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“Quem são esses Velhinhos?”

Foto: Lucas Gabriel V. Corrêa / 3a DE

“Não chores, que a vida


É luta renhida: Viver é lutar.

Essa pergunta foi feita por um A vida é combate,


adolescente, durante um desfile cívico-militar,
em Santa Maria-RS, quando os pracinhas, à Que os fracos abate,
frente do grupamento, externavam o orgulho
por desfraldarem a Bandeira da Pátria, cuja
honra se dispuseram a defender nos campos
Que os fortes, os bravos,
de batalha.
Só pode exaltar”.
No intuito de ajudar a responder a essa
pergunta, este trabalho, sem a pretensão de Gonçalves Dias
alcançar a exatidão científica, traz relatos dos
“velhinhos” em questão, baseados em fatos
ocorridos há mais de seis décadas. Embora
as narrativas tenham sido confrontadas com
a cronologia descrita na historiografia oficial,
é plenamente aceitável que, em decorrência
de pequenos lapsos de memória, não restem
integralmente comprovadas.

Com essa ressalva, apresento este breve


roteiro como subsídio para as aulas de
História e, sobretudo, para despertar nos
estudantes a consciência de que, quando
virem um desses “velhinhos”, possam admirá-
los, com a convicção de que estão diante de
um humilde, mas autêntico “Herói da Pátria”.
Sirio Sebastião Fröhlich

LONGA JORNADA
Com a FEB na Itália

Brasília – DF

2011

3
S928l Fröhlich, Sirio Sebastião.

Longa Jornada – Com a FEB na Itália: / Sirio Sebastião Fröhlich – Brasília: EGGCF, 2011.

80 p.:il. 20,5 x 20,5

1. II Guerra Mundial. 2. História do Brasil. 3. Força Expedicionária Brasileira. 4. Pracinhas.


5. Santa Maria – RS.

I. Título.

CDD 940.53(81)

Elaboração da Ficha: Fabiane Vieira Machado Ferreira – CRB 1/2288

Copyright © 2011, Sirio Sebastião Fröhlich

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Fabiano Mache

REVISÃO GRAMATICAL
Edson de Campos Souza

IMPRESSÃO
Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias

TIRAGEM
2.000 exemplares
Homenagem

A todos os integrantes da Força Expedicionária Brasileira, que,


com espírito de sacrifício e abnegado amor à Pátria, nos legaram um
mundo de liberdade e democracia.

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dedicatória

Aos pais João e Cecília (em memória), exemplos de coragem, fé e amor à verdade;

À esposa Miriam, amor e compreensão;

Aos filhos Gustavo Fernando e Ana Carolina, esperança de um futuro melhor;

À família, fundamento para o convívio social; e

Aos amigos, colaboração e estímulo.

agradecimento

Associação dos Ex-Combatentes do Brasil – Seção Brasília

Centro de Comunicação Social do Exército

Centro de Documentação do Exército

Fundação Habitacional do Exército / POUPEX

Gabinete do Comandante do Exército

Sra. Wanda Reis Pedroso


ÍNDICE

Temas Página Temas Página


Índice 5 Vítimas da guerra 40
Introdução 6 Contato com a população 42
A II Guerra Mundial 7 A vida no acampamento 44
O Brasil abandona a neutralidade 8 Música na guerra 46
A Força Expedicionária Brasileira 9 Cartas e notícias 48
Ações da FEB na Itália 10 A fé como suporte 50
Santa Maria na FEB 12 Salário e fontes de renda 51
Convocação para a guerra 12 Enfim, a Vitória 52
Voluntários para a guerra 14 Andanças pela “Velha Bota” 54
Verificando a saúde 15 Novamente, o Atlântico 56
Despedida da família 16 De volta à Pátria 57
Começa a longa jornada 17 De volta à vida civil 59
Distintivos usados pela FEB 18 Reaprendendo a andar 60
A caminho do Rio de Janeiro 19 Aprendizado 61
Preparativos para a guerra 21 O legado da FEB para o Exército 64
A travessia do Atlântico 22 A liderança 65
Chegada ao cenário da guerra 24 Missão cumprida! 66
Brasileiras na guerra 24 Separação e reencontros 67
Começa a caminhada em solo italiano 26 Monumentos e homenagens 68
Adaptação e treinamento 28 Galeria Mário Francisco de Ávila Pedroso 71
Seguindo para o Front 31 A Marinha do Brasil na guerra 74
Contato com o inimigo 33 A Força Aérea Brasileira na guerra 76
Ações em combate Porreta Terme 34 A volta 78
De Montese a Collecchio 35 Referências bibliográficas e fontes de pesquisa 79
De Collecchio a Fornovo 37

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INTRODUÇÃO
A II Guerra Mundial é um assunto amplamente discutido no mundo acadêmico. As causas que a ela
conduziram e as consequências geopolíticas dela decorrentes já foram analisadas nos seus mais variados
aspectos por rica e vasta literatura. No entanto, o tema está longe de ser dado por esgotado, haja vista a
história dos protagonistas ainda ser pouco conhecida.

Este trabalho não tem a pretensão de analisar o contexto histórico em que se desenvolveu o conflito
nem, tampouco, esmiuçar as razões pelas quais o Brasil nele viu-se envolvido. A proposta é apresentar
breve cronologia de modo a situar o leitor no contexto histórico e, sobretudo, destacar os feitos de jovens
brasileiros que, há mais de seis décadas, prontificaram-se a lutar pelos ideais de democracia, liberdade e
paz mundial, então postos em perigo pelo nazifascismo.

O medo, a incerteza, a angústia e, em contraposição, a coragem, a fé, a confiança e a abnegada dedicação


à Pátria estão explícitos nos relatos colhidos junto a expedicionários residentes em Santa Maria e na região
central do Estado, na longa jornada de ida e volta entre o Rio Grande do Sul e os campos de batalha italianos.

Alguns desses protagonistas da História do Século XX ainda residem entre nós, quase anônimos para a
maioria da população, provavelmente por desconhecimento da dimensão do feito alcançado.

O propósito principal deste trabalho é ressaltar a magnitude das ações dos nossos pracinhas e destacar
a participação da Força Expedicionária Brasileira nesse conflito de dimensões globais, além de mostrar a
contribuição da FEB para a evolução do Exército Brasileiro.

Acervo Taltíbio Custódio

Desfile da FEB, em Francolise. Entre as autoridades, o Comandante da FEB, Gen. Mascarenhas


de Moraes, e o Comandante do V Exército dos Estados Unidos, Gen. Mark Clark. Em destaque, a
vitoriosa Bandeira do Brasil.

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iI GUERRA MUNDIAL
A semente da II Guerra foi plantada no Tratado de Estava, assim, deflagrado o conflito armado que
Versalhes, em 1919, e irrigada por tratados posteriores, envolveu mais de setenta nações. Inicialmente, o quadro
ao final da I Grande Guerra. A inobservância de questões de guerra contava, de um lado, com a Alemanha (nazista),
étnicas e políticas na reestruturação do espaço geográfico a Itália (fascista) e o Japão (imperialista); do outro, a França
e a supremacia dos interesses dos vencedores em e a Inglaterra (aliados). A União Soviética (comunista)
detrimento dos vencidos geraram profundo sentimento mantinha-se fora da guerra, no front ocidental.
de injustiça entre estes.
Após a invasão da Polônia, a Alemanha estendeu seu
Esses fatores fizeram com que o período pós-guerra domínio a diversos países, incluindo Noruega, Dinamarca,
fosse de penúria e miséria nos países derrotados, criando Luxemburgo, Holanda, Bélgica e França, chegando ao
o cenário ideal para ascensão ao poder de governos norte da África, onde Mussolini tentara recompor o antigo
totalitários. A Itália controlou a situação semianárquica em império romano. Na Europa, Espanha, Portugal e Suíça
que se encontrava, centralizando o poder na figura de Benito mantinham a neutralidade. Somente a Inglaterra resistia.
Mussolini. A Alemanha, após anos de crise econômica e
desorientação política, concedeu o poder a Adolf Hitler. Em Com o desenrolar da guerra, outros países, dentre
pouco tempo, usando um discurso persuasivo, enfatizando os quais os Estados Unidos, aderiram às forças aliadas.
o resgate da “honra” alemã, o Führer transformou o país Essa situação perdurou até o desentendimento entre a
em uma grande potência industrial e bélica. Alemanha e a Rússia, dando motivo à invasão desta por
aquela, na madrugada do dia 22 de junho de 1941.
O cenário de guerra começou a ser desenhado na
década de 1930, quando a Alemanha celebrou um tratado Com a resistência russa, grandes efetivos alemães
de não agressão com a Rússia e assinou, com a Itália, um tiveram de ser deslocados para a gelada frente de combate
tratado conhecido por Eixo Berlim-Roma, posteriormente ao leste, deixando mais vulnerável a frente ocidental.
estendido a Tóquio. A resistência francesa, auxiliada pelo Reino Unido, aos
poucos, libertou áreas ocupadas, na França, pelos alemães.
A anexação da Áustria e a sua conversão em província Com decisivo apoio norte-americano, o Norte da África
do III Reich, em março de 1938, e da Tchecoslováquia, em foi libertado e os alemães foram sendo expulsos do solo
setembro do mesmo ano, deram início à expansão alemã italiano, já com o apoio dos soldados brasileiros.
no continente europeu. Contudo, o fato que, efetivamente,
marcou o início da II Guerra Mundial foi a invasão da Atacada por todas as frentes, a Alemanha rendeu-
Polônia pelo exército da Alemanha, em 1º de setembro de -se incondicionalmente às Forças Aliadas, em 8 de maio
1939. de 1945, pondo fim aos combates no front ocidental, a
despeito de a guerra ter continuado no front oriental.
Deixando a neutralidade ante o projeto de expansão da
Alemanha, adotada quando das anexações anteriores, em 3 Estima-se que a II Guerra Mundial tenha custado mais
de setembro de 1939, Grã-Bretanha e França comunicaram de 50 milhões de vidas humanas e deixado mais de 20
a Hitler que, caso não fosse imediatamente interrompida a milhões de mutilados. Levando-se em conta os danos
invasão da Polônia, declaravam-se em guerra. psicológicos e materiais por ela causados, conclui-se que
este é o mais triste capítulo da história da humanidade.

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O BRASIL ABANDONA A NEUTRALIDADE
No início do conflito, o Brasil manteve a neutralidade. Ao tomar posição favorável aos Estados Unidos,
Por sua posição geográfica privilegiada, relativamente o Brasil tornou-se alvo dos submarinos alemães, que
próximo da África Ocidental, era um parceiro cobiçado, passaram a atacar navios mercantes brasileiros em
tanto por países do Eixo quanto pelos Aliados. rotas de abastecimento para a indústria dos Estados
Unidos, em águas internacionais, e em navegação de
Após o ataque japonês à base dos Estados Unidos na cabotagem, ceifando a vida de centenas de brasileiros,
Ilha de Pearl Harbour, no Oceano Pacífico, o Brasil, em inclusive mulheres e crianças.
janeiro de 1942, anunciou o rompimento das relações
diplomáticas com a Alemanha e a Itália, com base na O descontentamento ante o desacato à nossa
“Carta do Atlântico”, que previa o apoio recíproco entre soberania foi crescente, a partir de então. O povo saiu
os países americanos, em caso de ataque a algum destes às ruas para pedir que o governo tomasse posição ativa
por qualquer potência extracontinental. frente a esses atos hostis. Por vezes, excedendo os
limites da razão, a população depredou consulados e
Feito isso, o Brasil aumentou a sua atividade militar, repartições ligadas aos países do Eixo, casas comerciais
visando à segurança do litoral, e concedeu aos Estados e até residências de descendentes de alemães e
Unidos o uso de bases aéreas no Norte e no Nordeste, italianos. Em Santa Maria, há relatos de apedrejamento
a fim de facilitar a ligação aérea entre a América e a a residências de descendentes de alemães, sendo
Europa, usando a África como escala. Em contrapartida, necessária a utilização de forças federais, a fim de evitar
os Estados Unidos se comprometeram a fornecer depredações e incêndios.
equipamentos mecanizados e armamento, visando à
modernização das Forças Armadas, além de auxiliar na Atendendo ao clamor popular, em agosto de 1942, o
defesa do território brasileiro, caso fosse necessário. Governo Brasileiro declarou guerra à Alemanha e à Itália
e, posteriormente, ao Japão.

Navio Araraquara, atacado em Agosto de 1942.

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A FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA
A prudência indicava que as ações brasileiras, RI, do Rio de Janeiro, o 6º RI, de Caçapava-SP, e o 11º
decorrentes da declaração de guerra, se limitassem à RI, de São João del-Rei-MG. Algumas unidades foram
defesa do litoral, à concessão de uso das bases militares transformadas e outras criadas.
durante o conflito e à colaboração com as forças militares
norte-americanas no patrulhamento do Atlântico Sul, No início da década de 1940, o Exército Brasileiro
pois o nosso Exército não possuía e nem conhecia tinha sua organização, regulamentos e processos de
material de guerra moderno, tinha uma estrutura combate baseados na “escola francesa”. A tarefa de
organizacional deficitária e as táticas de guerra eram constituir, instruir e adestrar uma Divisão de Infantaria
defasadas. Além disso, a preparação técnica, física e segundo a doutrina norte-americana era um dos grandes
psicológica dos soldados não aconselhava a participação obstáculos a serem superados. Em dezembro de 1943,
em um conflito de dimensões globais. o General Mascarenhas de Moraes foi designado para
comandar a 1ª DIE.
No entanto, apesar do precário – ou quase inexistente
– poderio bélico, o Brasil participaria do conflito na Concentradas as tropas na Capital Federal, a partir
Europa, com uma Força Expedicionária, como tributo de de março de 1944, foi iniciada a preparação técnica e
solidariedade à causa aliada. Para que essa intenção se tática da tropa. Entre os muitos problemas enfrentados,
concretizasse, em 23 de novembro de 1943, foi criada a estava a escassez de armamento e de outros materiais
Força Expedicionária Brasileira (FEB), com previsão de de guerra, o que prejudicou sobremaneira a obtenção
três Divisões de Infantaria Expedicionária (DIE). de um alto nível de adestramento, particularmente na
instrução tática. Seria necessário, e isto estava previsto,
A tropa orgânica de uma DIE, constituída
1º Distintivo usado pela FEB. concluir o adestramento em solo europeu,
nos moldes do exército norte-
no próprio cenário da guerra, o que
-americano, compreendia três
possibilitaria maior êxito na instrução
Regimentos de Infantaria, três
das Unidades.
Grupos de Artilharia 105mm,
um Grupo de Artilharia 155mm, Tendo em vista as dificuldades
um Batalhão de Engenharia, um operacionais e o término da guerra,
Esquadrão de Reconhecimento, as outras duas DIE, inicialmente
um Batalhão de Saúde, uma previstas, não chegaram a ser
Companhia de Quartel-General, constituídas.
uma Companhia de Intendência,
uma Companhia de Transmissões, A Marinha do Brasil e a Força
uma Companhia de Manutenção, Aérea Brasileira também tiveram
um Pelotão de Polícia, uma Banda relevante participação na II Guerra.
de Música, um Destacamento de Apesar de, em Santa Maria, não haver
Saúde e um Pelotão de Sepultamento. nenhum protagonista remanescente, ambas
as Forças serão brevemente enfocadas neste
Na organização da 1ª DIE, foram trabalho.
aproveitadas unidades já existentes, como o 1º

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AÇÕES DA FEB NA ITÁLIA
A fim de situar o leitor, é importante, antes de Na primeira fase de sua atuação (entre setembro e
partirmos para a História narrada pelos protagonistas, outubro de 1944), a FEB recebeu a missão de substituir
descrever como se deu a participação brasileira em solo as tropas norte-americanas em pontos avançados da
italiano. Linha Gótica. A primeira vitória aconteceu em Camaiore,
em 18 de setembro. No dia 26 do mesmo mês, Monte
Entre os dias 2 de julho de 1944 (data da partida Prano foi conquistada. Até o final de outubro, diversas
do 1º escalão, do Rio de Janeiro) e 22 de fevereiro de vilas e cidades, entre as quais Massarosa e Fornaci,
1945 (chegada do 5º Escalão ao porto de Nápoles), foram libertadas do jugo alemão.
25.334 homens e mulheres cruzaram o Atlântico. De 16
de setembro de 1944 a 2 de maio de 1945, os militares Nas operações no vale do Rio Reno, muitas vidas
brasileiros participaram, efetivamente, de ações de brasileiras foram ceifadas. Monte Belvedere, Monte
guerra. Castelo e Castelnuovo eram pontos fortificados de difícil
conquista. Sem a expulsão dos alemães desses redutos,
Na Itália, quatro fases marcaram a atuação da FEB: seria impossível que as forças do IV Corpo de Exército
1ª fase – operações no vale do Rio Serchio; 2ª fase – prosseguissem para o Norte. Em 24 e 25 de novembro,
operações no vale do Rio Reno; 3ª fase – operações no foram feitas duas tentativas de conquistar Monte
vale do Rio Panaro; e 4ª fase – operações de perseguição, Belvedere e Monte Castello, por tropas do exército
no vale do Rio Pó. norte-americano, reforçado por um batalhão do 6º RI. O
inimigo repeliu o primeiro ataque; o segundo teve êxito
Quando o Brasil entrou na guerra, os Exércitos Aliados parcial, com a conquista do Monte Belvedere. O terceiro
já haviam retomado o continente africano e o sul da ataque, planejado para o dia 29 de novembro, seria
Itália. Os alemães estavam instalados defensivamente de inteira responsabilidade da 1ª DIE, com uma Força
na chamada “Linha Gótica”, frente que se estendia composta por 3 batalhões de infantaria e 3 grupos de
por cerca de 280 km, do Mar Tirreno ao Adriático, nas artilharia. Entretanto, em 28 de novembro, os alemães
proximidades de Bolonha, onde, às dificuldades naturais retomaram o Monte Belvedere. Apesar das condições
do terreno acidentado, foram acrescidas casamatas de meteorológicas adversas, foi desencadeada a ofensiva.
concreto e um complexo sistema de túneis. Após violento contra-ataque inimigo, nossas tropas
Naquele estágio da guerra, o objetivo estratégico retrocederam às posições iniciais. Em 12 de dezembro,
era expulsar os alemães da Itália, antes da chegada do foi feita nova tentativa, que também restou infrutífera.
inverno. Havia vários meses que americanos e ingleses O rigor do inverno levou a uma providencial pausa nos
tentavam, sem sucesso, tomar Bolonha. Em ousados confrontos.
contra-ataques, as tropas alemãs impunham severas Passados mais de setenta dias do último insucesso, a
perdas aos aliados. Assim, começou a se formar o mito partir de 19 de fevereiro, a FEB partiu para a 5ª tentativa
da inexpugnabilidade da Linha Gótica. Subordinada ao de tomada do Monte Castelo. A 1ª DIE investiu sobre o
IV Corpo de Exército dos Estados Unidos e integrada ao até então inexpugnável ponto de defesa alemão. Após
V Exército norte-americano, a FEB foi destacada para a 12 horas de batalha, às 17h 30min do dia 21 de fevereiro
mais difícil frente de batalha do front italiano. de 1945, foi atingido o topo do Monte Castelo.

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O alto preço dessa vitória contra as tropas alemãs é representado e amor à Pátria, proporcionado por todos
por mais de duas centenas de vidas brasileiras. Em 24 de fevereiro, os pracinhas que participaram do conflito.
a FEB conquistou La Serra e, em 5 de março, tomou Torre de Nerone (*) Dado de 1945, atualizado para 465.
e Castelnuovo, quebrando a continuidade da Linha Gótica.

A 3ª fase da atuação da FEB deu-se no vale do Rio Panaro. Em


14 de abril de 1945, a nossa Divisão recebeu a missão de atacar
as elevações de Montese e Montello. Montese era um maciço de
1.200m de altitude, de vital importância para os alemães, após

Acervo Ivo Ziegler


a perda do Monte Castelo. Foi a mais sangrenta das batalhas da
FEB em solo italiano. Prosseguindo em sua missão, a FEB chegou a
Zocca, importante entroncamento rodoviário.

A quarta fase da campanha da FEB deu-se no vale do Rio Pó.


O inimigo estava quase batido e retraía em direção à Alemanha.
A perseguição às tropas alemãs foi desenvolvida na direção
Vignola-Alessandria. Em 27 de abril, tropas brasileiras encontraram
resistência inimiga em Collecchio e Fornovo. Em 29 de abril, a 148ª
Divisão de Infantaria alemã foi alcançada pela FEB. Após negociação
da rendição, 14.779 prisioneiros de guerra, cerca de 4.000 animais,
2.500 viaturas, além de grande quantidade de armamento e
equipamento restaram apreendidos. Os números dão a dimensão
exata do feito alcançado pela FEB.

Em ação de perseguição ao inimigo e limpeza do vale do Rio


Pó, a FEB prosseguiu em sua caminhada. Em 30 de abril, ocupou
Alessandria e fez a junção com a 92ª Divisão do Exército norte-
-americano. Em 1º de maio, após ultrapassar a cidade de Turim,
realizou a junção com as tropas francesas.

A partir de então, a FEB permaneceu em missão de ocupação


e manutenção da paz, até 3 de junho de 1945, quando as tropas
retraíram para o sul da Itália, onde aguardariam o regresso ao Brasil.

A missão estava cumprida, após 239 dias de trabalho em prol


da paz e da liberdade. O saldo negativo foi de 451 (*) valiosas
vidas. 1577 feridos, 1145 acidentados e 58 extraviados completam
o número de baixas. Entretanto ficou o legado de heroísmo dos
feitos do Sargento Max Wolff Filho, além do exemplo de abnegação Flâmula destaca o roteiro da FEB em solo italiano.

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CONVOCAÇÃO PARA A GUERRA
Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo,
o licenciamento dos soldados que estavam prestando
o serviço militar foi suspenso. Além disso, militares
que haviam sido licenciados em anos anteriores
(reservistas) e jovens que ainda
não haviam prestado
Acervo Aribides Pereira

Pavilhão de Comando do 5º RAM.


SANTA MARIA NA FEB
o serviço militar foram convocados, como parte dos
Organizações Militares sediadas em Santa esforços do Exército visando à mobilização para a guerra.
Maria tiveram participação na II Guerra Mundial,
com cerca de 270 militares. Do 5º Regimento Dentre os militares que estavam na ativa, o Soldado
de Artilharia Montada (5º RAM) partiram 153 Aribides Rodrigues Pereira, que havia incorporado no 5º
militares para os campos da Itália. RAM, em 1942, lembra que o comandante do Regimento
deu a notícia à tropa: “O Brasil está em guerra. Não se
A Infantaria Divisionária da 3ª Divisão de surpreendam quando chamarem gente. É bom que
Infantaria teve participação, no teatro de estejam preparados”. Certo dia, o Comandante da sua
operações europeu, com um efetivo de 98 Bateria reuniu o seu efetivo e disse que havia chegado a
militares, integrantes do 7º RI e do 3º Batalhão hora de mandar gente para o Rio de Janeiro, onde o Brasil
do 7º RI , que, em 1944, havia sido transferido de estava se preparando para a guerra. Queria voluntários;
Santa Maria para Santa Cruz do Sul-RS. esses teriam preferência. Aribides diz que foi o primeiro
integrante da Bateria a acusar-se como voluntário.
O 3º Batalhão de Carros de Combate, que,
Afinal, amadurecera esta ideia e havia chegado a hora
em 22 de setembro de 1944, chegara a Santa
de confirmar sua intenção. Seguiram-se mais sete
Maria, procedente da Capital Federal, contribuiu
voluntários. Naquela leva (a 1ª), foram destacados oito
com 16 militares.
voluntários de cada Bateria, totalizando vinte e quatro,
Para saber mais sobre a participação de no Regimento Mallet.
Santa Maria na FEB, visite o Museu Marechal
Geraldo Antonio Sanfelice, que havia sido soldado do
Mallet, no 3º GAC AP.
7º RI nos anos de 1940 e 1941 estava entre os reservistas
convocados. Recorda que recebeu a carta de convocação
12
para integrar a FEB das mãos do Cabo Valter Freitas, que iria de qualquer modo. Então, era bom não se destacar
viria a ser seu cunhado depois da guerra. Este lhe disse: negativamente...”.
“Tu vais ter de ir a Santa Maria, te apresentar no quartel;
foste convocado para a guerra”. Recebeu a notícia com Nos depoimentos transcritos, estão retratados modos
naturalidade. Esse sentimento foi compartilhado pelos diferentes de enfrentar o problema que levava aflição
seus pais. Afinal, era tempo de guerra, e sabiam que, a aos jovens pracinhas. A incerteza do que os esperava,
qualquer momento, isso poderia acontecer. “Tu vais e entretanto, não foi suficiente para que deixassem
que Deus te acompanhe”, disse-lhe o pai, ao receber a de atender ao chamado da Pátria. No entanto, nem
notícia. sempre era assim, pois muitos jovens convocados não
atenderam a esse chamado. Outros tantos convocados
Dentre os que não haviam prestado o serviço militar, deram um jeito para não terem de ir para a guerra.
Pedro Solano Vidal residia na cidade de São Sepé-RS
e estava prestes a completar 22 anos quando da sua Geraldo Sanfelice recorda que teve quem se
convocação para a FEB. “O pessoal do Exército foi buscar escondesse no mato, ao saber que estavam entregando
os 18 convocados do município com um caminhão. a carta de convocação, para não precisarem recebê-
Seguimos para Santa Maria, onde iniciaríamos a -la. Outros, mesmo recebendo a convocação, deixaram
preparação no 7º RI”, comenta. Para ele, tudo era de se apresentar no quartel. Alegavam que não iriam
novidade. Diz que não aceitou de bom grado a ideia para uma guerra que não lhes dizia respeito, menos
de ir para a guerra. Foi contrariado, mas, enfim, tinha ainda para morrerem longe de casa. Um conhecido
de cumprir o seu dever. “Tu queres ir para a guerra?, seu, para não ir à guerra, extraiu dois dentes incisivos
perguntavam. Ninguém, em sã consciência, diria com superiores, pois soubera que os convocados que
convicção ‘sim, eu quero!’ Saía um ‘é... quero’, meio apresentassem problemas médicos ou odontológicos
sem graça. Também não adiantava dizer que não, pois seriam dispensados na inspeção de saúde.

Pedro Vidal diz que, a qualquer


momento, deserções podiam
acontecer. Após a parada para o
Acervo Aribides Pereira

almoço, na estação de Cacequi-RS,


teve quem não retornasse ao trem.
“Mesmo no Rio de Janeiro, na
hora do embarque, teve gente que
desertou. As notícias sobre a guerra,
divulgadas pela propaganda nazista,
impunham medo; mesmo assim, o
sentimento de cumprir o dever cívico
foi mais forte, e muitos atenderam ao
chamado da Pátria”, conclui Taltíbio
de Melo Custódio.
Militares do Regimento Mallet. À esquerda, Aribides Pereira.

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VOLUNTÁRIOS PARA A GUERRA
“Não era só o Brasil que estava em perigo. Fomos
lutar pela liberdade universal”. Lembra do discurso do
Presidente Getúlio Vargas, que dizia que os pracinhas
Acervo Úrsula Pozzobon

estavam indo defender o porvir, a liberdade futura,


não só do Brasil, mas do mundo todo.

Ivo Ziegler diz que seu avô havia combatido


na Revolução Federalista; seu pai, na
Revolução de 1923; e um
tio, na Revolução de
1932. A tradição de
lutar pela liberdade
e pelos ideais
estava no sangue.
Estava ciente do
que o esperava na
Itália, pois outros
companheiros do
Feitos dos combatentes da Revolução Constitucionalista, de 1932, inspiraram pracinhas da FEB. Na fotografia, o efetivo
do 7º RI presta o “Juramento à Bandeira”, após o retorno de São Paulo. Ao fundo, o QG da Divisão Encouraçada.
Regimento Mallet já
estavam na guerra, e
mandavam notícias
Dentre os motivos que levaram os pracinhas a se
de lá. Além disso, todos os dias havia notícias nos
voluntariarem para ir à guerra, tiveram destaque a luta
jornais. Diz que foi à guerra movido pelo “dever cívico
pelos ideais de paz e liberdade, que estavam ameaçados;
de lutar pelo Brasil e pela liberdade. Quando pediram
a honra da Pátria; e a tradição guerreira do povo gaúcho.
voluntários, me prontifiquei na hora”, comenta.
Aribides Pereira alega que, sempre que ouvira falar
Pacífico Pozzobon diz que um dos irmãos e um primo
em guerras, imaginara-se um soldado de linha de frente.
foram combatentes na Revolução Constitucionalista. Em
Quando ouvia falar nas barbáries do nazismo, dizia para
1932, estiveram em São Paulo, ao lado das tropas do 7º RI.
si mesmo que, se o Brasil dele precisasse, estaria pronto
No retorno a Santa Maria, ambos foram recepcionados
para defender a honra da Pátria. “Por um longo tempo
como verdadeiros heróis. “Na minha imaginação de
amadureci esta ideia, e quando o meu comandante pediu
criança, desenvolvi a ideia de que, para ser herói,
voluntários para irem à guerra, não tive dúvidas de que
bastava participar de uma guerra. Quando eu soube
havia chegado a hora de ajudar a escrever as páginas da
que precisavam de voluntários para a II Guerra, senti
História”.
que havia chegado a minha vez de ir para o combate”,
Mário Machado dos Santos diz que saiu do Brasil com conclui. Diz, ainda, que, para poder ser considerado
a convicção de que iria combater o nazismo e o fascismo, apto para ir à guerra, teve de fazer tratamento dentário
que representavam um grande perigo para a humanidade. intensivo, antes da inspeção de saúde.

14
VERIFICANDO A SAÚDE
Os voluntários e os convocados que se apresentavam Brasileira (FEB). A inspeção de saúde do pessoal da
nos quartéis eram submetidos a um rigoroso processo região noroeste do Estado foi realizada no Hospital
seletivo para verificar a higidez física e a aptidão Militar de Santa Maria. Custódio relata que veio gente
psicológica. de toda a região da fronteira. “O quartel do 7º RI estava
cheio de gente. Na hora do pernoite, era muita gente
Alcides Basso, então soldado do 3º Batalhão do 7º reunida. Não era para ninguém sair do quartel, mas a
RI, relata: “Tivemos de ir duas vezes, de trem, para a gente dava um jeito de escapar pelos fundos...”.
Capital, onde fomos submetidos a muitos exames
médicos e clínicos. Só iria para a guerra quem estivesse Após a realização dos exames, os soldados voltavam
totalmente saudável”. para as suas Unidades e aguardavam a divulgação
dos resultados. Para quem havia forçado a dispensa
Pacífico Pozzobon, da mesma Unidade, confirma usando os subterfúgios já mencionados, a confirmação
que, para ser considerado apto para a guerra, o soldado da doença era recebida com alegria, às vezes, contida;
tinha de estar com a saúde perfeita. A saída, para quem outras vezes, explícita.
não queria ir para a Itália, era ficar doente ou se fazer
passar por louco. Segundo ele, alguns soldados, com o Os soldados reprovados nos exames médicos
intuito de se eximirem do dever cívico, antes da consulta foram licenciados; os que haviam sido convocados,
médica, tomavam medicamentos para alterar a pressão mas considerados inaptos, foram dispensados da
arterial; outros tantos davam jeito de pegar doença incorporação no Exército. Para os que estavam com a
venérea, infecção respiratória (o que, no Sul do Brasil, saúde perfeita, restava dar a notícia à família e aguardar
não era difícil) e assim por diante. Por esses e outros o embarque.
motivos, muitos dos jovens, submetidos à inspeção de
saúde, foram considerados inaptos

Acervo Eduardo Rolim


para o serviço militar.

Taltíbio Custódio diz que trinta


homens de Santo Ângelo foram ao
Rio de Janeiro para aprender a dirigir
os carros de combate, recentemente
adquiridos pelo Brasil. Fazia dezesseis
dias que haviam retornado a Santo
Ângelo quando receberam um
radiograma mandando que se
apresentassem em Santa Maria, onde
deveriam realizar a inspeção de saúde.
Uma vez considerados aptos, deveriam
ficar em condições de seguir para o
Rio de Janeiro e, possivelmente, serem
integrados à Força Expedicionária Quartel do 7º RI, na década de 1930.

15
DESPEDIDA DA FAMÍLIA
A missão de dar a notícia para a família foi das mais Segundo Pacífico Pozzobon, a fim de evitar
difíceis. Muitos, simplesmente, não tiveram coragem de deserções, muitos comandantes restringiram as saídas
dizer aos pais que estavam seguindo para a guerra. do quartel. Diz que obteve uma concessão especial
do seu comandante de companhia para se despedir
Os soldados Aribides Pereira e Eugênio Lombardo, da família. Na época, deslocar-se entre as cidades era
ambos do Regimento Mallet, integrantes do primeiro difícil. Para ir de Santa Cruz do Sul a Santa Maria, tinha
contingente que saiu dessa unidade, são unânimes de fazer um longo percurso ferroviário, passando por
ao dizerem que não sabiam que, na verdade, estavam Rio Pardo e Cachoeira do Sul. Em cada estação, havia
partindo para a guerra. Pereira relata que “nos disseram barreiras policiais. Recorda que o seu pai queria os
que estávamos indo para o Rio de Janeiro e que, filhos sempre à sua volta, e nem cogitava a hipótese de
posteriormente, seguiríamos para guarnecer Fernando um filho seu ir para a guerra. Por isso, não conseguiu
de Noronha”. Lombardo recorda que não pôde transmitir dar a notícia aos pais. Despediu-se com tristeza, depois
a notícia para os pais pessoalmente, pois, somente no de um dia que custou a passar. Somente ao irmão mais
Rio de Janeiro, ficou sabendo que iria para a guerra. O velho, na despedida, confiou a decisão. Pediu que não
jeito foi mandar um telegrama. transmitisse a notícia antes do embarque definitivo, no
Rio de Janeiro.
Neraltino Flores dos Santos, natural de Tupanciretã-
RS, estava servindo no 6º RAM, de Cruz Alta-RS, e não
teve a oportunidade de despedir-se pessoalmente dos Havia, ainda, aqueles que, além de dar a notícia
pais. A notícia de que estava indo para o Rio de Janeiro à família, tinham de transmiti-la à mulher amada.
foi transmitida por carta. Recorda que a mãe ficou Dalla Costa lembra que ele e a noiva ficaram muito
muito triste, pois pensava que ele não retornaria vivo tristes, pois a data do casamento estava marcada
da guerra. e se aproximava. Por isso, não fazia questão de ir à
guerra, mas, enfim, como a Pátria chamava, não impôs
Pedro Vidal diz que, antes de seguir para a Itália, resistência. Diz que sua noiva, Amélia, chorou muito,
recebeu quatro dias para se despedir da família. “Não fui e por mais que ele garantisse que voltaria para se
a São Sepé, pois sabia que minha mãe iria chorar muito casarem, não se conformava. “Despedir-me dela foi
e, sinceramente, não queria vê-la triste”, relembra. muito difícil, apesar de ela prometer que me esperaria”.
José Pereira não teve a mesma sorte, pois, ao saber
Ivo Ziegler recorda que a mãe chorava e custava a que se voluntariara para ir para a guerra, sua noiva
entender. O pai, mesmo não estando satisfeito com a desfez o compromisso. Em ambos os casos, o destino
notícia, sentiu orgulho do filho e encorajou-o. Só restava foi bondoso: ao retornarem da guerra, acabaram
rezarem juntos. casando com suas amadas.

“Os meus pais nem ficaram sabendo que estava indo para a guerra.
Quando a notícia chegou a eles, eu já havia embarcado”. Alfredo Dalla Costa

16
COMEÇA A LONGA JORNADA
Concluídas as medidas administrativas e de ordem dos Santos, hoje sua esposa, recorda que aquela noite
pessoal, estavam todos prontos para iniciar a jornada foi realmente marcante. “Santa Maria ainda era uma
que os levaria aos campos da Itália. pacata cidade, e o som da banda podia ser ouvido à
longa distância. Infelizmente, meu pai não permitiu que
Qualquer caminhada, por mais longa que seja, eu fosse assistir ao evento”.
invariavelmente, começa com o primeiro passo. No caso
dos pracinhas que partiram de Santa Maria, esse passo Pedro Vidal percorreu o mesmo trajeto, só que em 24
era representado pela distância que separava o 7º RI da de dezembro de 1944, integrando o último contingente
estação ferroviária. de Santa Maria que, efetivamente, seguiu com a FEB
para a Itália. Para a ocasião, ele e outros companheiros
Aribides Pereira recorda que, em 31 de outubro de haviam composto uma marchinha. “Adeus, Sétimo de
1943, contingentes do 5º RAM e do 7º RI marcharam Infantaria; / até logo, Santa Maria; / nós vamos, mas
pela Rua Doutor Bozano e Avenida Rio Branco, até a voltaremos; / velho Sétimo de Infantaria...”, relembra,
estação. “Em Santa Maria, eu nunca tinha visto tanta cantarolando, em ritmo marcial. “Toda vez que passo na
gente reunida. As pessoas tomavam os dois lados da frente do quartel do Sétimo RI (onde hoje está sediado
rua, formando um corredor. Faziam festa e aplaudiam, o Comando da 6ª Brigada de Infantaria Blindada),
jogavam cigarros, chocolates e outros presentes”, relembro essa canção”, diz.
relembra.

Tamanho apoio popular se Estação Ferroviária: ponto de partida dos pracinhas de Santa Maria.
justificava, pois o Jornal “A Razão”, Foto da década de 1910.
de Santa Maria, então integrante
dos “Diários Associados”, promovia
intensa campanha antinazista,
destacando sempre que a causa da
FEB era das mais nobres: a defesa da
liberdade e da democracia.

Mário Machado dos Santos


recorda que, na madrugada do dia
21 de dezembro de 1944, a tropa,
acompanhada pela banda de música
do 7º RI, seguiu até a gare. “A cidade
estava toda acordada. As calçadas,
tomadas pela população; as
janelas das casas, repletas de

Acervo Fundação Eny


pessoas, que nos incentivavam.
A despedida foi emocionante”,
conclui. A Sra. Guiomar Araújo

17
ÀS CINCO HORAS A PARTIDA DA COMPOSIÇÃO
“ O Brasil está lutando fóra de suas fronteiras e seus soldados - nossos irmãos que daqui partiram escrevem páginas de glória nos campos de batalha do
além-mar, na reafirmação do espírito de sacrifício, da bravura e da coragem que nos legaram nossos maiores.

Hoje mais um contingente da 3ª Região Militar partirá de Santa Maria, a fim de reforçar a Fôrça Expecicionária Brasileira na frente de luta.

O referido contingente partirá da gare local, em composição especial, às cinco horas da madrugada. Ao seu embarque comparecerão as autoridades
civis, militares e eclesiásticas, famílias dos expedicionários e o povo, para levar as despedidas e votos de felicidades aos bravos soldados...

Este fato constitue motivo do mais alto orgulho para os santamarienses, pois em todos os corações há a convicção de que esses nossos heróicos
soldados, juntamente com os que jáse encontram em sólo europeu, saberão elevar bem alto o valor do nosso glorioso Exército”. (grafia original
preservada)

Manchete e parte da matéria do Jornal A Razão - 21/12/1944.

Distintivos usados pela FEB


Dois distintivos destacaram os brasileiros
durante a guerra. O primeiro, está estampado
na página 9. Já na Itália, após a entrada em
combate, passaram a usar o distintivo com
a representação de uma cobra fumando
um cachimbo. Na representação, o fundo
amarelo, a cobra verde, as letras brancas e
o fundo do letreiro em azul, representam as
cores da bandeira; a borda vermelha significa
a guerra. A imagem da cobra fumando foi
escolhida em resposta a setores nacionais
de diziam que “é mais fácil a cobra fumar do
que o Brasil entrar na guerra". Os soldados
brasileiros também usavam o distintivo do
5º Exército dos EUA, comando ao qual estava
engajada a FEB. A título de ilustração, a “cobra
fumando”, na representação de Walt Disney.

18
A CAMINHO DO RIO DE JANEIRO
Os pracinhas que partiram de Santa Maria seguiram Segundo Aribides Pereira, em Cruz Alta embarcaram
até a Capital do Brasil usando dois meios de transporte: militares do 6º RAM e do 8º RI, sediados naquela cidade.
o ferroviário e o marítimo. Lá, a exemplo do acontecera em Santa Maria, houve
muita festa e distribuição de presentes. Isso se repetiu
Em ambos os casos, o início da viagem deu-se sobre nas estações de Carazinho, Getúlio Vargas e Marcelino
Ramos, no Rio Grande do Sul. A partir do ingresso no
trilhos. O primeiro e outros grupamentos percorreram Estado de Santa Catarina, o cenário mudou: acabaram
todo o trajeto de trem, passando por Cruz Alta e São as festividades, e ninguém sabia quem eram e nem para
Paulo. Outros grupamentos, passando por Cacequi, onde estavam indo aqueles jovens fardados.
deslocaram-se até o Porto de Rio Grande e, de lá, até o
Rio de Janeiro, em navio de carga. Dentre os militares que embarcaram em Cruz Alta,
estava o soldado Neraltino Flores Santos. Para ele,
Viagem sobre Trilhos a viagem foi bastante cansativa. “A gente não tinha
nenhum conforto. Íamos sentados no assoalho do
vagão, pois não havia bancos. Nas estações ferroviárias,
Aribides Pereira recorda que o entusiasmo popular no Rio Grande do Sul, éramos recebidos com festa, e nos
havia tornado o deslocamento até a estação um serviam comida quente. Depois, acabaram as recepções
verdadeiro passeio: “Até ali havia sido uma festa só. calorosas e, na hora das refeições, quase sempre,
Embarcamos no trem e, dos dois lados do vagão, o recebíamos um sanduíche simples”, recorda.
povo continuava fazendo festa e jogando pequenos
Alcides Basso, Geraldo Sanfelice e Pacífico Pozzobon
presentes para nós. Até esquecemos a tensão que a
são unânimes quanto ao desconforto da viagem, iniciada
possibilidade de estarmos indo para a guerra causava”.
na véspera do Natal de 1944. Para Pozzobon, o maior
Somente quando o trem se pôs em movimento,
problema “eram os vagões boiadeiros sujos, fedorentos,
deixando para trás o calor dos aplausos, é que muitos
sem beliches e, sequer, bancos. Estávamos amontoados
pracinhas perceberam que estavam em trens de carga,
no vagão como bichos”. Relata que, em Cruz Alta, houve
sem estrutura para o transporte
um princípio de revolta dos pracinhas, que exigiam mais
humano, e com uma longa
respeito e melhores condições para seguirem viagem.
viagem pela frente.
Não tornariam a embarcar se não houvesse mais
espaço. Mesmo com o acréscimo de dezoito vagões,
o conforto melhorou pouco: o espaço era insuficiente
e não havia banheiros. Esse fato produziu situações
cômicas e constrangedoras: buracos no assoalho do
trem eram latrinas; os trilhos recebiam os dejetos. Para
urinar, muitos malabarismos tinham de ser feitos junto
à porta dos vagões. As roupas que iam sujando, iam
Acervo Ari Gomes Filho

sendo descartadas. Quando o motivo do descarte não


era a sujeira, eram as brincadeiras entre os pracinhas,
que despojavam os companheiros, jogando as roupas
para fora do trem, fazendo a alegria dos agricultores
que trabalhavam ao longo da via férrea, pelo interior

19
de Santa Catarina e Paraná afora. “Alguns companheiros todos na área destinada ao pessoal, muitos soldados
chegaram ao destino somente de calção e camiseta”, diz viajaram no convés, ficando expostos às intempéries
Pozzobon. e ao balanço do navio. Não era raro que ficassem
molhados quando o mar se agitava mais.
Taltíbio Custódio complementa: “Quando chegamos
a São Paulo, parecia que o trem estava chegando de uma Pedro Vidal recorda que “o navio carregava cebola,
guerra. Tinha buracos para tudo que era lado. Passamos batata, pimenta e outros gêneros alimentícios. Era
um dia na Estação da Luz, aguardando um trem que nos um fedor só, além de ser muito quente. Para mim,
levaria até o Rio de Janeiro. No trecho entre São Paulo e que era meio arisco, e só havia visto vapor (navio) no
o Rio de Janeiro, sim, fomos bem acomodados. O trem cinema, tudo era novidade. Assim que o navio se pôs
em movimento, começaram os enjoos”. Ivo Ziegler
era de primeira”.
diz que preferia ficar no convés porque, nos porões,
o cheiro das cebolas era muito forte, aumentando
Viagem pelo Mar o mal-estar. “Lá em cima, era melhor; apesar do sol
quente, sempre havia uma brisa agradável”.
Pedro Vidal e Ivo Ziegler fizeram outro percurso. Após descarregar as mercadorias no porto de
Após passarem por Cacequi, Bagé e Pelotas, cidades Santos- SP, o navio seguiu até o Rio de Janeiro,
em que iam embarcando pracinhas daquelas regiões, chegando ao destino em 27 de dezembro.
chegaram a Rio Grande. Naquela cidade, os pracinhas
embarcaram em um navio a vapor
que partira da Capital, conduzindo
soldados da Região dos Vales, de
Porto Alegre e da Serra. Entre eles,
José João Pereira, cabo do Batalhão
Ferroviário, de Bento Gonçalves-RS,
que relata: “Descemos a Serra num
trenzinho do Batalhão Ferroviário.
Pernoitamos no Colégio Militar
de Porto Alegre e, pela manhã,
seguimos até o cais do porto.
Após solenidade de despedida,
que contou com maciça presença
popular, embarcamos num navio
cargueiro, que tinha acomodações
para o transporte de pessoal”.

José Pereira lembra que, para


ele, a viagem foi tranquila, pois foi
acomodado em uma cabine. No
entanto, por falta de espaço para
Embarque em Porto Alegre – Correio do Povo.
20
PREPARATIVOS PARA A GUERRA
No Rio de Janeiro, os pracinhas foram conduzidos comida não tinha gosto nenhum, mas elas estavam
até a Vila Militar. Eugênio Lombardo recorda que, sempre lá. Se não as espantasse, literalmente, a gente
inicialmente, ficaram alojados no 2º RI, o Dois de Ouros. comeria mosca. Mas também acho que nós tínhamos
Depois de algum tempo, foram para Realengo, onde parte da culpa, pois muitos jogavam lixo e cascas de
foi formado o Regimento (de Obuses Autorrebocado) laranja perto do alojamento. E onde tem sujeira, as
que iria para a guerra. Neraltino Santos diz que, moscas tomam conta”, conclui.
enquanto estavam no quartel, as condições sanitárias,
de alojamento e de rancho eram muito boas, mas que, Alcides Basso recorda que, como a comida era ruim,
em Realengo, a situação piorou. iam jantar nas redondezas e, por vezes, atrasavam-
se para a revista do recolher. Na hora de conferir os
Aribides Pereira, junto a outros integrantes do efetivos, as contagens sempre fechavam, mesmo que
Regimento Mallet, ficou adido ao 1º RAM, alojado em faltasse alguém. No escuro, era difícil reconhecer as
pavilhões novos que haviam sido construídos entre pessoas e quem estava lá respondia por quem estava
Deodoro e o Campo dos Afonsos. Por lá, começaram as atrasado.
instruções. Foram separados os grupamentos. Recebeu
treinamento básico para guerra, comum a todos, e Os preparativos para o embarque seguiam. Ivo
específico, para ser atirador de metralhadora .50. No Ziegler reforça que, além de inspeções, vacinas e
Campo de Gericinó, os treinamentos eram intensos, exames médicos, os pracinhas eram submetidos a
cansativos. Havia muito caraguatá (gravatá) e unha treinamento intensivo, visando ao condicionamento
de gato. “Não queriam nem saber se havia mato ou físico e psicológico.
banhado; a gente tinha de encarar de qualquer jeito.
“Ninguém escondia o que nos aguardava na guerra.
Na guerra, não seria diferente!”.
Os instrutores reforçavam o patriotismo e o civismo
Geraldo Sanfelice diz que ficou instalado em galpões que esperavam ver nos soldados, e nos deixavam a
de madeira, especialmente construídos para a FEB. par do que ocorria na Europa. Na teoria, sabíamos o
Participou de poucas instruções, pois o contingente do que nos esperava e como deveríamos proceder em
7º RI havia realizado exercícios específicos, no Campo situações extremas”, diz Ziegler.
de Instrução de Saicã, em Rosário do Sul-RS. Quando
chegou ao Rio, já não precisava treinar muito, pois Aribides Pereira recorda que os treinamentos de
era macaco velho, como diz. Já tinha dois anos e sete embarque e desembarque eram cansativos. Depois de
meses de experiência. Lembra que os soldados novos muitas simulações em uma torre construída no campo
treinavam mais. Para eles, era muita lama e água. de instrução, composta por escadas de cordas de sisal,
chegara o dia de fazer o treinamento final, no navio
Pacífico Pozzobon diz que as refeições tinham de de verdade. Além do armamento e equipamento, os
ser feitas em sistema de rodízio: “Juntavam-se dois soldados levavam o saco com o material individual. Os
pracinhas e, enquanto um espantava as moscas, deslocamentos entre o acampamento e a Vila Militar
o outro se alimentava”. Alcides Basso acrescenta: eram realizados de caminhão ou de trem. O embarque
“Permanecemos um mês espantando moscas! A para a guerra se aproximava.
21
A TRAVESSIA DO ATLÂNTICO
O embarque

Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília


Enfim, havia chegado a hora de os
pracinhas iniciarem a travessia do Atlântico.
Aribides Pereira diz que, no dia 20 de
setembro de 1944, seguiram, de caminhão
até São Cristóvão, onde dormiram. De
madrugada, tocou a alvorada. No escuro
e em silêncio, embarcaram no trem e
seguiram até o cais do porto. Também no
escuro, foi iniciado o embarque no navio.
Os primeiros a embarcar permaneceram
o dia e a noite seguintes no navio,
enquanto os demais pracinhas (entre
cinco e seis mil) faziam o trajeto até o cais
e embarcavam. Ao amanhecer do dia 22
de setembro, o navio norte-americano
O Embarque, no Rio de Janeiro.
General Mann desatracou. O apito foi
o sinal do início da jornada marítima. compartimento tinha cerca de três metros por três,
Pedro Vidal passou pela experiência em 8 de e era cheio de beliches de lona. “Para caminhar
fevereiro de 1945. Diz que, no dia da partida, havia entre os beliches, tinha de ser de lado. Se alguém
até escola de samba no cais. “Coisa linda! A Estação sofresse de claustrofobia, teria sérios problemas”.
Primeira de Mangueira e o Salgueiro tocando. A
gente olhava pela escotilha do navio de transporte A alimentação
americano General Meigs e via a bateria das escolas
tocando para nós. Dali a pouco, deu sono. Deitei Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos
no beliche e adormeci. Quando fui perguntar para pracinhas dizia respeito à alimentação servida a bordo.
um marinheiro, este disse que o navio já havia Com um efetivo de cerca de 5.000 militares embarcados,
desatracado e estava se deslocando para a Itália”. as refeições eram feitas em sistema de rodízio. A cozinha
Ivo Ziegler diz que ficou admirado com o tamanho funcionava 24 horas por dia, e não podia ser de modo
do General Meigs, pois tinha cerca de duzentos metros diferente, pois eram servidas duas refeições diárias
de comprimento, por uns sessenta metros de largura. Era para cada homem. “Sempre havia filas para o rancho.
como um grande edifício, de cinco andares. “A estrutura Ao clarear o dia, já havia filas. Na hora de dormir, elas
continuavam lá”, recorda Alcides Basso.
externa, tanto quanto a interna, era impressionante”.
Taltíbio Custódio diz que fez a travessia A não adaptação à comida, aliada ao balanço do
no compartimento 404L. Segundo ele, cada navio, fez com que muitos dos pracinhas adoecessem
22
logo ao partirem do Rio de Janeiro. Para Taltíbio descontraído e a viagem foi tranquila, pois não teve
Custódio, “a viagem foi terrível. Não parava nada no problemas com os malfadados enjoos.
estômago. Quando o navio subia e descia, parecia até
que o estômago ia sair pela boca”. Neraltino Santos faz Para a maioria dos pracinhas, a travessia foi tensa e
graça ao recordar que “chegava a juntar uns quatro ou cansativa. José Pereira recorda que, quando as coisas
cinco soldados em torno de um balde, fazendo rodízio, ficavam muito calmas, para deixar a tropa em estado
para vomitar”. “O calor, aliado aos enjoos, fazia com que de alerta, davam alguns tiros de canhão. Era o sinal
o mau cheiro fosse muito grande. Além de o navio contar para os treinamentos de evacuação das cabines e
com bons exaustores, havia escalas de responsáveis pela desembarque. Tinham de estar preparados para o caso
limpeza e regras bastante rigorosas, visando a evitar a de torpedeamento ou afundamento do navio. Geraldo
proliferação de doenças”, completa. Sanfelice recorda que o momento de maior tensão
ocorreu por ocasião da aproximação do continente
Pedro Vidal estranhou a comida enlatada, fornecida africano e travessia do Estreito de Gibraltar. Segundo
pelos Estados Unidos. Segundo ele, tinha um cheiro forte, soube, ao perguntar para um tripulante, havia fundadas
mas era insossa, além de ser servida meio fria. “Chegava suspeitas de que submarinos alemães ainda operavam
a sonhar com o arroz e o feijão preto, preparados pela na área. O navio havia mudado a rota, mas o destino
minha mãe”. Pacífico Pozzobon sentiu no corpo a não continuava o mesmo: o porto de Nápoles.
adaptação à comida. Lembra que, de
tão debilitado que estava, para realizar
os treinamentos de evacuação rápida

Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília


do navio, ia se segurando nas paredes.
Geraldo Sanfelice alega que, de tão
fraco que estava, nem conseguia ir até o
refeitório. Por sorte, os amigos traziam as
laranjas ou maçãs da sobremesa.

A luta contra a ansiedade

Vidal recorda que, pela manhã,


seguindo a balaustrada, andava da popa à
proa do navio para fazer o tempo passar
e diminuir a ansiedade. “Tinha dias em
que o mar estava agitado, mas, em outros,
era só calmaria”. Para ele, a travessia foi
desgastante; passou muito mal. Eugênio
Lombardo diz que, para passar o tempo,
jogavam baralho e assistiam a sessões
de cinema. Para ele, o ambiente era Pracinhas a bordo do General Meigs, em alto-mar.

23
CHEGADA AO CENÁRIO DA GUERRA
Dalla Costa recorda que, do Rio de Janeiro a Nápoles, FEB, que, ao darem as boas-vindas, já separavam os que
durante 15 dias, via somente céu e água. Pisar em terra estavam em pior estado de saúde. “Vários caminhões
firme novamente foi um alívio. “O porto de Nápoles, Chevrolet 40 nos esperavam. Eram conduzidos por
sob a luz do sol do amanhecer, era muito bonito, mas, militares do 6º RI. Perguntei a um dos condutores como
depois que vi os sinais da guerra e os navios destruídos, era estar na guerra. Ele respondeu, em tom irônico, aqui
já não parecia tão belo”, diz. é bom! Vocês vão ter tempo para descobrir”.

Aribides Pereira, que chegara a Nápoles em 6 de Os soldados que haviam ficado mais debilitados
outubro de 1944, recorda que os sinais da guerra eram durante a travessia do Atlântico permaneceram no
visíveis, mas a comprovação definitiva de que estava hospital, em recuperação. José Pereira relata: “As
mesmo na guerra teve quando, ao desembarcar do injeções que tomei no Rio de Janeiro acabaram
General Mann, cruzou com o Sargento Arno Koeller, causando uma reação alérgica na pele. Isso, somado à
de Cruz Alta, que havia sofrido uma fratura, com água salgada dos banhos, me deixou em mau estado.
afundamento do nariz, e estava sendo evacuado para Tive de ficar baixado ao hospital até ficar curado”.
os Estados Unidos, para tratamento. Constatou que a Pereira diz, ainda, que o médico, quando não conseguia
guerra não só destruía a infraestrutura, mas tirava vidas diagnosticar alguma enfermidade, costumava dizer: “É a
e mudava o rumo de muitas outras. doença da água! Assim que você pisar em terra firme, a
doença cura por conta própria”. Na maioria dos casos, o
Navios semiafundados, destruídos. O cenário diagnóstico restou comprovado.
arrasado chamava atenção. “Era difícil ver alguma
construção que não estivesse danificada ou com as Geraldo Sanfelice recorda esses efeitos: “De tão fraco
paredes sem marcas de tiros. Era triste ver o que a que eu estava, precisei ser apoiado pelos amigos, para
guerra trazia”, diz Ivo Ziegler, que aportou em Nápoles, descer do navio. Em dois ou três dias, estava inteiro.
em 22 de fevereiro de 1945. Tanto é verdade, que fui para o front na primeira leva”,
finaliza.
Taltíbio Custódio relembra que, certo dia,
percebeu que o General Meigs já não balançava mais
Brasileiras na Guerra
e estava tudo em silêncio. Abriu a viseira do navio
e viu a primeira cena real de guerra: “Um porto todo
esbagaçado e destruído. Havia muitos navios partidos O Quadro de Enfermeiras do Exército foi criado em
ao meio, destroçados. Pelos alto-falantes do navio, 1943, integrado ao Serviço de Saúde. No estágio de
informaram que deveríamos permanecer em nossos adaptação à rotina militar, educação física, natação,
compartimentos até o desembarque, que começaria em instrução militar e ordem unida passaram a fazer
seguida, de modo organizado e sob comando”. Segundo parte da rotina diária das candidatas. Enviadas para
Taltíbio, foi feita uma intensa cortina de fumaça para a região de operações na Itália, as 67 enfermeiras
camuflar o navio durante o desembarque da tropa. da FEB (na Aeronáutica havia mais 6) trabalharam
junto aos hospitais do V Exército norte-americano,
Taltíbio diz, ainda, que o contingente foi recepcionado prestando assistência aos nossos soldados.
por um grupo de oficiais e por cerca de 20 enfermeiras da

24
DESPACHOS TRANSCRITOS DE A RAZÃO

NOTA DA SECRETARIA DA GUERRA – WASHINGTON, 18 (United) – Urgente – é o seguinte o texto de uma nota expedida pela Secretaria
da Guerra dos Estados Unidos: “Uma Força Expedicionária Brasileira chegou a Nápoles a 16 de julho, a fim de participar, conjuntamente com
os exércitos aliados, das operações em solo italiano. Esta Força Brasileira recebeu treinamento durante um longo período”.

O PRIMEIRO CONTINGENTE LATINO-AMERICANO – WASHINGTON, 18 (United) – Urgente – As forças brasileiras ora


desembarcadas na Itália constituem o primeiro contingente de tropas latino-americanas que participará desta guerra.

NOTA OFICIAL DO BRASIL – RIO, 18 (Agência Nacional) – Informa o Ministro da Guerra, por intermédio da Agência Nacional: “O
Quartel-General aliado no teatro de operações no Mediterâneo acaba de informar ao nosso governo que as Forças Expedicionárias Brasileiras,
sob o comando do general de divisão João Batista Mascarenhas de Morais, chegaram a Nápoles”.

VIBRANTE REPERCUSSÃO EM TODO O BRASIL – RIO, 18 (A. N.) – As edições finais de todos os vespertinos desta capital apareceram
hoje publicando em suas primeiras páginas grandes manchetes, fotografias e longos comentários alusivos ao comunicado oficial distribuído pelo
Ministério da Guerra sobre a chegada a Nápoles de Forças Expedicionárias Brasileiras. A população carioca recebeu com grande júbilo a notícia,
disputando os jornais, no afã de inteirar-se do comunicado e comentários sobre o desembarque dos valorosos patrícios em território europeu,
onde, juntamente com as forças das Nações Unidas, destruirão para sempre as fortalezas de Hitler, vingando assim o covarde assassinato dos
nossos marujos, mulheres e crianças, imolados na calada da noite pelos corsários do Eixo. A Agência Nacional está recebendo numerosos
telegramas sobre a repercussão da notícia em todos os cantos do território nacional. Em algumas cidades, a população, tomada de entusiasmo,
improvisou manifestações públicas, exteriorizando, dessa forma, a sua incondicional solidariedade às medidas governamentais e aos bravos
soldados que, neste momento, se batem em território europeu, pela nossa dignidade.

FALA O EMBAIXADOR AMERICANO – RIO, 18 (A. N.) – O Sr. Jefferson Caffery, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, ouvido pela
Agência Nacional, a propósito da chegada das Forças Expedicionárias Brasileiras em solo italiano fez a seguinte declaração: “Compreendo e
associo-me ao entusiasmo vigorante dos brasileiros ante a notícia da chegada de suas forças expedicionárias em solo italiano. O conhecimento
que tenho do Brasil e do seu grande povo autoriza-me a convicção de que elas podem ombrear com os melhores soldados das Nações Unidas,
na defesa do patrimônio moral e cultural da humanidade”.

Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília


Em um universo predominantemente masculino,
as pioneiras do segmento feminino do Exército
Brasileiro prestaram inestimável apoio à tropa,
dando aulas de solidariedade e dedicação à causa
abraçada. A Imagem ao lado, mostra um grupo de
enfermeiras brasileiras, no Porto de Nápoles, já
embarcadas em uma lancha, prestes a seguirem
até Livorno.

25
COMEÇA A CAMINHADA EM SOLO ITALIANO

Acervo Taltíbio Custódio


Tropa brasileira, após o desembarque, em Nápoles.

A longa e cansativa travessia havia chegado ao final. Para chegar a Pisa, onde, inicialmente, as tropas brasileiras
estavam acampadas, foi necessário um grande esforço logístico. Aribides Pereira recorda que, após o desembarque
do General Mann, os pracinhas se acomodaram em barcaças, nas quais seguiram até Livorno. “Era uma flotilha
enorme, com cerca de oitenta embarcações de transporte de pessoal, mais a escolta de segurança. Dormimos
nas barcaças. Partimos na manhã seguinte. Que viagem braba! O inverno estava chegando. O mar, muito agitado,
jogava as barcaças para todos os lados”. Após o desembarque, foram conduzidos até o acampamento.

Dalla Costa diz que, logo na chegada à Itália, os pracinhas foram conduzidos, de caminhão, até um acampamento
próximo a Nápoles. Após dois dias em terra firme, onde receberam várias vacinas e fizeram exames médicos,
embarcaram com destino a Livorno. Segundo ele, voltaram a ver só mar e céu. Neraltino Santos destaca que essas
barcaças “pulavam como um zebu bravo, soltas no mar agitado”. Diz que nem o capelão do qual era ordenança, que
não ficara enjoado na travessia do Atlântico, resistiu ao balanço das ondas do Mediterrâneo.

26
Essa viagem durava entre um e dois dias,

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dependendo do escalão transportado. Segundo
relata Taltíbio Custódio, o porto de Livorno
estava bastante avariado, não permitindo
que as embarcações chegassem até o cais:
“Tivemos de descer com a água pela altura dos
joelhos”, salienta. Após o desembarque, em
caminhões norte-americanos, seguiram para
o Depósito de Pessoal, em Stáfoli, passando
por Pisa e Pistoia, conforme relata Ivo Ziegler.

Aribides Pereira, um dos primeiros santa-


-marienses a chegar a Pisa, recorda que
“o acampamento era enorme, repleto de
barracas, muito bem organizado e limpo”.
A primeira atividade, após a chegada ao
acampamento, foi o banho. “Depois de
muito tempo tomando banho com água fria
e salgada, a sensação causada pelo banho Pracinhas em barcaça de transporte de pessoal.
com água morna foi memorável”, destaca.
Neraltino Santos diz que “a hora do banho era
sofrível. Os chuveiros, no princípio, estavam
expostos ao vento gelado. Depois, melhorou
um pouco, pois fecharam o local com lonas,
que protegiam do vento”.

A partir de então, foram adotadas as


medidas administrativas que deixariam
os soldados brasileiros em condições de
seguirem para o combate. “Estávamos nos
ambientando para a guerra. O front estava
dali a trinta quilômetros. Dava para ouvir, bem
nítidos, os sons da artilharia e da aviação.
Apesar de darmos muitos tiros na instrução,
saber que aquilo era real, que estávamos no
ambiente da guerra, impunha certo receio.
Essa barbaridade era para valer mesmo!”,
complementa Aribides Pereira.
Acampamento da FEB, nas proximidades de Pisa.

27
ADAPTAÇÃO E TREINAMENTO
Ao saírem do Brasil, os soldados sabiam que estavam Aribides Pereira recorda que saiu do Brasil com uma
indo de encontro a um inimigo muito mais bem temperatura bastante alta, e que, ao chegar à Itália,
preparado para o combate e ambientado ao cenário da “o frio era intenso e a neve começava a se formar”.
guerra. No entanto, ao chegarem lá, descobriram que Pedro Vidal confirma: “Saímos do Rio de Janeiro com
havia outros inimigos, não menos implacáveis: o frio e o temperatura superior a 30 graus. Ao chegarmos à Itália,
medo. O primeiro – todos são unânimes ao dizer – era no Depósito de Pessoal, em Stáfoli, a temperatura era
muito cruel. Com relação ao medo, é preciso coragem negativa. Nas barracas, que amanheciam cobertas
para admitir, a grande maioria deles teve contato de neve, o frio era terrível. Nunca havia sentido frio
bastante íntimo com esse sentimento. parecido”. Geraldo Sanfelice acrescenta que a Legião
Brasileira de Assistência (LBA) havia remetido umas
Assim que chegaram à Itália, os pracinhas receberam carapuças e uns coletinhos de lã, que eram bastante
fardamento e armamento novos, fornecidos pelos eficientes.
Estados Unidos. Com relação aos agasalhos, não houve
problemas de adaptação, pois eram de excelente Não demorou muito para os pracinhas aprenderem
qualidade. O armamento foi estudado logo a seguir. vários meios de amenizar os efeitos das baixas
temperaturas. Sanfelice recorda
que os cariocas e nordestinos
sentiam mais o frio. Os gaúchos
estavam mais acostumados,
mas não a um frio como aquele.
Segundo ele, o mais importante
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era manter os pés aquecidos.


Para tanto, “o macete era pegar
um combat boot maior do que
os pés. Após forrá-lo com feno
ou palha de trigo seca, a gente
colocava mais um par de meias
de lã e pronto! O frio não tinha
vez”. Pacífico Pozzobon lembra
que, para ter água para fazer
a barba, pela manhã, dormia
sobre o cantil. “Se deixasse o
cantil do lado de fora da barraca,
a água amanhecia congelada”,
reforça. Ivo Ziegler acrescenta
que, algumas vezes, para beber
água, derretia neve no caneco.
Soldados brasileiros em momento de descontração na neve.
Neraltino Santos recorda uma
28
história engraçada: “Como fazia muito frio, eu peguei Para a manta não cair, tínhamos de segurá-la, e aí os
um monte de capim seco e forrei o chão da barraca. braços ficavam ocupados. Eu, como bom gaúcho, resolvi
Quando o sargento viu o que eu estava fazendo, dar um jeitinho naquilo. Com o canivete, cortei um
brincando, disse que eu estava parecendo um porco, buraco para passar a cabeça. Ficou uma beleza de pala!
que dorme na palha. Cobri a palha com duas mantas Os companheiros, em princípio, diziam que eu seria
de lã e deitei. Parecia um colchão! No dia seguinte, o punido: ´Não, gaúcho, faz isso não, que são capazes
sargento foi fazer a mesma coisa. Aí foi a minha vez de de lhe prender´. Ao verem o sucesso e a praticidade do
brincar com ele, perguntando se o porco velho ia dormir meu ‘pala’, adotaram a ideia. Até o tenente, que não era
quentinho também”. Riram juntos, e dormiram nos gaúcho, disse: Pois olha, você sabe que até é bom esse
colchões improvisados. tal de pala”.

Pedro Vidal diz que “quem fosse pego sem as luvas Vidal continua: “A gente caprichava nas meias, mas
ou com pouca roupa era repreendido e pagava multa – tinha de cuidar para os pés não ficarem molhados de
flexão de braço e polichinelo – para aquecer o corpo. suor. Com a temperatura baixa, os pés, úmidos, podiam
Para espantar o frio, muitos de nós andávamos com a congelar. O pé de trincheira era um perigo a mais, pois
manta (cobertor) sobre o corpo. Aquilo era desagradável. podia levar à necessidade de amputação dos pés. O
frio gerava um grande mal-
-estar; a roupa em excesso
incomodava bastante. Com
a roupa grossa, o corpo
Acervo Pacífico Pozzobon

esquentava. Aí vinham o
calor, o suor e a coceira. Em
decorrência, vinha o mau
humor. Por várias vezes,
eu vi soldados, com a arma
na mão, chorando de frio”,
conclui.

Se o frio causava mal-


-estar, havia um inimigo
ainda mais temido. Para
Pedro Vidal, “o frio era coisa
braba, mas o medo era
ainda pior. Paura, diziam os
italianos. Eu diria que era
superpaura, muito medo”.
Certa vez, conta, estava
Instrução de armamento e tiro.
em uma escaramuça, perto
de Bagnoli, com o 11º
29
RI, quando se aproximaram de uma casa onde havia e passar a mão por baixo, para ver se não tinha
quatro idosas. “Quando viram a gente, e perceberam uma booby trap (armadilha para bobo, como nós
que estávamos assustados, disseram algo como ‘não traduzíamos) escondida. Em quinze dias, estávamos
tenham medo; o inimigo está distante’. Havia sempre preparados para descobrir e desarmar qualquer mina”,
algum soldado descendente de italianos, e isso facilitava conclui Custódio.
a comunicação. O medo era constante, mas era palavra
proibida. ‘Tá com medo, soldado? Não, senhor!’ era Ivo Ziegler recorda que, apesar de haver chegado
a resposta mais apropriada. Bom mesmo, mas muito à Itália um dia após a tomada de Monte Castelo pelas
difícil, era nem pensar no medo. O problema é que tropas brasileiras, a guerra continuava. Por isso, era
o capacete alemão, mesmo sem soldado embaixo, necessário que todos estivessem preparados, em caso
impunha respeito; tirava sono até de criancinha”, conclui de necessidade. Entre os preparativos para o combate, a
brincando. apresentação dos novos armamentos (canhões, bazucas,
morteiros, metralhadoras, etc.), as instruções de tiro e
Taltíbio Custódio, com relação à instrução para o o treinamento físico. Os treinamentos eram feitos com
combate, diz que “a preparação, no Rio de Janeiro, munição real, para que fossem o mais próximo possível
revelou-se pouco útil, pois saímos de um calor do que encontraríamos em combate. Essa era a rotina
escaldante e chegamos à Itália com frio e neve; o dos pracinhas que permaneceram no Depósito de
terreno, o armamento e o fardamento eram totalmente Pessoal, para eventual reposição das tropas que estavam
diferentes”. A reciclagem da instrução, segundo diz, em ação no front. “A reserva tinha que estar preparada,
coube ao pessoal do 6º RI, que chegara antes à Itália. As em caso de necessidade”, complementa.
áreas de instrução, cerca de vinte, tinham nomes como
Pindamonhangaba, Caraguatatuba, e outras cidades Alcides Basso conta que os treinamentos foram
paulistas. O treinamento, bastante puxado, começava severos, cansativos. De dia ou à noite, os treinamentos
logo depois do café. A educação física também era eram sempre com munição real. Não tinha medo, pois
bastante forçada, pois o preparo físico era a base para sabia que era treinamento. Contudo, como a munição
um bom soldado. era real, tinha de ser feito tudo com muita correção. “Nas
pistas de progressão, tínhamos de rastejar de costas
Ademais, “era instrução para tudo: como usar os para o chão, com o fuzil roçando no arame farpado.
novos fardamentos e armamentos, sobrevivência, Acima do arame, a bala ia comendo. À noite, a munição
proteção contra o frio, etc. As primeiras instruções traçante impunha ainda mais respeito. Era assustador!”,
foram ministradas por sargentos norte-americanos, relembra. Dalla Costa recorda que os treinamentos
que usavam o idioma espanhol para facilitar a simulavam a cruel realidade: “Rastejávamos por dentro
compreensão. A missão inicial era nos deixar a par dos de sangas e valetas, e as balas passavam zunindo acima
riscos que corríamos se pegássemos ou tocássemos da cabeça”.
em qualquer coisa. O cuidado e a cautela eram
essenciais, ressaltavam. Qualquer material poderia Custódio acrescenta que “não se economizava
conter armadilhas fatais. Eles chegavam a exagerar, ao munição em treinamento. A prioridade era a vida
dizerem, em tom de brincadeira que, antes de deitar, humana e, para mantê-la, os homens tinham de estar
teríamos de levantar o lençol, bem devagarzinho, em condições de serem empregados em missões reais”.
30
SEGUINDO PARA O “Front”
Antes de descrever a

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participação dos nossos
protagonistas em combate,
cabe destacar as atribuições
de cada uma das armas
básicas (Infantaria, Artilharia
e Engenharia). A Cavalaria,
que hoje integra a estrutura
básica do Exército Brasileiro,
a partir da década de 1940,
entrou, efetivamente, na fase
da motomecanização e teve
participação na guerra com
alguns carros blindados sobre
rodas, usados em missões
de reconhecimento. As
comunicações eram encargo
da Engenharia. A Companhia
de Transmissões, que muitos e
relevantes serviços prestou à
FEB, foi o embrião da Arma de Artilharia da FEB subindo os Apeninos.
Comunicações.
prestava cobertura de fogos para as ações dos infantes.
A Engenharia da FEB seguia na frente, junto aos “Nossos tiros alcançavam o inimigo a longas distâncias,
norte-americanos, removendo minas, recuperando em Monte Castelo, Montese e outros combates.
caminhos e reconstruindo pontes. Aribides Pereira Ficávamos na retaguarda, sem contato pessoal com o
diz que “o poderio e a eficiência da Engenharia eram inimigo”, destaca.
impressionantes. Em uma noite, lançavam cabos de
aço com pneus, montavam a estrutura metálica e À Infantaria cabia o trabalho mais difícil. Aribides
concluíam uma ponte para dar passagem à tropa”. “A Pereira diz que ela passava por maus bocados. Cabia
Engenharia fazia um trabalho admirável. Os alemães aos infantes a missão de ir à frente, localizar o inimigo,
bombardeavam as estradas para dificultar o avanço pedir, com correção, a concentração de fogos e, depois
dos comboios aliados, e a Engenharia arrumava tudo que a Artilharia preparava a área, tinham de encarar
em pouco tempo, com seus caminhões e patrolas”, diz o inimigo, no combate aproximado, tomando dele o
Taltíbio Custódio. terreno.

A missão da Artilharia, com seus canhões e obuses, Na II Guerra Mundial, a coordenação das ações das
era preparar o terreno para a Infantaria. Eugênio diferentes armas passou a ser fundamental. Segundo
Lombardo diz que, a partir de Porreta Terme, a Artilharia Pacífico Pozzobon, “o êxito de qualquer missão
31
dependia da capacidade dos homens responsáveis semanas em solo italiano, por ser bastante experiente,
pelas transmissões, que acompanhavam a Infantaria, foi escolhido para ir para o front. Lembra que encontrou
no contato direto com o inimigo, e faziam a ligação o Capitão Henrique César Cardoso, com o qual servira
com a Artilharia, na retaguarda. De nada adiantaria o no 7º RI, em Santa Maria. Este lhe disse: “Amigo, como
infante localizar o inimigo, se não pudesse transmitir é que tu ‘deixou’ te pegarem para vir para a guerra?
ao artilheiro a sua localização exata, para que esse E agora tu ‘vai’ para a linha de frente...”. “Respondi
bombardeasse as posições inimigas”. Taltíbio Custódio que não podia nem queria fugir da obrigação, e que
complementa, dizendo que “a coordenação das tropas estava na Itália justamente para isso. O jeito foi me
em movimento se dava por rádios, usados pelos entrosar ainda mais com os amigos mineiros e seguir
comandantes de regimentos, batalhões e companhias. em frente”. Até ser ferido, em Collecchio, no dia 28 de
Na retaguarda, o telefone era mais confiável”. abril de 1945, havia permanecido na linha de frente
por mais de um mês.
A FEB desembarcou em solo italiano, em julho de
1944. Após o período de ambientação e instrução, em Alcides Basso diz que ficar no acampamento
16 de setembro, o 6º RI partiu para o front, recebendo gerava grande ansiedade. “Os treinamentos eram
o batismo de fogo. Antes disso, porém, a Engenharia da desgastantes, e a maioria do pessoal que estava
FEB já trabalhava, preparando caminhos e recuperando lá queria ir logo para o front, pôr em prática o que
pontes. aprendera. Lembro de um sargento, no Depósito de
Pessoal, que havia voltado ferido da linha de frente.
Aribides Pereira relata que, no dia 3 de novembro Mesmo sem estar recuperado, queria retornar logo à
de 1944, receberam a ordem de seguir para o front. frente de batalha. Dizia que ficar parado era um tédio,
Segundo diz, quanto mais o comboio subia os Apeninos, e que, em combate, ajudando os companheiros, ele se
cobertos de neve, mais intenso era o frio. Ao chegarem sentia realmente útil”.
ao destino, encontraram os integrantes do primeiro
escalão, que já estavam por lá, em combate. “Ali, sim, Basso diz que, no começo, só era possível ouvir os
cerrou o fogo. O combate era para valer. Quando os tiros de artilharia, ao longe. Recorda que “o barulho
alemães abandonavam determinada posição é que produzido pelo bombardeio de Montese, nos dias 14
a gente podia ver o estrago que a guerra causava. A e 15 de abril de 1944, era assustador até para quem
artilharia alemã ainda usava muitas peças movidas à estava distante. Imagina para mim, que, justo no dia
tração animal. Havia muitos carros avariados ao longo 14, parti para o front, rumo ao norte da Itália. Com
do itinerário de progressão, mas, Deus do Céu, ver os pouco mais de um mês e meio de treinamento e
corpos de soldados alemães e cavalos destroçados era preparação psicológica na Itália, havia chegado a minha
de arrepiar. Isso a gente não esquece mais”. vez de conhecer o inimigo. Se, pelo barulho, dava para
perceber que o combate estava acirrado, ao passarmos
Geraldo Sanfelice recorda que, apesar de ter descido por Montese, o impacto foi ainda mais chocante: o
do navio carregado pelos amigos, logo recompôs as silêncio era total, tudo estava destruído e havia alguns
forças. “Fui incluído no efetivo do 11º RI, de Juiz de focos de fumaça. Pela primeira vez, senti o cheiro da
Fora. Nunca fui a Minas, mas conheci muitos mineiros, guerra; e posso dizer, com toda segurança, que não é
que eram gente muito boa”. Com menos de duas nada agradável”.
32
CONTATO COM O INIMIGO
Como relatado anteriormente, o contato pessoal vários italianos, simpatizantes dos nazistas. Certo dia,
e efetivo com o inimigo cabia à Infantaria, e podia quando ia de jipe levar um ofício até Pisa, seguindo por
acontecer a qualquer momento. Durante o combate uma ruela, nas montanhas ao longo do Rio Arno, havia
ou no período de ocupação do terreno, esse momento um trator arrumando uma estrada bastante estreita: de
sempre era tenso. Segundo relata Geraldo Sanfelice, um lado estava a montanha; do outro, o despenhadeiro.
“em combate, os enfrentamentos com os tedescos eram Como era uma missão de estafeta, usava somente a
sempre acirrados. Eles eram muito bem preparados e pistola. Quando estava parado, aguardando a passagem
sabiam o que e como fazer. Por isso, tínhamos de estar pelo trator, saltaram seis italianos do mato, armados
sempre atentos. Nas horas de folga, o nosso ‘passatempo’ de fuzil. Por sorte, estavam com braços levantados e
era cavar trincheiras. Quanto mais profundas, melhor. A o fuzil sobre a cabeça, prestes a se renderem. Foi um
tropa precisava estar em segurança. Os alemães eram baita susto. Recolhemos o armamento e entregamos os
soldados muito bem preparados e, se nós estávamos lá soldados a um major do exército norte-americano, que
para vencê-los, tínhamos de ser melhores do que eles”. os conduziu para a retaguarda”.

Sanfelice diz que, fora de combate, teve contato


direto com um alemão, numa vila próxima a Fornovo.
“Estávamos, eu e o cabo Menna Barreto, fazendo um

Foto Mário F. A. Pedroso


reconhecimento quando encontramos
um sujeito alto, que logo identificamos
como sendo alemão. Ele estava isolado
e, quando percebeu que não tinha saída,
largou o fuzil de lado, tirou a mochila e
veio conversar com a gente. Apesar de
não entendermos o que ele dizia, tiramos
a munição do fuzil e o conduzimos para
a retaguarda, lugar onde permaneciam
os prisioneiros. É bom salientar que havia
muito respeito com os inimigos capturados”,
complementa.

Aribides Pereira diz que, perto do final


da guerra, os alemães se entregavam
espontaneamente. “Chegou a acontecer
de não termos gente para evacuá-los. A
saída era fazer croquis para que seguissem,
desarmados e por conta própria, até o campo
de prisioneiros. Eles sabiam que não havia
outra saída, que iriam perder a guerra e Medalha do Acervo de Ivo Ziegler Medalha da campanha ítalo-alemã na África (Afrika-Korps)
optavam pela vida. Participei da prisão de comprova a experiência dos soldados enfrentados pela FEB.

33
AÇÕES EM COMBATE
Porreta Terme baixas. Estava na retaguarda, com a Artilharia, mas
o movimento de padiolas com soldados feridos e
Neraltino Santos relata que a Artilharia estava mutilados era grande. Segundo relata, seu conterrâneo
acampada em Porreta, e, de lá, fazia concentração João Moreira Alberto está entre os heróis que perderam
de fogos sobre Monte Castelo. “Eu era ordenança, a vida durante as ações que culminaram na tomada do
sacristão e carpinteiro, mas, no dia anterior ao ataque Monte Castelo.
final a Monte Castelo, o tenente estava procurando
voluntários para uma patrulha de reconhecimento. Neraltino diz que assistiu a episódios marcantes,
Fui voluntário”. Na verdade, o tenente estava apenas envolvendo a nossa aviação. Um avião brasileiro havia
testando a coragem dos pracinhas, pois não haveria sido atingido, e estava caindo. De repente, viu o piloto
patrulha nenhuma. Ao final, carregou muita munição pousando de paraquedas. Em outra situação, presenciou
para as peças de artilharia, que foram de suma aviões alemães perseguindo um avião brasileiro. Depois
importância para a vitória em Monte Castelo, no dia 21 de muitas manobras para escapar do tiroteio, o brasileiro
de fevereiro. deu um longo rasante por trás de um morro. Por incrível
que pareça, depois daquela manobra arrojada, os
Neraltino diz que, em Monte Castelo, os combates alemães desistiram da perseguição. Outro momento que
seguiam intensos, fazendo aumentar o número de guarda nítido na memória é um embate travado entre a
aviação alemã, que tentava bombardear
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as nossas peças de artilharia, e um ninho
de metralhadoras, que tentava rechaçar o
ataque.

Segundo conta Neraltino, “num


determinado dia, estava lendo um
livrinho de orações, quando as posições
da Bateria foram atingidas pela artilharia
alemã, em resposta ao nosso bombardeio.
Rapidamente, deitei numa vala rasa para
me proteger. Só após cessar o tiroteio,
percebi que estava em uma valeta cheia
d’água. Naquele dia, perdemos o Soldado
Teutônio, única vítima fatal da 3ª Bateria”,
lamenta. Depois da tomada de Monte
Castelo, seguiram até Alessandria. No
deslocamento, passaram por eles vários
caminhões carregados de prisioneiros de
guerra. O semblante dos alemães deixava
Peça de Morteiro 81 milímetros. transparecer o olhar cansado e derrotado.

34
De Montese a Collecchio importância estratégica, tínhamos de avançar sob o
fogo da artilharia, além do fogo de atiradores alemães
isolados, que haviam ficado para trás, com a missão de
Geraldo Sanfelice diz: “Depois da preparação inicial, retardar a nossa progressão. A tensão e o perigo eram
em Stáfoli, participei de vários combates, desde pequenas constantes. Não dava para relaxar. O inimigo podia estar
escaramuças até enfrentamentos mais sérios. Porreta
Terme, Giulia, Modena, Montese,
Vista de Montese, sob bombardeio.
Zocca, Marano, Vignola, Collecchio,
entre outras. Foram tantas cidades e
vilas pelas quais passamos, que nem
lembro mais de todas. Talvez esqueça
alguma ou até misture a sequência.
No mapa, onde consta o roteiro da
FEB, estão representadas as batalhas
mais importantes, mas passamos por

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muitas vilas que não constam nele”.

“Estávamos em Modena. Nosso


destino era Montese, pequena
cidade sobre uma elevação de cerca
de 1.200m de altitude. Os alemães
se empenhavam muito para manter
Montese devido à importância que
tinha para a defesa das demais
posições que ocupavam. Quando eles
perceberam a nossa aproximação,
desencadearam intenso fogo de
artilharia. Era apavorante, mas nós
seguíamos em frente, protegidos
por uma cortina de fumaça lançada em qualquer esquina. Em qualquer casa ou ruína poderia
pela nossa artilharia, ao mesmo tempo em que haver uma mina ou armadilha pronta para explodir”.
desfechava intenso bombardeio sobre eles. O barulho
era ensurdecedor. A terra parecia tremer”.
Sanfelice acrescenta: “Aquela foi a batalha mais
“Em Montese, o cutuco foi forte. Os combates sangrenta de que participei. Muitos amigos perderam
dentro de um centro urbano – e este era o caso – eram a vida e outros tantos ficaram mutilados. Ao final dos
mais difíceis, mais acirrados, rua a rua, casa a casa. O combates, comemoramos o êxito da missão, mas a
normal seria a artilharia martelar tudo, para, depois, sensação de perda era maior do que a alegria pela vitória.
a infantaria limpar a área. Lá foi diferente! Devido à O comandante do IV Corpo de Exército dos Estados
35
a infantaria da FEB, a missão da artilharia era descarregar
o máximo de granadas explosivas sobre eles. Foi um dia
de intenso bombardeio.

“Depois de Montese, seguimos em direção a


Collecchio e Fornovo, onde havia grande contingente
alemão, em fuga para o norte”, diz Geraldo Sanfelice.
No meio do caminho, entretanto, ele sofreu um grave
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acidente que o pôs fora de combate. “Estávamos


seguindo por uma lavoura de trigo, que vinha até
a cintura. Havia uma estrada de chão batido para
atravessar. Todos estavam descontraídos, porque a
imagem era muito bonita, num dia ensolarado. O
tenente disse que a ordem era avançar. No que pisei na
estrada, só ouvi um forte zum!, e senti uma ardência
na perna. Era uma mina antipessoal, deixada pelos
alemães, que havia explodido. Ao olhar, percebi que
faltava um pedaço e que estava todo ensanguentado.
Parte do joelho havia sido arrancada, deixando os ossos
e os nervos expostos. Por sorte, a granada que explodiu
pegou só na perna e não morri. O enfermeiro, Cabo
Benedito, muito meu amigo, prestou o socorro inicial, e
de padiola, fui conduzido para o hospital de campanha.
De lá, fui evacuado para o hospital de pronto-socorro,
na retaguarda. Sentia bastante dor, mas fiquei lúcido. Só
Pracinhas da FEB, em Montese. apaguei no hospital, quando me anestesiaram”.
Unidos, General Crittenberger, a quem estávamos
subordinados, muito elogiou a nossa participação “Eram cerca de onze horas da manhã, quando fui
naquele combate. Eu estava lá, e posso dizer que o ferido. Lembro que, quando acordei, já era noite. Estava
elogio(*) foi merecido”. todo enfaixado, da cintura para baixo. Percebi que
haviam amputado parte da perna, um pouco acima do
Neraltino Santos diz que, durante o bombardeio a joelho. Para a FEB, a guerra continuou e só terminou
Montese, a ordem para a Artilharia era atirar. Não havia em Fornovo, mas eu fui ferido três dias antes, em
tempo para rodízio de tiro entre as baterias. Cada uma Collecchio”, relata Sanfelice, que, após a cirurgia, foi
atirava o quanto podia. Como os alemães haviam sitiado evacuado para os Estados Unidos, a fim de ser tratado.

* “Na jornada de ontem, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações. Com o brilho de seu feito e seu
espírito ofensivo, a Divisão Brasileira está em condições de ensinar às outras, como se conquista uma cidade”.

36
De Collecchio a Fornovo

Depois de Collecchio, a FEB continuou


a perseguição às tropas alemãs. Alcides

Fotos: Mário F. A. Pedroso


Basso, que havia sido incluído nas fileiras
do 6º RI, participou dessa ação. “Na
primeira noite, dormi em um buraco,
embaixo de um parreiral. A chuva fazia
o frio ser ainda mais rigoroso. A rotina
consistia em transpor riachos, bosques
e descampados, sempre perseguindo os
alemães”, relata.

Nesse estágio da guerra, os alemães já


não eram mais do que alguns atiradores
isolados, que ficavam para trás, e já não
ofereciam muita resistência. “Quando
chegávamos a alguma cidade ou ponto
estratégico, geralmente a população
informava que os tedescos seguiam logo
à frente. E nós continuávamos no encalço Gen. Otto Fretter Pico, comandante da 148a
Divisão de Infantaria Alemã, acompanhado do seu
deles”. Estado-Maior, acerta os termos da rendição.

Ao chegarem a Tortona, pequena


cidade que, aparentemente, havia sido menos avariada na guerra, os brasileiros
ficaram acampados por dois dias. De lá, após receberem nova missão, retomaram
a marcha até Fornovo di Taro. Após passarem a noite de 28 de abril protegidos,
ao amanhecer, progrediram cerca de três quilômetros e chegaram próximo ao local
onde os comandantes brasileiros e alemães estavam negociando a rendição da 148ª
Divisão de Infantaria e remanescentes das 90ª Divisão Panzer Granadier e Bersaglieri
Itália para a FEB. Acamparam e pernoitaram no local, fazendo segurança aproximada.

O cenário da rendição alemã

No dia seguinte, os alemães começaram a entregar armamento, carros, motos,


bicicletas e até cavalos. Eram quase 15.000 homens, milhares de animais, viaturas e
armamento.

37
“Estávamos de um lado da estrada e os alemães do outro. Largamos as armas e atravessamos a estrada
que nos separava. A guerra havia acabado e, se havia acabado a guerra, não mais havia inimigos. Uns falando um
pouco em polonês, outros em alemão, acabávamos nos entendendo. Consegui trocar comida e cigarros por uma
Parabelum alemã e uma Beretta italiana. Os soldados alemães trocavam qualquer coisa por comida, pois estavam
com fome. Além disso, para eles, a arma não serviria para mais nada, e, de qualquer modo, teriam de entregá-la.
Pelo menos matavam a fome. Tenho o privilégio e o orgulho de dizer que fiquei ali, de frente para eles, quando se
renderam”, conclui Alcides Basso

Cumprida a missão em Fornovo, os contingentes da FEB prosseguiram para o norte, em perseguição às tropas
alemãs, e ocuparam a região de Alessandria. Depois de passarem pela cidade de Turim, as tropas brasileiras
realizaram a junção com as tropas francesas, em Susa.

As imagens mostram metralhadoras “lurdinha”, armamento, viaturas, cavalos e bicicletas apreendidos. Fotos: Mário F. A. Pedroso

38
A missão estava quase cumprida. Os alemães haviam

Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília


se rendido. No entanto, até 3 de junho de 1945, a FEB
realizou ações de manutenção de paz e segurança das
áreas ocupadas. Pedro Vidal, depois de permanecer
grande parte do tempo no Depósito de Pessoal, seguiu
para o norte, integrado ao 11º RI, já no período de
ocupação do terreno. “Não participei de nenhum
grande combate, mas de algumas patrulhas isoladas,
sim. Nessas ações, a maior responsabilidade era do
‘sargentão’, comandante da patrulha. No terreno ainda
havia alguns tedescos e, não raras vezes, ocorriam
escaramuças. Por isso, os deslocamentos exigiam
disciplina e atenção total. Pelo desempenho nas
patrulhas, vi vários companheiros serem promovidos.
Saíam para a patrulha como cabos ou soldados e, Prisioneiros de guerra alemães, junto a soldados da FEB. Diariamente,
de caminhão, os alemães seguiam para as frentes de trabalho, auxiliar
dependendo da relevância e da complexidade da missão, na reconstrução de pontes e estradas.
ao retornarem, eram promovidos por ato de bravura”.

ACAMPAMENTO EM FRANCOLISE
Acervo Wanda Reis Pedroso

Nos períodos de seca, a poeira tornava o ar irrespirável; quando chovia, o barro tomava conta de tudo.

39
VÍTIMAS DA GUERRA
Numa guerra, o maior número de vítimas não usa farda. A população civil, além das perdas materiais, sofre todo
tipo de privações e provações. Não tem como se defender, tampouco a quem recorrer.

Como a situação era realmente desesperadora e a população não tinha de onde tirar comida, formavam-se longas
filas perto dos acampamentos. Idosos, mulheres com crianças no colo e pequenos órfãos da guerra, de canecas e
latas na mão, implorando por um pedaço de pão que fosse. “A cena era muito triste. Acabávamos repartindo a
refeição com eles. Ver os seus olhos brilhando era muito gratificante. Para nós, era apenas um pouco de comida,
mas, para eles, podia representar a única refeição do dia”, recorda Ivo Ziegler.

Durante o deslocamento para o norte, a impressão inicial se confirmava, a cada vila ou cidade por onde passavam.
A destruição era cada vez mais evidente. Estações ferroviárias, estradas, pontes e casas destruídas. O cenário era de
terra arrasada. A aviação e a artilharia alemãs e aliadas haviam feito um estrago muito grande.

Eram cidades-fantasma, arrasadas, quase sem vida. Segundo Alcides Basso, os sobrados não tinham estrutura
para resistir aos bombardeios. Por isso, a população havia abandonado suas casas e se escondido na campanha ou
nas matas, onde estava mais segura. Assim que passavam as tropas de libertação, a população começava a voltar
para o que havia restado das suas casas, geralmente reduzidas a escombros. “Era a dura realidade da guerra...”,
conclui.
Pistoia, novembro de 1944. Civis fazem fila para receber um
pouco de comida em um acantonamento da FEB.

Acervo Wanda Reis Pedroso

40
dobrei, fui emboscado, com uma lâmina. No que reagi,
Fotos: Mário F. A. Pedroso

tive a parte frontal do capote de lã cortada. Como


antevira a situação, já tinha posto uma bala na agulha
da Parabellum, e o acertei na perna”. Ao retornar,
encontrou o Capitão Paulo, que tomava vinho em
uma cantina. O capitão convidou-o para sentar, mas,
como já havia tomado a cota de vinho daquele dia e
estava nervoso devido à tentativa de assalto, pediu
licença e voltou ao alojamento (estavam dormindo nas
instalações de uma escola). “Pela manhã, na hora do
café, o Sargento Arlindo botou a companhia em forma.
No que comandou direita volver, vi o italiano da noite
anterior. Ele havia ido se queixar ao comandante da
Acampamentos como este, nos Apeninos, abrigavam a população que era
obrigada a abandonar os centros urbanos, castigados pelos bombardeios. Companhia, dizendo que tinha sido atacado por um
Basso continua: “Uma das primeiras vítimas da soldado. Ele me reconheceu e o Capitão mandou que
guerra é a moral. Na Itália, é horrível dizer isso, cigarro eu saísse de forma. Por sorte, eu havia contado ao meu
e comida podiam comprar qualquer coisa. Na triste comandante, na noite anterior, sobre o fato. A prova
luta pela sobrevivência, eram moedas de grande de que o ataque partira dele (meliante) era o corte no
valor”. Taltíbio Custódio diz que, “em muitos lugares, capote. O capitão mandou que ele sumisse dali, pois,
os italianos ofereciam as próprias mulheres e filhas em além de tentar assaltar um soldado, tinha a cara de pau
troca de comida. A guerra é um desastre! Nessas horas de vir reclamar”. Depois daquilo, sempre que eu ia fazer
ficava claro para mim o motivo da nossa ida para lá: era a barba, os outros soldados diziam “Sessenta e quatro
para evitar que aquela miséria moral chegasse perto (seu número), cuidado com a lâmina!” Um grande susto
das nossas fronteiras”. Destaca, ainda, que a situação virou diversão...
“Aqui vemos a maneira como italianos vendiam o que lhes restava”.
dos italianos era tão precária que eram
capazes de assaltar um soldado só para
conseguir a roupa.

Dalla Costa confirma que, ao término


dos combates, andar na Itália era
perigoso. O risco de assalto era grande.
Por esse motivo, geralmente saíam em
grupos. “O meu grupo era composto
por sete soldados. Aonde ia um, íamos
todos. Certa vez, saí sozinho, à noite.
Logo percebi que estava sendo seguido.
Fiquei atento. O sujeito passou por
mim e dobrou uma esquina. Quando

41
CONTATO COM A POPULAÇÃO
Acervo Ivo Ziegler

O combate aos fascistas


deu aos brasileiros a simpatia
da maioria da população local.
Quando perceberam que
estávamos lá para ajudá-los,
passamos a ser bem recebidos
em todos os lugares por onde
andássemos. Os brasileiros
passaram a ser vistos como
soldados de valor e homens
de bem”.

Dalla Costa recorda que


“falava em dialeto com os
italianos. Não tinha problemas
de comunicação, pois meu
pai veio, aos oito anos, da
Itália para o Brasil e, em casa,
falávamos italiano. Em todos
Acampamento em Stáfoli – Solidariedade!
os lugares a que chegávamos,
Para Ivo Ziegler, o contato com a população era muito gratificante.
Além de lembrar a família, que estava no Brasil, podia ajudar a quem necessitava atenção e comida. éramos bem recebidos.
Eles tratavam muito bem os
Pedro Vidal diz que, logo na chegada, os brasileiros brasileiros. Fiz amizade com
tiveram certa dificuldade de aceitação por parte dos muitos italianos”, destaca.
italianos, principalmente pelas crianças. “Eu tinha
uma barreira a mais para superar: muitas crianças não Geraldo Sanfelice diz que, sempre que estacionavam
conheciam homens negros. Se fosse bem preto mesmo, em algum lugar, sem previsão de progressão imediata,
as crianças tinham medo e até fugiam. Com o tempo, faziam contato com a população local. A região era
isso mudou e, nas andanças pela Itália, éramos recebidos montanhosa e muita gente tinha criação de cabras.
com alegria. Recebíamos muitos convites para comer Assim sendo, a base dos pratos que os italianos serviam
uvas e tomar vinho. Até então, eu não tomava vinho; aos pracinhas eram a polenta e a carne de cabrito,
não gostava. Lá, tive de provar. E gostei, pois era muito acompanhados de um bom vinho. Como descendente
bom”. de italianos, não tinha grandes dificuldades de
comunicação, pois sapecava o idioma italiano desde
Segundo Vidal, “os partidários de Mussolini, contrários criança, quando morava na Quarta Colônia (de imigração
aos aliados, eram maus, truculentos e prevalecidos. italiana, no Rio Grande do Sul). Apesar de haver muitos
Usavam táticas terroristas contra a população local, e diferentes dialetos na Itália, conseguia se comunicar
não fascista, principalmente os partigiani (cidadãos com a população. Nas andanças pela Itália, passou por
armados, pertencentes ao movimento de resistência). Mantova, terra natal de seu pai. “Para comemorar, mais
42
Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília

Acervo Wanda Reis Pedroso


Recepção festiva ao Esquadrão de Reconhecimento da FEB pela população
italiana, em Massarosa, em 17/09/1944.

polenta e vinho. Éramos vistos como libertadores. Os


que tinham conduta correta eram recebidos com festa.
Quem não a tivesse, teria de acertar as contas com a
PE”, conclui.

Eugênio Lombardo recorda que o relacionamento Churrasco e chimarrão no acampamento.

com a população italiana era amistoso. “Éramos bem


recebidos em tudo que era lugar. Da mesma forma,
quando iam ao acampamento em que estávamos,
também os tratávamos muito bem. Havia muito
respeito e descontração. Eles ficavam muito contentes
quando nos encontravam. Eles gostavam muito dos
brasileiros”.

Foto: Mário F. A. Pedroso


Segundo relato de Aribides Pereira, a comida era,
geralmente, a ração fornecida pelos Estados Unidos.
Eventualmente, por ocasião das datas festivas, como
Natal e Páscoa, eram adquiridos alguns cabritos
da população, e o almoço era reforçado com carne
assada. A melhoria da etapa de rancho era das poucas
coisas que diferenciava essas datas dos dias normais. Jogo entre brasileiros e italianos, em Francolise.

43
A VIDA NO ACAMPAMENTO
Muitos dos pracinhas que seguiram para a Itália procedimentos. Na oficina de maneabilidade, havia
no 5º Escalão (fevereiro de 1945) passaram a maior um sargento baiano, que, por suas feições, recebeu o
parte do tempo em Stáfoli, pequena cidade que havia apelido de tatu peludo. “Ele vivia com a roupa suja de
sido retomada dos nazistas pelo exército aliado, antes terra, por demonstrar como deveríamos rastejar. Além
de a FEB chegar à Itália. Era lá que estava localizado o disso, tinha a pele do rosto bastante irregular, o que
Depósito de Pessoal. dificultava o barbear. Sujo e de barba mal feita,
parecia mesmo um tatu. Ele ficava furioso
quando alguém o chamava pelo apelido”.

Pozzobon diz que, no Brasil, havia tido


Acervo Taltíbio Custódio

instrução básica de comunicações. Conhecia o


Código Morse, no qual cada letra ou número
equivale a um conjunto de pontos (sinais
sonoros curtos) e traços (sinais sonoros mais
longos). Na Itália, estava preparado para
trabalhar junto às peças de artilharia, como
observador avançado. Munido de binóculo,
bússola, telégrafo e radiotransmissor, teria a
tarefa de reorientar os tiros de artilharia no
front.
Acampamento em Stáfoli.

Pacífico Pozzobon recorda que

Acervo Pacífico Pozzobon


o Depósito de Pessoal era dividido em batalhões,
e estes, subdivididos em companhias. Cada
Companhia ocupava uma área de cerca de cinquenta
metros de frente por cem de profundidade, ao
longo de uma rodovia que cortava o acampamento,
localizado em uma floresta de pínus.

Pozzobon recorda que, em 27 de fevereiro,


começou a instrução para o seu escalão. Os
treinamentos seguiam, dia e noite, até o final
da guerra, sempre com munição real. “Eram
treinamentos com fundamento, que realmente
preparavam para o combate”, acrescenta.

Em cada grupamento de instrução, segundo diz, Munição abandonada pelos alemães quando da tomada de Stáfoli
tinha um sargento, que realizava a demonstração dos pelas tropas norte-americanas.

44
se preparando para entrar em combate se fosse
necessário”.

A evolução dos combates, no cenário de


operações, era divulgada aos soldados pelos
comandantes. Mostravam, no mapa, as vilas e
regiões que iam sendo tomadas pela FEB.

Neraltino Santos recorda que os alemães


tinham programas de rádio nos quais transmitiam
Acervo Pacífico Pozzobon

mensagens, em bom português, voltadas aos


soldados brasileiros, intercaladas com música,
convidando-os a trocar de lado. “O que vocês
fazem aqui? Vocês sabem que os americanos
Última aula do Curso de Comunicações.
tiraram os melhores soldados do Brasil para
morrerem nesta guerra que não lhes diz respeito...
Venham, juntem-se a nós”. Mensagens desse tipo,
Por sorte, segundo ele mesmo diz, nunca foi destacado
somadas a panfletos jogados sobre as posições
para ir à frente de combate. No final de abril, iniciou o curso
brasileiras, faziam parte da estratégia da poderosa
de comunicações com o novo equipamento, adquirido dos
máquina de propaganda nazista, que visava à
norte-americanos. Seu objetivo era permanecer no Exército,
desmobilização dos nossos soldados.
após o retorno ao Brasil. O curso seguiu até o início de
julho. Apesar de as instruções serem diuturnas, o ritmo não
cansava. Enquanto a maioria dos soldados estava apenas
aguardando o retorno para o Brasil, prosseguia firme na
instrução.

Acervo Neraltino Santos


Alguns veteranos, embora poucos, ainda fazem distinção
entre os ex-combatentes que, efetivamente, enfrentaram
os inimigos alemães e italianos e os que permaneceram
no Depósito de Pessoal. Para Alcides Basso, “é injusto
desmerecer o trabalho de qualquer integrante da FEB. O
fato de alguém não ter ido para o front não o faz menos
Pracinha do que qualquer outro. Até diria que teve mais
sorte quem não precisou enfrentar o inimigo frente a frente.
O que realmente importa é que todos que estavam lá
desempenharam uma função importante. Quem estava na
retaguarda trabalhava em funções administrativas, a fim de A Rádio Auriverde transmitia notícias e músicas que
dar suporte a quem combatia no front; além disso, estava alegravam o acampamento.

45
CARTAS e NOTÍCIAS

Música na Guerra

A música, em qualquer situação, é um


bálsamo para a alma. Na guerra, isso ficava ainda

Acervo Ivo Ziegler e Antônio C. M. Amaral


mais evidente. Qualquer instrumento, mesmo
isolado, tinha o poder de abafar o triste som
da guerra; o barulho da destruição dava lugar a
melodias que remetiam o pensamento à Pátria e
ao lar, fazendo aflorar a alegria e o bom humor
dos soldados.

A Banda de Música, integrante do Serviço


Especial da FEB, tinha a incumbência de estimular
Ivo Ziegler lembra que a chegada do carteiro era
a marcialidade da tropa nas solenidades, além
motivo de grande alegria. Todo mundo se reunia em volta
de levar descontração aos acampamentos e
dele, que chamava os premiados pelo nome e entregava
conforto às enfermarias. Também cabia aos seus
as correspondências. Às vezes, as correspondências eram
integrantes a árdua tarefa de evacuar os feridos
entregues pelos sargentos, no front. “Podíamos escrever
e proceder ao sepultamento dos companheiros
cartas, mas os assuntos da guerra não podiam ser detalhados.
tombados em combate.
Havia controle de informações, a fim de não permitir que as
cartas, se interceptadas pelo inimigo, denunciassem a nossa
localização”. Lembra que recebeu e escreveu poucas cartas, e
que elas demoravam muito para chegar.

Para Aribides Pereira, cartas e notícias de casa eram


coisa rara. Diz que recebeu somente duas cartas da família,
durante todo o período em que esteve na Itália. Alega que as
novidades chegavam com defasagem de quase dois meses,
pois as cartas, uma vez entregues ao serviço de correios, no
Brasil, tinham um longo caminho a percorrer até chegarem
às mãos do destinatário, muitas vezes na frente de combate.

Neraltino Santos escrevia muitas cartas. As funções de


sacristão e ordenança proporcionavam bastante tempo
livre. Além disso, dispunha de uma mesa, o que facilitava
A imagem, extraída do livro “Eu estava lá!”, de Elza Cansanção, bastante. “Na primeira carta que mandei de Pisa, anexei
mostra a Banda de Música realizando um concerto no
acampamento.
uma fotografia que tirei, segurando uma gaita. Nunca toquei
gaita, mas, como minha mãe havia ficado muito triste quando

46
parti para a guerra, queria que ela Por toda a parte que andei, nada vi mais
importante do que o nosso Brasil. O panorama triste
visse que eu estava alegre e bem da costa africana, quase sem vegetação e os confins
por lá. Por isso, mandei essa foto”. da Espanha. O fim da viagem foi Nápoles, a grande
Acrescenta, a título de curiosidade, cidade do Mediterrâneo, transformada em ruínas,
consequência da guerra. Bem próximo dessa cidade,
que a gaita era do barbeiro, que, tive a oportunidade de ver o Vesúvio, o grande
nas horas sem trabalho, alegrava o vulcão onde morreu Silva Jardim.
acampamento com a sua música. Atravessamos quase toda a Itália, até
encontrarmos a ‘caça’.
Pedro Vidal confirma que,
quando da chegada do carteiro, Tenho recebido muitas cartas daí. Ainda
no Rio, escrevi ao Amauri Dela Porta, mas não obtive
“acontecia uma festança” resposta. Por seu intermédio quero transmitir a
no acampamento. Cartas de todos os baixados e embromadores o meu abraço.
familiares, jornais e revistas
Desejo-lhes, a todos os amigos, boa sorte,
enviados pela LBA eram muito
esta origem do 7º R.I. – (a) Cabo Amaral”.
Acervo Neraltino Santos

disputados. No meio daquela


algazarra, havia soldados de todos
os lugares do Brasil. “Como todos
me conheciam e sabiam da minha
origem, um baiano disse: ‘Gaúcho, Editado e publicado na Itália pelo Serviço
o jornal é lá da sua terra’. Era A Especial da FEB, entre janeiro e maio de
Razão que estava lá, na Itália, em 1945, em duas edições semanais, “O Cruzeiro
minhas mãos. Que emoção! Nunca esqueci esse dia”. do Sul” levava aos pracinhas assuntos de seu
interesse.
O jornal A Razão, fugindo da rotina dos despachos
dos correspondentes nacionais e das agências Em várias e distintas seções, o periódico
internacionais, em 24 de dezembro de 1944, reproduziu noticiava o desenrolar da guerra nas frentes
carta enviada pelo cabo Altamir Mesquita do Amaral europeia e oriental, além de temas sobre
ao amigo Cipriano Cimas, do Hospital Militar de Santa o Brasil, cumprindo a missão de informar e
Maria. manter elevado o moral da tropa.
“É com grande prazer que lhe envio esta, daqui ‘da linha de
frente’ do 5º Exército, onde fico pedindo a Deus para que vá encontrá-lo em O poema “A Volta”, publicado na última
meio à mais ampla saúde e felicidade, junto a todos que lhe são caros. edição (datada de 31 de maio de 1945) e
transcrito na página 78, de forma sucinta,
Enquanto (sic) a nós, aqui, já cansados de correr atrás de
alemães, nos encontramos muito bem, com ótima saúde, absoluta corrobora os sentimentos dos pracinhas
disposição e pleno vigor, para prosseguir até o fim da missão que nos foi que, com seus relatos, ajudaram a escrever
confiada. Assim, envidaremos todo o esforço, sem avaliar sacrifícios, para
vingar os ultrajes que sofremos pelos piratas totalitários. Como por certo o
as páginas deste livro.
amigo leu nos jornais, já tivemos vários encontros com ‘eles’, mas acabam
correndo sempre, pois, desde o menor ao maior encontro, são sempre
massacrados.

47
A FÉ COMO SUPORTE

Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília


Celebrações eram diárias nos acampamentos.

Criada em 1944, a Capelania Militar enviou para a abandonado, sozinho no mundo. E é principalmente
guerra cerca de trinta sacerdotes católicos e dois pastores nessa hora que a gente não esquece que Deus existe. A
evangélicos, todos voluntários. fé é o suporte para encarar o medo e as
Tinham a missão de celebrar missas incertezas da guerra. No acampamento,
e cultos, além de prestar assistência havia um altar, onde, diariamente, eram
individual quando requisitados por celebradas missas. Os capelães eram
algum integrante da tropa. muito importantes para nos ajudar a
encarar a dura realidade da guerra”.
Das várias atividades que
exerceu na FEB, Neraltino Santos Ivo Ziegler recorda que, todas as
destaca a função de sacristão. “Eu noites, falava com Deus, pedindo
acompanhava o padre nas missas. No proteção. Ainda hoje, guarda as orações
começo, guri criado na campanha, que o acompanharam na longa jornada
não sabia nem mudar as folhas do em solo italiano. Uma dessas orações
livro do padre, mas depois aprendi, e foi-lhe entregue por uma amiga, antes da
deu tudo certo”. partida. Um amuleto de tecido de 3x3cm,
ainda hoje, contém a relíquia que o
Segundo relata Pacífico Pozzobon, acompanhou à guerra, impecavelmente
“na guerra, a gente se sente Acervo Ivo Ziegler
dobrada e conservada.
48
Taltíbio Custódio diz que conduzia consigo
a imagem de São Jorge (sem o cavalo,
destaca), que ganhou na Itália. Apesar de
não dominar o idioma, pedia proteção em
italiano.

Pedro Vidal relata que ficou fascinado


com o Vaticano, por isso, antes de
regressar ao Brasil, foi assistir a uma missa,

Acervo Taltíbio Custódio


rezada pelo Papa Pio XII, em homenagem
aos membros da FEB. Segundo ele, o
Papa interrompeu as férias para rezar seis
missas, sendo a última em português.
Acervo Pacífico Pozzobon

Última missa em Stáfoli. Os pracinhas e a população italiana, irmanados, comungaram e celebraram a vida, em
clima de despedida.

49
SALÁRIO E FONTES DE RENDA
aos amigos fumantes ou trocados por
algum souvenir, com os prisioneiros
Acervo Wanda Reis Pedroso

alemães. Os chocolates, mais raros,


tinham valor incalculável.

Neraltino Santos diz que, além do


maço de cigarros diário que recebia
e vendia por 100 liras, tinha outra
fonte de renda: uma máquina Kodak,
que adquiriu na Itália. “Quando
descobriram que eu fotografava,
vendi muitos retratos por lá.
Soldados de outras baterias vinham
tirar fotografias”. Recorda que, como
soldado, tinha direito de depositar
um número ‘x’ de liras em sua conta
“Assim se recebia o pagamento na Itália”. no Brasil. Como faturava muito mais, depositava o
excedente na conta do Sargento D’Ambrósio. Desse
O salário de um soldado engajado era de 296,00 modo, conseguiu fazer um belo pé de meia com a venda
cruzeiros, equivalente a quase mil e quinhentas liras das fotografias. Esses valores, somados ao salário que
italianas (ou liras de ocupação). O soldado convocado recebia, permitiram que comprasse algumas cabeças de
recebia pouco mais de 80 cruzeiros. Segundo Aribides gado, após o retorno à terra natal. A título de curiosidade,
Pereira, que era engajado, recebia 200 liras, na Itália; Neraltino diz que um maço de cigarros correspondia ao
outra cota era paga à família, em cruzeiros, e o restante preço de uma garrafa de champanhe francês.
era creditado em uma conta bancária, no Brasil. A
fração que recebia em mãos era suficiente para passar
confortavelmente o mês, já que a alimentação era

Acervo Neraltino Santos


fornecida pela FEB.

Muitos pracinhas conseguiam multiplicar esse valor,


pois, além da comida enlatada, recebiam chocolates e
cigarros. Muitos não fumantes vendiam os cigarros para
os soldados norte-americanos, aumentando a renda.
Cada pracinha recebia um maço por dia. Pode parecer
exagero, mas o maço de cigarros norte-americanos,
dependendo da situação, podia ser vendido por até mil
liras para os soldados estadunidenses. Havia também os
cigarros nacionais, que eram mais fortes e mais baratos.
Os cigarros não vendidos eram cedidos, graciosamente, Lira italiana e lira de ocupação.

50
ENFIM, A VITÓRIA
Para muitos dos pracinhas, o dia 8 de maio, conhecido Mário Santos estava na cidade de Voghera, nas
como Dia da Vitória, representa a capitulação alemã e proximidades de Alessandria, por ocasião do final da
o fim da guerra no front europeu. Para Alcides Basso, guerra. Lembra que “os italianos choravam de emoção,
“o verdadeiro Dia da Vitória, para os brasileiros, é agradecidos à tropa brasileira. Havia uma banda de
representado pela data da rendição alemã e o fim da música que era um espetáculo à parte, pois levava
guerra para nós”. Aribides Pereira concorda, dizendo alegria e emoção para todos”.
que, “para nós, da FEB, a guerra terminou em 2 de
maio, com a captura de uma Divisão inteira do Exército Pedro Vidal diz que o seu grupamento nem
Alemão”. foi informado oficialmente do término da guerra.
“Podíamos ligar luzes à noite, fazer algazarra e ninguém
A notícia do final da guerra chegou aos pracinhas nos repreendia por isso. Percebia-se que havia algo
em momentos e situações diferentes. Aribides Pereira diferente, mas não sabíamos que a guerra já acabara.
diz que ficou sabendo, pelo rádio instalado na viatura Quando recebi a notícia, estava com o meu pelotão,
do seu comandante, que a guerra tinha acabado, em 8 numa pequena vila, no norte da Itália”.
de maio. Eugênio Lombardo recorda que, nessa data,
estava nas proximidades de Monte Castelo, pronto para Vidal permaneceu em Alessandria por mais de
apoiar a infantaria, em caso de necessidade. Por meio do um mês, aguardando o retorno ao Brasil. Ao final dos
seu comandante, soube que a guerra havia terminado. combates, os pracinhas foram levados para conhecer
A festa foi grande, conforme recorda Neraltino Santos. Monte Castelo, Montese e outros lugares que marcaram
a campanha da FEB na
Com as suas peças posicionadas em linha, a Artilharia efetuou várias salvas de tiro em comemoração pelo final da Itália.
guerra, em 8 de maio. Neraltino estava lá, e registrou o momento histórico para a humanidade.
Ivo Ziegler, que
estava em Stáfoli,
recorda que, a partir
da metade de abril,
Com as suas peças posicionadas em linha,
a Artilharia efetuou várias salvas de tiro acompanhando a
em comemoração pelo final da guerra, em evolução das ações
8 de maio. Neraltino estava lá, e registrou
o momento histórico para a humanidade.
de guerra pelo rádio,
já era perceptível que
a Alemanha estava
prestes a capitular. O
desfecho da guerra
estava quase selado, o
que veio a se confirmar
em 8 de maio, com
a rendição alemã
perante as forças
aliadas.

51
ANDANÇAS PELA “VELHA BOTA”
Terminados os combates, os pracinhas passaram que estavam nas frentes de combate. Lembra que, nessa
a receber autorizações para passear pela Itália. etapa, aconteceram coisas gratificantes. “Juntamente
Pacífico Pozzobon diz que conheceu poucas cidades, com outros integrantes da Companhia, por oito dias,
a partir do mês de julho, quando terminou o curso tive a oportunidade de conhecer boa parte da Itália e o
de comunicações. “Recebi catorze dias de dispensa Vaticano. De lá, trouxe diversos postais e medalhinhas,
para viajar pela Itália. Durante a viagem, em Padova, que ainda guardo em uma maleta, também adquirida
completei 23 anos. Também conheci Roma e visitei o em Roma. É o meu baú de recordações”.
Vaticano, onde agradeci a Deus por estar vivo”. Foi a
grande oportunidade para gastar uma parte das liras Pedro Vidal diz que era facultada aos pracinhas a
que estava recebendo na Itália, “o soldo ficava intocável, escolha dos lugares que gostariam de conhecer. “Não
no banco”, ressalta. tive a menor dúvida de que iria conhecer Roma. Se a
gente vai a um país e quer conhecê-lo, vai primeiro à
Aribides Pereira conta que, ao término dos combates capital. Desde pequeno, sonhava conhecer a cidade
ficou acampado, em Pompeia, aguardando o embarque do Papa, o Vaticano”. Lembra que, no dia da partida,
de volta para o Brasil. “Já havia rodado muito de jipe, foi na lavadeira buscar umas roupas, chegou atrasado
durante a guerra, mas pouco parava para aproveitar as e perdeu a condução. “Ninguém me disse que o trem,
descobertas. Ao final da guerra, conheci Veneza, Milão, com saída prevista para as 17 horas e 2 minutos, saía
Turim e outras cidades, desde a divisa com França até a exatamente no horário. Na Europa, mesmo naquele
fronteira com a Suíça”. tempo, era assim: hora é na hora. Três minutos depois,
como no meu caso, era muito atraso”. Como chegou
Ivo Ziegler diz que, ao término dos combates, grande tarde para o embarque, a turma com a qual iria a Roma
parte das tropas retraiu para o Depósito de Pessoal, local já havia partido. “Mesmo preocupado por embarcar
de concentração e reencontro com os companheiros sozinho, cantava baixinho comigo mesmo ‘quem tem
boca vai a Roma, vai a Roma. Pego o magneto, e vou
a Roma, e vou a Roma’. Cheguei a Roma, e encontrei
os amigos na pensão em que ficaríamos. Nesses oito
dias, fiquei pelo centro de Roma. Era impressionante,
cheia de monumentos históricos. Fiquei encantado
Acervo Pedro Vidal

pelo Vaticano, e voltei várias vezes; ele me fascinava”.


Em outro passeio, conheceu Veneza, Turim, Florença,
Piacenza, Nápoles, Milão, Verona e outras. Em Milão,
com amigos da sua Companhia, apreciou a famosa e
saborosa cerveja italiana.

“A guerra havia acabado, era hora de fazer festa


e liberar a tensão”, diz Alcides Basso. Certo dia, no
meio da tarde, ele e dois companheiros (um gaúcho
Cidade-Estado do Vaticano - No detalhe, Vidal e amigos.
e um paranaense), de bicicleta, foram a um povoado
próximo dali. Depois de muito vinho, ao voltarem para
52
o acampamento, cruzaram com a Companhia, que já aproximaram-se de um casarão, com aparência de
estava retraindo para o sul. “Quando chegamos ao convento ou mosteiro, para pedir água. Por medida
acampamento, não encontramos as nossas mochilas e de segurança, colocaram uma metralhadora, com a
nem o armamento. Retornamos ao novo acampamento pontaria fixada na porta da frente. “O correspondente
sem nada. No dia seguinte, cientes de que as mochilas bateu. Após algum tempo, a porta foi aberta, e apareceu
haviam sido deixadas na enfermaria, retornamos para uma freirinha bem jovem, com um véu branco. Depois
apanhá-las. As mochilas estavam lá, mas haviam levado do tradicional Buon giorno, o correspondente pediu
a minha parabelum”, lamenta. água. A porta fechou-se. Logo apareceu uma freira
idosa, perguntando se éramos ingleses ou americanos.
Nessas andanças, acrescenta Basso, “o gaúcho, Ao saber que éramos brasiliani, convidou-nos para
que era meio maluco e queria explodir qualquer coisa entrar. Quando todos haviam entrado, ela começou a
que encontrasse, pegou o meu fuzil e quis atirar uma chorar. Preocupados, queríamos saber o que estava
granada de bocal. Não deixei, pois poderia ferir alguém acontecendo. Ela disse: ‘Eu não sou italiana. Sou
e dar confusão. Afinal, a guerra já havia acabado e não brasileira, mineira de Uberaba. Estou na Itália há
havia justificativa para aquilo. Tirei o meu fuzil dele, quarenta anos, e sou a superiora deste convento’. Em
mas ele pegou a granada e pôs no fuzil do paranaense. seguida, a freirinha trouxe uma jarra de água, e a madre
Quando ele deu o tiro, a granada detonou no cano, pediu que ela nos trouxesse vinho, pois a ocasião era
que estava entupido de terra. Ele se tapou de fumaça! especial e merecia comemoração”, diz Custódio.
Pensei que tinha morrido. Teve
até sorte, pois só um estilhaço o
atingiu no peito, um pouco acima
do coração. Um dos estilhaços
arrebentou o pneu da bicicleta.
Ele, todo ensanguentado, ainda
quis briga com os italianos, pois
cismou que eles é que haviam
murchado o pneu. Depois de um
rápido curativo para estancar
o sangue, conseguimos carona
no caminhão de um partigiani
e retornamos para junto da
companhia. Após duas cirurgias,
o gaúcho se recuperou da
estupidez cometida”.

Taltíbio Custódio diz que,


nas cercanias de Montese,
acompanhados de um
correspondente de guerra, O Baú de recordações de Ivo Ziegler.

53
NOVAMENTE, O ATLÂNTICO
Cumprida a missão na Itália, os pracinhas retornaram Mário Santos retornou em julho. O grupamento
ao Brasil, divididos em escalões. A operação de retorno em que veio passou em Portugal e realizou um desfile
à Pátria teve início em 11 de julho de 1945, quando o em Lisboa. Recorda que, “na despedida, a população
primeiro contingente embarcou, em Nápoles, e foi portuguesa acenava no cais do porto com bandeirolas
concluída com a chegada do último escalão ao porto do do Brasil e nós trazíamos bandeirolas de Portugal, numa
Rio de Janeiro, em 3 de outubro do mesmo ano. emocionante demonstração de amizade entre as duas
nações”.
Dalla Costa, que estava acampado em Francolise,
relata que, “certo dia, mandaram que apanhássemos Pedro Vidal não foi a Lisboa, mas o navio em que
todo o material, pois partiríamos para outra missão. estava permaneceu, por mais de um dia, próximo ao
Arrumamos tudo e subimos num caminhão. Ao me dar Estreito de Gibraltar, aguardando a chegada da tropa
por conta, estávamos ao lado do Navio Pedro II. Restava- que havia ido desfilar na capital lusitana.
-nos embarcar e retornar ao Brasil”.

A rota de retorno
não era padronizada.
Dependendo do escalão,
diferentes países e portos Porto de Nápoles.
foram visitados. Por isso, O porto de chegada
passara a ser o porto
houve grande variação de partida. O “x”
entre os tempos de destaca o Vesúvio.
viagem. Aribides Pereira
lembra que, quando
estavam prestes a retornar
ao Brasil, os norte-
-americanos detonaram

Acervo Aribides Pereira


as bombas atômicas sobre
Hiroshima e Nagasaki, e
que, ao saírem de Nápoles,
em agosto de 1945, a
bordo do Navio Mariposa, Foto: Mário F. A. Pedroso

os soldados não sabiam se


estavam retornando para o Brasil ou se seguiriam para
o front do Pacífico, combater as tropas japonesas. Após
saberem que a guerra estava encerrada também no
Pacífico, a viagem de retorno ficou mais leve e, em geral,
era mais rápida que a de ida. Música e descontração
passaram a ser comuns a bordo, e até ajudavam a
minimizar os efeitos dos já conhecidos enjoos. Música animou o retorno.

54
Fotos: Mário F. A. Pedroso MOMENTOS DA VIAGEM DE RETORNO – Passagem por Gibraltar e Dakar.
Navios da Marinha do Brasil escoltam o Navio Pedro I, na costa brasileira.

José Pereira diz que a viagem de retorno


transcorreu de maneira totalmente descontraída. Para
ilustrar, menciona que, nas proximidades da Linha do
Equador, todos recebiam o batismo de marinheiros
ultramarinos. O desafio consistia em encontrar a
linha que divide a terra em dois hemisférios. Quem
não conseguisse enxergá-la, para ser batizado, tinha
de segurar em um cabo de aço lambuzado de graxa
e óleo, simbolizando a tal linha. Algum marinheiro
norte-americano, fantasiado de deus Netuno, com um
tridente em punho, comandava o cerimonial. Ao final,
os participantes da brincadeira recebiam o diploma da Acervo Eugênio Lombardo

Marinha dos Estados Unidos. Certidão de “batismo”

55
DE VOLTA À PÁTRIA
Taltíbio Custódio retornou no navio-escola Duque
de Caxias, que havia sido adquirido dos Estados Unidos
pela Marinha do Brasil. Após passar em Portugal,
onde houve um desfile, chegou ao Rio de Janeiro. “Na
chegada, a recepção foi calorosa: um grande desfile na
Avenida Getúlio Vargas. A população arrancava platinas,
bolsas, enfim, o que podia, dos pracinhas. Até sabres
sumiram das armas. Era coisa de louco”.
Fotos: Mário F. A. Pedroso

Pacífico Pozzobon voltou ao Brasil em outubro.


Durante o desfile, roubaram a máquina fotográfica que
comprara na Itália e algumas lembranças que havia
trazido da guerra. “Foi uma pena, pois levaram junto
Chegada ao porto de Recife, em 31/07/1945.
alguns rolos de filmes fotográficos. Infelizmente, muitos
dos momentos passados na Itália ficaram somente na
memória”, lamenta.
Alcides Basso embarcou em julho. Depois de passar
por Gibraltar e Dakar, houve um incêndio no porão
do navio. O clima ainda era de tensão, pois os
submarinos alemães continuavam
operando no Atlântico Sul. Após 21
dias no mar, o navio atracou em Recife,
onde o grupamento realizou um grande
desfile.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, diversas


embarcações escoltaram o navio, desde a
entrada na Baía da Guanabara até o cais
do porto. Ivo Ziegler retornou ao Brasil
no quarto escalão. Na chegada ao Rio de
Janeiro, a salva com 21 tiros de canhão
recepcionando os combatentes deu um
toque especial ao retorno. No desembarque,
foi difícil conter a emoção ao pisar no solo
da Pátria. Ele destaca que a tropa iniciou o
desfile em formação por oito e o terminou
praticamente em coluna por um, tamanha era
a euforia da população, que queria chegar bem
perto dos heróis que regressavam da guerra. Desembarque no Rio de Janeiro, em 03/08/1945.

56
DE VOLTA À VIDA CIVIL
A maioria dos soldados que participaram da guerra, por não
serem militares de carreira, com a desmobilização da Força
Expedicionária Brasileira, foram licenciados das fileiras do Exército
tão logo chegaram ao Rio de Janeiro.

Na época, o Exército não dispunha de uma estrutura que permitisse


incorporar às suas fileiras todos os soldados que voltaram da guerra.
Muitos se sentiram abandonados. A separação foi traumática, pois
rompeu amizades forjadas ao longo de vários meses. Mário Santos
resume esse sentimento, dizendo que, apesar da pompa com que
os pracinhas foram recebidos no retorno ao Brasil, as marcas que a
guerra deixou em todos eles não foram levadas em conta quando os

Foto: Mário F. A. Pedroso


dispensaram.

Neraltino Santos diz que, na chegada, permaneceu somente


uma noite no quartel. No dia seguinte, após receber o pagamento a
que fazia jus, foi licenciado. Segundo relata, foi-lhe dada a opção de
permanecer no Exército. “Eu só queria receber o pagamento ao qual
tinha direito e voltar logo para casa”, conclui.
“SEDE BENVINDOS IRMÃOS
Ivo Ziegler recorda que, na chegada à Vila Militar, procederam à QUERIDOS E GLORIOSOS”
devolução do armamento e do equipamento e foram desmobilizados. Pacífico Pozzobon conclui dizendo
Em 1º de outubro de 1945, recebeu o Certificado de Reservista. A que “muitos pracinhas não conseguiram
frustração foi muito grande, pois, pouco mais de sete meses após ter superar os traumas que trouxeram
deixado o país em defesa da Pátria, pela qual sacrificaria a própria da guerra, e se entregaram à bebida,
vida se necessário fosse, estava de volta à vida civil. sem ter a quem recorrer. A pensão que
passaram a nos pagar foi muito justa, mas,
Pacífico Pozzobon diz que fez cursos na Itália, visando à
infelizmente, muitos veteranos morreram
permanência no Exército, mas, por problemas burocráticos, não pôde
sem ter recebido o justo reconhecimento
permanecer e, desgostoso, foi licenciado, ainda no Rio de Janeiro.
da Pátria”.
“A versão de que a FEB representava algum risco institucional não
tem fundamento. Havíamos ido à guerra para defender o Brasil; não Ivo Ziegler diz que, ao chegar ao Rio
havíamos sido preparados para atirar em brasileiros”, conclui. de Janeiro, na primeira oportunidade,
mandou telegrama para a família,
Alcides Basso recorda que, assim que chegou ao Rio de Janeiro,
dizendo que estava no Brasil. “Ainda
seguiu com a sua unidade, o 6º RI, até Caçapava-SP. Após alguns
não sabia quando seríamos liberados,
dias, foi licenciado das fileiras do Exército, sem maiores explicações.
por isso escrevi apenas o local, a data e
“A legislação nos concedeu certas vantagens, mas só depois, de
a mensagem Estou vivo, volto logo”. No
1978 para cá, é que começaram a nos valorizar mais”.
primeiro dia de outubro, com cerca de
57
vinte outros pracinhas, iniciou a viagem de retorno por voltarem à terra natal, tristeza pela separação dos
a Santa Maria, no trem paulista, mais conhecido por amigos... Algumas bebidas depois, faziam festa pelas
paulistinha. Dessa vez, apesar de ser na 2ª classe, ruas da cidade... “Não demorou muito e a Polícia do
viajaram bem acomodados. Após quatro dias, estavam Exército estava à nossa procura. Mas não teve jeito,
de volta à terra natal. afinal não éramos mais milicos”.

Com o tio, que era sargento, deslocou-se para a Pedro Vidal recorda que, ao chegar a São Sepé,
casa dos pais. A surpresa tinha de ser completa. Foi chorou de felicidade. A emoção pelo retorno e o
escondido na carroceria da camioneta. Era sábado, dia reencontro com a família foi muito grande. Nunca
7 de outubro. Quando saltou do carro para abraçar os mais seria o mesmo, mas a vida voltara ao normal.
pais, não conteve a emoção. Após quase dez meses, Trabalhou numa estância, arrancando guabiroba na
estava de volta ao lar. E a vida continuava! base da picareta, foi servente de pedreiro e fez outros
bicos. Posteriormente, ingressou na Brigada Militar
Pacífico Pozzobon diz que a chegada a Santa Maria do Rio Grande do Sul, conforme direito assistido aos
foi marcante. Jovens retornando da guerra, alegria ex-combatentes.

NOTÍCIAS DESALENTADORAS
Alcides Basso diz que escreveu a última carta para a família, antes de seguir para o front, quando ainda estava
em Stáfoli. “Desde meados de abril, não mantive mais contato com ninguém. Na verdade, nem havia escrito que estava
seguindo para a linha de frente, pois isso não era permitido. As nossas madrinhas de guerra (LBA), que estavam a par do que
ocorria no Brasil e na guerra, mandavam notícias de Santa Maria. Como a família não havia mais recebido notícias minhas,
recorreu a uma delas, que foi ao 7º RI, em busca de informações. No quartel, soube que não havia informação de que eu
tivesse morrido, mas a família já contava com o pior”. Ao chegar a São Paulo, passou um telegrama para a família, dizendo
que estava bem, mas a notícia acabou não chegando ao destino. “Só sei que cheguei de surpresa e a que festa foi grande”,
conclui.

Dalla Costa corrobora a informação de que, nas cartas, só era permitido escrever sobre amenidades. Nada sobre
o desenrolar da guerra. Ao chegar ao Rio de Janeiro, mandou telegrama aos pais, informando que estava de volta ao Brasil.
No entanto, a noiva não ficou sabendo disso. Seguiu para Caçapava-SP, onde recebeu o pagamento e, seis dias depois, foi
licenciado do Exército. Quando chegou a Santa Maria, foi ao armazém do Sr. Aita, em busca de transporte até a casa dos
pais. Este, ao vê-lo voltando da guerra, ficou espantado, dizendo que o pai e a noiva do pracinha até haviam recebido cartas
de luto dando ciência da sua morte. Naquele dia, o comerciante, que era um grande amigo, fechou o bar, e, junto a outros
amigos, brindaram à vida. Após o brinde, seguiram até a casa da noiva e dos pais. O reencontro foi inesquecível.

Outro que passou por essa experiência desagradável foi Geraldo Sanfelice. Ao ser ferido em combate e ter a
perna amputada, talvez por má interpretação, a sua “baixa” foi considerada como morte e noticiada no jornal. Os parentes
já haviam chorado a perda quando receberam a primeira carta dos Estados Unidos, informando que ele estava por lá,
em tratamento. Anexada à carta, uma fotografia, na qual estava sem a perna. O morto havia renascido. Souberam que o
guerreiro havia perdido uma perna na guerra, mas isso foi motivo de muita festa na 4ª Colônia...

58
REAPRENDENDO A ANDAR
Muitos dos pracinhas mutilados em combate, antes “Também estava lá o Rubens Leite de Andrade, que
de retornarem ao Brasil, passaram por um processo havia perdido o pé em combate. Era um grande amigo,
de reabilitação, nos Estados Unidos. Cerca de trinta com quem jogava sinuca. Ele era craque e nós íamos
militares viveram esta experiência. ao clube tirar dólares dos americanos. O Capitão Yedo
Blauth, que havia perdido uma perna em combate, os
Geraldo Sanfelice foi evacuado de navio, após Sargentos Teles e Farias e outros tantos, todos eram
amputar a perna em um hospital de campanha. Em muito amigos e gente boa”, diz Sanfelice.
Denver, no Colorado, após retirar mais um
pedaço da perna, que Após mais de um ano, e muitas sessões de
havia gangrenado, fisioterapia depois, estava reabilitado e podia
iniciou o processo de andar sem maiores problemas.
recuperação física.
Posteriormente, A bordo de um navio de carga, de Nova
foi transferido para Iorque, seguiu para o Rio de Janeiro. Após
o Bushnell General trâmites burocráticos, no Hospital Central
Hospital, em Brigham do Exército e no Ministério da Guerra, mais
City, no estado de Utah, de um ano e meio depois de ter partido de
onde foi confeccionada Santa Maria, estava liberado para retornar à
uma prótese mecânica casa da família. Foi reformado na graduação
e realizada a fisioterapia. de 2º Sargento.

“O tratamento, nos
Estados Unidos, foi
muito bom. Recebíamos
atendimento completo, tanto
na parte física quanto na
psicológica”, diz Sanfelice.
Entre os pracinhas que

Acervo Geraldo Sanfelice


estavam lá, não havia baixo-
-astral, pois os amigos se
apoiavam mutuamente.
Além disso, recebiam a
atenção das enfermeiras que,
segundo ele, além de bonitas,
eram muito atenciosas. O
atendimento psicológico foi
muito importante para manter
a autoestima de todos.
Atendimento aos pracinhas baixados ao Bushnell General Hospital incluía recitais (acima).

59
APRENDIZADO
Para a maioria dos pracinhas, a guerra foi uma tinham medo. Pelo contrário; eram topetudos até
grande escola para a vida. Quem conviveu com os seus demais! Na guerra, não precisa ser valentão; tem de
horrores, não os esquece. Os fantasmas sempre voltam ser cuidadoso. Encarar uma metralhadora de frente
para assombrar. Por outro lado, os muitos ensinamentos não é demonstração de coragem; isso é burrice!”.
colhidos foram úteis ao longo da vida. Segundo diz, se o inimigo está bem protegido, antes de
botar os homens a dar lanços e avançar, é necessário
Para Alcides Basso, “na guerra, a gente aprende que a artilharia e a aviação funcionem, e muito.
a valorizar a vida e aprende a importância da Assim, preservam-se vidas. “A falta de prática levou os
solidariedade”. Como exemplo, recorda que ele, Júlio brasileiros a cometerem erros, e isso, na guerra, pode ser
Dalla Porta e Geraldo Sanfelice formavam um trio fatal. Antes de ir para a guerra, eu era muito impulsivo.
inseparável, até Geraldo ir para o front. “Já no navio, Lá aprendi a medir as consequências dos meus atos,
o Geraldo não comia. Ele nos cedeu o seu cartão de antes de colocá-los em prática”, conclui.
refeições. Eu e o Julio repartíamos a comida que seria
dele e ficávamos com três refeições por dia. O Geraldo Taltíbio Custódio diz: “antes da guerra, eu era metido
só comia a sobremesa (dos três). Ele ficou tão fraco que, a fazer de tudo. Aprendi a ser mais observador e agir
na chegada à Itália, tivemos de carregá-lo do navio, pois com mais cautela. Nunca se deve ser covarde, mas ser
já não conseguia caminhar”. muito afoito pode ser perigoso e pode até custar a nossa
vida”.
Sobre essa passagem, Sanfelice relata: “durante a Foto Mário F. A. Pedroso
travessia, eu me sentia muito mal, e não parava nada
no estômago. Apesar disso, os amigos tentavam me
descontrair. A camaradagem era muito grande e fazia
com que eu não entregasse os pontos. Eles cuidavam
de mim. Quase morri de tantos enjoos que tive. Para
ficar hidratado, o João Batista Pozzobon, que ajudava
no cassino dos oficiais, trazia mais laranjas, e eles
espremiam o suco na minha boca”.

Em outros momentos, como quando sofreu o acidente,


do qual restou amputada a sua perna, Sanfelice recorda
que “o Cabo Benedito, enquanto eu era transportado
até o hospital de campanha, ficou ao lado da padiola,
me encorajando. O companheirismo e a amizade, na Estação de Bolonha, em junho de 1945.
guerra, fazem toda a diferença. Eu, por exemplo, nunca
fui a Minas Gerais, mas fiz muitos amigos mineiros, que “A guerra representa destruição e morte. Quem
eram muito boa gente. As amizades forjadas na guerra vivenciou uma, reza para que nunca mais ocorra
são amizades para a vida toda”. outra.”
Alcides Basso
Para Basso, “os soldados brasileiros, em geral, não

60
O LEGADO DA FEB PARA O EXÉRCITO
No Exército Brasileiro, a FEB é considerada um divisor; irmãos. Formávamos uma só família, uma irmandade,
sobretudo, no aspecto do relacionamento interpessoal. onde havia igualdade com respeito”.
No início da década de 1940, o Exército seguia a doutrina
Ressalta, entretanto, que a mudança não foi tão
militar da escola francesa. Entre oficiais e praças havia
rápida. De volta da Itália, os veteranos eram vistos
uma barreira quase intransponível, estabelecida por um
com desdém por aqueles que não haviam ido à guerra.
rígido regime disciplinar que, além de respeito, impunha
Procuravam minimizar a dimensão dos feitos dos
aos soldados um sentimento que se aproximava do
pracinhas. “Nós, que fomos simples soldados, éramos
pavor.
vistos como sobras de guerra, que só queriam contar
Pacífico Pozzobon exemplifica a situação dizendo vantagem. Como se participar de uma guerra fosse um
que, para ele, seria “mais fácil chegar perto de uma passeio qualquer. Indo ou não para o front, estivemos
onça, de um tigre, do que de um coronel”. Relata que, na Itália; havíamos posto a vida à disposição da Pátria”.
certo domingo, quando vinha da colônia (Três Barras), Diz, ainda, que os pracinhas de Santa Maria começaram
encontrou um coronel, na porta da catedral. “Fiquei a ser mais valorizados e convidados para as solenidades
todo atrapalhado, sem saber o que fazer. O coronel, militares a partir de 1973, ano em que o General César
percebendo que eu estava apavorado, perguntou se eu Montagna de Souza, ex-capitão da FEB, assumiu o
era católico. Ao responder que sim, convidou-me para comando da Divisão Encouraçada. “Custou um pouco,
assistir à missa. Disse-lhe que eu estava de serviço e mas os ideais da FEB foram absorvidos pelo Exército.
precisava render a parada diária. O coronel disse que Graças a Deus e à FEB, o Exército está mudado; e a
ligaria para o quartel, justificando a minha falta. Comecei mudança começou na guerra!”, conclui Pozzobon.
assistindo à missa, mas, como não queria arriscar uma Basso destaca que, durante a guerra, a conduta
punição, saí e fui ao quartel. Depois que tinha assumido com relação ao material também começou a mudar.
o serviço, o cabo da guarda me chamou para dizer que o Segundo ele, no Brasil vigorava a orientação no sentido
coronel havia ligado, justificando o meu atraso”. de que o armamento era o elemento mais importante;
Segundo Alcides Basso e José Pereira, o tratamento o homem vinha em segundo plano. Na guerra, isso
dispensado aos soldados não era o mais apropriado para mudou: “quando vissem que não conseguiriam manter
quem estava disposto a defender os ideais brasileiros determinada posição no terreno e não houvesse
na guerra. No Rio de Janeiro, qualquer reclamação era como levar os equipamentos mais pesados (viaturas,
resolvida com punição disciplinar. Certo dia, um soldado morteiros, metralhadoras, etc.), antes de retrair, esses
teria sido punido com rigor excessivo por reclamar da deveriam ser destruídos, a fim de evitar que caíssem em
comida, o que gerou uma revolta generalizada entre os mãos inimigas. Um lema dos norte-americanos passou
pracinhas. Houve uma palestra, esclarecendo os fatos, e a ser adotado pela FEB: para repor uma arma, bastam
a tranquilidade voltou ao acampamento. poucas horas numa linha de produção; para a vida
humana, não há reposição!”, conclui. Aribides Pereira
Pozzobon relata que, na Itália, o tratamento mudou corrobora essa informação, dizendo que os norte-ame-
bastante, tornando-se mais humano. O que antes parecia ricanos não poupavam em nada. A ordem era atirar
inconcebível passou a ser regra. “Independentemente quando necessário, e sem economizar, pois a economia
de ser branco, preto, rico ou pobre, éramos todos de munição poderia significar a perda de valorosas vidas.

61
As relações humanas, como se pode
perceber, tiveram grande evolução
após a guerra, no âmbito do Exército.
A evolução doutrinária e de material
também foi evidente, com a introdução
da mecanização na Artilharia e na
Cavalaria, inicialmente, e também na
Infantaria e na Engenharia.

Geraldo Sanfelice viveu essas


duas fases. Como soldado do 3º
Batalhão do 7º RI, em Santa Cruz do
Sul, foi condutor de boleia, numa
época em que as metralhadoras e
materiais pesados eram conduzidos
no lombo de mulas. Antes mesmo
de ir para a guerra, presenciou a
chegada dos carros de combate
blindados do 3º BCC a Santa Maria.
antes da guerra

Acervo Museu Militar do Comando Militar do Sul

Acervo Estado-Maior do Exército

62
espaço
à PAZ! O LEGADO MAIOR.
deram
alos ce
ria, cav
e n a Artilha anização. A FEB foi o primeiro contingente do Exército
alaria ec
Na Cav motom
Brasileiro a participar, no exterior, de ações de
restauração e manutenção da paz.

Essa participação foi semente de um


processo que se convencionou chamar de
“Cultura da Paz”. Integrando as Forças da
Organização das Nações Unidas, o Brasil
participa do esforço mundial, visando a
desenvolver mecanismos para evitar a eclosão
de conflitos armados entre nações e a prestar
ajuda humanitária a povos envolvidos em lutas
fratricidas ou atingidos por catástrofes.

No Oriente, entre os anos de 1957 e 1967, o


Batalhão Suez participou das ações em prol da
paz entre árabes e israelenses. Foi a primeira
vez que os nossos soldados usaram a Boina
DEPOIS DA GUERRA Azul, símbolo do Soldado da Paz.

Após a II Guerra, nossos soldados atuaram


em vários países da África, América, Ásia e
Europa. Atualmente, no Haiti, o Brasil participa
da missão de estabilização e ajuda humanitária.

Independentemente de continente ou país,


os Boinas Azuis Brasileiros fixaram o conceito
de que o Brasil semeou, cultiva e continuará
disseminando a Cultura da Paz entre os povos.
Acervo Ary Dal Pozzolo

Blindado do 3º BCCL, no Campo de Instrução de Santa Maria.

63
a liderança
Na opinião dos pracinhas, na guerra, é fundamental Para Alcides Basso, “o tratamento entre as
que o comandante disponha da confiança da tropa. O diversas patentes, na guerra, era de muito respeito.
ideal é que a ele esteja associada a imagem do líder, que Aprendemos muito com os americanos. No Brasil,
convence pelo exemplo. havia muita distância entre os oficiais e praças. Com
o tempo, isso começou a mudar e houve uma sensível
Para Geraldo Sanfelice, em Montese, a FEB só teve melhora no relacionamento entre os soldados. Na
sucesso, porque “o comandante seguia na frente, guerra, além de comandante, o tenente ou o sargento
junto com a tropa, dando o exemplo de coragem aos tem de ser líder. Muitos dos que, aqui, eram super-
subordinados”. Sanfelice recorda que, apesar da tensão -homens, lá, não eram mais do que homens comuns.
existente no ambiente de guerra, havia momentos de A vida de uns dependia do companheirismo dos
descontração. Havia muito respeito, mas todos brincavam outros. Oficiais, sargentos, cabos e soldados tinham
e aceitavam as brincadeiras. Lembra que o Major Firmo de se respeitar como homens, independentemente de
de Almeida e o Capitão Henrique César Cardoso, mesmo estrela ou divisa”, conclui.
sendo oficiais, iam descontrair os soldados quando
estavam de folga. “As duas peças que eu mais louvava na guerra
eram o capitão e o 3º sargento. Todos eram valiosos,
“Na FEB, havia ordem e disciplina. O respeito para mas esses eram a base para o sucesso em qualquer
com os superiores, e destes para com os subordinados, combate. O capitão, pela importância do planejamento
em atividades de serviço, era indiscutível. Nas horas de e distribuição das missões; o 3º sargento, pela
folga, todos aceitavam brincadeiras, independentemente condução dos homens de sua fração; ele comandava
da condição hierárquica. Fora do serviço, eram todos pelo exemplo”, diz Aribides Pereira.
soldados, eram todos iguais. Quando a gente entrava em
forma ou estava em missão, aí sim, cabo era cabo, sargento Taltíbio Custódio diz que, “no combate, os soldados
era sargento, e assim por diante. Quem comandava sabia estavam sob o comando direto dos cabos e dos
que a sua vida dependia, Acervo Geraldo Sanfelice sargentos. O Sargento
muitas vezes, dos Max Wolff Filho era muito
subordinados. Amigos arrojado e servia de exemplo
se ajudam. Respeito para os outros militares. Era
não se adquire com cara o chefe dos patrulheiros.
feia nem carranca, mas Tudo que era serviço
sim com a convivência perigoso, onde se tinha de
saudável, diária. Bons buscar a informação perto
comandantes convivem do inimigo ou arrancar
com os subordinados. os alemães da trincheira,
Precisam conhecê- era missão para ele e seu
-los para conquistar a grupo. Ele morreu numa
amizade e o respeito missão de reconhecimento,
deles”, diz Pacífico próximo a Montese. Sofreu
Pozzobon. Alto Comando da FEB, em visita aos baixados, nos EUA. uma emboscada durante
64
uma patrulha. Penso que deveria ter mais destaque, pois foi um dos heróis que tombaram no cumprimento do
dever para com a Pátria”.

Para Sanfelice, o relacionamento entre os integrantes da FEB era muito amistoso. Os oficiais e os sargentos
tratavam muito bem os pracinhas. Nos bons e maus momentos, estavam sempre interessados e atentos ao que
acontecia com os soldados. “Um bom comandante nunca abandona os soldados feridos em combate. Por isso nos
sentimos muito orgulhosos quando, ao final da guerra, o General Mascarenhas, acompanhado do alto escalão da
FEB, nos visitou, no hospital, nos Estados Unidos.”

MAX WOLFF FILHO – UM LÍDER

Para Taltíbio Custódio, “heróis são aqueles que


tombaram em combate”. Dentre os 465 heróis brasileiros
que perderam a vida na Itália, alguns, pela magnitude
e representatividade dos seus feitos, tiveram maior
relevância.
Uma dessas figuras singulares é o Sargento Max Wolff Filho. Nascido em Rio Negro-PR, aos 33 anos apresentou-
-se voluntariamente para integrar a FEB, sendo incluído no 11º RI, como 3º sargento. Já na Itália, toda vez que
surgiam missões difíceis a serem cumpridas, declarava-se voluntário. Por sua coragem e seu excepcional senso
de responsabilidade, passou a ser presença constante em patrulhas de todas as companhias, obtendo inúmeros
sucessos. No entanto, em 12 de abril de 1945, seu corpo tombou vitimado pela rajada de uma metralhadora alemã,
nas proximidades de Montese.
Desde então, muitas homenagens foram prestadas ao bravo. Uma das mais significativas, e que dá a dimensão
do que a sua figura representa, foi conferida pela Escola de Sargentos das Armas. Ao assumir a denominação
histórica de “Escola Sargento Max Wolff Filho”, não só homenageia o herói; mostra, de forma
inequívoca, que os valores evidenciados nos campos de batalha fazem dele um exemplo a ser
seguido, não só pelos novos sargentos combatentes lá formados, mas por todos os militares do
Exército Brasileiro.
A “Medalha Sargento Max Wolff Filho” foi criada para distinguir subtenentes e sargentos

que, no desempenho funcional, tenham evidenciado características e atitudes que notabilizaram
o Sargento Wolff. Ao elencar os requisitos para a conferência da honraria, destacando liderança
e atitude militar, qualidade do trabalho, conhecimento e habilidade técnico-profissional,
confiabilidade, resistência física e mental e camaradagem, o Exército Brasileiro presta mais uma
homenagem ao insigne sargento da FEB.
65
MISSÃO CUMPRIDA
Entre todos os pracinhas que prestaram depoimento, é unânime a opinião de que a guerra não vale a pena. Ao
definir sua participação na FEB, Eugênio Lombardo alega que a guerra representou mais uma missão a ser bem
cumprida. “Defendemos o Brasil e ajudamos a FEB a cumprir bem a sua missão, no sentido de acabar com a guerra”.

Alcides Basso é categórico ao dizer que, “quando se vive uma guerra, nunca mais se quer saber de outra, porque
ela não deixa nada de bom para ninguém. Desde que existe mundo, sempre existiram guerras, que não levaram a
nada, a não ser à destruição. É um ato selvagem que acaba com a família, com a moral, com tudo de bom. É o fim
do mundo.”

Taltíbio Custódio ressalta que não se considera um herói. “Heróis são aqueles que tombaram na guerra. Sou
uma pessoa que combateu por um ideal – a liberdade do mundo que estava sendo posta em risco pelo nazi-
fascismo. Todo brasileiro tem de defender a terra em que nasceu. A Bandeira é um símbolo que representa a nação;
ela merece respeito. A Pátria merece o nosso sacrifício. Sinto-me honrado por ter defendido o nosso Exército e a
nossa Pátria, empurrando para longe a barbárie que havia na Itália. Por isso, me sentia obrigado a mantê-la bem
distante das nossas fronteiras. Aquela era a hora de cumprirmos com o nosso dever”.

Custódio encerra dizendo que passou a enxergar o mundo com outros olhos e dar mais valor às coisas. “Causava
espanto ver aquela destruição toda. Em poucos segundos, a guerra destrói o trabalho e a economia de uma vida
inteira. A guerra é uma tragédia, um atraso. É a História sendo destruída pela ganância e pelo sonho de poder.
Quem presencia uma guerra aprende que o progresso começa pela não destruição do que já se tem. Não poluir a
água, não cortar as matas sem necessidade, conservar a natureza. Essas são as missões de hoje”.

Reverência ao amigo, no Cemitério de Pistoia. Acervo Taltíbio Custódio

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SEPARAÇÃO E REENCONTROS
Segundo relatam os pracinhas, o momento da outros pracinhas, resolvi cutucar o tatu. Ele abriu um
separação foi difícil. Pacífico Pozzobon diz que, ao largo sorriso e fez a maior festa. O apelido já não o
retornar para casa, passou uns quatro dias sem querer incomodava. Reencontrar velhos amigos era motivo de
ver ninguém, a não ser a família, apesar de muitas festa.
pessoas o procurarem para saber sobre a guerra. Só
dormia e descansava. Os encontros de Ex-Combatentes e Veteranos da FEB
foram – e continuam sendo – uma boa oportunidade
Os sentimentos eram confusos. “Apesar da felicidade de reencontros. Encontrar os amigos sempre é bom,
por ter voltado para casa e estar com a família, estava segundo Sanfelice. “Enquanto as condições físicas
profundamente triste. Era tristeza pela separação de permitiam, viajava de trem para visitar os amigos.
uma irmandade. Fiquei perdido! Foi uma das piores Sempre mantive contato com o Rubens, por longo
coisas que aconteceu. A separação foi muito difícil. período, presidente da Associação dos Ex-Combatentes
Tinha feito amigos de Pernambuco, do Amazonas, do do Brasil – Seção RJ. O Yedo Blauth vinha me visitar,
Rio, de Minas e de outros tantos lugares. Estávamos em Santa Maria. Eu, com a família, o visitava, em Porto
sempre juntos, por quase dez meses. Saber que não iria Alegre”, conclui.
mais encontrá-los, foi uma paulada. Nós éramos muito
unidos; era uma união diferente da que temos com a Outras tantas histórias emocionantes aconteceram.
família de sangue. Apesar de termos tido formações Mesmo que o tempo apague da memória os detalhes e
totalmente diferentes, todos se ajudavam, desde o os pormenores dos dias vividos na guerra, não apagará
comandante até o soldado. A missão era defender o os exemplos de amizade e camaradagem vividos ao
Brasil, mas, sobretudo, tínhamos que proteger uns aos longo dessa jornada.
outros”, conclui Pozzobon.
Acervo Pacífico Pozzobon
Após o casamento, Pozzobon permaneceu por
algum tempo trabalhando na agricultura. Mudou-
-se para Santa Maria, em 1953. Por trinta e seis
anos, foi proprietário do Restaurante do Chico, na
Avenida Rio Branco, em frente à catedral. Dividia
o tempo entre o restaurante e a profissão de
agente de polícia do Estado. No restaurante, teve a
oportunidade de manter e fortalecer a relação de
amizade com outros veteranos.

Pela metade da década de 1960, entrou no


seu restaurante um cidadão que, na hora, foi
reconhecido: tratava-se do velho “tatu peludo”,
que, na condição de tenente, havia sido nomeado
Delegado do Serviço Militar de Sobradinho-RS, de
passagem por Santa Maria. “Quando chegaram Desfile de 7 de Setembro, em Santa Maria-RS / 1946.

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MONUMENTOS E HOMENAGENS
Em homenagem aos bravos da região central do Rio
Grande do Sul que participaram das ações na II Guerra
Mundial, ainda no ano de 1945, foi inaugurado um
monólito com o mapa do Brasil insculpido, contendo uma
placa de bronze com os dizeres “SANTA MARIA EXALTA
O EXPEDICIONÁRIO BRASILEIRO – UMA GLÓRIA A MAIS
NA GLÓRIA DO BRASIL – 1945”, na Praça da República,
atualmente mais conhecida por Praça dos Bombeiros.

Em 20 de março de 1992, a Associação dos Ex-


-Combatentes do Brasil – Seção Santa Maria, a 3ª
Divisão de Exército e o Poder Público Municipal, em
comunhão de esforços, erigiram novo monumento em
homenagem à FEB, na Praça General Osorio. Naquela
data, a homenagem datada de 1945 foi removida para
o mesmo local.

No ano de 2006, foi acrescentada ao monumento

Fotos Sirio S. Fröhlich


uma réplica, em resina e metal, de um combatente
da FEB, com uniforme, equipamento e armamento
característicos. Infelizmente, algumas das placas
metálicas do monumento do expedicionário e a placa do
monumento datado de 1945 não resistiram aos efeitos
devastadores do vandalismo.

Em 2009, durante solenidade alusiva à tomada de


Castelnuovo pela FEB, foi inaugurado um monumento
idealizado pelos pracinhas, 13ª Companhia Depósito
de Armamento e Munição e Poder Público Municipal,
na cidade de Itaara-RS. O monumento é composto de
um monólito, placas alusivas e estátua de um pracinha,
confeccionada pelo Sargento Clóvis Pranke e pelos
Soldados Jonas Zahn e Leandro Borges, do 7º Batalhão
de Infantaria Blindado, de Santa Cruz do Sul. Na foto, da
esquerda para a direita, os pracinhas Luis Gonzaga Schaff,
Geraldo Antônio Sanfelice, Ivo Ziegler, José João Pereira,
Taltíbio de Melo Custódio, Aribides Rodrigues Pereira,
Mário Machado dos Santos e Pedro Solano Vidal.

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MONUMENTO NACIONAL AOS MORTOS DA II GUERRA MUNDIAL
Foto: Amilton Mendes dos Passos

Em 1960, os restos mortais dos brasileiros que tombaram em solo italiano foram trasladados do
Cemitério Brasileiro em Pistoia para o Rio de Janeiro, onde repousam no Monumento Nacional aos Mortos
da II Guerra Mundial.

Juscelino Kubitschek, Presidente da República, justificou a operação dizendo: “O Brasil precisava de seus
mortos como exemplo para os vivos”.

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HOMENAGEM MUSICAL LETRA
Em destaque na avenida, ante a tropa perfilada,
O pracinha, emocionado, relembra sua jornada:

De Norte a Sul ouviu-se o chamado:


Mãe Pátria queria o pracinha ao seu lado.
Urbano ou rural, pelo mesmo ideal:
Seria um soldado da paz mundial.

Por esse ideal, por sua Pátria amada,


Cruzou o oceano, em longa jornada.
Travou luta triste, cruel e sofrida.
Por sua Bandeira, daria sua vida.

Horrores da guerra em solo europeu:


“Longa Jornada” é uma homenagem aos pracinhas
Em Monte Castelo um amigo perdeu.
brasileiros, baseada nos depoimentos transcritos neste E no campo santo, cruz branca ficou.
livro, de Ary Dal Pozzolo e João Baptista Pedro Pozzobon. Profunda saudade em seu peito restou.
Da junção desses fragmentos surgiu o “Soldado
Uma carta aberta, notícias da amada
da Paz Mundial”. Roteiro traçado, João Chagas Leite, Aqueceram o peito, na noite estrelada.
vencedor de diversos festivais de música nativista, Na fria trincheira, lembrou-se do irmão:
com talento ímpar, sensibilidade musical, violão e voz Vinte e poucos anos, quanta solidão.
marcantes, fez mais do que sonorizar a história: deu vida
ao nosso protagonista. Reverenciando os heróis que partiram
Acreditando no mesmo ideal,
Sugeriram arranjos e participaram da gravação os Sempre ele volta à mesma avenida.
Sargentos da Banda de Música da 3ª Divisão de Exército E no tremular da Bandeira querida
(3ª DE) Fabiano Ribeiro dos Santos (violão e guitarra), Vê liberdade e paz, ideal de sua vida.
Fábio Corrêa Rosa (teclado e contrabaixo), Flávio Marion
Sant’ Ana Gonçalves (Trompete) e o Subtenente músico Terminada a guerra, inimigo é irmão.
Amilton Mendes dos Passos, com preciosas sugestões. Refeita a paz, cumpriu-se a missão!
Voltou para casa com o “V” da Vitória,
A primeira execução pública aconteceu durante a Seu grande legado entrou para a História.
solenidade da 3ª DE alusiva à Tomada de Monte Castelo,
em fevereiro de 2010. No solo da Pátria reencontrou seus amores,
Formou sua família, esqueceu suas dores.
A música pode ser ouvida em www.youtube.com.br, E muitos não sabem que à Pátria querida
digitando “Longa Jornada FEB” na barra de busca. Ele deu sua força e daria sua vida.

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GALERIA MÁRIO FRANCISCO DE ÁVILA PEDROSO

Muitas das fotografias que ilustram os textos e as desta galeria são de autoria de Mário Francisco de Ávila
Pedroso, sargento do 7º RI, que, incorporado à FEB, seguiu para a Itália em setembro de 1944. Exímio datilógrafo,
foi designado para o QG recuado da 1ª DIE. As imagens falam por si. Contudo, as observações feitas pelo autor
nas fotografias soam como um protesto ante a destruição causada pela guerra e reforçam o clamor pela paz,
unanimidade entre os pracinhas que ajudaram a escrever este livro.

Porreta Terme – Fevereiro de 1945 Livorno – Março de 1945

Milão – Abril de 1945 Bolonha – Maio de 1945

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Anversa – 1945

Norte da Itália – 1945


Bolonha – 1945

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Bolonha – 1945
Zocca – 1945

Turim – 1945

Vignola – Maio 1945

Vignola – Maio 1945

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A Marinha do Brasil na Guerra
Antes de tratarmos da Marinha do Marinha de Guerra
Brasil (MB) na 2ª Guerra Mundial, é
importante destacar a relevância da A missão da Marinha do Brasil (MB) durante
Marinha Mercante (MM). Na década a 2ª Guerra Mundial era patrulhar o Atlântico
de 1940, o transporte de cargas entre Sul, protegendo os comboios de navios
as diferentes regiões brasileiras era mercantes nas rotas entre o Caribe e o nosso
quase todo realizado por via marítima. litoral contra a ação dos alemães e italianos.
A interdependência das regiões conferia Também coube à MB proporcionar segurança
à MM a missão estratégica de assegurar aos navios que conduziram os efetivos da FEB
o transporte dos produtos agrícolas e até a Europa.
manufaturados.
A capacidade de combate da MB era muito
A tensão entre os marinheiros era modesta para fazer frente às forças do Eixo,
grande, e aumentou quando o Brasil rompeu relações em operação no Atlântico. Fruto de um esforço conjunto
diplomáticas com os países do Eixo. Submarinos das indústrias nacional e norte-americana, o poderio
alemães e italianos que navegavam pelo Atlântico Sul naval brasileiro foi aumentado, com a incorporação de
passaram a atacar navios brasileiros, em navegação novas embarcações, dotadas de novos armamentos e
costeira ou em águas internacionais. Praticamente tecnologias. A isso, somou-se a reorganização da força
indefesos, tornaram-se alvos fáceis. Entre fevereiro e naval e o treinamento de pessoal, visando à preparação
agosto de 1942, 19 navios mercantes foram afundados, para o conflito.
causando grave impacto à estrutura de transportes e
levando a vida de centenas de brasileiros. Esse fator foi José Francisco da Cruz, atual presidente da Associação
decisivo para que o Brasil se declarasse em guerra. Até dos Ex-Combatentes do Brasil – Seção Brasília, era
julho de 1944, mais de trinta navios mercantes haviam marinheiro mercante desde 1938, na companhia
sido torpedeados, totalizando mais de mil mortes. Amazon River, que realizava navegação fluvial no Rio
Amazonas. Em junho de 1940, foi convocado para a
MB. Prestou serviço na Ilha das Cobras e no submarino
Tamoio, guarneceu Fernando de Noronha, atuou no
navio auxiliar Vital de Oliveira, no quartel de marinheiros,
Escola Naval e Ilha da Trindade. No contratorpedeiro
Mariz e Barros, fabricado no Brasil e equipado nos EUA
com armamento moderno e preciso sistema de detecção
(radares e sonares), atuou nas rotas do Atlântico e do
Pacífico.

Cruz recorda que cada chegada de comboio ao porto


de destino era uma vitória. Foram muitas, como diz.
Navio Getúlio Vargas, da Marinha Mercante. “No Mariz e Barros, participei da escolta do 1º e o 5º
escalões da FEB, desde o Rio de Janeiro até Gibraltar.
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A missão era acompanhar o comboio à distância, garantindo a
segurança antissubmarino”. Quando o sonar do contratorpedeiro
indicava a presença de submarinos inimigos, eram efetuados os
disparos. Em outra oportunidade, participou da evacuação de
feridos da FEB, da Itália para os Estados Unidos.

“Não combatemos em terra, mas o nosso trabalho contribuiu


para que a FEB alcançasse a glória em Monte Castelo, em Montese
e em outros combates. A nossa missão era colocá-la na Itália, em
segurança e em condições para o combate. Fomos atacados e
o navio foi avariado por um submarino inimigo. Companheiros
marinheiros morreram; contra-atacamos e não permitimos a
perda de vidas na FEB durante a travessia do Atlântico. Isso foi
uma grande vitória! A nossa batalha era ininterrupta e silenciosa,
sem grande destaque na Imprensa. Corremos risco de vida, mas
demos conta do recado. Acredito que cumprimos muito bem a
nossa missão”, conclui.
Acervo José Francisco da Cruz

Contratorpedeiro Mariz e Barros (ao centro). Acima, o Marinheiro Cruz.

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A FORÇA AÉREA BRASILEIRA NA GUERRA
A Força Aérea Brasileira (FAB), dezembro de 1943. Em janeiro de 1944, um grupo de
ainda em fase de organização, oficiais e sargentos partiu para os EUA a fim de estudar
colaborou no patrulhamento os novos equipamentos e participar de intenso programa
do litoral e na proteção de de instrução e treinamento. Ao pessoal do escalão
comboios no Atlântico Sul, em terrestre cabia a tarefa exercitar serviços de manutenção
ação conjunta com as Marinhas e operação, enquanto os pilotos treinavam nas novas
do Brasil e dos EUA. aeronaves as manobras e operações que realizariam em
combate. Organizado e devidamente preparado para
Visando à adequação da entrar em ação, o 1º Grupo de Caça seguiu para a Itália,
FAB às necessidades decorrentes do conflito, foram desembarcando no Porto de Livorno, em 6 de outubro.
adquiridas novas aeronaves (de caça, bombardeio, Foi integrado à Força Aérea Tática do Mediterrâneo, em
observação e transporte). As escolas de formação de apoio ao V Exército norte-americano, do qual fazia parte
pilotos, mecânicos e outros especialistas em aviação a Força Expedicionária Brasileira.
intensificaram a instrução e o treinamento.
Após executar missões conjuntas com os norte-
No final de 1943, o Governo brasileiro decidiu -americanos, os brasileiros passaram a operar de forma
enviar à Europa, junto com a FEB, um Grupo de Caça, independente, em missões de bombardeio de pontes,
que atuaria integrado à Força Aérea dos EUA, no teatro estradas de ferro e rodagem, campos de aviação,
do Mediterrâneo, e uma esquadrilha de ligação e posições de artilharia, depósitos de munição e de
observação, para operar junto à Artilharia Divisionária combustível e comboios, com a finalidade de minar a
da FEB. resistência inimiga.
O 1º Grupo de Aviação de Caça foi criado em Cabe mencionar que, entre os 48 pilotos de
combate do Grupo, estava o
santa-mariense Fernando Soares
Péreyron Mocellin, e que houve 8
mortes, sendo 5 em combate e 3
em acidentes de aviação.

A 1ª Esquadrilha de Ligação
e Observação (ELO) foi criada
em julho de 1944, e passou a
servir diretamente à Artilharia
Divisionária da FEB (AD/1).
Composta por 31 militares, entre
aviadores, mecânicos e auxiliares
de mecânico, dispunha de 10
aeronaves. Tinha a missão de
O Campo Brasileiro na cidade de Tarquínia, na Itália. executar voos isolados sobre a
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Terra de Ninguém e sobre a própria Marques Moura, que, ao ter sua aeronave abatida, saltou
linha de frente inimiga, com o de paraquedas sobre terreno inimigo. Contrariando
objetivo de fazer observação, as recomendações de conduta para uma evasão, teria
reconhecimento aéreo e trocado o uniforme militar por trajes civis e a pistola
regulagem de tiro, em proveito por uma bicicleta. Por um mês, enfrentando a fome e
direto da AD/1. o frio, com o auxílio de uma bússola, percorreu os cerca
de 450 quilômetros entre o local da queda e a base
Participou ativamente das brasileira, sem ser reconhecido pelos soldados nazistas.
principais ações da FEB em Monte Sua chegada foi uma surpresa, pois já era considerado
Castelo, Montese, Montello, La Serra, Collecchio, entre morto. A recepção na base foi digna de herói.
outras, e exerceu eficiente vigilância sobre os vales dos
rios Panaro e Serchio, culminando na rendição da 148ª Segundo Vinícius, “na guerra percebe-se que há
Divisão de Infantaria alemã, em Fornovo di Taro. coisas que podem ser piores do que a morte”. Certo
dia, em visita ao Hospital da FEB, que ficava ao lado do
Vinícius Vênus Gomes da Silva, atual presidente Hospital do Grupo, deparou-se com um soldado que
da Associação Nacional dos Veteranos da FEB – Seção havia sido atingido, durante uma patrulha, por uma
Brasília, integrante do Serviço de Saúde do 1º Grupo mina (armadilha explosiva enterrada), que decepou os
de Caça, diz que o Grupo prestou muitos e relevantes membros superiores e inferiores do mesmo, tirando-
serviços durante a guerra. Conforme diz, ouviu muitos lhe, também, a visão. “Ele pedia a Deus que tirasse sua
relatos sobre os feitos dos pilotos brasileiros, dignos de vida, pois já não tinha motivos para viver. Essa passagem
menção. Dessas histórias, destaca a do Tenente Danilo eu não esqueço, pois foi a mais triste que presenciei”.

Imagens: www.fab.mil.br

Esquadrilha Azul estacionada na Linha de voo do Campo de Tarquínia.

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A Volta

O mar, outra vez, pertencerá aos expedicionários. As ondas do mar tangem, agora, para o Brasil. Será um mar
sem barcaças, esperamos. As próprias barcaças, porém, se sublimariam com esse mar que tange para o Brasil, no
cântico da volta.

Pássaros emigratórios, de plumagem verde, que tornam com o sol às plagas de nascença. O sol derreterá a neve
do fox hole, que ainda se acumula sobre as fotografias. A volta dissolverá as lembranças do fox hole, mas o fox hole
é uma coisa que ficará sempre por cima da memória, insolúvel.

A sua tristeza, amanhã, a sua cãibra nas pernas, a sua dor, o seu cansaço, os seus pés que incham de vez em
quando, recordarão o fox hole. Mas a casa é grande e antiga, a família está reunida, há o quintal com alguns pés de
laranja e a calçada com algumas cadeiras de balanço.

Há os jornais que de vez em quando dirão, a propósito disto ou daquilo: “Os expedicionários”; “Fez parte da
F.E.B.”; “Foi ferido em Monte Castelo”; “Era do pelotão que entrou em Montese”; “Montou guarda à divisão que
se rendeu”. As dores da ferida aberta em Soprassasso ou a cabeça zonza com os morteiros que caíam em Montese
recrudescerão. Mas há sempre um sorriso de confirmação para o que os jornais disserem.

E há os filhos que dirão “Meu pai foi um expedicionário”, com orgulho, mas você escutará por cima do seu
orgulho, com ar sério, prometendo que a aventura não se repetirá para o seu filho.

E há o mar que você não pode esquecer. O mar que lhe custou quinze dias de viagem, muitos enjoos, muitas
comidas com açúcar, e muitos banhos salgados que tiravam o suor para botar uma coceira.

Mas que vale tudo isso, dentro de casa, com chuveiro de água doce e comida com sal, tudo pelo avesso do
navio? E uma cama que de semelhante com a neve do fox hole só tem a brancura do linho com que você se cobre?

E nunca esquecer o amor, que as cartas regaram como a água a uma flor. O amor que tem muitos nomes, que
chorou, que se despediu, que gostou do poema “Espere por mim”, e esperou, de fato, por você.

As ondas do mar tangem para o Brasil. Nós sabíamos disso. O mar que trouxe, leva de volta. O mar, outra vez,
pertencerá aos expedicionários. O mar que vem, o mar que vai, o mar de todos os mares, que das praias da Itália,
leva às praias do Brasil.

Cabo José César Borba

Publicado em “O Cruzeiro do Sul”, nº 34, de 31 de maio de 1945, na seção “Cartas do Brasil”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES DE CONSULTA

– CAMPELLO, Ruy Leal – Um Capitão de Infantaria da FEB, Bibliex Editora

­– CANSANÇÃO, Elza – Eu estava Lá, Editora Ágora da Ilha

– GÓES, Aspásia C. Walder de – Diálogo com Cordeiro de Farias, Bibliex Editora

– LOPES, Marechal José Machado – 100 vezes responde a FEB, Edição do autor

­– MASCARENHAS DE MORAES, J. B. – A FEB pelo seu Comandante, Bibliex Editora

– SILVEIRA, Joaquim Xavier da – A FEB por um Soldado, Bibliex Editora

– Jornal A Razão

– Jornal Correio do Povo

– Jornal O Cruzeiro do Sul

– www.anvfeb.com.br

– www.fab.mil.br

– www.portalfeb.com.br

– www.segundaguerramundial.com.br

– www.sentandoapua.com.br

– www.olapaazul.com

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“Nenhuma história tem começo e fim; isso só acontece nos romances.
Só conhecemos fragmentos. São esses pequenos trechos que,
somados, nos oferecem a ilusão de que a vida é uma história única”

Luiz Antonio de Assis Brasil, em “A margem imóvel do rio”.

Contato com o autor: sirio.feb@gmail.com

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