gente,
porque não gosta de palhaço mesmo.
95
licença poética pra falar o que pensa, pra fazer o que
ele quer. E a gente até, estudando sobre o clown, vê
que ele fala sobre a nossa a personalidade escondida,
que a gente faz com o palhaço o que a gente não faz
na vida real! Então, ele tem essa permissão, de você
só em chegar com o rosto todo fantasiado, a gente
perde a vergonha, e fica mais fácil de abordar, de
falar, de fazer brincadeira com a criança... Fica
melhor do que simplesmente chegar, com o rosto
normal.
A., R.21, L.200-209 - (...) o clown, ele tem essa
licença, ele permite a gente ser você mesmo! O clown
é você mesmo! É como se fosse aquela personalidade
escondida. Eu acho muito massa isso, essa
oportunidade de você... É tanto que às vezes a gente,
na vida real age... “ah, eu não vou fazer isso, o que os
outros vão pensar de mim?”, e como palhaça, eu faço
tudo o que quero! Eu dou um abraço em que eu acho
que é legal e que eu não teria coragem de dar! Ou
então, eu fresco com aquela pessoa muito chata do
hospital! Aquele porteiro antipático, que eu brinco
com ele, entendeu? Ou então aquele médico chato,
um professor que vem passando... Então, eu acho que
isso foi muito legal! Você tem essa liberdade.
96
“Deixar a doença tentar não contaminar, né, de ter a higienização.
de lado”, Cuidado para não acabar falando da doença, deixar a
“enxergar o doença de lado, na hora da visita... tentar não falar da
paciente com doença... Eu, algumas vezes eu falava sim, mas eu
outros olhos”, não acho que não era para eu ter falado.
perceber o P., R.28, L.282-285 - Não falar coisas que ofendam,
paciente como um brincadeiras que possam ofender. Tipo aquelas
doente também é brincadeiras que tem né, da menina que estava sem
uma forma de braço, de procurar o braço da menina, a menina pode
cuidado e ter ficado com raiva daquilo, né. Essas coisas...
contribuição para A., R.12, L.88-93 – Eu vou estar ali, e posso ter
aliviar a estadia da contribuído pra ela esquecer por um minutinho só, a
criança no hospital dor que ela está sentindo! Pra tentar amenizar, aliviar,
e alegrá-lo durante pra tentar fazer com que ela se sinta mais alegre, que
as brincadeiras. Os ela possa ver que o hospital não é esse ambiente tão
cuidados também pesado, como parece, que as pessoas têm a cara
significam fechada, que ela não pode conversar, não pode
respeitar a criança brincar! Então, acho que o palhaço, é uma ferramenta,
a vontade, pra isso!
entender seus A., R.14, L.114-116 - Claro que, muito da visita é o
sentimentos e o brincar, mas de ter, assim, alguma coisa por trás, de
momento em que conhecer o que tá fazendo, saber, olhar, “vou fazer
está passando. isso, eu acho que vou contribuir dessa forma”.
A., R.24, L.280-296 – (...) por mais que acabe se
Palavras-chave: impressionando com a doença do paciente, que às
respeito, vezes tem uns que ficam com umas deformidades e
compreensão, bom tudo, da gente tentar conter as emoções, que às vezes
senso, aliviar, é muito difícil! A gente, principalmente visitando o
alegrar, precaução. Hospital do Câncer, e ter criança sem braço, sem
perna, bem carequinha, bem magrinha, com a face
bem sofrida... E você acaba chocando, né? Mas é pra
gente não demonstrar isso, porque a gente tá ali, não
pra ver o aspecto da criança, pra gente tentar enxergar
ela com outros olhos. Precaução também, com a
contaminação. Porque é difícil! A gente fala com a
criança, aí tem outro perto, e a gente está sendo um
veículo pra transmissão de doença. A gente tem que
ter esse cuidado, de sempre lavar as mãos com álcool,
uma coisa desse tipo. De não tirar alguma brincadeira
que ofenda. Muito palhaço tem essa coisa de curtir
com a cara do outro, ficar “aí que narigão...”, mas
fazer brincadeira que não ofenda! Ter bom senso com
as brincadeiras, principalmente com as crianças! Ter
o cuidado de perguntar, antes de qualquer visita, se
tem alguma restrição, alguma criança que a gente não
possa fazer determinada brincadeira, que não possa
fazer muito esforço físico, se tem alguma criança que
está imunossuprimida, que a gente não pode ter
contato muito próximo. Pra a gente poder interagir
melhor com ela, sem estar prejudicando.
97
Tema: Resultados do trabalho do Projeto
98
E., P.17, L.158-159 – Como você percebe a importância
para o Projeto, desses três grupos [Medicina, Psicologia e
Enfermagem] estarem atuando juntos?
A., R.17, L.160-171 - Olha, a importância que eu vejo, é a
idéia dessa multidisciplinaridade, saber que nós estamos
trabalhando juntos, e criar essa oportunidade, da gente
estar interagindo com pessoas diferentes, com
pensamentos diferentes, isso tende a enriquecer o grupo.
É... E também, que mais? Eu acho assim: que, até na
formação da gente, a gente vive muito nesse mundinho,
pelo menos pra nossa parte da Medicina; um mundinho
muito assim, só medicina! E é legal entrar em contato, até
pra conhecer, como é a Psicologia, conhecer melhor o
trabalho do pessoal, o que estão estudando, e da
Enfermagem também, e eu acho que isso vai fazendo com
que a gente quebre barreiras, entendeu? Entre as
profissões, saber que não existe hierarquia, que não existe
melhor ou pior, entendeu? Todo mundo tá igual, todo
mundo tá pra contribuir para a saúde daquele paciente. E
isso é muito legal. Saber que a gente pode trabalhar,
construir alguma coisa legal, juntos!
A., R.18, L.173 - Ter uma visão diferente.
99
Sub-tema Descrição Unidades de sentido
Formação As entrevistadas E., P.31, L.314-315 – Como é que a tua atuação no
da postura relatam que a “Y” pode colaborar para a tua relação com os
profissional atuação no projeto pacientes enquanto futura médica?
contribui para P., R.31, L.316-330 – Inicialmente de quebrar o
facilitar a gelo, quando for preciso, principalmente com
abordagem ao criança, né. Eu estou rodando agora na pediatria. Na
paciente durante pediatria realmente dava para ver, assim, como a
atendimentos gente tinha um pouco mais de facilidade, às vezes,
médicos, criando de engabelar a criança quando estava examinando,
uma relação menos sabe. Tipo assim, criança não gosta de ser, né...
fria, de maior Ficar botando estetoscópio na criança e não sei o
confiança, e quê... Ficar medindo, pegando, assim, criança
mostrando mais geralmente abre o berreiro e não gosta, né, não
sensibilidade e aceita fácil, então, a gente já tinha a capacidade de
interesse quanto estar, assim, enganando, né, “ah, me mostra isso” e
aos seus aspectos fala de jeito tal, né. Eu notava isso com outros
pessoais. Para as colegas. Até quem gostava de criança, tinha jeito
entrevistadas, o com criança... Eu notava, às vezes, que a gente
projeto relembra a conseguia abordar melhor, na hora de fazer o exame
necessidade de e tudo, por conta disso. Aquelas coisas, quando
considerar o chega na hora da consulta, aquela de criar empatia
contexto social e com o paciente, né, a criança “e aí, cara, não sei o
os sentimentos do quê...”. Dizem assim: “Ah, qualquer pessoa faz
paciente durante o isso”. É, qualquer pessoas faz isso, mas a gente via
atendimento, para na prática com os outros colegas que tinha uma
que não se tenha diferença, que a gente conseguia criar uma empatia
uma visão apenas mais facilmente, especialmente com as crianças, do
física, voltada à que os outros colegas.
doença. P., R.32, L.332-353 – Aquilo que a gente fala de
criar uma boa relação médico – paciente [Empatia].
Palavras- Quando a gente está no início da faculdade, a gente
chave:sensibilizar, começa a ver, né, a gente vai ter o primeiro contato
desinibir, com o paciente, então, a gente tem medo. A gente
facilidade, lidar, não sabe direito... Primeiro a gente quer fazer um
relação, empatia, mundo de perguntas, aquela matéria na cabeça que
outro lado, seres está aprendendo na faculdade... “Eu tenho que fazer
humanos, várias perguntas, eu tenho que pensar na doença e o
pacientes, professor vai está olhando e não sei o quê e vou
compreensão, atender o paciente...”. A gente tem medo do
holismo. paciente que está chegando, né. Ele sabe que eu sou
estudante de medicina, eu não posso dizer burrada.
Assim, tem toda a ansiedade comum dos estudantes
de medicina e, no meio disso tudo, a gente tem que
ganhar a confiança do paciente, principalmente
porque a gente é estudante, não é o médico, não é...
Até para a gente conseguir chegar a aquele
diagnóstico, a gente tem que fazer entrevista com o
paciente. O paciente tem que colaborar com a gente.
A gente tem que saber colher certas coisas do
100
paciente. Nem sempre o paciente vai dizer o que a
gente quer, então, no nosso curso de medicina a
gente tem que aprender formas de fazer essa
entrevista, de lidar com esse paciente. A gente
aprende a estabelecer uma boa relação para... Né, de
confiança, de tudo, e eu acho que facilitou um
pouco isso. Facilitou. E até também, quando a gente
está como profissional, médico, vou falar do médico
porque é o que eu sei responder, a gente tem aquela
coisa, acaba ficando muito impessoal, claro, a gente
quer um diagnóstico, ele está doente então,
obviamente, a gente vai estar pensando muito na
doença e , querendo ou não, se a gente ficar só
nessa, tendo aquele ritmo acadêmico, a gente vai, às
vezes por defesa própria, vai ignorar, um pouco, o
impacto que aquela doença tem no paciente.
P., R.34, L.384-386 – E o “Y”, por a gente estar em
contato com o outro lado do paciente, com o outro
lado da história, a gente tava relembrando,
relembrando, relembrando.
E., P.35, L.388-390 – O que tu nota em relação a
como tu percebe o paciente e como outros colegas e
professores notam?
P., R.35, L.391-398 – É, do manuseio, é... de lidar
com o paciente, de examinar, de chegar e tirar uma
informação... Eu via a diferença com os outros
colegas. Inclusive quando eu rodei na cadeira de
Neo-nato, aí no final, a professora veio falar com a
gente e tudo, começou a falar sobre o desempenho
de cada um. Aí ela falou: “Pimentinha, você já tinha
feito algum estágio em pediatria ou alguma coisa?
Porque eu noto que você tinha um jeito com criança,
um jeito com os nenéns, assim.”. Aí eu: “Não, só o
„Y‟...”. Eu nunca tinha pegado um recém-nascido
nem nada, o primeiro contato foi aqui e tudo, mas
talvez possa ter contribuído.
P., R.36, L.400-409 - Assim, esse comentário que
essa professora fez, né: “Eu notei que a Pimentinha,
ela tinha facilidade de lidar com essas crianças. E
logo de chegada ela teve essa facilidade”, ela
perguntou se eu tinha já feito alguma coisa. Aí eu
disse que não exatamente como médica,
profissional, assim, não, tinha na coisa. E quando eu
passei pela pediatria também... e até fora da
pediatria mesmo, quando a gente passava na
semiologia, na hora de entrevistar... Eu acho que eu
não passo isso pelas minhas características de ser
assim, de ser mais acanhada, meu jeito, assim,
quando eu entrei na faculdade, quando eu entrei na
faculdade, ser mais acanhada e tudo, acho que eu
101
teria mais dificuldade para passar pela semiologia.
P., R.38, L.417-420 - Então, até na fase da
entrevista mesmo, eu me desinibia um pouco, eu
acho. Por causa do “Y”. Assim, não exatamente,
talvez pelo contato do hospital, do palhaço, mas
pela formação que eu tive para fazer o palhaço, (...).
P., R.39, L.422-427 - Às vezes o paciente chega
muito marrento, aí a gente sabe chegar, até fazendo
piadinha sabe... Sabe chegar com um pouco mais de
humor, sabe abordar, sabe quebrar o gelo, acho que
é isso. Acho que, às vezes, é um diferencial, de
saber quebrar o gelo. Não sei se isso também é
muito ruim, às vezes exagera e perde aquela barreira
do profissional, porque tem que ter, né, também,
aquela postura de profissional...
P., R.40, L.433-441 - Eu acostumada a ir brincar
como palhaço, né, com os pacientes e tal: “Ei cara e
tal e num sei o quê...” (...). Aí agora eu estou na
neo-nato, a gente está examinando os recém-
nascidos, né. Aí eu estou examinando, aí eu fico
conversando, né, porque ficar examinando calado...
“Ei cara, teu coração está assim”, “ei cara, fez cocô,
xixi...”. Aí quando eu saí, eu vi a mãe comentando
com a outra mãe, né: “ essa médica é legal, porque
ela chama meu filho de „cara‟, é legal o jeito que ela
fala com ele: “Ei, cara...”. Aí assim, ela criou uma
simpatia por mim porque quando eu ia examinar o
filho dela, um recém-nascido, que não entende nada,
mas eu ficava: “ei cara...” e num sei o quê, era
legal...
P., R.52, L.524-534 – (...) eu tenho certeza que
facilitou a minha vida. Certeza, certeza. Na questão
da entrevista com pacientes. É porque eu era bem
mais matuta, assim, sabe, acanhada e tudo.
Dificuldade de iniciar uma conversa e tudo.
Principalmente de contato inicial, de iniciar, me
ajudou bastante essa participação. Ajudou na
história de não esquecer sempre o outro lado do
paciente, a gente ia mais para a doença, de estar
sempre lembrando isso. Eu acho que eu, como a
maioria dos profissionais que entram na área da
saúde, sempre entram com aquela pontinha
romântica: “Eu vou seguir tal profissão para ajudar
as pessoas”. Então o “Y” me faz sempre lembrar
que eu estou aprendendo uma profissão, uma coisa
que vai ser o meu ganha pão, mas eu também estou
fazendo aquilo porque eu acredito que aquilo ali
vá... A minha profissão, eu vou estar ajudando as
pessoas.
A., R.,9 L.40-48 - Além de que, eu acho, pra mim,
102
eu não sei o que seria da minha formação sem o Y,
porque quando eu entrei na faculdade, eu já entrei
com o projeto. Então, eu não sei se eu me daria
melhor com os pacientes, sem o projeto, entendeu?
Porque eu só tenho essa experiência com o projeto!
Porque eu sinto, desde o início, que eu tinha
facilidade de puxar um assunto com o paciente,
entendeu? Até pra abordar o paciente! Eu acho que
isso facilitou pra mim, comparado com alguns
amigos meus, que comentavam, tanto com criança
quanto com adulto, chegavam: “Puxa Arrelia, tu
aborda bem!” O professor elogiar, assim, sabe?
Então, isso é bom! Você se sente bem! Eu acho que
o Y me deu esse suporte. De me sentir mais a
vontade... De interagir melhor!
E., P.27, L.323-324 – Como a atuação no Y pode
colaborar pra tua relação com os pacientes enquanto
acadêmica ou futura profissional?
A., R.27, L.325-339 - Eu penso que é por essa
vivência, que a gente tem com os pacientes, como
seres humanos, como pessoas, e não só como
aqueles portadores de doença. Eu acho que isso
facilita a interação, pra nossa vida futura, como
profissional médico, eu acho que fica mais fácil de
abordar o paciente, até de ter mais empatia, de
sensibilizar mais, com a dor dele, que é muito da
empatia, de você se colocar no lugar dele, de você
ter essa capacidade. De você ter a compreensão da
dimensão daquela doença dele. Às vezes, ele tá
sentindo aquela dor, mas, será que é só aquela dor
física? Ou tem todo um contexto emocional que
pode estar contribuindo pra agravar aquilo? Ou,
porque será que ele não tá seguindo aquele
tratamento? Ou, porque tem outras limitações, que
estão sendo impostas pra ele... Questões financeiras,
problemas familiares... E como a gente tem muito
dessa vivência do Projeto, de estar vendo esses
outros aspectos, eu acho que a gente acaba, pelo
menos agora enquanto estudante que eu estou tendo
que atender a pacientes e tudo, eu tendo a valorizar
mais esses aspectos. E coisas que às vezes não tá
nem no roteiro da consulta que é pra a gente fazer,
mas a gente acaba questionando... Da história do
psicossocial do paciente. É ver como um todo, como
um ser completo!
A., R.30, L.347-350 - Quando eu comecei a entrar
em contato com os pacientes, eu me senti à vontade!
Comparando com alguns colegas, que ainda hoje,
que a gente já tem 3 anos na parte prática, e, ainda
tem colegas que tem dificuldades de interagir, de
103
como abordar. Eu acho que me saio bem!
104
corpo doente. faculdade não fale... Várias vezes a faculdade fala
que a gente tem e tal... Que o paciente está com
Palavra-chave: aquela doença, e o paciente vai chegar no médico,
visão romântica, ele vai ser examinado, ele vai se despir. A ida ao
Patch Adams, médico causa uma série de, digamos, transtornos
cura, sorriso, (entre aspas) para uma pessoa, né, que ela vai ali, ela
ideal, realidade, vai falar da doença, vai falar de casos da sua vida,
transformação, vai falar sobre a sua intimidade, vai se expor, vai
possibilidade, expor seu corpo, vai... Enfim, até eu como estudante
humanização, de Medicina, se eu for num médico, vou ter todas
faculdade, lida, essas preocupações, né. E o médico, quando ele quer
paciente, respeito, saber, inicialmente, da doença, nem sempre ele vai
doença. estar se lembrando disso, entendeu. Então, embora a
faculdade na teoria fale disso, quando a gente está na
prática, nem sempre o professor de prática está
lembrando, sabe. Tinha uma professora que eu
achava o máximo, que era a Dra. M., da Reumato,
ela dizia: “Sempre que você pegar um paciente, tente
identificá-lo como alguém da sua família, para que
quando você for entrevistar, tratar ou tomar alguma
conduta, você se lembrar se fosse uma pessoa da sua
família, como é que você iria agir”, entendeu. Então,
essa história de estar pensando em outros aspectos
que aquela doença influencia, que a sua conduta
como profissional vai influenciar a vida da pessoa.
A., R.8, L.19-31 - É aquele sonho! Quando você vai
fazer medicina, pelo menos tem muito daquele ideal,
“ah, eu quero ser igual ao Patch Adams, eu quero
mudar o mundo, eu quero ser diferente, eu não quero
ser uma médica bruta...” e, logo que entrei na
faculdade, estavam fazendo a propaganda pra nova
seleção do Projeto. E como eu já tinha vontade... Eu
tinha vontade de criar um projeto desse tipo, e eu
não sabia que existia, e daí, quando eu vi pensei:
“Quero isso pra mim! Eu quero fazer isso!” E logo
assim, que no começo da faculdade até o 4º semestre
a gente não tem contato com paciente, é só aula
teórica e tudo... e foi uma oportunidade também que
eu encontrei de estar entrando em contato com eles,
e ter uma visão diferente dos pacientes, né. Eu
sempre tive essa vontade... Aquela vontade da
humanização da medicina, que, até então, eu não
sabia o significado, e, quando a gente entra na
faculdade, escuta muito falar, mas não sabe uma
forma prática de como se fazer a humanização da
medicina. E, eu vi no Projeto isso. Que era uma
saída legal!
A., R.9, L.33-40 - Eu penso assim, que é dar essa
oportunidade da gente entrar em contato com o
paciente, não como a gente faz na faculdade, onde a
105
gente vê a doença dele, querer investigar a
possibilidade diagnóstica, querer investigar aquela
lesão, olhar pra ele procurando onde é que tá a
doença. Mas, a gente ver o que tem dentro dele, que
ele tem algo atrás daquela doença, e tentar... deixa
eu ver... ver, assim, ele como um ser humano, ele
com sentimentos, ele sofrendo... Entendeu? Ou
mesmo feliz, que tem coisa pra te dar, que ele não é
só aquela doença! Entendeu? E o Y dá essa
oportunidade.
E., P.31, L.351-352 - O que tu nota em relação a
como tu percebe o paciente e como outros colegas
teus, estudantes ou profissionais médicos e tal
percebem?
A., R.31, L.353-362 - Não dá pra generalizar. Claro
que tem muito médico, até colega meu, estudante,
que tende a valorizar muito a doença, ver só a
doença. A gente vai fazer uma visita no leito, parece
que o paciente nem ta lá! O professor só começa a
falar da doença dele e falar do tratamento, e falar das
complicações na cara do paciente, como se ele não
entendesse nada. Como se ele não estivesse sofrendo
com isso, e, às vezes, quando se fala um termo
complicado, acaba assustando! Às vezes o paciente
fica, “ai, eu vou morrer! O que eu tenho?” Por quê?
Porque ele não valorizou esse aspecto! Mas também
exemplos de professores que são maravilhosos, que
valorizam muito o sofrimento do paciente, que
valoriza muito o que ele tá sentindo, as dúvidas dele,
e que você fala assim: “ah eu quero ser como ele!”.
Tem muito professor assim. Que respeitam...
A., R.32, L.364-369 – Tem muito estudante que é
humano, que são bem sensíveis, que não enxergam o
paciente como uma doença em si, como mais um
caso a ser aprendido. Que a gente tem muito aquela,
né. A gente tá conhecendo as doenças, e, acaba que
impressiona. E que fatalmente, a gente tende a
valorizar muito os achados clínicos, os resultados
dos exames, e esquece do paciente mesmo! Mas tem
muito colega que não, que não é assim...
A., R.33, L.374-393 - A gente escuta muito falar na
formação médica.. humanização... Às vezes fica até
cansativo. E é estranho humanizar o que já é
humano! Pra mim, é como se tivesse que fazer parte,
entendeu? Que não precisasse haver esse discurso!
Não dá pra dissociar, sabe? Mas tem se falado muito
sobre isso. Muitos professores falam muito, que
levam a gente refletir. Muitos não estão nem aí. E o
hospital mesmo tem muitos programas de
humanização. Tem equipe que faz, o pessoal da
106
Psicologia, da Terapia Ocupacional, a Pediatria faz
um trabalho legal. Eu acho que tem receptividade,
sabe? Agora, aqui, tem muito essa história de não
perder tempo, de que você tem que estudar mais, e o
pessoal acho que isso não é tão relevante. (...). Acho
que elas pensam nisso, “não vou perder tempo com
isso, tem coisa mais importante, tem que estudar”,
como se tivesse que estudar coisa mais concreta...
Como se não tivesse que estudar pra ser humano,
entendeu? Acaba que isso é necessário, a gente vê
isso. Bastava uma orientação a mais, entender
melhor o que significa essa humanização, qual a
importância disso, como mudaria sua relação com os
pacientes, com os outros profissionais. E como você
viveria melhor, e, com certeza, atenderia melhor!
Teria uma postura melhor profissionalmente!
107
enriquecimento, minha vida; sobre o que isso significaria pra mim,
alegria, satisfação, para o meu futuro! Pra não ser simplesmente uma
aprendizado, bem, brincadeira, mas, ter um significado, sabe?
sensibilização, A., R.22, L.217-224 - (...) como o Y pra mim,
reflexão, pessoalmente, eu acho que me enriquece. Até, assim,
contribuição. depois de uma visita, acaba se sensibilizando com
algum paciente, com alguma doença... Às vezes
alguém fala alguma coisa pra gente, e acaba
marcando, e você acaba aprendendo a dar mais valor
a sua vida, a achar que nossos problemas não valem
nada diante da vida de alguns pacientes, que, fora a
doença, tem problemas financeiros difíceis, familiar.
Faz refletir também a importância de uma simples
conversa, ou um simples sorriso! Pra alguém, como
isso pode mudar o dia dela, e que, às vezes, pra gente,
não vale nada.
A., R.22, L. 237-249 - E você vê o quanto foi
importante aquele trabalho que você fez! Acaba que
a visita, é mais terapêutica pra gente, também! Tem
dia que estou super estressada, é um dia de prova, e
“meu Deus! Eu tenho que visitar, fazer alguma
coisa!” Aí a gente faz uma visita e volta super feliz,
sabe? Todo mundo brincando! Chega o pessoal e
fala “que bom que vocês vieram! Voltam quando?”
Ou, tem dia que eu não estou nem um pouco afim,
como às vezes a gente tá cansada, e quando a gente
visita é maravilhoso! A visita é a melhor visita. A
gente tem a idéia de ser engraçada, e às vezes, nem
precisa. A gente tem essa cobrança. De pensar, que,
quando é engraçado, é melhor! As pessoas riem mais
e tal! E às vezes, a visita não é engraçada, mas as
pessoas gostam, comentam com a gente. E a gente,
“poxa, foi massa! Apesar de tudo, valeu o meu dia!”.
É diferente quando tem visita. O dia fica diferente!
Eu sinto isso. Eu me sinto mais feliz, aí converso
mais. Às vezes fico mais reflexiva.
A., R.35, L.415-424 - Eu acredito que alguma coisa
acontece no meu coração, que não sei nem explicar o
que é! Eu acho que muito daquela necessidade que a
gente tem, às vezes, de ajudar alguém... De fazer
alguma coisa boa! E que você não sabe nem até que
ponto aquilo foi bom, mas, dá uma satisfação pessoal,
entendeu? Dá uma sensação recompensadora, de que
você contribuiu de alguma forma, para tornar a vida
daquela pessoa mais feliz! De que “ah, eu fiz uma
boa ação hoje! Eu fui um anjinho de Deus”, sabe?
“Eu fiz alguma coisa boa por alguém!” É muito bom
sentir isso! E também de você refletir sobre a sua
vida... às vezes você fica estressado, chateado com
coisa tão pequena na nossa vida e que tem gente com
108
problemas muito maiores... E a gente se importa com
besteira!
A., R.36, L.437-440 - A gente vai aprendendo. Cada
visita é um aprendizado! E também a sensação que dá
pra sentir mesmo é... Alegria, depois da visita.
Sempre acontece coisa boa. Não tem jeito. Posso ter
pagado algum mico, posso ter falado alguma besteira,
mas sempre tem alguma coisa boa na visita.
E., P.37, L.441-442 – Em geral, qual a principal, ou
as principais lições que tu tira fazendo parte do Y,
como palhaça... O que o Y te proporcionou?
A., R.37, L.443-446 – Eu acho que é o
enriquecimento como ser humano, enriquecimento
pessoal, de você estar lidando com a fragilidade
humana, com os medos, as alegrias, as tristezas, o
choro! E o enriquecimento profissional, por essa
oportunidade de estar me preparando para ter uma
relação melhor com o paciente!
109
enfrentar a vida, para encarar a doença de outra forma...
E., P.41, L.443-444 – Tu percebe que mudança isso
proporciona no paciente, na hora da visita?
P., R.41, L.445-456 – Percebe, mas nem sempre. Não sei
é porque quando tu fala, vêm imagens que deram certo,
né... Às vezes eu tenho dúvida de criança muito pequena,
de bebezinho de colo, tudo... Eu acho que a transformação
acaba sendo mais na mãe. Na criança, eu te juro que... Eu
fico assim... Sorrir né e tudo, aí eu sei que transformou,
mas eu não sei que impacto aquilo vai ter na vida dela, na
cura da doença, eu juro como eu não sei. Pode ser que não
tenha nada, eu não sei. Tem na mãe... Eu acho até que
uma coisa que a gente pouco fala nisso... Eu acho que,
querendo ou não, a mãe se sente mais bem-vinda no
hospital pelo serviço... Quando ela vê que tem alguém
preocupado de alegrar o filho dela, de melhorar, mudar,
tentar levantar a criança dela, entendeu. Às vezes eu acho
que tem isso também, até da mãe se sentir bem-vinda pelo
serviço e acreditar mais no serviço dos profissionais ali de
saúde que aquela instituição está oferecendo ao filho
dela...
P., R.43, L.465-467 - Eu agora estou vendo o outro lado
da aceitação dos profissionais, então, eu vejo que os
profissionais gostam. “Vai chegar um grupo de palhaços
no hospital, daqui a pouco eles vêm aqui.”.
P., R.44, L.469-476 - Aí a gente via que os próprios
profissionais se preparavam para a chegada dos palhaços,
avisava as crianças: “olha, os palhaços estão vindo”.
Então, tinha aquela mudança, assim, levantava o astral.
Então eles se preocupavam quando sabiam que tinha uma
criança mais para baixo, então, quando chegar avisa para
ir naquela. A gente vê que eles confiam... Vêem o grupo
de palhaços como auxiliar na terapia deles, entendeu.
Acho que tem essa contribuição. “Ah, pega aquela
criança, pede para eles irem lá, vê se dá um ânimo, eles
vieram semana passada e a criança reagiu tão melhor...”.
A., R.10, L.54-58 - Às vezes, a gente vai pra a visita, não
precisa nem a gente ter uma piada, não precisa ter uma
brincadeira! Às vezes, só a nossa presença ali... Às vezes
a gente acha que a visita nem foi tão legal assim, mas, só
a nossa presença ali, a gente já consegue transformar
aquela realidade, e as pessoas agradecem, “poxa, obrigado
por ter vindo!”, isso é muito recompensador.
A., R.10, L.65-68 - Isso é uma coisa que a gente tem
visto. As pessoas comentam com a gente! Ela interage
melhor com o pai e as vezes acaba esquecendo um pouco
daquela doença, daquela dor que ela ta sentindo. Eu acho
com certeza, que isso vai acabar contribuindo pra que ela
se recupere mais rápido, né?
A., R.22, L.224-237 - Como foi uma vez, a visita lá no
110
ICC. A gente visita mais as crianças. Mas, nesse dia, tinha
uma senhora, que estava sentada, com um travesseiro na
mão. E a gente passou, e eu lembro que a gente nem
interagiu com ela. A gente foi direto para as crianças. Eu
observei que a senhora ficou só olhando, muito séria,
sabe? Não deu um sorriso. Tudo que a gente fazia, ela não
sorria! Mas, ela estava com o braço muito inchado. Eu
tive a impressão que ela fez uma mastectomia, ela tinha
alguma doença. E quando a gente estava indo embora, eu
fiquei com aquilo na minha cabeça, e foi uma visita muito
legal, e tava todo mundo rindo. E ela não ria. Então, eu
voltei, só fiz sentar na perna dela e dei um abraço nela, só
isso. Ela começou a chorar, chorava, chorava, e eu fiquei
sem saber o que falar, e de repente... Aí eu falei; desejei
que ela tivesse uma bom dia, que Deus desse forças pra
ela, aí ela disse assim, “olha, você não sabe como esse
abraço foi bom pra mim! Você não sabe, como isso
mudou o meu dia!” E agradeceu muito! Eu fiquei
pensando naquilo o dia todinho! Uma coisa tão simples,
eu nem ia falar com ela, sabe?
A., R.24, L.296-301 - Tem muito caso no HU, de criança
que faz transplante. Elas ficam em isolamento. Então elas
ficam no quarto com vidro e tal, e que muitas vezes a
gente podia passar batido e nem visitar ela, porque ela tá
isolada, mas a gente procura artifícios, pra tentar interagir
com elas! Fazer brincadeiras pelo do vidro. A gente têm
tido experiências muito legais! Da criança ficar super feliz
da gente ficar soltando bolinha de sabão pela janela...
A., R.34, L.396-412 - Pelo menos, momentaneamente, a
gente percebe que ele fica feliz. Quando sorri, quando
agradece a visita, quando pede pra a gente voltar, quando
a mãe vem comentar que ele ficou melhor, “ah! Ele ficou
tão melhor com a sua visita! Vem de novo!”. A terapeuta
fala “vocês não vem não? As crianças estão cobrando!”.
Falam que a criança interagiu melhor com as outras
crianças! A criança que era quieta, no canto dela, não
falava com ninguém, mas depois da visita passou a falar
mais... (...). Tem criança que vai fazer uma cirurgia, e ela
ta tão nervosa e a gente vai lá visitar, e daí a gente
perceber que ela fica menos ansiosa por que pelo menos
esqueceu um pouquinho que ia fazer a cirurgia.
111
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM PIMENTINHA
112
P., R.6 – Já fui com a bagagem do “Y”.
E., P.7 – O que te fez querer fazer parte do “Y”?
P., R.7 – Eu acho que é porque era aquela coisa bem mongol... (risos)... Não... Aquela
coisa bem romântica. Eu vi o filme do Patch Adams. Eu queria fazer uma coisa tipo
Patch Adams... É inevitável, né... Que era a identificação que a gente tem... E eu, como
eu queria medicina, aí pronto, eu também quero fazer um hospital muito massa, que as
pessoas possam ser melhor atendidas, quebrar um pouco o negócio do paciente
lá...assim, tudo é muito voltado só para a doença e quero chegar lá, eu quero alegrar o
pessoal, fazer um mundo melhor, né... Aquela coisa bem pueril mesmo e romântica,
assim, bem idiota mesmo, né. “Um mundo melhor, assim”... Era isso.
E., P.8 – Tu acha que essa idéia continuou, que ela quebrou... Como é que ela ficou,
assim... Essa coisa do romantismo, aquela coisa pueril e tal?
P., R.8 – Mudou porque... É assim, porque quando a gente pensa nisso, a gente acha que
o paciente vai curar porque eu fiz ele sorrir, a gente vai vendo que não é bem assim...
Realmente dá uma ajuda, tudo, mas não é como uma varinha de condão, a gente tem
uma pequena ajuda, né... Assim, a gente sempre quer que tenha aquela transformação
total e a gente vê que não é sempre aquela transformação total, mas a gente vê que
realmente tem uma... Eu, na minha opinião, assim, empiricamente, observando a gente
vê que muitos pacientes, realmente, dá uma mudança, dá um ânimo para enfrentar a
vida, para encarar a doença de outra forma... Eu acho que muda mais ainda, assim...de
ver a realidade e ver que as coisas não eram bem como a gente pensava, mas que, de
alguma forma ou de outra, dá para a gente atingir...
E., P.9 – Até porque tu esteve com o “Y” e com a medicina, né, então foi assim a
faculdade e o Y concomitantes. Quais são as idéias do Projeto, que o grupo tem em
comum, que auxiliam para a tua atuação enquanto palhaça, para a tua interação com a
criança?
P., R.9 – Aquela história que a gente via na nossa preparação, que a gente viu até no
filme Drs. Da Alegria, tudo... Era uma coisa que a gente entrava em comum e que
sempre procurava lembrar, que era a história de entender o pensamento da criança...
Que ela foi tirada do mundo dela e jogada num mundo totalmente alheio a ela e que ela
não gosta de jeito nenhum e aí a gente tentar respeitar isso. Respeitar na hora de atuar,
às vezes saber receber um não, saber a hora de recuar um pouco e procurar uma outra
abordagem. Eu acho que isso era uma coisa que a gente sempre discutia muito e eu na
visita sempre procurava colocar... Aquele negócio de chegar na porta e pedir licença
113
para adentrar o mundo dela... Outras coisas... A história que a gente bota muito, de
desmistificar a figura do médico ou do profissional de saúde, como aquele que vai
sempre estar machucando... Assim para fazer alguma coisa a mais que a administração
dolorosa, que não muito impessoal e eu procurava me lembrar muito disso quando
tentava fazer alguma brincadeira que relacionasse o exame clínico ou até uma
intervenção de dar um injeção ou alguma coisa, mas levando para o lado lúdico, da
brincadeira, para ver se quebrava um pouco, depois, futuramente, o gelo com os
profissionais, para quebrar um pouco da criança o medo... Eu procurava pensar nisso, na
hora de fazer essas brincadeiras. Eu adoro o “Y” por ele ter não só gente da Medicina e
ter da Psicologia de ter o pessoal da Enfermagem... E também eu adorava quando
chegava lá, poder interagir com os outros profissionais e tirar essa história de que “ah, o
médico é o garotão e só quer lascar os outros que não são, e o pessoal da enfermagem só
quer sacanear os médicos porque eles se acham os fodões.”. Eu achava legal ter esse
contato de poder brincar sem ter o medo de achar que o outro profissional ia ficar
pensando alguma coisa porque a gente era médico, ele nem sabia que ali era um médico,
ele sabia que era um palhaço que podia ser estudante de qualquer coisa... então, eu
achava isso legal. Sem ter aquele medo, assim, de ser rejeitado.
E., P.10 – O “Y” é formado por essas três disciplinas, né, Psicologia, Medicina e
Enfermagem. Aí, qual a importância que tu vê para o Projeto de ter esses três grupos?
P., R.10 – Eu acho que as coisas mais legais do “Y” eu acho isso, que é ter a visão que
não é só da gente que está na medicina, ter a visão... Às vezes o pessoal da Psicologia
chega com as coisas mais viajantes... Os da Enfermagem a gente acabou, infelizmente,
tendo menos contato, era mais com a K. e agora a gente vai ter mais, porque está
entrando mais gente da Enfermagem, mas de qualquer forma sempre era uma visão de
mundo um pouco diferente da nossa. Nem tanto assim na hora da atuação lá, mas assim,
durante as reuniões burocráticas, para decidir coisas, a gente via... Assim... Não, a gente
ficava muito estressado, “ah, a gente não pode fazer isso, porque a gente tem prova e
não sei o que...”, aí sempre vocês diziam “mas a vida não é só isso”. E é legal isso, às
vezes eu acho que é uma visão mais aberta do que a nossa.
E., P.11 – Tá assim mais no funcionamento do grupo, né, a diferença? E para a tua
formação profissional, tu vê que essa coisa de trabalhar com a coisa da
interdisciplinaridade tem alguma utilidade para ti?
P., R.11 – Tem, tem demais. Tem aquela coisa que eu estava falando antes, de quebrar
um pouco esses tabus que a gente tem com outros profissionais. Né, ver que realmente
114
têm coisas em comum e que dá para trabalhar em conjunto. É como eu tava falando, né,
de repente tu chega falando não sei o quê, sei lá, da teoria do tal coisa... Eu não absorvo
tudo o que tu fala, mas tem umas coisas que tu fala assim que eu: “É, eu acho legal.”...
Carl Rogers, o fulano...eu não sei o que são eles, mas eu acho legal... O A., que é da
pedagogia e fala do Rubem Alves também.
E., P.12 – De todas essas idéia que tu falou, assim, do Projeto tu acredita que alguma
delas tem uma importância maior para atuação como palhaça?
P., R.12 – Tem a de poder transformar o ambiente hospitalar. Acho que essa é a
principal. Eu acho que se a gente não acreditar nisso, que a gente pode transformar, que
a gente pode dar aquela contribuição romântica, de levantar a criança, fazer aquele
momento melhor, acho que está perdido... A gente tem que acreditar fundamentalmente
nisso... eu ia acreditando nisso, naquela hora ali, ia ser bom... Uma coisa que eu acho
massa é que no início do “Y” a gente tinha muita dúvida, a gente procurava escrever
pros Doutores da Alegria... Aí uma das palhaçadas minhas que eu nunca mais esqueci...
E., P.13 – Os Drs. retornaram para ti?
P., R.13 – Retornaram lá para o “Y”, não foi para mim não, mas é falando do encontro,
que independente da criança sorrir ou não, é fazer daquele momento um bom encontro
para você e para ela. É uma das coisas que eu mais tenho aqui na minha cabeça quando
eu visitar elas, é fazer daquilo um bom momento, fazer um bom encontro, independente
se a criança vai morrer de rir ou não, porque ela vai só passar o tempo, mas vai ser um
bom encontro.
E., P.14 – Para ti como é que, no geral, o palhaço contribui para o teu encontro com a
criança, para a interação surgir... o que é que o palhaço tem?
P., R.14 – É aquela oportunidade que você tem de não ser você, entre as aspas né, e ser
você... É, assim, de você conseguir chegar até a criança né, você bota a máscara e aí
você pode ser quem você quiser, embora, quem estuda o palhaço, você vê que, no final,
é você mesmo né, o seu eu, aquela coisa, mas é a possibilidade de ser quem você quiser
para fazer o que você quer com a criança.
E., P.15 – Então tu acredita que é aquela coisa assim, que o palhaço tem a liberdade de
ser quem ele quiser ser...
P., R.15 – O palhaço me dá a liberdade de eu ser quem eu quiser... de eu poder ir no
hospital que eu entro como estudante de medicina, eu tenho que ir toda de branquinho,
eu tenho que andar normal... lá eu chego, aí eu subo a escada, desço pelo corrimão e
caio...
115
E., P.16 – Como é que tu vê essas duas realidades?
P., R.16 – Eu aproveito bastante... Eu adoro as vezes que eu desço pelo corrimão,
porque quando mais eu vou poder descer no corrimão? Os médicos iriam falar de mim:
“Não deixa essa menina atender porque ela é doida, não pode...” e estando de palhaço
eu posso fazer o que eu quiser. Fazendo piadas bestas... falar ouvidoria e botar o
ouvido... de correr pelo hospital, correr loucamente... essas coisas... se esconder...
E., P.17 - E quanto às capacitações... Que a gente tem uma capacitação de 40 horas, né,
assim que a gente entra no Projeto e tem essas outras capacitaçõezinhas, né... Quais são
as atividades? Tu pode falar um pouquinho das atividades que são desenvolvidas?
Assim, da tua capacitação, das aulas que tu participou...
P., R.17 – É, a gente tentou fazer um bocado de coisas, mas não funcionaram muito
bem, mas no início a gente tinha a coisa da teoria... como no início era mais gente da
medicina e só tinha a R. da Psicologia... o Projeto cresceu muito dentro do
embasamento da parte da psicologia, especialmente do desenvolvimento da criança,
né... a parte de Psicologia do Desenvolvimento da Criança...então, a gente, o J., os
meninos liam algum texto e levavam para a gente, para a gente ter essa capacitação. O
M. também que é muito empolgadinho e tudo e o A. também pegava muitas
informações de clown. Tinha umas capacitações nesse sentido, era bem simples, a gente
pegava um texto sobre clown e o A. ia lá e destrinchava e discutia com a gente. O J.
também pegava algum filme sobre Psicologia da Criança e assistia com a gente. Então,
no início, a gente tinha muito essa preocupação de o Projeto não ser visto como festinha
de criança, palhaço para animar festinha de criança. Então a gente queria muito ser
respeitado, então a gente queria muito ter um embasamento teórico. A gente saía
pegando coisas, loucamente, na internet... E mesmo que na prática não funcionasse
muito, não tiveram muitas capacitações na parte teórica assim em grupo, mas a gente
baixava muita coisa na internet, então, individualmente acaba que todo mundo lia
realmente, tinha um estudo individual que eu acho que não era tão rico quanto o
coletivo, porque cada um vai ter um entendimento, então o coletivo, entrar naquele
consenso, mas também tinha essas coisas. E da parte artística tinha aquelas gags que a
gente sempre tava fazendo, quase nunca dava certo, mas de vez em quando tinha.
E., P.18 – E o que é que tinha nessas gags?
P., R.18 – Era como uma oficina de teatro, era meio que ensaiar coisas que pudessem
ser feitas no hospital. Na verdade, a nossa intenção era criar coisas ou situações que a
116
gente pudesse levar para o hospital. Mas era isso, era como ensaios e era a parte mais
artística mesmo.
E., P.19 – Isso foi na sua capacitação, né?
P., R.19 – É... E nisso funcionou um bocado que era da Dra. F., ela agindo também na
parte artística, ensinar a fazer origami, ensinar a fazer pinturas, também isso
funcionando no “Y”.
E., P.20 - E vocês chegaram a usar isso nas visitas? Pintura, origami?
P., R.20 – Origami a gente só usava quando tinha uma visita especial, aí fazia os
origamis. Eu particularmente admito que não fazia os origamis, eu só distribuía os
origamis. Ah, teve também uma oficina de balão que o A. fez fora e depois trouxe para
a gente. Também teve essa capacitação desses negócios do balão. Aí os balões,
realmente, a gente usava nas visitas... E pronto. De pintura eu acho que foi mais
contigo, aquelas pinturas que dobrava. Para mim, aquilo foi uma capacitação.
E., P.21 – Aí tu disse que era a coisa da teoria, né...
P., R.21 - Ah, teve mais... É porque eu tô lembrando agora... Teve de malabares do M.,
teve de higienização de mãos que o H. fez... Ele fez bem legal. Acho que foi na época
que a gente tava passando pela cirurgia, que a gente tinha as aulas de como aprender a
lavar as mãos. E ele fez um trabalho muito legal, porque ele estudou bem direitinho e
fez uma capacitação bem legal pra gente. Ensinando como se deveria fazer a
higienização, que até nos brinquedos deveria se passar álcool, que lavar e tal... Foi legal.
Aí teve aquela da voz, que a N. fez, de aquecimento vocal, que eu não aprendi pro resto
da vida, mas teve alguma época da vida que eu usei.
E., P.22 - Qual a importância que tu atribui a essas capacitações? Teoria, malabares,
pintura, origami, gags, coisa do teatro, como é tu vê?
P., R.22 – É importante que, como cada um tem a obrigação de dar, cada um vai atrás
de descobrir alguma potencialidade sua... “Ah, vou ter que apresentar alguma coisa,
então, vou ter que ir atrás de alguma coisa.”, então, acaba que você vai se descobrindo.
Teve uma vez que eu fiquei de dar a de origami que eu não dei, por falta de tempo, mas
eu fui atrás e acabei treinando sozinha, eu acho isso legal. A importância é por isso, pelo
conteúdo em si, que querendo ou não incrementa as visitas... Tinha a capacitação do D.
que fazia as músicas, que ele vinha ensinar para a gente, então era uma coisa que a
gente usava nas visitas. A história da higienização das mãos, na época, de fato foi bom
para a gente, deve ter diminuído a contaminação, foi importante. Então, além da
importância do aprendizado em si, eu acho que tem outra importância ainda de
117
momento em grupo, momento de interação de grupo, eu acho que isso também é
importante... Era um momento que todo mundo se reunia, todo mundo se juntava, para
fortalecer os laços do grupo.
E., P.23 – E também isso é bom no começo, né, porque tem a galera nova... Descreve
como é que tu costumava interagir com as crianças durante as visitas.
P., R.23 – A gente, a nossa formação, quando a gente foi fazer o curso, a gente meio que
treinava para fazer aquelas visitas ou em dupla ou em trio. Aí o que é que acontecia.
Inicialmente a visita era em dupla, então, a gente tentava fazer, assim , o jogo com o
outro palhaço. No início eu ia muito com o A. e como eu já conhecia ele, a gente tinha
feito a mesma oficina, então, a gente se conheceu, então era legal quando era com uma
pessoa que você já conhecia... Saía legal o jogo entre a gente... É assim como sair com
uma pessoa que a gente tinha mais convivência. Mas aí acabou que o grupo foi meio
que diminuindo o número de gente e tinha a questão das provas... Passava por várias
épocas né, que tinha uma evasão e acabava que as visitas eram de dois ou três palhaços
e para aquela ruma de gente não dava para fazer exatamente. Fazendo um balanço,
assim, acabava que muitas vezes eu interagia só com a criança. Aí, com o tempo,
acabou que eu preferia, porque eu achava que quando eu estava com outro palhaço nem
sempre a interação saía legal, às vezes ficava muito um olhando para a cara do outro,
então, por estar só e não ter como esperar do outro eu preferia às vezes estar só. Ficava
só eu e a criança.
E., P.24 - E como é que era essa coisa com a criança? Como é que você descobriu isso?
P., R.24 – Eu descobri porque era o jeito, porque às vezes chegava lá tinha... Ou então
tipo, quando eu visitava com o H.. O H. ele era o máximo, né. Ele era aquele assim das
multidões. Ficava aquelas crianças no corredor e ele ficava ali, aquele palhaço do circo
mesmo. Não era aquela terapia da criança doente no leito. Ele ficava no corredor
alegrando a pivetada e as mães e toda a equipe de auxiliares e médicos que ficavam no
corredor para ver. E eu morria de vergonha e eu não sabia fazer as coisas, eu realmente
tinha dificuldades, eu não sabia... As coisas que ele fazia eu ficava muito sem graça. Eu
não sei, o H. tinha uma capacidade. O H. chegava aí ele fazia umas piadas, fazia umas
marmotas, eu não sei... Corria e fazia aquelas quedas aí todo mundo ria... Era que nem o
A. também... E dava certíssimo e eu não sabia fazer aquelas coisas... Aí nessas horas eu
fugia e acabava que os dois ficavam sozinhos porque eu não sabia fazer as coisas... Eu
fazia aí ninguém ria de mim, aí caía o clima, era triste... Aí, eu sozinha conseguia me
virar melhor... Aí acabou que ficava muito no que eu sabia fazer... Ficava brincando de
118
exame médico e tinha muito a coisa de conversar, né... Era muito uma interação com
conversa. Era mais legal com uma pessoa que dava para fazer alguma coisa assim... Era
legal quando saía o jogo, para a criança talvez fosse até melhor... Sendo assim, acabava
que a muitas das vezes ficava mais sozinha, infelizmente.
E., P.25 – Infelizmente? mas tu acha isso ruim? Tu tira um saldo ruim disso?
P., R.25 – Não, mais no fim eu acaba preferindo, porque eu acabei descobrindo como é
que... Quando eu chegava para as pessoas eu ficava realmente... Eu entrava na crise,
né... Não era ser uma palhaça, que eu não consigo, né... Era mais interagir com o colega,
a idéia inicialmente era interagir com o colega e com a criança... às vezes dava certo e
às vezes não. Eu preferia quando dava certo com a outra pessoa, mas, às vezes ficava
sem graça mesmo.
E., P.26 – Quais são as precauções que devem ser tomadas durante a visita, o que é que
deve evitar e tal?
P., R.26 – “Vai ficar bom”. “Ele vai curar, vai curar, o negócio vai curar”. Precauções
eu acha que é mais isso, é ter cuidado com o que falar, esse negócio de “ó, o menino vai
ficar bom...”. Pode ser que ele não fique bom. É melhor dizer assim: “Vai melhorar!” a
gente dá aquela mensagem mais otimista, mas eu acho que esse negócio de dizer que vai
ficar bom, que vai ficar curado, eu acho meio sacanagem.
E., P.27 – Otimismo não quer dizer promessa, né?
P., R.27 – É, porque pode encarar como promessa. Aí, outros cuidados... É um negócio
que tem que tentar não contaminar, né, de ter a higienização. Cuidado para não acabar
falando da doença, deixar a doença de lado, na hora da visita... tentar não falar da
doença... eu, algumas vezes eu falava sim, mas eu acho que não era para eu ter falado.
E., P.28 – Tu chegava, às vezes, a falar da doença?
P., R.28 – É, às vezes,... Eu não estou lembrando de tudo, mas às vezes tinha alguma
coisa assim... Tipo quando tava sozinha, primeiro assim, você não sabia o que fazer e
ficava só aquela conversa: “E aí?”. Principalmente quando era criança maior, rapazinho,
mocinha, assim, pré-adolescente. Aí era ruim porque você sozinha não dava para ter a
interação legal com outro palhaço, não dava para fazer macacada, palhaçada e com a
criança dava pra ficar de piadinha. Aí com pré-adolescente, eles são meio um saco, né,
eles não colaboram muito né. Então, a gente acabava meio que conversando. Aí nesse
conversando, acabava também entrando na doença. “Ah, tudo bem? Como é que tá?”.
Várias vezes aconteceu de acabar entrando... Quando fica bom da doença e a criança...
Eu não sei... Eu tinha que tomar cuidado com isso... Se eu começasse a conversar, como
119
palhaço, conversar com a criança, conversar sobre a vida da criança... Nem sempre dava
para a gente ficar naquele mundo de palhaçada, de fantasia... Não sei se isso já
aconteceu contigo, mas... Às vezes acabava que a gente entrava num... Era como se
fosse um outro voluntário, como um voluntário qualquer que chegasse lá só para
conversar e ter aquele papo bom, ter aquele momento bom... Então, às vezes acabava
que com os maiores que não queriam brincadeira, que achavam muito besta brincadeira
de palhaço, a gente ficava nessa de conversa, como palhaço, mas não dava para levar
muito para o mundo da fantasia e acabava que falava sobre coisas do mundo real. Assim
a mocinha: “Ah, olha o que eu sei fazer, como é lindo!”... Aí tu “Ai é, e tu faz?”
Conversa da vida da criança... Isso era legal, mas o paciente desviava. A criança: “Ah,
não estou me sentindo bem”... Precaução também de... Não falar coisas que ofendam,
brincadeiras que possam ofender. Tipo aquelas brincadeiras que tem né, da menina que
estava sem braço, de procurar o braço da menina, a menina pode ter ficado com raiva
daquilo, né. Essas coisas...
E., P.29 – Quais são os recursos que tu costumava usar na interação com a criança?
P., R.29 – Adorava a caixinha de música, gostava muito da caixinha de música. Era uma
forma de, às vezes, acalmar aqueles que estivessem muito: “Ahhhhhhhh!!”. Muito
agitadas. “Bota a musiquinha!” ou então, também, era carta na manga... não tinha o que
fazer, aí: “Bota a musiquinha e vamos dançar”, fazer alguma palhaçada com a
musiquinha. Servia também para neném, que não dava para interagir com a palavra que
era o que a gente mais fazia. Então a musiquinha fazia alguma coisa. A caixinha de
música servia também para a interação com a mãe que está triste, que está ali parada,
que não está afim de interagir assim conversando e brincando, mas ela está ali perto e se
você bota a musiquinha ali perto talvez, na minha cabeça, aí tem a história de servir de
consolo talvez, né. Um momento assim para ela se sentir ao menos apoiada, saber que
tem alguém ali que não quer fazer hora com a dor dela, mas que está ali respeitando o
sofrimento dela e tudo, né. Quer alegrar a criança, mas não está ignorando o sofrimento
do acompanhante, né. Também.
E., P.30 – Como é que tu fazia isso, assim, tu botava só a musiquinha e chegava?
P., R.30 – É. Chegava perto e deixava, coisas assim, né. Sim, tinha essa bolha de sabão
também, que é ótimo, salva tudo, porque bolha de sabão é quase uma mágica. Bolha de
sabão é tudo. Os recursos eram esses... E cantar, fazer música, apesar de eu não ter voz,
não ter habilidades com instrumentos, a gente batia assim e tal. Era um recurso, né... A
pobre da M. que tinha a voz bonita, tem alguma coisa que você sabe ensinar o D.
120
também. Os pobres dos coitados que não têm talento não aprendiam, mas pegava um
pouco deles e fazia. Esses eram os recursos. Inicialmente, a gente também tinha os
livrinhos de história, a gente contava história, a gente interagia, a gente interpretava a
história. Ou então a gente mesmo contava história. Então, quer dizer contos, histórias,
música, bolha de sabão, caixa de música... Basicamente isso. Aí tem arte com balão que
era só mais em datas comemorativas. Os mais usados eram esses, tinha outros, mas do
corriqueiro eram mais esses... Quer dizer, não a arte com balão que era mais em
épocas...
E., P.31 – Como é que a tua atuação no “Y” pode colaborar para a tua relação com os
pacientes enquanto futura médica?
P., R.31 – Inicialmente de quebrar o gelo, quando for preciso, principalmente com
criança, né. Eu estou rodando agora na pediatria. Na pediatria realmente dava para ver,
assim, como a gente tinha um pouco mais de facilidade, às vezes, de engabelar a criança
quando estava examinando, sabe. Tipo assim, criança não gosta de ser, né... Ficar
botando estetoscópio na criança e não sei o quê... Ficar medindo, pegando, assim,
criança geralmente abre o berreiro e não gosta, né, não aceita fácil, então, a gente já
tinha a capacidade de estar, assim, enganando, né, “ah, me mostra isso” e fala de jeito
tal, né. Eu notava isso com outros colegas. Até quem gostava de criança, tinha jeito com
criança... Eu notava, às vezes, que a gente conseguia abordar melhor, na hora de fazer o
exame e tudo, por conta disso. Aquelas coisas, quando chega na hora da consulta,
aquela de criar empatia com o paciente, né, a criança “e aí, cara, não sei o quê...”.
Dizem assim: “Ah, qualquer pessoa faz isso”. É, qualquer pessoas faz isso, mas a gente
via na prática com os outros colegas que tinha uma diferença, que a gente conseguia
criar uma empatia mais facilmente, especialmente com as crianças, do que os outros
colegas.
E., P.32 – Mas como assim empatia? Tipo de chegar e...
P., R.32 – Aquilo que a gente fala de criar uma boa relação médico – paciente. Quando
a gente está no início da faculdade, a gente começa a ver, né, a gente vai ter o primeiro
contato com o paciente, então, a gente tem medo. A gente não sabe direito... Primeiro a
gente quer fazer um mundo de perguntas, aquela matéria na cabeça que está aprendendo
na faculdade... “Eu tenho que fazer várias perguntas, eu tenho que pensar na doença e o
professor vai está olhando e não sei o quê e vou atender o paciente...”. A gente tem
medo do paciente que está chegando, né. Ele sabe que eu sou estudante de medicina, eu
não posso dizer burrada. Assim, tem toda a ansiedade comum dos estudantes de
121
medicina e, no meio disso tudo, a gente tem que ganhar a confiança do paciente,
principalmente porque a gente é estudante, não é o médico, não é... Até para a gente
conseguir chegar a aquele diagnóstico, a gente tem que fazer entrevista com o paciente.
O paciente tem que colaborar com a gente. A gente tem que saber colher certas coisas
do paciente. Nem sempre o paciente vai dizer o que a gente quer, então, no nosso curso
de medicina, a gente tem que aprender formas de fazer essa entrevista, de lidar com esse
paciente. A gente aprende a estabelecer uma boa relação para... Né, de confiança, de
tudo e eu acho que facilitou um pouco isso. Facilitou. E até também, quando a gente
está como profissional, médico, vou falar do médico porque é o que eu sei responder, a
gente tem aquela coisa, acaba ficando muito impessoal, claro, a gente quer um
diagnóstico, ele está doente então, obviamente, a gente vai estar pensando muito na
doença e , querendo ou não, se a gente ficar só nessa, tendo aquele ritmo acadêmico, a
gente vai, às vezes por defesa própria, vai ignorar, um pouco, o impacto que aquela
doença tem do paciente.
E., P.33 – Meio que fazer uma barreira, né?
P., R.33 – Fazer uma barreira. Consciente ou não, não sei. Ultimamente, teve aquele
movimento na faculdade de humanização do estudante, mas é difícil a faculdade ensinar
na prática como você, é... O quê que eu estou querendo dizer, assim... É difícil como
estudante de medicina você aprender, numa sala de aula, que você tem que está
prestando atenção no impacto, no sofrimento, que aquela doença vem causando
sofrimento no paciente, né. Na dor e tudo, na preocupação, na ansiedade. Até que falam
nisso, mas é aquela coisa, na faculdade a gente aprende a estar mais preocupado com a
matéria e num sei o quê, num sei o quê e num sei o quê e quando a gente vai para as
aulas práticas nem sempre o professor está lembrando aquilo a gente, sabe. E no “Y”,
como eu tinha em paralelo o “Y”, eu estava sempre lembrando que eu via a mãe lá e tal.
Aquelas coisas que faculdade, por um motivo ou por outro não tinha como está sempre
lembrando a gente, o “Y” estava sempre me relembrando, entendeu. Não é que a
faculdade não fale... Várias vezes a faculdade fala que a gente tem e tal... Que o
paciente está com aquela doença, e o paciente vai chegar no médico, ele vai ser
examinado, ele vai se despir. A ida ao médico causa uma série de, digamos, transtornos
entre aspas, para uma pessoa, né, que ela vai ali, ela vai falar da doença, vai falar de
casos da sua vida, vai falar sobre a sua intimidade, vai se expor, vai expor seu corpo,
vai... Enfim, até eu como estudante de Medicina, se eu for num médico, vou ter todas
essas preocupações, né. E o médico, quando ele quer saber, inicialmente, da doença,
122
nem sempre ele vai estar se lembrando disso, entendeu. Então, embora a faculdade na
teoria fale disso, quando a gente está na prática, nem sempre o professor de prática está
lembrando, sabe. Tinha uma professora que eu achava o máximo, que era a Dra. M., da
Reumato, ela dizia: “Sempre que você pegar um paciente, tente identificá-lo como
alguém da sua família, para que quando você for entrevistar, tratar ou tomar alguma
conduta, você se lembrar se fosse uma pessoa da sua família, como é que você iria
agir”, entendeu. Então, essa história de estar pensando em outros aspectos que aquela
doença influencia, que a sua conduta como profissional vai influenciar a vida da pessoa.
E., P.34 – Tratar com respeito, né.
P., R.34 – É. Com respeito. Exatamente. E o “Y”, por a gente estar em contato com o
outro lado do paciente, com o outro lado da história, a gente tava relembrando,
relembrando, relembrando.
E., P.35 – Tu disse que como tu entrou bem caloura, tu não teve esse contato, assim,
essa coisa meio paralela assim, né, da tua relação profissional com a do “Y”. O que tu
nota em relação a como tu percebe o paciente e como outros colegas e professores
notam?
P., R.35 –É, do manuseio, é... De lidar com o paciente, de examinar, de chegar e tirar
uma informação... Eu via a diferença com os outros colegas. Inclusive quando eu rodei
na cadeira de Neo-nato, aí no final, a professora veio falar com a gente e tudo, começou
a falar sobre o desempenho de cada um. Aí ela falou: “Pimentinha, você já tinha feito
algum estágio em pediatria ou alguma coisa? Porque eu noto que você tinha um jeito
com criança, um jeito com os nenéns, assim.”. Aí eu: “Não, só o „Y‟...”. Eu nunca tinha
pegado um recém-nascido nem nada, o primeiro contato foi aqui e tudo, mas talvez
possa ter contribuído.
E., P.36 – Mas e a tua percepção, assim.
P., R.36 – É uma percepção mais do que o pessoal de fora fala. Assim, esse comentário
que essa professora fez, né: “Eu notei que a Pimentinha, ela tinha facilidade de lidar
com essas crianças. E logo de chegada ela teve essa facilidade”, ela perguntou se eu
tinha já feito alguma coisa. Aí eu disse que não exatamente como médica, profissional,
assim, não, tinha na coisa. E quando eu passei pela pediatria também... e até fora da
pediatria mesmo, quando a gente passava na semiologia, na hora de entrevistar... Eu
acho que eu não passo isso pelas minhas características de ser assim, de ser mais
acanhada, meu jeito, assim, quando eu entrei na faculdade, quando eu entrei na
123
faculdade, ser mais acanhada e tudo, acho que eu teria mais dificuldade para passar pela
semiologia.
E., P.37 – O que é semiologia?
P., R.37 – Semiologia é quando a gente aprende... É o início do exame clínico, né. A
gente aprende a colher a história do paciente, da doença e a fazer o exame, assim, do
paciente, a gente tem uma cadeira de semiologia, que a gente aprende essas coisas, a
propedêutica, né, de anamnese, que é colher a história do paciente, sobre a história da
vida dele e tudo...
E., P.38 – Tipo uma coleta de dados.
P., R.38 – É, tem a fase da entrevista e tem a fase do exame físico. Então, até na fase da
entrevista mesmo, eu me desinibia um pouco, eu acho. Por causa do “Y”. Assim, não,
exatamente, talvez pelo contato do hospital, do palhaço, mas pela formação que eu tive
para fazer o palhaço, acabou...
E., P.39 – É, fazer o palhaço é essa coisa do....
P., R.39 – Do desinibido. Pois é. Às vezes o paciente chega muito marrento, aí a gente
sabe chegar, até fazendo piadinha sabe... Sabe chegar com um pouco mais de humor,
sabe abordar, sabe quebrar o gelo, acho que é isso. Acho que, às vezes, é um diferencial,
de saber quebrar o gelo. Não sei se isso também é muito ruim, às vezes exagera e perde
aquela barreira do profissional, porque tem que ter, né, também, aquela postura de
profissional.....
E., P.40 – Tem que ter também, uma seriedade, né, um profissionalismo.
P., R.40 – Tem que perguntar para os pacientes, se eu também avacalhei demais ou
não... Eu sei que não, mas pode ser que alguma vez ou outra eu tenha avacalhado... Eu
acho que às vezes sim. Às vezes tem mãe que chega: “Mulher”... Para a professora é
“doutora” e para mim chega: “mulher”... Aconteceu essa semana, agora... Eu
acostumada a ir brincar como palhaço, né, com os pacientes e tal: “Ei cara e tal e num
sei o quê...” aí às vezes quando eu vou examinar […]. Aí agora eu estou na neo-nato, a
gente está examinando os recém-nascidos, né. Aí eu estou examinando, aí eu fico
conversando, né, porque ficar examinando calado... “Ei cara, teu coração está assim”,
“ei cara, fez cocô, xixi...”. Aí quando eu saí, eu vi a mãe comentando com a outra mãe,
né: “ essa médica é legal, porque ela chama meu filho de „cara‟, é legal o jeito que ela
fala com ele: “Ei, cara...”. Aí assim, ela criou uma simpatia por mim porque quando eu
ia examinar o filho dela, um recém-nascido, que não entende nada, mas eu ficava: “ei
cara...” e num sei o quê, era legal...
124
E., P.41 – Tu falou, no começo, assim, da coisa do encontro, né, de acreditar que aquilo
ali, por um momento, podia transformar. Tu percebe que mudança isso proporciona no
paciente, na hora da visita?
P., R.41 – Percebe, mas nem sempre. Não sei é porque quando tu fala, vêm imagens que
deram certo, né... Às vezes eu tenho dúvida de criança muito pequena, de bebezinho de
colo, tudo... Eu acho que a transformação acaba sendo mais na mãe. Na criança, eu te
juro que... Eu fico assim... Sorrir né e tudo, aí eu sei que transformou, mas eu não sei
que impacto aquilo vai ter na vida dela, na cura da doença, eu juro como eu não sei.
Pode ser que não tenha nada, eu não sei. Tem na mãe... Eu acho até que uma coisa que a
gente pouco fala nisso... Eu acho que, querendo ou não, a mãe se sente mais bem-vinda
no hospital pelo serviço... Quando ela vê que tem alguém preocupado de alegrar o filho
dela, de melhorar, mudar, tentar levantar a criança dela, entendeu. Às vezes eu acho que
tem isso também, até da mãe se sentir bem-vinda pelo serviço e acreditar mais no
serviço dos profissionais ali de saúde que aquela instituição está oferecendo ao filho
dela... Eu acho que tem isso também...
E., P.42 – Assim, então tu acha que nesse ponto, assim, de certa maneira, traz alguma
mudança para os profissionais que estão naquele serviço ali? Tu acha que tem essa
colaboração, essa contribuição, assim?
P., R.42 – Assim, que os profissionais entendam isso ou...?
E., P.43 – Não, assim, melhoria do serviço, assim, tipo que o “Y” possa ter, de certa
maneira, influência nos profissionais, de maneira a cooperar, sei lá.
P., R.43 – Eu acho que sim. Assim, experiência de enfermaria eu estou tendo agora no
internato, aí eu to tendo no Sabin. No Sabin também tem projeto de palhaçoterapia que
intervém lá. Eu agora estou vendo o outro lado da aceitação dos profissionais, então, eu
vejo que os profissionais gostam. “Vai chegar um grupo de palhaços no hospital, daqui
a pouco eles vêm aqui.”.
E., P.44 – Como é o nome?
P., R.44 – Terapia do Riso, eu acho. Aí a gente via que os próprios profissionais se
preparavam para a chegada dos palhaços, avisava as crianças: “olha, os palhaços estão
vindo”. Então, tinha aquela mudança, assim, levantava o astral. Então eles se
preocupavam quando sabiam que tinha uma criança mais para baixo, então, quando
chegar avisa para ir naquela. A gente vê que eles confiam... Veem o grupo de palhaços
como auxiliar na terapia deles, entendeu. Acho que tem essa contribuição. “Ah, pega
125
aquela criança, pede para eles irem lá, vê se dá um ânimo, eles vieram semana passada e
a criança reagiu tão melhor...”.
E., P.45 – Já aconteceu, às vezes, da I. chegar pra gente, né: “Ah, porque vocês não
vieram...”?
P., R.45 – Claro, às vezes, tem aquelas pessoas que tem medo de ser vítimas da
brincadeira do palhaço, aquele profissional, aí: “Ah, vou sair de perto para eles não...”.
Mas mesmo eles querendo sair de perto para não ser alvo das brincadeiras do palhaço,
não quer dizer que eles não gostem das visitas dos palhaços, apenas eles não querem ser
o alvo da brincadeira, eles têm vergonha de ser o alvo da brincadeira, mas eles gostam
que o palhaço venha e vá brincar com a criança e vá ajudar.
E., P.46 – Tu acredita que os momentos das visitas te proporcionam alguma coisa, te
transformam de algum jeito?
P., R.46 – Demais. Demais, transforma. Porque a gente sai da rotina. É bom, massageia
o ego da gente saber que a gente saber... [interrupção] Repete a pergunta...
E., P.47 – Tu acredita que o momento da visita te proporciona alguma coisa?
P., R.47 – Sim, proporciona, né, como a gente estava falando... Demais. Porque, aquela
história, sai da rotina, ter um momento de relaxar, querendo ou não, é um momento
que... embora às vezes a gente tenha uma preocupação com a hora para sair, mas chega
uma hora que, realmente, a gente se entrega às brincadeiras, àquele momento divertido e
isso é bom e... E o quê que eu estava falando mais da... Tava falando ainda agorinha e
não falei...
E., P.48 – O quê que te transforma?
P., R.48 - Ah, isso... Saber que a gente está fazendo o bem a alguém, saber que a gente
está alegrando alguém, saber que a gente está dando ânimo... É, massageia o ego da
gente, é bom, claro... Você está fazendo bem a alguém, isso é bom para a gente também,
saber que a gente como pessoa a gente está fazendo alguma coisa boa... E é isso. É bom
demais. Saber que a gente está interferindo, de alguma forma, ali, talvez, até na
evolução da doença... Alguns muitos casos, eu acredito que tenha essa ação, né, na
evolução da doença, assim, de ajudar a criança a acreditar mais que ele pode vencer,
mudar o humor dela.
E., P.49 – E isso te faz bem, assim, te deixa alegre?
P., R.49 – Faz. Muito bem. Claro.
E., P.50 – E o quê que tu sente, assim... Quando tu visita?
P., R.50 – Você se sente útil na vida.
126
E., P.51 – Antes, durante e depois assim, o quê que tu sente no momento da visita?
P., R.51 – Às vezes eu sinto preocupação. Preocupação de “Será que vai dá certo?”... É
basicamente, “será que vai dá certo?”, “será que eu vou fazer alguma besteira?”, “será
se, o que a gente quer levar, que eu vou estar usando o bom momento?” Eu tenho essa
preocupação. “Será que a gente vai ser bem aceito”, também, essas coisas assim. E
tenho a preocupação com a hora: “Tenho aula daqui a pouco, não posso me perder na
hora, então, vou botar meu despertador e não sei o quê e não sei o quê...” e quando
acaba aquele momento assim de euforia que a gente chega tão agitado e foi bom, às
vezes pode até não ter sido tão ótimo, mas foi bom, assim... Quando termina tudo, que
deu tudo certo, “foi bom, foi ótimo...”, aí dá aquele alívio também e alegria, assim.
Chegava na aula e agitada, assim, e os professores chegavam: “Minha filha calma, se
acalme, você está tão agitada...”
E., P.52 – Assim, pra gente finalizar... No geral, qual ou quais as principais lições ou
qual a lição principal que o “Y”... Que estar no “Y” durante esses anos, contribui para ti,
assim, pessoal, profissional, etc..
P., R.52 – Do pessoal eu acho, eu tenho certeza que facilitou a minha vida. Certeza,
certeza. Na questão da entrevista com pacientes. É porque eu era bem mais matuta,
assim, sabe, acanhada e tudo. Dificuldade de iniciar uma conversa e tudo.
Principalmente de contato inicial, de iniciar, me ajudou bastante essa participação.
Ajudou na história de não esquecer sempre o outro lado do paciente, a gente ia mais
para a doença, de estar sempre lembrando isso. Eu acho que eu, como a maioria dos
profissionais que entram na área da saúde, sempre entram com aquela pontinha
romântica: “Eu vou seguir tal profissão para ajudar as pessoas”. Então o “Y” me faz
sempre lembrar que eu estou aprendendo uma profissão, uma coisa que vai ser o meu
ganha-pão, mas eu também estou fazendo aquilo porque eu acredito que aquilo ali vá...
A minha profissão, eu vou estar ajudando as pessoas. Eu gosto porque a minha
profissão tem, também, uma função social, né, de estar... Social no sentido mais amplo
da palavra, assim, é especificamente da saúde, mas eu estou melhorando a vida, estou
fazendo o bem a alguém, fazendo bem a sociedade. É, de sempre lembrar e não deixar
morrer... Até eu ser uma profissional, estar sempre... E importância... Essa importância,
assim, pra minha formação como profissional teve a importância de... Assim, como eu
estava entrando na faculdade, então foi o projeto que eu me envolvi... A aprender como
se monta um projeto, coisas burocráticas da vida, a participar de um grupo de trabalho
em si, posso dizer que foi o primeiro grupo de trabalho que eu participei, né. Lidar com
127
problemas dentro de grupo, de se relacionar com as pessoas, é importante pessoalmente,
né, e até profissionalmente também. Eu não fazia muita parte da papelada, mas... Até do
curso, como organizar o curso. Essas coisas que foram importantes. Tem mais coisas
que são importantes, mas talvez eu tenha esquecido.
E., P.53 – Além do pessoal e do profissional, tem mais alguma coisa?
P., R.53 – Tem. Eu acho que a experiência que a gente tem na vida de mundo, do
paciente melhorar e num sei o quê. Foi importante, de pensar na vida, pensar nas
pessoas.
E., P.54 – Tu tem alguma história que te marque muito, de algum paciente. Algum
momento significativo...?
P., R.54 – Tem várias. Eu vou contar, então, uma assim da velharia, uma do início...
Não sei se tu conhece a lenda do beijo, foi até o A. que escreveu. Da lenda do beijo. A
gente estava no processo de criação do “Y”, aí a gente foi acompanhar a visita de um
grupo que atuava no Sabin. Raio de Sol, uma coisa assim... Não sei se é Raio de Sol. A
gente foi ver o Raio de Sol, mas eu não lembro se foi na visita do Raio de Sol. Tinha
uma visita do Sabin que a gente foi acompanhar e foi bem no início e a gente mal se
conhecia, assim. Aí o A. que conseguiu e foi depois da aula, à noite e tudo... Foi uma
visita seis ou sete horas da noite. Aí a gente foi, eram umas quatro pessoas. A gente foi,
a gente não foi nem de palhaço não, a gente foi, realmente, só ver a visita, foi um
grupinho para saber como é que atuava um grupo de palhaçoterapia, para a gente pegar
idéias para a gente e ver o que é que a gente fazia, né, do “Y”. Aí o grupo ia, a gente ia
atrás... Às vezes, eles botavam a gente para interagir com o grupo. Esse foi, mais ou
menos, o primeiro contato, assim, de visita... Não como palhaço, mas um aspirante a
palhaço. Aí teve uma hora lá que eu me desliguei do grupo, para variar, eu e minhas
solidões! Eu me desliguei do grupo, aí eu fui brincar com outros pivetes. Eu entrei no
outro leito e fiquei brincando com um balão, acho que era um balão, uma luva que a
gente soprou e fez um balão, uma coisa assim... Isso era mais do meio para o fim da
visita. Aí, o pessoal estava na última enfermaria, último quarto de enfermaria, aí estava
todo mundo lá, já se despedindo, aí eu entrei, né. Eles estavam cantando uma
musiquinha de despedida. Eu sei que tinha uma criança lá, que ela tinha... Estava com
gastrostomia, não sei se ela tinha alguma paralisia cerebral... Eu não sei o que era, só sei
que a criança estava meio que inerte, e eu mongol, cheguei lá desavisada, cheguei
assim, não sabia como era que estava a criança, aí eu peguei e fui querer fazer gracinha
também, estava super empolgada, já no fim e eu vendo todos eles, aí fui querer fazer
128
gracinha. Aí, eu cheguei, olhei para a criança e disse assim: “Ah, eu vou fazer uma
coisa. Se eu jogar um negócio para ti, tu segura?”. Aí a mãe pegou e falou assim: “Não,
ela não se mexe.”. Aí eu... Aí eu fiquei morrendo de vergonha, né. Eu mal conhecia o
povo, cheguei lá no fim da visita, a visita um sucesso, aí eu chego lá e pergunto a uma
menina que não se mexia se eu jogasse alguma coisa ela ia pegar, né. Aí a mãe olha
assim “P” da vida né: “Não ela não se mexe...”. Toquei na ferida, né.... Aí eu, já estava
lá, né, “mas mesmo assim eu vou fazer”. Aí peguei e dei um beijo na minha mão e
joguei no ar para ela pegar. Aí ela pegou assim e mexeu, fez um movimento com os
dedos, como se quisesse fechar. Aquilo ali... Aí eu ali, caramba, é isso mesmo. Vamos
continuar, vamos botar o grupo para frente. Vai que vai ter coisas assim. Naquela hora a
gente viu assim que poderia ter uma transformação. Uma menina que aparentemente
não interagia com ninguém nem nada, ela realmente estava entendendo o que estava
falando. É isso!
129
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM ARRELIA
130
A., R.9 - É muito difícil. Eu penso assim, que é dar essa oportunidade da gente entrar
em contato com o paciente, não como a gente faz na faculdade, onde a gente vê a
doença dele, querer investigar a possibilidade diagnóstica, querer investigar aquela
lesão, olhar pra ele procurando onde é que tá a doença. Mas, a gente ver o que tem
dentro dele, que ele tem algo atrás daquela doença, e tentar... deixa eu ver... ver assim
ele como um ser humano, ele com sentimentos, ele sofrendo... Entendeu? Ou mesmo
feliz, que tem coisa pra te dar, que ele não é só aquela doença! Entendeu? E o Y dá essa
oportunidade. Além de que, eu acho, pra mim, eu não sei o que seria da minha formação
sem o Y, porque quando eu entrei na faculdade, eu já entrei com o projeto. Então, eu
não sei se eu me daria melhor com os pacientes, sem o projeto, entendeu? Por que, eu
só tenho essa experiência com o projeto! Porque eu sinto, desde o início, que eu tinha
facilidade de puxar um assunto com o paciente, entendeu? Até pra abordar o paciente!
Eu acho que isso facilitou pra mim, comparado com alguns amigos meus, que
comentavam, tanto com criança quanto com adulto, chegavam: “Puxa Arrelia, tu aborda
bem!” O professor elogiar, assim, sabe? Então, isso é bom! Você se sente bem! Eu acho
que o Y me deu esse suporte. De me sentir mais a vontade... de interagir melhor! Mais
nesse sentido, sabe?
E., P.10 – Que idéias do Projeto Y, ou a que ele e adepto que tu acha que colabora pra
tua atuação enquanto palhaça?
A., R.10 - Assim, a idéia do Projeto, tipo alegria que o palhaço propõe, né? Eu acho que
o palhaço é alegria, né? Não sei, deixa eu ver... Alegria... Que palhaço é uma ferramenta
de alegria... O sorriso, né. O Y... de riso, sorriso e saúde! Às vezes, a gente vai pra a
visita, não precisa nem a gente ter uma piada, não precisa ter uma brincadeira! Às vezes,
só a nossa presença ali... Às vezes a gente acha que a visita nem foi tão legal assim,
mas, só a nossa presença ali, a gente já consegue transformar aquela realidade, e as
pessoas agradecem, “poxa, obrigado por ter vindo!”, isso é muito recompensador. Que
mais?... Riso, sorriso, saúde!... é, até uma coisa que a gente vê assim... Palhaço é muito
a cara de circo, e tal, mas, palhaço era pra ter no hospital, que é um lugar tão cheio de
tristeza... Assim, às vezes tem aquele clima pesado, e o palhaço vem ali pra transformar
a realidade. [...] Por que o palhaço tem a ver com a saúde? É... Porque o palhaço
simboliza alegria, e a alegria pode transformar o humor daquela criança que está triste, e
ela acaba respondendo melhor ao tratamento, ela acaba interagindo melhor com as
outras crianças... Isso é uma coisa que a gente tem visto. As pessoas comentam com a
gente! Ela interage melhor com o pai e as vezes acaba esquecendo um pouco daquela
131
doença, daquela dor que ela ta sentindo. Eu acho com certeza, que isso vai acabar
contribuindo pra que ela se recupere mais rápido, né? É... outra coisa, que a filosofia do
Projeto é a própria humanização da saúde! E para o palhaço, isso é bom, até pra quebrar
o gelo com os outros profissionais, que também interagem com a gente, e que, quando
veem a gente, até se sensibilizam, alguns, e acabam refletindo sobre o trabalho deles,
sobre o que eles podem fazer para melhorar. E até porque assim, uma coisa que o meu
palhaço faz muito, é parodiar situações médicas. Parodiar o atendimento... E vai fazer
uma ausculta, sendo que é diferente da ausculta que o médico faz, e acaba que a criança
vê aquele momento como uma brincadeira. E eu acho que quando o médico vai atender
ela, pode ser que ela fique mais tranqüila, pode ser que ela veja que não é uma coisa tão
aterrorizante, assustadora!
E., P.11 - Qual dessas idéias, ou quais dessas idéias tu acha que tenha a principal
influencia que tu adota durante a visita, como palhaça?
A., R.11 - A minha palhaça? Eu acho que é a alegria... Se sensibilizar com a dor do
outro, que também é muito do Projeto... Que eu nem falei antes! Mas... se sensibilizar
com a dor do outro, e uma coisa que eu vejo muito, a gente tá lá, interagindo com a
criança, e ela tá toda cheia de lesão, tá muito doente, e eu nem me ligo em saber qual a
doença que ela tem. No momento, aquilo não me importa. Eu estou ali com outro
objetivo, entendeu? É, acho que basicamente é isso...
E., P.12 – Pra ti, como é que a figura do palhaço contribui pra tua atuação com as
crianças internadas, durante uma visita?
A., R.12 – Eu, como palhaça, posso contribuir com a criança? É, eu acho que é mais ou
menos, como eu falei! Eu vou estar ali, e posso ter contribuído pra ela esquecer por um
minutinho só, a dor que ela está sentindo! Pra tentar amenizar, aliviar, pra tentar fazer
com que ela se sinta mais alegre, que ela possa ver que o hospital não é esse ambiente
tão pesado, como parece, que as pessoas têm a cara fechada, que ela não pode
conversar, não pode brincar! Então, acho que o palhaço, é uma ferramenta, pra isso! E o
palhaço... o que mais...
E., P.13 – E pra tu chegar na criança? Qual a facilidade que o palhaço tem, pra chegar
na criança?
A., R.13 - Porque o palhaço é o símbolo do brincalhão e tal. O palhaço, tem essa
permissão, essa licença poética pra falar o que pensa, pra fazer o que ele quer. E a gente
até, estudando sobre o clown, vê que ele fala sobre a nossa a personalidade escondida,
que a gente faz com o palhaço o que a gente não faz na vida real! Então, ele tem essa
132
permissão, de você só em chegar com o rosto todo fantasiado, a gente perde a vergonha,
e fica mais fácil de abordar, de falar, de fazer brincadeira com a criança... Fica melhor
do que simplesmente chegar, com o rosto normal.
E., P.14 – A gente tem as capacitações, né, de 40 horas e tudo... assim que chega no
projeto... enfim. Quais são as atividades que acontecem na capacitação, ou nas
capacitações, porque também tem as capacitações das reuniões, né, e que importância tu
atribui a elas?
A., R.14 - Nas capacitações, geralmente a gente... Eu vou falar assim, do pouco do que
já teve eu não sei se você teve oportunidade de conhecer. Assim, capacitação de estudar
um texto, e falar pro pessoal, comentar um texto sobre comportamento infantil, alguma
coisa... Fazer uma capacitação de malabares, pra ser uma ferramenta para a gente
utilizar na visita, entendeu? Tanto essa do malabares como essa da leitura de um texto,
eu acho que contribui pra a gente tentar elaborar uma visita melhor, e não simplesmente
só brincar. Claro que, muito da visita é o brincar, mas, de ter, assim, alguma coisa por
trás, de conhecer o que tá fazendo, saber, olhar, “vou fazer isso, eu acho que vou
contribuir dessa forma”. Pra tentar fazer uma visita diferente, né, não cair, assim, na
rotina... A gente já teve capacitação de mágica, de balões, que são muitas coisas que a
gente leva na visita... que mais... Capacitação de gags, é um jogo de interação com os
palhaços, que a gente faz uma espécie de esquete, uma brincadeira pra ter uma carta na
manga, pra quando chegar lá, para interagir com a criança, ter tipo uma piada pronta.
Nem tudo é só improviso. Claro, que muito do que a gente usa é improviso, mas a gag
ajuda, pra tentar fazer uma coisa mais elaborada na visita! Aí, no caso, já teve
capacitação de gag, até pra gente treinar, assim, como eu te disse; que faço muita
paródia das situações médicas; atendimento médico; uma ausculta, como é que eu vou
fazer, transplante de nariz, como vou fazer um exame físico, da criança, já teve gag
treinando esses aspectos, né? Que mais que teve?...Capacitação de origami, que também
são coisas que a gente leva na visita. Pra deixar alguma lembrancinha pras a criança.
Pronto, é basicamente isso que a gente teve, eu acho... E tem outra capacitação. A gente
teve de como fazer reuniões, e tudo, sabe? Esse tipo de capacitação, pra tentar melhorar
o entrosamento do grupo, pra poder capacitar o grupo, que a gente também tem a partir
do Projeto, ele não é só a parte de extensão, que é essa parte dos hospitais, mas, também
o ensino, e tem a pesquisa... Então, no ensino, a gente já faz um mini-curso, pra outros
grupos que estava querendo criar projetos de palhaçoterapia, a gente deu dica de criar o
projeto, que dificuldade a gente passou... Dava orientações a partir das nossas
133
experiências como projeto... A gente também tem o “Ser Palhaço em Y Por um Dia”,
que é dar oportunidade pra outras pessoas, que não fazem parte do projeto, ou que não
tem tempo, enfim, mas queriam a oportunidade de fazer uma visita pra poder conhecer,
né? Então, a gente já teve isso. Essa é a parte de ensino do projeto, e a gente também
tem capacitação interna também pra poder treinar como fazer isso!
E., P.15 - E tu acha que tem, por exemplo, mini curso, ser palhaço do Y, tu sente a
demanda de gente de fora, vendo a importância também do trabalho?
A., R.15 - Com certeza! No mini curso, eu acho que tinha quase 20 pessoas. Gente de
fora. Teve um colega de Campina Grande, que também quer criar, fundar um projeto.
Tá na medicina e veio pra cá, só para o curso! Tem o pessoal da UECE, que eles
também entraram em contato com a gente. A gente deu várias dicas de como criar o
Projeto. O pessoal da Christus, da UNIFOR, gente de Sobral, que já tem um grupo de
palhaçoterapia; eles criaram, acho, que o ano passado, mas, a gente tem contato para
trocar experiências. A gente vê que a demanda é boa, assim, e fora pessoas de outro
curso que falam “ah, eu queria tanto participar do projeto, mas tem essa limitação de ser
só o pessoal da Psicologia, Medicina, Enfermagem” porque é um projeto da UFC e
tudo, mas as pessoas questionam, “vocês podiam abrir para outros cursos e tal!”.
E., P.16 - Até Letras quer!
A., R.16 - É, até Letras! Até de Educação Física, tem gente que veio falar! E, assim, as
pessoas de fora mesmo... E tem outros grupos voluntários... Terapia da Alegria e tal,
que fazem um trabalho semelhante ao nosso, mas, que não são estudantes, não são
acadêmicos!
E., P.17 – Tu até falou antes que o Projeto é formado pela Medicina, Psicologia e
Enfermagem. Como você percebe a importância para o Projeto, desses três grupos
estarem atuando juntos?
A., R.17 - Olha, a importância que eu vejo, é a idéia dessa multidisciplinaridade, saber
que nós estamos trabalhando juntos, e criar essa oportunidade, da gente estar
interagindo com pessoas diferentes, com pensamentos diferentes, isso tende a
enriquecer o grupo. É... E também, que mais? Eu acho assim: que, até na formação da
gente, a gente vive muito nesse mundinho, pelo menos pra nossa parte da Medicina; um
mundinho muito assim, só medicina! E é legal entrar em contato, até pra conhecer,
como é a Psicologia, conhecer melhor o trabalho do pessoal, o que estão estudando, e da
Enfermagem também, e eu acho que isso vai fazendo com que a gente quebre barreiras,
entendeu? Entre as profissões, saber que não existe hierarquia, que não existe melhor ou
134
pior, entendeu? Todo mundo tá igual, todo mundo tá pra contribuir para a saúde daquele
paciente. E isso é muito legal. Saber que a gente pode trabalhar, construir alguma coisa
legal, juntos!
E., P.18 - Até mesmo pra própria formação, né...
A., R.18 - É, pra a minha formação, isso é muito bom mesmo! Ter uma visão diferente,
entendeu?
E., P.19 - E, voltando, fala da tua capacitação de 40 horas.
A., R.19 - A minha capacitação foi com o M. Na época, ele tava se formando em Artes
Cênicas. Ele fez muito exercício, mais ou menos parecido com o de vocês. Muito
exercício de expressão corporal. De procurar as energias escondidas no nosso corpo. Ele
se baseava muito com a idéia do Teatro Oriental. Eu não sei nem explicar muito como
era, sabe? Mas, a gente via... Tinha exercício de energia, né? De aquecimento, tinha
outro exercício da gente conhecer o corpo, e a possibilidade que o corpo tem; de
movimento; de expressão facial; de voz, de mímica, que faz parte da expressão facial.
Que mais? Aí, nesse momento, nas oficinas, a gente fazia jogos; jogos infantis, pra
gente se soltar! É... Ele fazia jogos de dupla, de esquete pra gente trabalhar em grupo,
e...
E., P.20 - O palhaço, pelo menos no Y não trabalha sozinho, né?
A., R.20 - É, exatamente, ele falava muito isso! E trabalhar com improviso! Ele
colocava muitas situações, pra a gente fazer, sem falar, pra ver como você age em
determinada situação, entendeu? Ele falava muito de buscar o vazio, pra a gente não
programar muito o que vai fazer. Que é o que a gente usa muito no hospital! Que não
adianta, a gente pode é ter gag, pode é ter cartas na manga, ter brinquedos, tudo, mas
sempre a gente vai lidar com o improviso, nunca vai ser bem programado, como a gente
espera! Então, a gente fazia muito isso. E depois, tinha algumas reflexões. Depois de
cada dia, tinha reflexão sobre o significado que teve cada atividade, tudo! É...
Basicamente isso. A gente discutia muito, também, entre si. Foi legal pra conhecer
melhor o grupo. Conhecer a filosofia do Projeto, conhecer os tipos de clown, o Augusto,
o Branco!
E., P.21 - Tu te lembra de alguma reflexão que mais te marcou, mais te tocou?
A., R.21 - Eu lembro mais das coisas de vocês, do que da minha mesmo! Mas, uma
coisa que eu gostava muito da oficina era o que ele falava, que eu já te falei, que o
clown, ele tem essa licença, ele permite a gente ser você mesmo! O clown é você
mesmo! É como se fosse aquela personalidade escondida. Eu acho muito massa isso,
135
essa oportunidade de você... É tanto que às vezes a gente, na vida real age... “ah, eu não
vou fazer isso, o que os outros vão pensar de mim?”, e como palhaça, eu faço tudo o
que quero! Eu dou um abraço em que eu acho que é legal e que eu não teria coragem de
dar! Ou então, eu fresco com aquela pessoa muito chata do hospital! Aquele porteiro
antipático, que eu brinco com ele, entendeu? Ou então aquele médico chato, um
professor que vem passando... Então, eu acho que isso foi muito legal! Você tem essa
liberdade. É também legal pra eu me conhecer melhor! Pra admitir que o Palhaço é uma
personalidade sua, me fez refletir muito sobre o meu jeito, sobre quem eu sou, sobre o
que eu quero da minha vida; sobre o que isso significaria pra mim, para o meu futuro!
Pra não ser simplesmente uma brincadeira, mas, ter um significado, sabe?
E., P.22 – Então a importância de capacitação pra ti, além de ser pro Y, pro profissional,
foi também pessoal?
A., R.22 - Isso, pra vida. Foi bem pessoal! Foi demais! Foi muito especial! Há, eu não
sei, mais foi... Como é que eu posso explicar? [...] Foi muito pra me conhecer melhor!
Até, não muito paradoxo, fugindo um pouquinho, de como o Y pra mim, pessoalmente,
eu acho que me enriquece. Até, assim, depois de uma visita, a gente acaba se
sensibilizando com algum paciente, com alguma doença... Às vezes alguém fala alguma
coisa pra gente, e acaba marcando, e você acaba aprendendo a dar mais valor a sua vida,
a achar que nossos problemas não valem nada diante da vida de alguns pacientes, que,
fora a doença, tem problemas financeiros difíceis, familiar. Faz refletir também a
importância de uma simples conversa, ou um simples sorriso! Pra alguém, como isso
pode mudar o dia dela, e que, às vezes, pra gente, não vale nada. Como foi uma vez, a
visita lá no ICC. A gente visita mais as crianças. Mas, nesse dia, tinha uma senhora, que
estava sentada, com um travesseiro na mão. E a gente passou, e eu lembro que a gente
nem interagiu com ela. A gente foi direto para as crianças. Eu observei que a senhora
ficou só olhando, muito séria, sabe? Não deu um sorriso. Tudo que a gente fazia, ela não
sorria! Mas, ela estava com o braço muito inchado. Eu tive a impressão que ela fez uma
mastectomia, ela tinha alguma doença. E quando a gente estava indo embora, eu fiquei
com aquilo na minha cabeça, e foi uma visita muito legal, e tava todo mundo rindo. E
ela não ria. Então, eu voltei, só fiz sentar na perna dela e dei um abraço nela, só isso. Ela
começou a chorar, chorava, chorava, e eu fiquei sem saber o que falar, e de repente... Aí
eu falei; desejei que ela tivesse uma bom dia, que Deus desse forças pra ela, aí ela disse
assim, “olha, você não sabe como esse abraço foi bom pra mim! Você não sabe, como
isso mudou o meu dia!” E agradeceu muito! Eu fiquei pensando naquilo o dia todinho!
136
Uma coisa tão simples, eu nem ia falar com ela, sabe? E você vê o quanto foi
importante aquele trabalho que você fez! Acaba que a visita, é mais terapêutica pra
gente, também! Tem dia que estou super estressada, é um dia de prova, e “meu Deus!
Eu tenho que visitar, fazer alguma coisa!” Aí a gente faz uma visita e volta super feliz,
sabe? Todo mundo brincando! Chega o pessoal e fala “que bom que vocês vieram!
Voltam quando?” Ou, tem dia que eu não estou nem um pouco afim, como às vezes a
gente tá cansada, e quando a gente visita é maravilhoso! A visita é a melhor visita. A
gente tem a idéia de ser engraçada, e às vezes, nem precisa. A gente tem essa cobrança.
De pensar, que, quando é engraçado, é melhor! As pessoas riem mais e tal! E às vezes, a
visita não é engraçada, mas as pessoas gostam, comentam com a gente. E a gente,
“poxa, foi massa! Apesar de tudo, valeu o meu dia!”. É diferente quando tem visita. O
dia fica diferente! Eu sinto isso. Eu me sinto mais feliz, aí converso mais. Às vezes fico
mais reflexiva.
E., P.23 – Descreve como tu, enquanto palhaça, costuma interagir durante uma visita no
HU.
A., R.23 - Tem muito o negócio do improviso, de a gente chegar, tem os jogos de
entrada. De chegar no quarto, e pedir licença, aí sempre tem uma brincadeira, “eu posso
entrar? Fazemos isso, isso e isso...” e a gente já dentro do quarto! É sempre com uma
brincadeira. Dependendo de como a criança está, surge uma coisa na hora. Não dá pra
programar muito. E aí faz uma brincadeira, leva bolinha de sabão, leva um balão ou
então, faz uma brincadeira com o nome dela... Eu costumo me apresentar como a Dr.M..
Geralmente, eu vou com o estetoscópio, falo que vou fazer uma consulta; que vou ser a
médica do dia; é sempre uma gozação! O pessoal fica “você não é uma doutora, você é
uma palhaça!”, aí fica nessa brincadeira. Acabo interagindo também com a
acompanhante. E no HU, as crianças nem sempre ficam no leito, acabam saindo do
quarto, e a gente acaba interagindo no corredor. E é muito, no momento, que surge a
brincadeira. Eu faço, às vezes, é auscultar, ficar ouvindo o coração e digo “ah, esse aqui
é forrozeiro! Tô ouvindo um forró!” Coisinhas assim! Ou então, de chegar, e ouvir um
enfermeiro, ou então, um porteiro e dizer “esse aí, engoliu muito sapo, tá um barulho
estranho!” Tem o transplante de nariz, tem a anestesia, tem a brincadeira, toda uma
preparação, que a gente faz com os pacientes, levanta o braço, bota o “suvacômetro”,
pra ver como está a temperatura; tem o reflexo patelar, que a gente fala “patolar” que a
gente dá uma batidinha no joelho aí faz um mungango, tem os “comprymydos” que a
gente dá, que são os abraços bem fortes que a gente dá, que é o “comprymydo” bem
137
apertado, que a gente fala! Uma coisa que eu usava, fazer uma receita. “A receita do dia,
qual é? Muitas injeções de bom humor; infusão de alegria; sem restrição, sem contra-
indicação!” Alguma coisa desse tipo. Deixar uma mensagem, pra a criança também, pra
que ela entenda, ou mesmo a mãe, dizer da importância do abraço, do carinho, para a
recuperação da criança... Colocar isso para a mãe, também. Tem muita música, a gente
tem as músicas do projeto, que falam da alegria, fala pra esquecer as tristezas... Tem
música que a gente inventa na hora, também... coisa desse tipo.
E., P.24 – Que precauções a gente deve tomar na hora da visita? Que coisas a gente
deve evitar fazer, que não são legais que aconteçam?
A., R.24 - Precaução assim, do tipo, da gente, por mais que acabe se impressionando
com a doença do paciente, que às vezes tem uns que ficam com umas deformidades e
tudo, da gente tentar conter as emoções, que às vezes é muito difícil! A gente,
principalmente visitando o Hospital do Câncer, e ter criança sem braço, sem perna, bem
carequinha, bem magrinha, com a face bem sofrida... E você acaba chocando, né? Mas é
pra gente não demonstrar isso, porque a gente tá ali, não pra ver o aspecto da criança,
pra gente tentar enxergar ela com outros olhos. Precaução também, com a
contaminação. Porque é difícil! A gente fala com a criança, aí tem outro perto, e a gente
está sendo um veículo pra transmissão de doença. A gente tem que ter esse cuidado, de
sempre lavar as mãos com álcool, uma coisa desse tipo. De não tirar alguma brincadeira
que ofenda. Muito palhaço tem essa coisa de curtir com a cara do outro, ficar “aí que
narigão..”, mas fazer brincadeira que não ofenda! Ter bom senso com as brincadeiras,
principalmente com as crianças! Ter o cuidado de perguntar, antes de qualquer visita, se
tem alguma restrição, alguma criança que a gente não possa fazer determinada
brincadeira, que não possa fazer muito esforço físico, se tem alguma criança que está
imunossuprimida, que a gente não pode ter contato muito próximo. Pra a gente poder
interagir melhor com ela, sem estar prejudicando. Tem muito caso no HU, de criança
que faz transplante. Elas ficam em isolamento. Então elas ficam no quarto com vidro e
tal, e que muitas vezes a gente podia passar batido e nem visitar ela, porque ela tá
isolada, mas a gente procura artifícios, pra tentar interagir com elas! Fazer brincadeiras
pelo do vidro. A gente têm tido experiências muito legais! Da criança ficar super feliz
da gente ficar soltando bolinha de sabão pela janela... A gente já teve uma experiência
de um menino que tinha tetralogia de Fallot, que é uma doença que ele não podia fazer
esforço físico, porque ele fica com cianose. Aí a gente brincando, ele ficou tão
emocionado, que o menino começou a ficar azul! Ficamos aperreados, e, a gente
138
tentando acalmar o menino! A gente podia ter se precavido antes, e ter tido o cuidado,
quando fosse brincar com aquela criança! E até também, pra nossa saúde. Tem criança
com escabiose, com alguma outra doença contagiosa, então, a gente tem que ter
cuidados!
E., P.25 - Que importância você atribui a esses recursos que você utiliza? Qual a
importância que tu vê dessas brincadeiras?
A., R.25 - Eu acho que é importante porque acaba que é uma ferramenta pra a gente
tentar contato com a criança. Não deixa de ser um canal, de abrir um canal com a
criança, aquela brincadeira! É uma oportunidade também, da gente fazer com que a
criança veja aquela situação, que as vezes é só mais uma intervenção, aí ela, “ah, lá vem
o médico de novo, mexer comigo!”, mas naquele momento ela vai ver que é uma
brincadeira, ela vai enxergar aquilo com outros olhos... Talvez, quando o médico for
consultá-la, veja com mais tranqüilidade, não fique tão apreensiva. Enxergar com outros
olhos!
E., P.26 – Então é aquela coisa assim de enxergar com outros olhos, não ver tão como...
A., R.26 – É, de enxergar com outros olhos, não ver tanto como intervindo nela, como
mexendo nela...
E., P.27 – Como a atuação no Y pode colaborar pra tua relação com os pacientes
enquanto acadêmica ou futura profissional?
A., R.27 - Eu penso que é por essa vivência, que a gente tem com os pacientes, como
seres humanos, como pessoas, e, não, só como aqueles portadores de doença. Eu acho
que isso facilita a interação, pra nossa vida futura, como profissional médico, eu acho
que fica mais fácil de abordar o paciente, até de ter mais empatia, de sensibilizar mais,
com a dor dele, que é muito da empatia, de você se colocar no lugar dele, de você ter
essa capacidade. De você ter a compreensão da dimensão daquela doença dele. Às
vezes, ele tá sentindo aquela dor, mas, será que é só aquela dor física? Ou tem todo um
contexto emocional que pode estar contribuindo pra agravar aquilo? Ou, porque será
que ele não tá seguindo aquele tratamento? Ou, porque tem outras limitações, que estão
sendo imposta pra ele... Questões financeiras, problemas familiares... E como a gente
tem muita dessa vivência do Projeto, de estar vendo esses outros aspectos, eu acho que a
gente acaba, pelo menos agora enquanto estudante que eu estou tendo que atender a
pacientes e tudo, eu tendo a valorizar mais esses aspectos. E coisas que às vezes não tá
nem no roteiro da consulta que é pra a gente fazer, mas, a gente acaba questionando...
Da história do psicossocial do paciente. É ver como um todo, como um ser completo!
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E., P.28 - Tu não teve contato com o paciente, antes de estar no Projeto?
A., R.28 - Não!
E., P.29 - Entrou logo de cara?
A., R.29 - É!
E., P.30 – A próxima pergunta seria se tu via alguma diferença entre como tu percebia o
paciente antes de ingressar no projeto e como tu percebe atualmente...
A., R.30 – Pois é... Eu não sei se seria melhor, se eu teria dificuldades! Mas, eu sinto
que foi tranqüilo pra mim! Quando eu comecei a entrar em contato com os pacientes, eu
me senti à vontade! Comparando com alguns colegas, que ainda hoje, que a gente já tem
3 anos na parte prática, e, ainda tem colegas que tem dificuldades de interagir, de como
abordar. Eu acho que me saio bem!
E., P.31 - O que tu nota em relação a como tu percebe o paciente e como outros colegas
teus, estudantes ou profissionais médicos e tal percebem?
A., R.31 - Não dá pra generalizar. Claro que tem muito médico, até colega meu,
estudante, que tende a valorizar muito a doença, ver só a doença. A gente vai fazer uma
visita no leito, parece que o paciente nem ta lá! O professor só começa a falar da doença
dele e falar do tratamento, e falar das complicações na cara do paciente, como se ele não
entendesse nada. Como se ele não estivesse sofrendo com isso, e, às vezes, quando se
fala um termo complicado, acaba assustando! Às vezes o paciente fica, “ai, eu vou
morrer! O que eu tenho?” Por quê? Porque ele não valorizou esse aspecto! Mas também
exemplos de professores que são maravilhosos, que valorizam muito o sofrimento do
paciente, que valoriza muito o que ele tá sentindo, as dúvidas dele, e que você fala
assim, “ah eu quero ser como ele!”. Tem muito professor assim. Que respeitam...
E., P.32 – E os estudantes?
A., R.32 – Também tem os dois lados da moeda! Tem muito estudante que é humano,
que são bem sensíveis, que não enxergam o paciente como uma doença em si, como
mais um caso a ser aprendido. Que a gente tem muito aquela, né. A gente tá conhecendo
as doenças, e, acaba que impressiona. E que fatalmente, a gente tende a valorizar muito
os achados clínicos, os resultados dos exames, e esquece do paciente mesmo! Mas tem
muito colega que não, que não é assim...
E., P.33 - O Y é um Projeto que valoriza muito a coisa da humanização hospitalar.
Como é que tu tá vendo isso na faculdade? As pessoas estão aderindo, não aderindo?
Como tu falou que tem os dois lados da moeda... Se tivesse uma palestra com um debate
de humanização hospitalar, como seria a reação das pessoas?
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A., R.33 - A gente escuta muito falar na formação médica.. humanização... Às vezes
fica até cansativo. E é estranho humanizar o que já é humano! Pra mim, é como se
tivesse que fazer parte, entendeu? Que não precisasse haver esse discurso! Não dá pra
dissociar, sabe? Mas tem se falado muito sobre isso. Muitos professores falam muito,
que levam a gente refletir. Muitos não estão nem aí. E o hospital mesmo tem muitos
programas de humanização. Tem equipe que faz, o pessoal da Psicologia, da Terapia
Ocupacional, a Pediatria faz um trabalho legal. Eu acho que tem receptividade, sabe?
Agora, aqui, tem muito essa história de não perder tempo, de que você tem que estudar
mais, e o pessoal acho que isso não é tão relevante. Eu acho que não tem muita palestra
de humanização, não tem muita coisa nesse sentido! Aqui tem muito curso de Hemato,
de Oncologia, de tudo que é de matéria, tudo que é de especialidade, mas, realmente
curso de humanização, não tem! Eu acho que realmente não teria público! Não, porque
muitas pessoas não se interessam, mas porque... Acham que não seria relevante... Acho
que elas pensam nisso, “não vou perder tempo com isso, tem coisa mais importante, tem
que estudar”, como se tivesse que estudar coisa mais concreta... Como se não tivesse
que estudar pra ser humano, entendeu? Acaba que isso é necessário, a gente vê isso.
Bastava uma orientação a mais, entender melhor o que significa essa humanização, qual
a importância disso, como mudaria sua relação com os pacientes, com os outros
profissionais. E como você viveria melhor, e, com certeza, atenderia melhor! Teria uma
postura melhor profissionalmente!
E., P.34 - Tu percebe que mudanças tu proporciona ao paciente quando realiza uma
visita?
A., R.34 - Pelo menos, momentaneamente, a gente percebe que ele fica feliz. Quando
sorri, quando agradece a visita, quando pede pra a gente voltar, quando a mãe vem
comentar que ele ficou melhor, “ah! Ele ficou tão melhor com a sua visita! Vem de
novo!”. A terapeuta fala “vocês não vem não? As crianças estão cobrando!”. Falam que
a criança interagiu melhor com as outras crianças! A criança que era quieta, no canto
dela, não falava com ninguém, mas depois da visita passou a falar mais... Teve um
tempo, que a gente participou das reuniões de caso clínico. Era uma seção
multidisciplinar, que tinha com o pessoal da Psicologia e do Serviço Social. O pessoal
da Psicologia falava como abordar uma criança que não estava querendo comer, porque
ela tinha que comer sem sal, também, a mãe, estava dando comida escondida com sal
pra criança! Elas foram chamar a gente pra ajudar. Isso serviu para a gente discutir com
o grupo, como a gente poderia fazer a abordagem desses casos. A gente acaba
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contribuindo de alguma forma, pra o tratamento da criança. E de ter aniversário da
criança, o pessoal avisa e a gente vai, pra ela ficar mais alegre... Tem criança que vai
fazer uma cirurgia, e ela ta tão nervosa e a gente vai lá visitar, e daí a gente perceber que
ela fica menos ansiosa por que pelo menos esqueceu um pouquinho que ia fazer a
cirurgia.
E., P.35 – Tu falou que às vezes a visita se tornava até mais terapêutica pra ti do que pro
paciente. Tu acredita que esse momento te proporciona alguma coisa?
A., R.35 - Eu acredito que alguma coisa acontece no meu coração, que não sei nem
explicar o que é! Eu acho que muito daquela necessidade que a gente tem, às vezes, de
ajudar alguém... De fazer alguma coisa boa! E que você não sabe nem até que ponto
aquilo foi bom, mas, dá uma satisfação pessoal, entendeu? Dá uma sensação
recompensadora, de que você contribuiu de alguma forma, para tornar a vida daquela
pessoa mais feliz! De que “ah, eu fiz uma boa ação hoje! Eu fui um anjinho de Deus”,
sabe? “Eu fiz alguma coisa boa por alguém!” É muito bom sentir isso! E também de
você refletir sobre a sua vida... às vezes você fica estressado, chateado com coisa tão
pequena na nossa vida e que tem gente com problemas muito maiores... E a gente se
importa com besteira!
E., P.36 - Que sentimentos são despertados em ti quando realiza uma visita? Antes,
durante e depois.
A., R.36 - Toda visita, eu fico muito ansiosa! É muito, pela expectativa, de saber o que
vai acontecer, o que vai ter de novo, se vou conseguir interagir, quais as dificuldades
que eu vou enfrentar... Dá um medo, de não falar nenhuma bobagem, saber como agir
em determinadas situações. A gente sempre encontra coisas novas, com situações
diferentes. Durante, eu acho que dá um vazio na mente! É só alegria, né? Pelo menos,
eu tento me deixar aberta pra o que possa acontecer. Depois da visita, eu acho que é
mais a reflexão... Eu sempre fico refletindo como foi a visita, o que poderia ter feito
melhor, o que fiz que não foi legal, como poderia ter abordado melhor a criança, o que
poderia ter falado... Tem muito caso que a gente vê assim, que a criança morreu, e a
gente vai abordar a mãe, ou mesmo a criança começa a chorar quando vê a gente,
porque não gosta de palhaço mesmo. A gente vai aprendendo. Cada visita é um
aprendizado! E também a sensação que dá pra sentir mesmo é... Alegria, depois da
visita. Sempre acontece coisa boa. Não tem jeito. Posso ter pagado algum mico, posso
ter falado alguma besteira, mas sempre tem alguma coisa boa na visita.
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E., P.37 – Em geral, qual a principal, ou as principais lições que tu tira fazendo parte do
Y, como palhaça... O que o Y te proporcionou?
A., R.37 – Eu acho que é o enriquecimento como ser humano, enriquecimento pessoal,
de você estar lidando com a fragilidade humana, com os medos, as alegrias, as tristezas,
o choro! E o enriquecimento profissional, por essa oportunidade de estar me preparando
para ter uma relação melhor com o paciente! É isso!
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