Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo discutir, a partir da perspectiva da psicologia sócio-
histórica, os desafios colocados no atual contexto educacional para os formadores de
educadores, principalmente os que planejam e coordenam ações de formação continuada de
professores. Para tanto, faz-se um resgate das terminologias, concepções e tendências da
formação continuada no Brasil e uma revisão crítica da situação atual, apontando a
importância de se considerar a formação continuada como parte integrante do trabalho
docente e para a necessidade de novos estudos que ultrapassem a dicotomia entre teoria e
prática.
ABSTRACT
The aim of the present work is to discuss, based on social-historic psychology, the present
challenges of educator’s continuous development. To do so, the study presents terminologies
and conceptions, making a critical review of teachers continues formation in Brazil. The work
also emphasizes the continuous development as an integrant aspect of the teachers work and
points the need of studies to help a better understanding of the dichotomy between theory and
practices.
Nos últimos anos, com o acesso à escola garantido para a maioria das crianças brasileiras, é
cada vez mais crescente a preocupação com a melhoria da qualidade da educação,
principalmente na escola pública.
Para responder a esse desafio, é prioritário e urgente que a escola promova mudanças na sua
estrutura, organização e, principalmente, nas práticas pedagógicas que desenvolve.
Nesse contexto, a Psicopedagogia, como área que estuda e lida com os processos de
aprendizagem, não pode deixar de se preocupar com o tema da formação continuada, mesmo
porque, entre as várias possibilidades de atuação do psicopedagogo, encontra-se a supervisão,
elaboração ou coordenação de projetos de desenvolvimento profissional de educadores.
Mais importante ainda, acreditamos como afirma Severino (2002:19), que a Psicopedagogia
tem de estabelecer íntimo diálogo com as próprias disciplinas do campo educacional. É na
busca desse diálogo e apoiados na crença em uma Psicopedagogia que ultrapasse um enfoque
clínico, centrado nas dificuldades e problemas da aprendizagem que nos propomos, neste
artigo, discutir os desafios colocados no atual contexto educacional para os formadores de
educadores.
Essas explicações, no nosso entender, encerram contradições que deixam dúvidas, além de
serem simplistas e até mesmo reducionistas, pois não focalizam o fenômeno em seus múltiplos
aspectos.
Além disso, dois fenômenos comuns no contexto educacional brasileiro acabam por afetar,
também, as relações entre professores e formadores: a panacéia para o problema
educacional brasileiro e o modismo na educação.
Belintane (2002:4) discute a questão da panacéia afirmando que “há no imaginário escolar
docente sempre uma esperança de que uma nova teoria, um novo material didático –
realmente eficiente - venha erradicar os problemas básicos da escola”. Ou seja, os educadores
estão à espera de um novo conjunto de saberes que possam resolver os graves problemas
educacionais de nosso País. Dessa forma, muitas vezes, novas teorias, linhas e parâmetros
acabam por se articular com essa esperança, mesmo porque, na maioria das vezes, tais
formulações não promovem uma discussão de suas possibilidades e limites.
Geglio (2003:26) reitera que há uma tendência entre nós, educadores, de, ao entrarmos em
contato com novas idéias no campo educacional, darmos hegemonia a elas desconsiderando as
anteriores. Mostra que uma análise da produção discente dos programas de pós-graduação
evidencia esses fenômenos, pois se pode constatar que o referencial adotado nessas
produções varia segundo “as tendências da moda”. Justifica esse movimento com o que
Gouvêa, 1971,1974,1976, Gatti, 1983,1992 e Warde, 1990,1993, denominaram de ‘modismo
no campo da educação’.
Sendo assim, muitas vezes, professores aderem sem crítica à teoria da moda ou, de forma
inversa, esperam dos formadores teorias que expliquem os impasses e dificuldades que
encontram em sala de aula e métodos para resolvê-los.
Por outro lado, formadores sugerem que a resolução dos problemas pode se dar a partir de
novas teorias que circulam no campo educacional, veiculando-as de forma hegemônica,
negando as contribuições anteriores e desconsiderando todos os saberes produzidos
anteriormente, inclusive os construídos pelos professores em sua prática docente.
Precisamos nos debruçar mais sobre esse fenômeno para compreender melhor como e por
que, apesar de várias pesquisas e produções teóricas, a dicotomia teoria e prática se mantêm
não só no discurso, mas no cotidiano da escola e dos processos de formação continuada.
Sem a pretensão de trazer soluções, nossa intenção é contribuir para esse debate, enfocando
alguns pontos que – consideramos podem ampliar a reflexão dos formadores sobre sua
prática.
Inicialmente, consideramos importante refletir sobre os termos que são muitas vezes
indistintamente usados para se referir à formação do educador que terminou a etapa inicial e
já exerce a profissão.
Nessa direção, Marin (1995) alerta para a necessidade de rever tais termos, repensando-os
criticamente, uma vez que decisões são tomadas e ações propostas com base nos conceitos
subjacentes aos termos usados.
Capacitação, termo atualmente muito usado, pode ser congruente com a idéia de formação
continuada, se considerarmos a ação de capacitar no sentido de tornar capaz, habilitar, uma
vez que, para exercer sua função de educadora, a pessoa necessita adquirir as condições de
desempenho próprias à profissão, ou seja, se tornar capaz.
Marin (1995) explica que Educação permanente, formação continuada, educação continuada
são termos que podem ser colocados no mesmo bloco, pois são similares. Embora admitindo
que existam nuanças entre esses termos, considera que são complementares e não
contraditórios, uma vez que colocam como eixo da formação o conhecimento que se constitui
no suporte das interações que possibilitam a superação dos problemas e das dificuldades.
Constatando a multiplicidade de significados, a autora indica que lhe parece que a terminologia
educação continuada.
Pode ser utilizada para uma abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode
incorporar as noções anteriores – treinamento, capacitação, aperfeiçoamento – dependendo da
perspectiva, do objetivo específico ou dos aspectos a serem focalizados no processo educativo,
permitindo que tenhamos visões menos fragmentárias, mais inclusivas, menos maniqueístas
ou polarizadoras (Marin, 1995:19).
Dentro desse contexto, optamos pelo uso de formação continuada, para nos referirmos aos
processos de formação do educador que já concluiu sua formação inicial e exerce sua
profissão, uma vez que é o termo usado pela maioria dos educadores que apontam para a
discussão e/ou para a proposição de projetos que levam em conta um professor inserido em
um contexto sócio-histórico, que tem como função transmitir o conhecimento socialmente
acumulado em uma perspectiva transformadora da realidade (Mazzeu, 1998; Lima, 2001;
Belintane, 2002; Pimenta, 2002; Gatti, 2003; e Geglio, 2003, entre outros).
Fusari (1997) amplia este debate em um estudo bastante detalhado, no qual apresenta uma
análise das tendências em formação continuada no Brasil. Em seu trabalho, identifica algumas
tendências, movimentos, concepções presentes na educação brasileira em diferentes
momentos históricos que tiveram repercussão na concepção de ações e programas de
formação continuada no século passado e no atual.
As tendências analisadas por Fusari, embora situadas pelo autor em momentos históricos e
relacionadas a contextos específicos, estão até hoje, no nosso entender, subjacentes e muitas
vezes sobrepostas em ações de formação continuada; sendo assim, optamos por apresentar as
posturas e as ações que as caracterizam.
Esses encontros podem gerar mudanças no discurso dos professores, mas a falta de subsídios
e instrumentos para desenvolver a prática acaba por gerar uma postura ‘espontaneísta’, ou
uma prática baseada no ensino tradicional. Dessa maneira, de forma inversa, a dicotomia
entre teoria e prática ainda se faz presente.
Fusari, ao analisar essa tendência, mostra preocupação com processos que acabam por não
considerar a atividade docente do professor em sua totalidade, e, citando Saviani, alerta: “a
escola tradicional, na medida em que se compromete com a transmissão de conteúdo, mesmo
de forma autoritária, revela-se mais democrática, de fato, do que a proclamada liberdade da
‘escola nova’, com mais atividades e menos conteúdo” (Saviani, 1986:52/53, apud Fusari,
1987:169).
A dicotomia entre teoria e prática não é superada, muito pelo contrário, subsiste uma visão de
educação fragmentada. Professores e especialistas cuidam cada qual do seu espaço, descolado
da realidade social, cujo compromisso maior seria a preparação para o mercado de trabalho,
com uma ênfase na tecnologia e, mais ainda, na crença de que os recursos tecnológicos
podem resolver os problemas educacionais.
Além disso, ao não considerar o fazer pedagógico e postular que a escola, ao manter o sistema
vigente, exclui a possibilidade de transformação das condições existentes, acaba por mobilizar
no educador um sentimento de inércia à espera de mudanças na estrutura social para que, a
partir daí, possa mudar sua prática.
Essa perspectiva considera que função própria da escola é transmitir de forma democrática a
cultura construída pelos homens através dos tempos, dando instrumentos para o aluno
perceber criticamente a realidade social e comprometer-se com a sua transformação.
É na e pela interação entre dois sujeitos reais, concretos, situados em determinado espaço e
tempo sócio-histórico que a aprendizagem dos conteúdos escolares ocorre. O trabalho do
educador assume então, nessa perspectiva, importância fundamental, uma vez que este se
constitui como mediador entre o aluno e os conteúdos de ensino.
Daí a necessidade fundamental de o educador conhecer muito bem o conteúdo que ensina,
sabê-los criticamente em relação ao social concreto e saber transformá-los em algo que
modifique o indivíduo, no próprio processo de aquisição desse saber (Fusari, 1987:181).
A conjuntura histórica e social dos anos 90 acirrou este debate e trouxe para a educação -
mais especificamente, para a formação continuada ---- a contribuição de autores e de
pesquisas que, se por um lado permitiram avanços e ampliações, por outro, suscitaram novas
dúvidas e indagações.
Nesta época é difundido no Brasil o livro Os professores e sua formação, coordenado pelo
português Antonio Nóvoa, que traz textos de pesquisadores da Espanha, Portugal, França,
Estados Unidos e Inglaterra, como Thomas S. Popekewitz, Carlos Marcelo Garcia, Donald
Schön, Angel Perez Gomes, Ken Zeichener, Lise Chantrine-Demailly (Pimenta, 2002:36).
Esses autores e outros, como Philipp Perrenoud, Maurice Tardiff, Gimeno Sacristán, Bernard
Charlot, Maria Tereza Estrela, Rui Canário e Isabel Alarcão, passaram, a partir de então, a
referenciar vários estudos sobre formação docente e, até mesmo, documentos oficiais como as
Diretrizes Curriculares para a Formação do Professor e os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Pesquisadores como Schön, Nóvoa e Perrenoud, entre outros, ao discutirem em suas obras a
importância de se romper com a racionalidade técnica, que privilegia a teoria em detrimento
da prática, podem inspirar ações que invertam o pêndulo e caiam no que alguns
autores2 chamam de praticismo, pragmatismo, ou até mesmo correr o risco de levar
educadores a desconsiderar as importantes contribuições que os aportes teóricos podem trazer
à reflexão.
Geglio (2003), analisando mais especificamente o pensamento de Donald Schön, aponta que o
autor, ao privilegiar a prática em detrimento da teoria, não estabelece entre ambas uma
relação dialética. Sua proposta de reflexão na ação não apresenta a prática como elemento de
síntese de construção e reconstrução teórica; sendo assim, não supera em sua obra a
dicotomia, ao contrário, desloca o foco da aprendizagem centrada na teoria para a
aprendizagem centrada na prática.
O autor chama a atenção para o fato de que centrar a formação profissional no fazer cotidiano
não ajuda a ultrapassar a ineficiência dos projetos que priorizam a produção acadêmica, pois
pode levar a um pragmatismo que restringe a ação profissional a um determinado fazer, além
de não oferecer subsídios para lidar com situações inesperadas.
Outra crítica importante a ser considerada é a de que a abordagem reflexiva, embora revele a
tentativa de uma perspectiva crítica, tente responder à necessidade de mudanças de nossa
época e coloque o professor como eixo central da formação docente, acaba, em suas
formulações, por desvincular a profissão do professor do desenvolvimento histórico da
sociedade.
Nessa direção, Facci (2003:53) alerta para o fato de que, embora as pesquisas sobre o
professor reflexivo busquem compreender no processo educativo a subjetividade e o
profissionalismo do professor, não se preocupam em compreender e até mesmo não
consideram as condições histórico-sociais em que a subjetividade é produzida e a profissão se
desenvolve.
Como podemos constatar, uma das principais questões apontadas em relação às teorias que
postulam um professor reflexivo refere-se exatamente ao entrelaçamento entre teoria e
prática, questão que permeia como já apontamos a formação de educadores.
Afirmamos também que a superação dessa dicotomia ainda é um desafio a ser vencido e que
ainda são necessários, apesar dos vários avanços, estudos mais aprofundados nesse campo.
Por outro lado, não podemos desconsiderar as contribuições de autores que concebem a
formação continuada como parte integrante da função docente, contendo e estando contida
nesta em uma relação dialética.
Ao professor cabe a função social de fazer a mediação entre o que o aluno aprende
espontaneamente na vida cotidiana e a formação do aluno no que não é reiterativo na vida
social, garantindo a apropriação de instrumentos culturais básicos que permitam elaboração de
entendimento da realidade social e promoção do desenvolvimento individual. Assim, a
atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas
para um fim específico.
Para realizar seu trabalho docente é preciso que o professor se aproprie constantemente dos
avanços das ciências e das teorias pedagógicas. Há, ainda, uma razão muito mais premente e
mais profunda, como apontam Barbieri, Carvalho e Ulhe (1995:32), que é a própria natureza
do fazer pedagógico, que, sendo domínio da práxis é, portanto, histórico e inacabado.
Lima (2001) traz uma contribuição importante nesse sentido, ao elaborar um conceito de
formação continuada que parte de dois princípios de perspectiva marxista: o trabalho como
categoria fundante da vida humana e a práxis da atividade docente.
A autora afirma, também, que a formação continuada não pode se efetivar se não estiver
conectada com os sonhos, a vida e o trabalho do professor.
Ressalta, ainda, que o trabalho coletivo é fundamental para que os educadores possam vencer
os enormes desafios impostos pela realidade educacional brasileira. Alerta, também, que para
que o trabalho coletivo ocorra é fundamental um investimento nas relações interpessoais da
equipe escolar (Altenfelder, 2004:152).
Conclusão
São muitos os avanços e as contribuições teóricas que permitem aos formadores desenvolver
ações que levam em conta um professor inserido em um contexto sócio-histórico, que tem
como função transmitir o conhecimento socialmente acumulado em uma perspectiva
transformadora da realidade.
Para tanto, é fundamental que o formador tenha claros conceitos, idéias e concepções que
orientem suas ações e que encare as contribuições teóricas como subsídios que possibilitam a
reflexão sobre a prática e não como a solução final para todos os problemas, aceita de forma
hegemônica.
Essas constatações devem mobilizar todos aqueles que planejam e desenvolvem projetos de
formação continuada para a revisão e aprofundamento do tema a partir de questões de fundo,
como as propostas por Candau (2001:67): “Que tipo de Educação queremos promover? Para
que tipo de sociedade?”.
Ao mesmo tempo em que constatamos avanços, identificamos que ainda restam desafios,
principalmente em se ultrapassar a dicotomia entre teoria e prática, pois, como já apontamos
em estudos anteriores (Altenfelder, 2004:154), temos na área da formação continuada uma
crise análoga à que Vigotski (1999:2003) apontava na Psicologia no início do século passado 3.
Nesse sentido, acreditamos que ainda são necessários estudos e pesquisas que tragam novas
luzes a essa questão, apontando caminhos que nos possibilitem compreender melhor as
relações entre teoria e prática nos processos de formação continuada de professores.
Caminho esse que só poderá ser trilhado se formadores e pesquisadores levarem em conta a
necessidade de olhar, compreender, considerar e respeitar as necessidades dos professores,
considerando-os como parceiros na construção desse saber.
Referências bibliográficas
ALTENFELDER, Anna Helena. Formação Continuada: os sentidos atribuídos na voz do
professor. São Paulo: PUCSP (Dissertação de mestrado), 2004. [ Links ]
BARBIERI, Marisa Ramos; CARVALHO, Célia Pezzolo; ULHE, Águeda Bernadete. Formação
Continuada dos Profissionais de Ensino: Algumas Considerações. Caderno Cedes, n.36.
Campinas: Papirus, 1995. p. 29-35. [ Links ]
CANDAU, Vera Maria. Universidade e formação de professores: Que rumos tomar? In:
CANDAU, Vera Maria (Org.). Magistério -- Construção cotidiana. .Petrópolis: Vozes,
2001. [ Links ]
PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma
Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um
conceito. São Paulo: Cortez, 2002. [ Links ]
Notas
*Mestre em Psicologia da Educação; pesquisadora e formadora do CENPEC - Centro de Estudos
e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária; professora dos cursos de
Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, das Faculdades Oswaldo Cruz e da Universidade
Prebisteriana Mackenzie.
1 - A esse respeito ver: Altenfelder, 2004; Bueno, 2002; Candau, 2002; Gatti, 2003, 2002;
Pimenta, 2002, entre outros.
3 - Para Vigotski, no início do século XX, a Psicologia passava por uma crise que se revelava na
contradição entre o fato de já ter reconhecido a necessidade de uma ciência geral, que se
configurasse como metodologia, e, ao mesmo tempo, não ser capaz de produzi-la.