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Livro Longa Jornada Com A FEB Na Itália
Livro Longa Jornada Com A FEB Na Itália
LONGA JORNADA
Com a FEB na Itália
Brasília – DF
2011
3
S928l Fröhlich, Sirio Sebastião.
Longa Jornada – Com a FEB na Itália: / Sirio Sebastião Fröhlich – Brasília: EGGCF, 2011.
I. Título.
CDD 940.53(81)
REVISÃO GRAMATICAL
Edson de Campos Souza
IMPRESSÃO
Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias
TIRAGEM
2.000 exemplares
Homenagem
5
dedicatória
Aos pais João e Cecília (em memória), exemplos de coragem, fé e amor à verdade;
agradecimento
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INTRODUÇÃO
A II Guerra Mundial é um assunto amplamente discutido no mundo acadêmico. As causas que a ela
conduziram e as consequências geopolíticas dela decorrentes já foram analisadas nos seus mais variados
aspectos por rica e vasta literatura. No entanto, o tema está longe de ser dado por esgotado, haja vista a
história dos protagonistas ainda ser pouco conhecida.
Este trabalho não tem a pretensão de analisar o contexto histórico em que se desenvolveu o conflito
nem, tampouco, esmiuçar as razões pelas quais o Brasil nele viu-se envolvido. A proposta é apresentar
breve cronologia de modo a situar o leitor no contexto histórico e, sobretudo, destacar os feitos de jovens
brasileiros que, há mais de seis décadas, prontificaram-se a lutar pelos ideais de democracia, liberdade e
paz mundial, então postos em perigo pelo nazifascismo.
Alguns desses protagonistas da História do Século XX ainda residem entre nós, quase anônimos para a
maioria da população, provavelmente por desconhecimento da dimensão do feito alcançado.
O propósito principal deste trabalho é ressaltar a magnitude das ações dos nossos pracinhas e destacar
a participação da Força Expedicionária Brasileira nesse conflito de dimensões globais, além de mostrar a
contribuição da FEB para a evolução do Exército Brasileiro.
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iI GUERRA MUNDIAL
A semente da II Guerra foi plantada no Tratado de Estava, assim, deflagrado o conflito armado que
Versalhes, em 1919, e irrigada por tratados posteriores, envolveu mais de setenta nações. Inicialmente, o quadro
ao final da I Grande Guerra. A inobservância de questões de guerra contava, de um lado, com a Alemanha (nazista),
étnicas e políticas na reestruturação do espaço geográfico a Itália (fascista) e o Japão (imperialista); do outro, a França
e a supremacia dos interesses dos vencedores em e a Inglaterra (aliados). A União Soviética (comunista)
detrimento dos vencidos geraram profundo sentimento mantinha-se fora da guerra, no front ocidental.
de injustiça entre estes.
Após a invasão da Polônia, a Alemanha estendeu seu
Esses fatores fizeram com que o período pós-guerra domínio a diversos países, incluindo Noruega, Dinamarca,
fosse de penúria e miséria nos países derrotados, criando Luxemburgo, Holanda, Bélgica e França, chegando ao
o cenário ideal para ascensão ao poder de governos norte da África, onde Mussolini tentara recompor o antigo
totalitários. A Itália controlou a situação semianárquica em império romano. Na Europa, Espanha, Portugal e Suíça
que se encontrava, centralizando o poder na figura de Benito mantinham a neutralidade. Somente a Inglaterra resistia.
Mussolini. A Alemanha, após anos de crise econômica e
desorientação política, concedeu o poder a Adolf Hitler. Em Com o desenrolar da guerra, outros países, dentre
pouco tempo, usando um discurso persuasivo, enfatizando os quais os Estados Unidos, aderiram às forças aliadas.
o resgate da “honra” alemã, o Führer transformou o país Essa situação perdurou até o desentendimento entre a
em uma grande potência industrial e bélica. Alemanha e a Rússia, dando motivo à invasão desta por
aquela, na madrugada do dia 22 de junho de 1941.
O cenário de guerra começou a ser desenhado na
década de 1930, quando a Alemanha celebrou um tratado Com a resistência russa, grandes efetivos alemães
de não agressão com a Rússia e assinou, com a Itália, um tiveram de ser deslocados para a gelada frente de combate
tratado conhecido por Eixo Berlim-Roma, posteriormente ao leste, deixando mais vulnerável a frente ocidental.
estendido a Tóquio. A resistência francesa, auxiliada pelo Reino Unido, aos
poucos, libertou áreas ocupadas, na França, pelos alemães.
A anexação da Áustria e a sua conversão em província Com decisivo apoio norte-americano, o Norte da África
do III Reich, em março de 1938, e da Tchecoslováquia, em foi libertado e os alemães foram sendo expulsos do solo
setembro do mesmo ano, deram início à expansão alemã italiano, já com o apoio dos soldados brasileiros.
no continente europeu. Contudo, o fato que, efetivamente,
marcou o início da II Guerra Mundial foi a invasão da Atacada por todas as frentes, a Alemanha rendeu-
Polônia pelo exército da Alemanha, em 1º de setembro de -se incondicionalmente às Forças Aliadas, em 8 de maio
1939. de 1945, pondo fim aos combates no front ocidental, a
despeito de a guerra ter continuado no front oriental.
Deixando a neutralidade ante o projeto de expansão da
Alemanha, adotada quando das anexações anteriores, em 3 Estima-se que a II Guerra Mundial tenha custado mais
de setembro de 1939, Grã-Bretanha e França comunicaram de 50 milhões de vidas humanas e deixado mais de 20
a Hitler que, caso não fosse imediatamente interrompida a milhões de mutilados. Levando-se em conta os danos
invasão da Polônia, declaravam-se em guerra. psicológicos e materiais por ela causados, conclui-se que
este é o mais triste capítulo da história da humanidade.
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O BRASIL ABANDONA A NEUTRALIDADE
No início do conflito, o Brasil manteve a neutralidade. Ao tomar posição favorável aos Estados Unidos,
Por sua posição geográfica privilegiada, relativamente o Brasil tornou-se alvo dos submarinos alemães, que
próximo da África Ocidental, era um parceiro cobiçado, passaram a atacar navios mercantes brasileiros em
tanto por países do Eixo quanto pelos Aliados. rotas de abastecimento para a indústria dos Estados
Unidos, em águas internacionais, e em navegação de
Após o ataque japonês à base dos Estados Unidos na cabotagem, ceifando a vida de centenas de brasileiros,
Ilha de Pearl Harbour, no Oceano Pacífico, o Brasil, em inclusive mulheres e crianças.
janeiro de 1942, anunciou o rompimento das relações
diplomáticas com a Alemanha e a Itália, com base na O descontentamento ante o desacato à nossa
“Carta do Atlântico”, que previa o apoio recíproco entre soberania foi crescente, a partir de então. O povo saiu
os países americanos, em caso de ataque a algum destes às ruas para pedir que o governo tomasse posição ativa
por qualquer potência extracontinental. frente a esses atos hostis. Por vezes, excedendo os
limites da razão, a população depredou consulados e
Feito isso, o Brasil aumentou a sua atividade militar, repartições ligadas aos países do Eixo, casas comerciais
visando à segurança do litoral, e concedeu aos Estados e até residências de descendentes de alemães e
Unidos o uso de bases aéreas no Norte e no Nordeste, italianos. Em Santa Maria, há relatos de apedrejamento
a fim de facilitar a ligação aérea entre a América e a a residências de descendentes de alemães, sendo
Europa, usando a África como escala. Em contrapartida, necessária a utilização de forças federais, a fim de evitar
os Estados Unidos se comprometeram a fornecer depredações e incêndios.
equipamentos mecanizados e armamento, visando à
modernização das Forças Armadas, além de auxiliar na Atendendo ao clamor popular, em agosto de 1942, o
defesa do território brasileiro, caso fosse necessário. Governo Brasileiro declarou guerra à Alemanha e à Itália
e, posteriormente, ao Japão.
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A FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA
A prudência indicava que as ações brasileiras, RI, do Rio de Janeiro, o 6º RI, de Caçapava-SP, e o 11º
decorrentes da declaração de guerra, se limitassem à RI, de São João del-Rei-MG. Algumas unidades foram
defesa do litoral, à concessão de uso das bases militares transformadas e outras criadas.
durante o conflito e à colaboração com as forças militares
norte-americanas no patrulhamento do Atlântico Sul, No início da década de 1940, o Exército Brasileiro
pois o nosso Exército não possuía e nem conhecia tinha sua organização, regulamentos e processos de
material de guerra moderno, tinha uma estrutura combate baseados na “escola francesa”. A tarefa de
organizacional deficitária e as táticas de guerra eram constituir, instruir e adestrar uma Divisão de Infantaria
defasadas. Além disso, a preparação técnica, física e segundo a doutrina norte-americana era um dos grandes
psicológica dos soldados não aconselhava a participação obstáculos a serem superados. Em dezembro de 1943,
em um conflito de dimensões globais. o General Mascarenhas de Moraes foi designado para
comandar a 1ª DIE.
No entanto, apesar do precário – ou quase inexistente
– poderio bélico, o Brasil participaria do conflito na Concentradas as tropas na Capital Federal, a partir
Europa, com uma Força Expedicionária, como tributo de de março de 1944, foi iniciada a preparação técnica e
solidariedade à causa aliada. Para que essa intenção se tática da tropa. Entre os muitos problemas enfrentados,
concretizasse, em 23 de novembro de 1943, foi criada a estava a escassez de armamento e de outros materiais
Força Expedicionária Brasileira (FEB), com previsão de de guerra, o que prejudicou sobremaneira a obtenção
três Divisões de Infantaria Expedicionária (DIE). de um alto nível de adestramento, particularmente na
instrução tática. Seria necessário, e isto estava previsto,
A tropa orgânica de uma DIE, constituída
1º Distintivo usado pela FEB. concluir o adestramento em solo europeu,
nos moldes do exército norte-
no próprio cenário da guerra, o que
-americano, compreendia três
possibilitaria maior êxito na instrução
Regimentos de Infantaria, três
das Unidades.
Grupos de Artilharia 105mm,
um Grupo de Artilharia 155mm, Tendo em vista as dificuldades
um Batalhão de Engenharia, um operacionais e o término da guerra,
Esquadrão de Reconhecimento, as outras duas DIE, inicialmente
um Batalhão de Saúde, uma previstas, não chegaram a ser
Companhia de Quartel-General, constituídas.
uma Companhia de Intendência,
uma Companhia de Transmissões, A Marinha do Brasil e a Força
uma Companhia de Manutenção, Aérea Brasileira também tiveram
um Pelotão de Polícia, uma Banda relevante participação na II Guerra.
de Música, um Destacamento de Apesar de, em Santa Maria, não haver
Saúde e um Pelotão de Sepultamento. nenhum protagonista remanescente, ambas
as Forças serão brevemente enfocadas neste
Na organização da 1ª DIE, foram trabalho.
aproveitadas unidades já existentes, como o 1º
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AÇÕES DA FEB NA ITÁLIA
A fim de situar o leitor, é importante, antes de Na primeira fase de sua atuação (entre setembro e
partirmos para a História narrada pelos protagonistas, outubro de 1944), a FEB recebeu a missão de substituir
descrever como se deu a participação brasileira em solo as tropas norte-americanas em pontos avançados da
italiano. Linha Gótica. A primeira vitória aconteceu em Camaiore,
em 18 de setembro. No dia 26 do mesmo mês, Monte
Entre os dias 2 de julho de 1944 (data da partida Prano foi conquistada. Até o final de outubro, diversas
do 1º escalão, do Rio de Janeiro) e 22 de fevereiro de vilas e cidades, entre as quais Massarosa e Fornaci,
1945 (chegada do 5º Escalão ao porto de Nápoles), foram libertadas do jugo alemão.
25.334 homens e mulheres cruzaram o Atlântico. De 16
de setembro de 1944 a 2 de maio de 1945, os militares Nas operações no vale do Rio Reno, muitas vidas
brasileiros participaram, efetivamente, de ações de brasileiras foram ceifadas. Monte Belvedere, Monte
guerra. Castelo e Castelnuovo eram pontos fortificados de difícil
conquista. Sem a expulsão dos alemães desses redutos,
Na Itália, quatro fases marcaram a atuação da FEB: seria impossível que as forças do IV Corpo de Exército
1ª fase – operações no vale do Rio Serchio; 2ª fase – prosseguissem para o Norte. Em 24 e 25 de novembro,
operações no vale do Rio Reno; 3ª fase – operações no foram feitas duas tentativas de conquistar Monte
vale do Rio Panaro; e 4ª fase – operações de perseguição, Belvedere e Monte Castello, por tropas do exército
no vale do Rio Pó. norte-americano, reforçado por um batalhão do 6º RI. O
inimigo repeliu o primeiro ataque; o segundo teve êxito
Quando o Brasil entrou na guerra, os Exércitos Aliados parcial, com a conquista do Monte Belvedere. O terceiro
já haviam retomado o continente africano e o sul da ataque, planejado para o dia 29 de novembro, seria
Itália. Os alemães estavam instalados defensivamente de inteira responsabilidade da 1ª DIE, com uma Força
na chamada “Linha Gótica”, frente que se estendia composta por 3 batalhões de infantaria e 3 grupos de
por cerca de 280 km, do Mar Tirreno ao Adriático, nas artilharia. Entretanto, em 28 de novembro, os alemães
proximidades de Bolonha, onde, às dificuldades naturais retomaram o Monte Belvedere. Apesar das condições
do terreno acidentado, foram acrescidas casamatas de meteorológicas adversas, foi desencadeada a ofensiva.
concreto e um complexo sistema de túneis. Após violento contra-ataque inimigo, nossas tropas
Naquele estágio da guerra, o objetivo estratégico retrocederam às posições iniciais. Em 12 de dezembro,
era expulsar os alemães da Itália, antes da chegada do foi feita nova tentativa, que também restou infrutífera.
inverno. Havia vários meses que americanos e ingleses O rigor do inverno levou a uma providencial pausa nos
tentavam, sem sucesso, tomar Bolonha. Em ousados confrontos.
contra-ataques, as tropas alemãs impunham severas Passados mais de setenta dias do último insucesso, a
perdas aos aliados. Assim, começou a se formar o mito partir de 19 de fevereiro, a FEB partiu para a 5ª tentativa
da inexpugnabilidade da Linha Gótica. Subordinada ao de tomada do Monte Castelo. A 1ª DIE investiu sobre o
IV Corpo de Exército dos Estados Unidos e integrada ao até então inexpugnável ponto de defesa alemão. Após
V Exército norte-americano, a FEB foi destacada para a 12 horas de batalha, às 17h 30min do dia 21 de fevereiro
mais difícil frente de batalha do front italiano. de 1945, foi atingido o topo do Monte Castelo.
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O alto preço dessa vitória contra as tropas alemãs é representado e amor à Pátria, proporcionado por todos
por mais de duas centenas de vidas brasileiras. Em 24 de fevereiro, os pracinhas que participaram do conflito.
a FEB conquistou La Serra e, em 5 de março, tomou Torre de Nerone (*) Dado de 1945, atualizado para 465.
e Castelnuovo, quebrando a continuidade da Linha Gótica.
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CONVOCAÇÃO PARA A GUERRA
Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo,
o licenciamento dos soldados que estavam prestando
o serviço militar foi suspenso. Além disso, militares
que haviam sido licenciados em anos anteriores
(reservistas) e jovens que ainda
não haviam prestado
Acervo Aribides Pereira
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VOLUNTÁRIOS PARA A GUERRA
“Não era só o Brasil que estava em perigo. Fomos
lutar pela liberdade universal”. Lembra do discurso do
Presidente Getúlio Vargas, que dizia que os pracinhas
Acervo Úrsula Pozzobon
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VERIFICANDO A SAÚDE
Os voluntários e os convocados que se apresentavam Brasileira (FEB). A inspeção de saúde do pessoal da
nos quartéis eram submetidos a um rigoroso processo região noroeste do Estado foi realizada no Hospital
seletivo para verificar a higidez física e a aptidão Militar de Santa Maria. Custódio relata que veio gente
psicológica. de toda a região da fronteira. “O quartel do 7º RI estava
cheio de gente. Na hora do pernoite, era muita gente
Alcides Basso, então soldado do 3º Batalhão do 7º reunida. Não era para ninguém sair do quartel, mas a
RI, relata: “Tivemos de ir duas vezes, de trem, para a gente dava um jeito de escapar pelos fundos...”.
Capital, onde fomos submetidos a muitos exames
médicos e clínicos. Só iria para a guerra quem estivesse Após a realização dos exames, os soldados voltavam
totalmente saudável”. para as suas Unidades e aguardavam a divulgação
dos resultados. Para quem havia forçado a dispensa
Pacífico Pozzobon, da mesma Unidade, confirma usando os subterfúgios já mencionados, a confirmação
que, para ser considerado apto para a guerra, o soldado da doença era recebida com alegria, às vezes, contida;
tinha de estar com a saúde perfeita. A saída, para quem outras vezes, explícita.
não queria ir para a Itália, era ficar doente ou se fazer
passar por louco. Segundo ele, alguns soldados, com o Os soldados reprovados nos exames médicos
intuito de se eximirem do dever cívico, antes da consulta foram licenciados; os que haviam sido convocados,
médica, tomavam medicamentos para alterar a pressão mas considerados inaptos, foram dispensados da
arterial; outros tantos davam jeito de pegar doença incorporação no Exército. Para os que estavam com a
venérea, infecção respiratória (o que, no Sul do Brasil, saúde perfeita, restava dar a notícia à família e aguardar
não era difícil) e assim por diante. Por esses e outros o embarque.
motivos, muitos dos jovens, submetidos à inspeção de
saúde, foram considerados inaptos
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DESPEDIDA DA FAMÍLIA
A missão de dar a notícia para a família foi das mais Segundo Pacífico Pozzobon, a fim de evitar
difíceis. Muitos, simplesmente, não tiveram coragem de deserções, muitos comandantes restringiram as saídas
dizer aos pais que estavam seguindo para a guerra. do quartel. Diz que obteve uma concessão especial
do seu comandante de companhia para se despedir
Os soldados Aribides Pereira e Eugênio Lombardo, da família. Na época, deslocar-se entre as cidades era
ambos do Regimento Mallet, integrantes do primeiro difícil. Para ir de Santa Cruz do Sul a Santa Maria, tinha
contingente que saiu dessa unidade, são unânimes de fazer um longo percurso ferroviário, passando por
ao dizerem que não sabiam que, na verdade, estavam Rio Pardo e Cachoeira do Sul. Em cada estação, havia
partindo para a guerra. Pereira relata que “nos disseram barreiras policiais. Recorda que o seu pai queria os
que estávamos indo para o Rio de Janeiro e que, filhos sempre à sua volta, e nem cogitava a hipótese de
posteriormente, seguiríamos para guarnecer Fernando um filho seu ir para a guerra. Por isso, não conseguiu
de Noronha”. Lombardo recorda que não pôde transmitir dar a notícia aos pais. Despediu-se com tristeza, depois
a notícia para os pais pessoalmente, pois, somente no de um dia que custou a passar. Somente ao irmão mais
Rio de Janeiro, ficou sabendo que iria para a guerra. O velho, na despedida, confiou a decisão. Pediu que não
jeito foi mandar um telegrama. transmitisse a notícia antes do embarque definitivo, no
Rio de Janeiro.
Neraltino Flores dos Santos, natural de Tupanciretã-
RS, estava servindo no 6º RAM, de Cruz Alta-RS, e não
teve a oportunidade de despedir-se pessoalmente dos Havia, ainda, aqueles que, além de dar a notícia
pais. A notícia de que estava indo para o Rio de Janeiro à família, tinham de transmiti-la à mulher amada.
foi transmitida por carta. Recorda que a mãe ficou Dalla Costa lembra que ele e a noiva ficaram muito
muito triste, pois pensava que ele não retornaria vivo tristes, pois a data do casamento estava marcada
da guerra. e se aproximava. Por isso, não fazia questão de ir à
guerra, mas, enfim, como a Pátria chamava, não impôs
Pedro Vidal diz que, antes de seguir para a Itália, resistência. Diz que sua noiva, Amélia, chorou muito,
recebeu quatro dias para se despedir da família. “Não fui e por mais que ele garantisse que voltaria para se
a São Sepé, pois sabia que minha mãe iria chorar muito casarem, não se conformava. “Despedir-me dela foi
e, sinceramente, não queria vê-la triste”, relembra. muito difícil, apesar de ela prometer que me esperaria”.
José Pereira não teve a mesma sorte, pois, ao saber
Ivo Ziegler recorda que a mãe chorava e custava a que se voluntariara para ir para a guerra, sua noiva
entender. O pai, mesmo não estando satisfeito com a desfez o compromisso. Em ambos os casos, o destino
notícia, sentiu orgulho do filho e encorajou-o. Só restava foi bondoso: ao retornarem da guerra, acabaram
rezarem juntos. casando com suas amadas.
“Os meus pais nem ficaram sabendo que estava indo para a guerra.
Quando a notícia chegou a eles, eu já havia embarcado”. Alfredo Dalla Costa
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COMEÇA A LONGA JORNADA
Concluídas as medidas administrativas e de ordem dos Santos, hoje sua esposa, recorda que aquela noite
pessoal, estavam todos prontos para iniciar a jornada foi realmente marcante. “Santa Maria ainda era uma
que os levaria aos campos da Itália. pacata cidade, e o som da banda podia ser ouvido à
longa distância. Infelizmente, meu pai não permitiu que
Qualquer caminhada, por mais longa que seja, eu fosse assistir ao evento”.
invariavelmente, começa com o primeiro passo. No caso
dos pracinhas que partiram de Santa Maria, esse passo Pedro Vidal percorreu o mesmo trajeto, só que em 24
era representado pela distância que separava o 7º RI da de dezembro de 1944, integrando o último contingente
estação ferroviária. de Santa Maria que, efetivamente, seguiu com a FEB
para a Itália. Para a ocasião, ele e outros companheiros
Aribides Pereira recorda que, em 31 de outubro de haviam composto uma marchinha. “Adeus, Sétimo de
1943, contingentes do 5º RAM e do 7º RI marcharam Infantaria; / até logo, Santa Maria; / nós vamos, mas
pela Rua Doutor Bozano e Avenida Rio Branco, até a voltaremos; / velho Sétimo de Infantaria...”, relembra,
estação. “Em Santa Maria, eu nunca tinha visto tanta cantarolando, em ritmo marcial. “Toda vez que passo na
gente reunida. As pessoas tomavam os dois lados da frente do quartel do Sétimo RI (onde hoje está sediado
rua, formando um corredor. Faziam festa e aplaudiam, o Comando da 6ª Brigada de Infantaria Blindada),
jogavam cigarros, chocolates e outros presentes”, relembro essa canção”, diz.
relembra.
Tamanho apoio popular se Estação Ferroviária: ponto de partida dos pracinhas de Santa Maria.
justificava, pois o Jornal “A Razão”, Foto da década de 1910.
de Santa Maria, então integrante
dos “Diários Associados”, promovia
intensa campanha antinazista,
destacando sempre que a causa da
FEB era das mais nobres: a defesa da
liberdade e da democracia.
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ÀS CINCO HORAS A PARTIDA DA COMPOSIÇÃO
“ O Brasil está lutando fóra de suas fronteiras e seus soldados - nossos irmãos que daqui partiram escrevem páginas de glória nos campos de batalha do
além-mar, na reafirmação do espírito de sacrifício, da bravura e da coragem que nos legaram nossos maiores.
Hoje mais um contingente da 3ª Região Militar partirá de Santa Maria, a fim de reforçar a Fôrça Expecicionária Brasileira na frente de luta.
O referido contingente partirá da gare local, em composição especial, às cinco horas da madrugada. Ao seu embarque comparecerão as autoridades
civis, militares e eclesiásticas, famílias dos expedicionários e o povo, para levar as despedidas e votos de felicidades aos bravos soldados...
Este fato constitue motivo do mais alto orgulho para os santamarienses, pois em todos os corações há a convicção de que esses nossos heróicos
soldados, juntamente com os que jáse encontram em sólo europeu, saberão elevar bem alto o valor do nosso glorioso Exército”. (grafia original
preservada)
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A CAMINHO DO RIO DE JANEIRO
Os pracinhas que partiram de Santa Maria seguiram Segundo Aribides Pereira, em Cruz Alta embarcaram
até a Capital do Brasil usando dois meios de transporte: militares do 6º RAM e do 8º RI, sediados naquela cidade.
o ferroviário e o marítimo. Lá, a exemplo do acontecera em Santa Maria, houve
muita festa e distribuição de presentes. Isso se repetiu
Em ambos os casos, o início da viagem deu-se sobre nas estações de Carazinho, Getúlio Vargas e Marcelino
Ramos, no Rio Grande do Sul. A partir do ingresso no
trilhos. O primeiro e outros grupamentos percorreram Estado de Santa Catarina, o cenário mudou: acabaram
todo o trajeto de trem, passando por Cruz Alta e São as festividades, e ninguém sabia quem eram e nem para
Paulo. Outros grupamentos, passando por Cacequi, onde estavam indo aqueles jovens fardados.
deslocaram-se até o Porto de Rio Grande e, de lá, até o
Rio de Janeiro, em navio de carga. Dentre os militares que embarcaram em Cruz Alta,
estava o soldado Neraltino Flores Santos. Para ele,
Viagem sobre Trilhos a viagem foi bastante cansativa. “A gente não tinha
nenhum conforto. Íamos sentados no assoalho do
vagão, pois não havia bancos. Nas estações ferroviárias,
Aribides Pereira recorda que o entusiasmo popular no Rio Grande do Sul, éramos recebidos com festa, e nos
havia tornado o deslocamento até a estação um serviam comida quente. Depois, acabaram as recepções
verdadeiro passeio: “Até ali havia sido uma festa só. calorosas e, na hora das refeições, quase sempre,
Embarcamos no trem e, dos dois lados do vagão, o recebíamos um sanduíche simples”, recorda.
povo continuava fazendo festa e jogando pequenos
Alcides Basso, Geraldo Sanfelice e Pacífico Pozzobon
presentes para nós. Até esquecemos a tensão que a
são unânimes quanto ao desconforto da viagem, iniciada
possibilidade de estarmos indo para a guerra causava”.
na véspera do Natal de 1944. Para Pozzobon, o maior
Somente quando o trem se pôs em movimento,
problema “eram os vagões boiadeiros sujos, fedorentos,
deixando para trás o calor dos aplausos, é que muitos
sem beliches e, sequer, bancos. Estávamos amontoados
pracinhas perceberam que estavam em trens de carga,
no vagão como bichos”. Relata que, em Cruz Alta, houve
sem estrutura para o transporte
um princípio de revolta dos pracinhas, que exigiam mais
humano, e com uma longa
respeito e melhores condições para seguirem viagem.
viagem pela frente.
Não tornariam a embarcar se não houvesse mais
espaço. Mesmo com o acréscimo de dezoito vagões,
o conforto melhorou pouco: o espaço era insuficiente
e não havia banheiros. Esse fato produziu situações
cômicas e constrangedoras: buracos no assoalho do
trem eram latrinas; os trilhos recebiam os dejetos. Para
urinar, muitos malabarismos tinham de ser feitos junto
à porta dos vagões. As roupas que iam sujando, iam
Acervo Ari Gomes Filho
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de Santa Catarina e Paraná afora. “Alguns companheiros todos na área destinada ao pessoal, muitos soldados
chegaram ao destino somente de calção e camiseta”, diz viajaram no convés, ficando expostos às intempéries
Pozzobon. e ao balanço do navio. Não era raro que ficassem
molhados quando o mar se agitava mais.
Taltíbio Custódio complementa: “Quando chegamos
a São Paulo, parecia que o trem estava chegando de uma Pedro Vidal recorda que “o navio carregava cebola,
guerra. Tinha buracos para tudo que era lado. Passamos batata, pimenta e outros gêneros alimentícios. Era
um dia na Estação da Luz, aguardando um trem que nos um fedor só, além de ser muito quente. Para mim,
levaria até o Rio de Janeiro. No trecho entre São Paulo e que era meio arisco, e só havia visto vapor (navio) no
o Rio de Janeiro, sim, fomos bem acomodados. O trem cinema, tudo era novidade. Assim que o navio se pôs
em movimento, começaram os enjoos”. Ivo Ziegler
era de primeira”.
diz que preferia ficar no convés porque, nos porões,
o cheiro das cebolas era muito forte, aumentando
Viagem pelo Mar o mal-estar. “Lá em cima, era melhor; apesar do sol
quente, sempre havia uma brisa agradável”.
Pedro Vidal e Ivo Ziegler fizeram outro percurso. Após descarregar as mercadorias no porto de
Após passarem por Cacequi, Bagé e Pelotas, cidades Santos- SP, o navio seguiu até o Rio de Janeiro,
em que iam embarcando pracinhas daquelas regiões, chegando ao destino em 27 de dezembro.
chegaram a Rio Grande. Naquela cidade, os pracinhas
embarcaram em um navio a vapor
que partira da Capital, conduzindo
soldados da Região dos Vales, de
Porto Alegre e da Serra. Entre eles,
José João Pereira, cabo do Batalhão
Ferroviário, de Bento Gonçalves-RS,
que relata: “Descemos a Serra num
trenzinho do Batalhão Ferroviário.
Pernoitamos no Colégio Militar
de Porto Alegre e, pela manhã,
seguimos até o cais do porto.
Após solenidade de despedida,
que contou com maciça presença
popular, embarcamos num navio
cargueiro, que tinha acomodações
para o transporte de pessoal”.
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CHEGADA AO CENÁRIO DA GUERRA
Dalla Costa recorda que, do Rio de Janeiro a Nápoles, FEB, que, ao darem as boas-vindas, já separavam os que
durante 15 dias, via somente céu e água. Pisar em terra estavam em pior estado de saúde. “Vários caminhões
firme novamente foi um alívio. “O porto de Nápoles, Chevrolet 40 nos esperavam. Eram conduzidos por
sob a luz do sol do amanhecer, era muito bonito, mas, militares do 6º RI. Perguntei a um dos condutores como
depois que vi os sinais da guerra e os navios destruídos, era estar na guerra. Ele respondeu, em tom irônico, aqui
já não parecia tão belo”, diz. é bom! Vocês vão ter tempo para descobrir”.
Aribides Pereira, que chegara a Nápoles em 6 de Os soldados que haviam ficado mais debilitados
outubro de 1944, recorda que os sinais da guerra eram durante a travessia do Atlântico permaneceram no
visíveis, mas a comprovação definitiva de que estava hospital, em recuperação. José Pereira relata: “As
mesmo na guerra teve quando, ao desembarcar do injeções que tomei no Rio de Janeiro acabaram
General Mann, cruzou com o Sargento Arno Koeller, causando uma reação alérgica na pele. Isso, somado à
de Cruz Alta, que havia sofrido uma fratura, com água salgada dos banhos, me deixou em mau estado.
afundamento do nariz, e estava sendo evacuado para Tive de ficar baixado ao hospital até ficar curado”.
os Estados Unidos, para tratamento. Constatou que a Pereira diz, ainda, que o médico, quando não conseguia
guerra não só destruía a infraestrutura, mas tirava vidas diagnosticar alguma enfermidade, costumava dizer: “É a
e mudava o rumo de muitas outras. doença da água! Assim que você pisar em terra firme, a
doença cura por conta própria”. Na maioria dos casos, o
Navios semiafundados, destruídos. O cenário diagnóstico restou comprovado.
arrasado chamava atenção. “Era difícil ver alguma
construção que não estivesse danificada ou com as Geraldo Sanfelice recorda esses efeitos: “De tão fraco
paredes sem marcas de tiros. Era triste ver o que a que eu estava, precisei ser apoiado pelos amigos, para
guerra trazia”, diz Ivo Ziegler, que aportou em Nápoles, descer do navio. Em dois ou três dias, estava inteiro.
em 22 de fevereiro de 1945. Tanto é verdade, que fui para o front na primeira leva”,
finaliza.
Taltíbio Custódio relembra que, certo dia,
percebeu que o General Meigs já não balançava mais
Brasileiras na Guerra
e estava tudo em silêncio. Abriu a viseira do navio
e viu a primeira cena real de guerra: “Um porto todo
esbagaçado e destruído. Havia muitos navios partidos O Quadro de Enfermeiras do Exército foi criado em
ao meio, destroçados. Pelos alto-falantes do navio, 1943, integrado ao Serviço de Saúde. No estágio de
informaram que deveríamos permanecer em nossos adaptação à rotina militar, educação física, natação,
compartimentos até o desembarque, que começaria em instrução militar e ordem unida passaram a fazer
seguida, de modo organizado e sob comando”. Segundo parte da rotina diária das candidatas. Enviadas para
Taltíbio, foi feita uma intensa cortina de fumaça para a região de operações na Itália, as 67 enfermeiras
camuflar o navio durante o desembarque da tropa. da FEB (na Aeronáutica havia mais 6) trabalharam
junto aos hospitais do V Exército norte-americano,
Taltíbio diz, ainda, que o contingente foi recepcionado prestando assistência aos nossos soldados.
por um grupo de oficiais e por cerca de 20 enfermeiras da
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DESPACHOS TRANSCRITOS DE A RAZÃO
NOTA DA SECRETARIA DA GUERRA – WASHINGTON, 18 (United) – Urgente – é o seguinte o texto de uma nota expedida pela Secretaria
da Guerra dos Estados Unidos: “Uma Força Expedicionária Brasileira chegou a Nápoles a 16 de julho, a fim de participar, conjuntamente com
os exércitos aliados, das operações em solo italiano. Esta Força Brasileira recebeu treinamento durante um longo período”.
NOTA OFICIAL DO BRASIL – RIO, 18 (Agência Nacional) – Informa o Ministro da Guerra, por intermédio da Agência Nacional: “O
Quartel-General aliado no teatro de operações no Mediterâneo acaba de informar ao nosso governo que as Forças Expedicionárias Brasileiras,
sob o comando do general de divisão João Batista Mascarenhas de Morais, chegaram a Nápoles”.
VIBRANTE REPERCUSSÃO EM TODO O BRASIL – RIO, 18 (A. N.) – As edições finais de todos os vespertinos desta capital apareceram
hoje publicando em suas primeiras páginas grandes manchetes, fotografias e longos comentários alusivos ao comunicado oficial distribuído pelo
Ministério da Guerra sobre a chegada a Nápoles de Forças Expedicionárias Brasileiras. A população carioca recebeu com grande júbilo a notícia,
disputando os jornais, no afã de inteirar-se do comunicado e comentários sobre o desembarque dos valorosos patrícios em território europeu,
onde, juntamente com as forças das Nações Unidas, destruirão para sempre as fortalezas de Hitler, vingando assim o covarde assassinato dos
nossos marujos, mulheres e crianças, imolados na calada da noite pelos corsários do Eixo. A Agência Nacional está recebendo numerosos
telegramas sobre a repercussão da notícia em todos os cantos do território nacional. Em algumas cidades, a população, tomada de entusiasmo,
improvisou manifestações públicas, exteriorizando, dessa forma, a sua incondicional solidariedade às medidas governamentais e aos bravos
soldados que, neste momento, se batem em território europeu, pela nossa dignidade.
FALA O EMBAIXADOR AMERICANO – RIO, 18 (A. N.) – O Sr. Jefferson Caffery, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, ouvido pela
Agência Nacional, a propósito da chegada das Forças Expedicionárias Brasileiras em solo italiano fez a seguinte declaração: “Compreendo e
associo-me ao entusiasmo vigorante dos brasileiros ante a notícia da chegada de suas forças expedicionárias em solo italiano. O conhecimento
que tenho do Brasil e do seu grande povo autoriza-me a convicção de que elas podem ombrear com os melhores soldados das Nações Unidas,
na defesa do patrimônio moral e cultural da humanidade”.
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COMEÇA A CAMINHADA EM SOLO ITALIANO
A longa e cansativa travessia havia chegado ao final. Para chegar a Pisa, onde, inicialmente, as tropas brasileiras
estavam acampadas, foi necessário um grande esforço logístico. Aribides Pereira recorda que, após o desembarque
do General Mann, os pracinhas se acomodaram em barcaças, nas quais seguiram até Livorno. “Era uma flotilha
enorme, com cerca de oitenta embarcações de transporte de pessoal, mais a escolta de segurança. Dormimos
nas barcaças. Partimos na manhã seguinte. Que viagem braba! O inverno estava chegando. O mar, muito agitado,
jogava as barcaças para todos os lados”. Após o desembarque, foram conduzidos até o acampamento.
Dalla Costa diz que, logo na chegada à Itália, os pracinhas foram conduzidos, de caminhão, até um acampamento
próximo a Nápoles. Após dois dias em terra firme, onde receberam várias vacinas e fizeram exames médicos,
embarcaram com destino a Livorno. Segundo ele, voltaram a ver só mar e céu. Neraltino Santos destaca que essas
barcaças “pulavam como um zebu bravo, soltas no mar agitado”. Diz que nem o capelão do qual era ordenança, que
não ficara enjoado na travessia do Atlântico, resistiu ao balanço das ondas do Mediterrâneo.
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Essa viagem durava entre um e dois dias,
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ADAPTAÇÃO E TREINAMENTO
Ao saírem do Brasil, os soldados sabiam que estavam Aribides Pereira recorda que saiu do Brasil com uma
indo de encontro a um inimigo muito mais bem temperatura bastante alta, e que, ao chegar à Itália,
preparado para o combate e ambientado ao cenário da “o frio era intenso e a neve começava a se formar”.
guerra. No entanto, ao chegarem lá, descobriram que Pedro Vidal confirma: “Saímos do Rio de Janeiro com
havia outros inimigos, não menos implacáveis: o frio e o temperatura superior a 30 graus. Ao chegarmos à Itália,
medo. O primeiro – todos são unânimes ao dizer – era no Depósito de Pessoal, em Stáfoli, a temperatura era
muito cruel. Com relação ao medo, é preciso coragem negativa. Nas barracas, que amanheciam cobertas
para admitir, a grande maioria deles teve contato de neve, o frio era terrível. Nunca havia sentido frio
bastante íntimo com esse sentimento. parecido”. Geraldo Sanfelice acrescenta que a Legião
Brasileira de Assistência (LBA) havia remetido umas
Assim que chegaram à Itália, os pracinhas receberam carapuças e uns coletinhos de lã, que eram bastante
fardamento e armamento novos, fornecidos pelos eficientes.
Estados Unidos. Com relação aos agasalhos, não houve
problemas de adaptação, pois eram de excelente Não demorou muito para os pracinhas aprenderem
qualidade. O armamento foi estudado logo a seguir. vários meios de amenizar os efeitos das baixas
temperaturas. Sanfelice recorda
que os cariocas e nordestinos
sentiam mais o frio. Os gaúchos
estavam mais acostumados,
mas não a um frio como aquele.
Segundo ele, o mais importante
Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília
Pedro Vidal diz que “quem fosse pego sem as luvas Vidal continua: “A gente caprichava nas meias, mas
ou com pouca roupa era repreendido e pagava multa – tinha de cuidar para os pés não ficarem molhados de
flexão de braço e polichinelo – para aquecer o corpo. suor. Com a temperatura baixa, os pés, úmidos, podiam
Para espantar o frio, muitos de nós andávamos com a congelar. O pé de trincheira era um perigo a mais, pois
manta (cobertor) sobre o corpo. Aquilo era desagradável. podia levar à necessidade de amputação dos pés. O
frio gerava um grande mal-
-estar; a roupa em excesso
incomodava bastante. Com
a roupa grossa, o corpo
Acervo Pacífico Pozzobon
esquentava. Aí vinham o
calor, o suor e a coceira. Em
decorrência, vinha o mau
humor. Por várias vezes,
eu vi soldados, com a arma
na mão, chorando de frio”,
conclui.
A missão da Artilharia, com seus canhões e obuses, Na II Guerra Mundial, a coordenação das ações das
era preparar o terreno para a Infantaria. Eugênio diferentes armas passou a ser fundamental. Segundo
Lombardo diz que, a partir de Porreta Terme, a Artilharia Pacífico Pozzobon, “o êxito de qualquer missão
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dependia da capacidade dos homens responsáveis semanas em solo italiano, por ser bastante experiente,
pelas transmissões, que acompanhavam a Infantaria, foi escolhido para ir para o front. Lembra que encontrou
no contato direto com o inimigo, e faziam a ligação o Capitão Henrique César Cardoso, com o qual servira
com a Artilharia, na retaguarda. De nada adiantaria o no 7º RI, em Santa Maria. Este lhe disse: “Amigo, como
infante localizar o inimigo, se não pudesse transmitir é que tu ‘deixou’ te pegarem para vir para a guerra?
ao artilheiro a sua localização exata, para que esse E agora tu ‘vai’ para a linha de frente...”. “Respondi
bombardeasse as posições inimigas”. Taltíbio Custódio que não podia nem queria fugir da obrigação, e que
complementa, dizendo que “a coordenação das tropas estava na Itália justamente para isso. O jeito foi me
em movimento se dava por rádios, usados pelos entrosar ainda mais com os amigos mineiros e seguir
comandantes de regimentos, batalhões e companhias. em frente”. Até ser ferido, em Collecchio, no dia 28 de
Na retaguarda, o telefone era mais confiável”. abril de 1945, havia permanecido na linha de frente
por mais de um mês.
A FEB desembarcou em solo italiano, em julho de
1944. Após o período de ambientação e instrução, em Alcides Basso diz que ficar no acampamento
16 de setembro, o 6º RI partiu para o front, recebendo gerava grande ansiedade. “Os treinamentos eram
o batismo de fogo. Antes disso, porém, a Engenharia da desgastantes, e a maioria do pessoal que estava
FEB já trabalhava, preparando caminhos e recuperando lá queria ir logo para o front, pôr em prática o que
pontes. aprendera. Lembro de um sargento, no Depósito de
Pessoal, que havia voltado ferido da linha de frente.
Aribides Pereira relata que, no dia 3 de novembro Mesmo sem estar recuperado, queria retornar logo à
de 1944, receberam a ordem de seguir para o front. frente de batalha. Dizia que ficar parado era um tédio,
Segundo diz, quanto mais o comboio subia os Apeninos, e que, em combate, ajudando os companheiros, ele se
cobertos de neve, mais intenso era o frio. Ao chegarem sentia realmente útil”.
ao destino, encontraram os integrantes do primeiro
escalão, que já estavam por lá, em combate. “Ali, sim, Basso diz que, no começo, só era possível ouvir os
cerrou o fogo. O combate era para valer. Quando os tiros de artilharia, ao longe. Recorda que “o barulho
alemães abandonavam determinada posição é que produzido pelo bombardeio de Montese, nos dias 14
a gente podia ver o estrago que a guerra causava. A e 15 de abril de 1944, era assustador até para quem
artilharia alemã ainda usava muitas peças movidas à estava distante. Imagina para mim, que, justo no dia
tração animal. Havia muitos carros avariados ao longo 14, parti para o front, rumo ao norte da Itália. Com
do itinerário de progressão, mas, Deus do Céu, ver os pouco mais de um mês e meio de treinamento e
corpos de soldados alemães e cavalos destroçados era preparação psicológica na Itália, havia chegado a minha
de arrepiar. Isso a gente não esquece mais”. vez de conhecer o inimigo. Se, pelo barulho, dava para
perceber que o combate estava acirrado, ao passarmos
Geraldo Sanfelice recorda que, apesar de ter descido por Montese, o impacto foi ainda mais chocante: o
do navio carregado pelos amigos, logo recompôs as silêncio era total, tudo estava destruído e havia alguns
forças. “Fui incluído no efetivo do 11º RI, de Juiz de focos de fumaça. Pela primeira vez, senti o cheiro da
Fora. Nunca fui a Minas, mas conheci muitos mineiros, guerra; e posso dizer, com toda segurança, que não é
que eram gente muito boa”. Com menos de duas nada agradável”.
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CONTATO COM O INIMIGO
Como relatado anteriormente, o contato pessoal vários italianos, simpatizantes dos nazistas. Certo dia,
e efetivo com o inimigo cabia à Infantaria, e podia quando ia de jipe levar um ofício até Pisa, seguindo por
acontecer a qualquer momento. Durante o combate uma ruela, nas montanhas ao longo do Rio Arno, havia
ou no período de ocupação do terreno, esse momento um trator arrumando uma estrada bastante estreita: de
sempre era tenso. Segundo relata Geraldo Sanfelice, um lado estava a montanha; do outro, o despenhadeiro.
“em combate, os enfrentamentos com os tedescos eram Como era uma missão de estafeta, usava somente a
sempre acirrados. Eles eram muito bem preparados e pistola. Quando estava parado, aguardando a passagem
sabiam o que e como fazer. Por isso, tínhamos de estar pelo trator, saltaram seis italianos do mato, armados
sempre atentos. Nas horas de folga, o nosso ‘passatempo’ de fuzil. Por sorte, estavam com braços levantados e
era cavar trincheiras. Quanto mais profundas, melhor. A o fuzil sobre a cabeça, prestes a se renderem. Foi um
tropa precisava estar em segurança. Os alemães eram baita susto. Recolhemos o armamento e entregamos os
soldados muito bem preparados e, se nós estávamos lá soldados a um major do exército norte-americano, que
para vencê-los, tínhamos de ser melhores do que eles”. os conduziu para a retaguarda”.
33
AÇÕES EM COMBATE
Porreta Terme baixas. Estava na retaguarda, com a Artilharia, mas
o movimento de padiolas com soldados feridos e
Neraltino Santos relata que a Artilharia estava mutilados era grande. Segundo relata, seu conterrâneo
acampada em Porreta, e, de lá, fazia concentração João Moreira Alberto está entre os heróis que perderam
de fogos sobre Monte Castelo. “Eu era ordenança, a vida durante as ações que culminaram na tomada do
sacristão e carpinteiro, mas, no dia anterior ao ataque Monte Castelo.
final a Monte Castelo, o tenente estava procurando
voluntários para uma patrulha de reconhecimento. Neraltino diz que assistiu a episódios marcantes,
Fui voluntário”. Na verdade, o tenente estava apenas envolvendo a nossa aviação. Um avião brasileiro havia
testando a coragem dos pracinhas, pois não haveria sido atingido, e estava caindo. De repente, viu o piloto
patrulha nenhuma. Ao final, carregou muita munição pousando de paraquedas. Em outra situação, presenciou
para as peças de artilharia, que foram de suma aviões alemães perseguindo um avião brasileiro. Depois
importância para a vitória em Monte Castelo, no dia 21 de muitas manobras para escapar do tiroteio, o brasileiro
de fevereiro. deu um longo rasante por trás de um morro. Por incrível
que pareça, depois daquela manobra arrojada, os
Neraltino diz que, em Monte Castelo, os combates alemães desistiram da perseguição. Outro momento que
seguiam intensos, fazendo aumentar o número de guarda nítido na memória é um embate travado entre a
aviação alemã, que tentava bombardear
Acervo Associação dos Ex-Combatentes do Brasil _ Seção Brasília
as nossas peças de artilharia, e um ninho
de metralhadoras, que tentava rechaçar o
ataque.
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De Montese a Collecchio importância estratégica, tínhamos de avançar sob o
fogo da artilharia, além do fogo de atiradores alemães
isolados, que haviam ficado para trás, com a missão de
Geraldo Sanfelice diz: “Depois da preparação inicial, retardar a nossa progressão. A tensão e o perigo eram
em Stáfoli, participei de vários combates, desde pequenas constantes. Não dava para relaxar. O inimigo podia estar
escaramuças até enfrentamentos mais sérios. Porreta
Terme, Giulia, Modena, Montese,
Vista de Montese, sob bombardeio.
Zocca, Marano, Vignola, Collecchio,
entre outras. Foram tantas cidades e
vilas pelas quais passamos, que nem
lembro mais de todas. Talvez esqueça
alguma ou até misture a sequência.
No mapa, onde consta o roteiro da
FEB, estão representadas as batalhas
mais importantes, mas passamos por
* “Na jornada de ontem, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações. Com o brilho de seu feito e seu
espírito ofensivo, a Divisão Brasileira está em condições de ensinar às outras, como se conquista uma cidade”.
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De Collecchio a Fornovo
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“Estávamos de um lado da estrada e os alemães do outro. Largamos as armas e atravessamos a estrada
que nos separava. A guerra havia acabado e, se havia acabado a guerra, não mais havia inimigos. Uns falando um
pouco em polonês, outros em alemão, acabávamos nos entendendo. Consegui trocar comida e cigarros por uma
Parabelum alemã e uma Beretta italiana. Os soldados alemães trocavam qualquer coisa por comida, pois estavam
com fome. Além disso, para eles, a arma não serviria para mais nada, e, de qualquer modo, teriam de entregá-la.
Pelo menos matavam a fome. Tenho o privilégio e o orgulho de dizer que fiquei ali, de frente para eles, quando se
renderam”, conclui Alcides Basso
Cumprida a missão em Fornovo, os contingentes da FEB prosseguiram para o norte, em perseguição às tropas
alemãs, e ocuparam a região de Alessandria. Depois de passarem pela cidade de Turim, as tropas brasileiras
realizaram a junção com as tropas francesas, em Susa.
As imagens mostram metralhadoras “lurdinha”, armamento, viaturas, cavalos e bicicletas apreendidos. Fotos: Mário F. A. Pedroso
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A missão estava quase cumprida. Os alemães haviam
ACAMPAMENTO EM FRANCOLISE
Acervo Wanda Reis Pedroso
Nos períodos de seca, a poeira tornava o ar irrespirável; quando chovia, o barro tomava conta de tudo.
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VÍTIMAS DA GUERRA
Numa guerra, o maior número de vítimas não usa farda. A população civil, além das perdas materiais, sofre todo
tipo de privações e provações. Não tem como se defender, tampouco a quem recorrer.
Como a situação era realmente desesperadora e a população não tinha de onde tirar comida, formavam-se longas
filas perto dos acampamentos. Idosos, mulheres com crianças no colo e pequenos órfãos da guerra, de canecas e
latas na mão, implorando por um pedaço de pão que fosse. “A cena era muito triste. Acabávamos repartindo a
refeição com eles. Ver os seus olhos brilhando era muito gratificante. Para nós, era apenas um pouco de comida,
mas, para eles, podia representar a única refeição do dia”, recorda Ivo Ziegler.
Durante o deslocamento para o norte, a impressão inicial se confirmava, a cada vila ou cidade por onde passavam.
A destruição era cada vez mais evidente. Estações ferroviárias, estradas, pontes e casas destruídas. O cenário era de
terra arrasada. A aviação e a artilharia alemãs e aliadas haviam feito um estrago muito grande.
Eram cidades-fantasma, arrasadas, quase sem vida. Segundo Alcides Basso, os sobrados não tinham estrutura
para resistir aos bombardeios. Por isso, a população havia abandonado suas casas e se escondido na campanha ou
nas matas, onde estava mais segura. Assim que passavam as tropas de libertação, a população começava a voltar
para o que havia restado das suas casas, geralmente reduzidas a escombros. “Era a dura realidade da guerra...”,
conclui.
Pistoia, novembro de 1944. Civis fazem fila para receber um
pouco de comida em um acantonamento da FEB.
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dobrei, fui emboscado, com uma lâmina. No que reagi,
Fotos: Mário F. A. Pedroso
41
CONTATO COM A POPULAÇÃO
Acervo Ivo Ziegler
43
A VIDA NO ACAMPAMENTO
Muitos dos pracinhas que seguiram para a Itália procedimentos. Na oficina de maneabilidade, havia
no 5º Escalão (fevereiro de 1945) passaram a maior um sargento baiano, que, por suas feições, recebeu o
parte do tempo em Stáfoli, pequena cidade que havia apelido de tatu peludo. “Ele vivia com a roupa suja de
sido retomada dos nazistas pelo exército aliado, antes terra, por demonstrar como deveríamos rastejar. Além
de a FEB chegar à Itália. Era lá que estava localizado o disso, tinha a pele do rosto bastante irregular, o que
Depósito de Pessoal. dificultava o barbear. Sujo e de barba mal feita,
parecia mesmo um tatu. Ele ficava furioso
quando alguém o chamava pelo apelido”.
Em cada grupamento de instrução, segundo diz, Munição abandonada pelos alemães quando da tomada de Stáfoli
tinha um sargento, que realizava a demonstração dos pelas tropas norte-americanas.
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se preparando para entrar em combate se fosse
necessário”.
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CARTAS e NOTÍCIAS
Música na Guerra
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parti para a guerra, queria que ela Por toda a parte que andei, nada vi mais
importante do que o nosso Brasil. O panorama triste
visse que eu estava alegre e bem da costa africana, quase sem vegetação e os confins
por lá. Por isso, mandei essa foto”. da Espanha. O fim da viagem foi Nápoles, a grande
Acrescenta, a título de curiosidade, cidade do Mediterrâneo, transformada em ruínas,
consequência da guerra. Bem próximo dessa cidade,
que a gaita era do barbeiro, que, tive a oportunidade de ver o Vesúvio, o grande
nas horas sem trabalho, alegrava o vulcão onde morreu Silva Jardim.
acampamento com a sua música. Atravessamos quase toda a Itália, até
encontrarmos a ‘caça’.
Pedro Vidal confirma que,
quando da chegada do carteiro, Tenho recebido muitas cartas daí. Ainda
no Rio, escrevi ao Amauri Dela Porta, mas não obtive
“acontecia uma festança” resposta. Por seu intermédio quero transmitir a
no acampamento. Cartas de todos os baixados e embromadores o meu abraço.
familiares, jornais e revistas
Desejo-lhes, a todos os amigos, boa sorte,
enviados pela LBA eram muito
esta origem do 7º R.I. – (a) Cabo Amaral”.
Acervo Neraltino Santos
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A FÉ COMO SUPORTE
Criada em 1944, a Capelania Militar enviou para a abandonado, sozinho no mundo. E é principalmente
guerra cerca de trinta sacerdotes católicos e dois pastores nessa hora que a gente não esquece que Deus existe. A
evangélicos, todos voluntários. fé é o suporte para encarar o medo e as
Tinham a missão de celebrar missas incertezas da guerra. No acampamento,
e cultos, além de prestar assistência havia um altar, onde, diariamente, eram
individual quando requisitados por celebradas missas. Os capelães eram
algum integrante da tropa. muito importantes para nos ajudar a
encarar a dura realidade da guerra”.
Das várias atividades que
exerceu na FEB, Neraltino Santos Ivo Ziegler recorda que, todas as
destaca a função de sacristão. “Eu noites, falava com Deus, pedindo
acompanhava o padre nas missas. No proteção. Ainda hoje, guarda as orações
começo, guri criado na campanha, que o acompanharam na longa jornada
não sabia nem mudar as folhas do em solo italiano. Uma dessas orações
livro do padre, mas depois aprendi, e foi-lhe entregue por uma amiga, antes da
deu tudo certo”. partida. Um amuleto de tecido de 3x3cm,
ainda hoje, contém a relíquia que o
Segundo relata Pacífico Pozzobon, acompanhou à guerra, impecavelmente
“na guerra, a gente se sente Acervo Ivo Ziegler
dobrada e conservada.
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Taltíbio Custódio diz que conduzia consigo
a imagem de São Jorge (sem o cavalo,
destaca), que ganhou na Itália. Apesar de
não dominar o idioma, pedia proteção em
italiano.
Última missa em Stáfoli. Os pracinhas e a população italiana, irmanados, comungaram e celebraram a vida, em
clima de despedida.
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SALÁRIO E FONTES DE RENDA
aos amigos fumantes ou trocados por
algum souvenir, com os prisioneiros
Acervo Wanda Reis Pedroso
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ENFIM, A VITÓRIA
Para muitos dos pracinhas, o dia 8 de maio, conhecido Mário Santos estava na cidade de Voghera, nas
como Dia da Vitória, representa a capitulação alemã e proximidades de Alessandria, por ocasião do final da
o fim da guerra no front europeu. Para Alcides Basso, guerra. Lembra que “os italianos choravam de emoção,
“o verdadeiro Dia da Vitória, para os brasileiros, é agradecidos à tropa brasileira. Havia uma banda de
representado pela data da rendição alemã e o fim da música que era um espetáculo à parte, pois levava
guerra para nós”. Aribides Pereira concorda, dizendo alegria e emoção para todos”.
que, “para nós, da FEB, a guerra terminou em 2 de
maio, com a captura de uma Divisão inteira do Exército Pedro Vidal diz que o seu grupamento nem
Alemão”. foi informado oficialmente do término da guerra.
“Podíamos ligar luzes à noite, fazer algazarra e ninguém
A notícia do final da guerra chegou aos pracinhas nos repreendia por isso. Percebia-se que havia algo
em momentos e situações diferentes. Aribides Pereira diferente, mas não sabíamos que a guerra já acabara.
diz que ficou sabendo, pelo rádio instalado na viatura Quando recebi a notícia, estava com o meu pelotão,
do seu comandante, que a guerra tinha acabado, em 8 numa pequena vila, no norte da Itália”.
de maio. Eugênio Lombardo recorda que, nessa data,
estava nas proximidades de Monte Castelo, pronto para Vidal permaneceu em Alessandria por mais de
apoiar a infantaria, em caso de necessidade. Por meio do um mês, aguardando o retorno ao Brasil. Ao final dos
seu comandante, soube que a guerra havia terminado. combates, os pracinhas foram levados para conhecer
A festa foi grande, conforme recorda Neraltino Santos. Monte Castelo, Montese e outros lugares que marcaram
a campanha da FEB na
Com as suas peças posicionadas em linha, a Artilharia efetuou várias salvas de tiro em comemoração pelo final da Itália.
guerra, em 8 de maio. Neraltino estava lá, e registrou o momento histórico para a humanidade.
Ivo Ziegler, que
estava em Stáfoli,
recorda que, a partir
da metade de abril,
Com as suas peças posicionadas em linha,
a Artilharia efetuou várias salvas de tiro acompanhando a
em comemoração pelo final da guerra, em evolução das ações
8 de maio. Neraltino estava lá, e registrou
o momento histórico para a humanidade.
de guerra pelo rádio,
já era perceptível que
a Alemanha estava
prestes a capitular. O
desfecho da guerra
estava quase selado, o
que veio a se confirmar
em 8 de maio, com
a rendição alemã
perante as forças
aliadas.
51
ANDANÇAS PELA “VELHA BOTA”
Terminados os combates, os pracinhas passaram que estavam nas frentes de combate. Lembra que, nessa
a receber autorizações para passear pela Itália. etapa, aconteceram coisas gratificantes. “Juntamente
Pacífico Pozzobon diz que conheceu poucas cidades, com outros integrantes da Companhia, por oito dias,
a partir do mês de julho, quando terminou o curso tive a oportunidade de conhecer boa parte da Itália e o
de comunicações. “Recebi catorze dias de dispensa Vaticano. De lá, trouxe diversos postais e medalhinhas,
para viajar pela Itália. Durante a viagem, em Padova, que ainda guardo em uma maleta, também adquirida
completei 23 anos. Também conheci Roma e visitei o em Roma. É o meu baú de recordações”.
Vaticano, onde agradeci a Deus por estar vivo”. Foi a
grande oportunidade para gastar uma parte das liras Pedro Vidal diz que era facultada aos pracinhas a
que estava recebendo na Itália, “o soldo ficava intocável, escolha dos lugares que gostariam de conhecer. “Não
no banco”, ressalta. tive a menor dúvida de que iria conhecer Roma. Se a
gente vai a um país e quer conhecê-lo, vai primeiro à
Aribides Pereira conta que, ao término dos combates capital. Desde pequeno, sonhava conhecer a cidade
ficou acampado, em Pompeia, aguardando o embarque do Papa, o Vaticano”. Lembra que, no dia da partida,
de volta para o Brasil. “Já havia rodado muito de jipe, foi na lavadeira buscar umas roupas, chegou atrasado
durante a guerra, mas pouco parava para aproveitar as e perdeu a condução. “Ninguém me disse que o trem,
descobertas. Ao final da guerra, conheci Veneza, Milão, com saída prevista para as 17 horas e 2 minutos, saía
Turim e outras cidades, desde a divisa com França até a exatamente no horário. Na Europa, mesmo naquele
fronteira com a Suíça”. tempo, era assim: hora é na hora. Três minutos depois,
como no meu caso, era muito atraso”. Como chegou
Ivo Ziegler diz que, ao término dos combates, grande tarde para o embarque, a turma com a qual iria a Roma
parte das tropas retraiu para o Depósito de Pessoal, local já havia partido. “Mesmo preocupado por embarcar
de concentração e reencontro com os companheiros sozinho, cantava baixinho comigo mesmo ‘quem tem
boca vai a Roma, vai a Roma. Pego o magneto, e vou
a Roma, e vou a Roma’. Cheguei a Roma, e encontrei
os amigos na pensão em que ficaríamos. Nesses oito
dias, fiquei pelo centro de Roma. Era impressionante,
cheia de monumentos históricos. Fiquei encantado
Acervo Pedro Vidal
53
NOVAMENTE, O ATLÂNTICO
Cumprida a missão na Itália, os pracinhas retornaram Mário Santos retornou em julho. O grupamento
ao Brasil, divididos em escalões. A operação de retorno em que veio passou em Portugal e realizou um desfile
à Pátria teve início em 11 de julho de 1945, quando o em Lisboa. Recorda que, “na despedida, a população
primeiro contingente embarcou, em Nápoles, e foi portuguesa acenava no cais do porto com bandeirolas
concluída com a chegada do último escalão ao porto do do Brasil e nós trazíamos bandeirolas de Portugal, numa
Rio de Janeiro, em 3 de outubro do mesmo ano. emocionante demonstração de amizade entre as duas
nações”.
Dalla Costa, que estava acampado em Francolise,
relata que, “certo dia, mandaram que apanhássemos Pedro Vidal não foi a Lisboa, mas o navio em que
todo o material, pois partiríamos para outra missão. estava permaneceu, por mais de um dia, próximo ao
Arrumamos tudo e subimos num caminhão. Ao me dar Estreito de Gibraltar, aguardando a chegada da tropa
por conta, estávamos ao lado do Navio Pedro II. Restava- que havia ido desfilar na capital lusitana.
-nos embarcar e retornar ao Brasil”.
A rota de retorno
não era padronizada.
Dependendo do escalão,
diferentes países e portos Porto de Nápoles.
foram visitados. Por isso, O porto de chegada
passara a ser o porto
houve grande variação de partida. O “x”
entre os tempos de destaca o Vesúvio.
viagem. Aribides Pereira
lembra que, quando
estavam prestes a retornar
ao Brasil, os norte-
-americanos detonaram
54
Fotos: Mário F. A. Pedroso MOMENTOS DA VIAGEM DE RETORNO – Passagem por Gibraltar e Dakar.
Navios da Marinha do Brasil escoltam o Navio Pedro I, na costa brasileira.
55
DE VOLTA À PÁTRIA
Taltíbio Custódio retornou no navio-escola Duque
de Caxias, que havia sido adquirido dos Estados Unidos
pela Marinha do Brasil. Após passar em Portugal,
onde houve um desfile, chegou ao Rio de Janeiro. “Na
chegada, a recepção foi calorosa: um grande desfile na
Avenida Getúlio Vargas. A população arrancava platinas,
bolsas, enfim, o que podia, dos pracinhas. Até sabres
sumiram das armas. Era coisa de louco”.
Fotos: Mário F. A. Pedroso
56
DE VOLTA À VIDA CIVIL
A maioria dos soldados que participaram da guerra, por não
serem militares de carreira, com a desmobilização da Força
Expedicionária Brasileira, foram licenciados das fileiras do Exército
tão logo chegaram ao Rio de Janeiro.
Com o tio, que era sargento, deslocou-se para a Pedro Vidal recorda que, ao chegar a São Sepé,
casa dos pais. A surpresa tinha de ser completa. Foi chorou de felicidade. A emoção pelo retorno e o
escondido na carroceria da camioneta. Era sábado, dia reencontro com a família foi muito grande. Nunca
7 de outubro. Quando saltou do carro para abraçar os mais seria o mesmo, mas a vida voltara ao normal.
pais, não conteve a emoção. Após quase dez meses, Trabalhou numa estância, arrancando guabiroba na
estava de volta ao lar. E a vida continuava! base da picareta, foi servente de pedreiro e fez outros
bicos. Posteriormente, ingressou na Brigada Militar
Pacífico Pozzobon diz que a chegada a Santa Maria do Rio Grande do Sul, conforme direito assistido aos
foi marcante. Jovens retornando da guerra, alegria ex-combatentes.
NOTÍCIAS DESALENTADORAS
Alcides Basso diz que escreveu a última carta para a família, antes de seguir para o front, quando ainda estava
em Stáfoli. “Desde meados de abril, não mantive mais contato com ninguém. Na verdade, nem havia escrito que estava
seguindo para a linha de frente, pois isso não era permitido. As nossas madrinhas de guerra (LBA), que estavam a par do que
ocorria no Brasil e na guerra, mandavam notícias de Santa Maria. Como a família não havia mais recebido notícias minhas,
recorreu a uma delas, que foi ao 7º RI, em busca de informações. No quartel, soube que não havia informação de que eu
tivesse morrido, mas a família já contava com o pior”. Ao chegar a São Paulo, passou um telegrama para a família, dizendo
que estava bem, mas a notícia acabou não chegando ao destino. “Só sei que cheguei de surpresa e a que festa foi grande”,
conclui.
Dalla Costa corrobora a informação de que, nas cartas, só era permitido escrever sobre amenidades. Nada sobre
o desenrolar da guerra. Ao chegar ao Rio de Janeiro, mandou telegrama aos pais, informando que estava de volta ao Brasil.
No entanto, a noiva não ficou sabendo disso. Seguiu para Caçapava-SP, onde recebeu o pagamento e, seis dias depois, foi
licenciado do Exército. Quando chegou a Santa Maria, foi ao armazém do Sr. Aita, em busca de transporte até a casa dos
pais. Este, ao vê-lo voltando da guerra, ficou espantado, dizendo que o pai e a noiva do pracinha até haviam recebido cartas
de luto dando ciência da sua morte. Naquele dia, o comerciante, que era um grande amigo, fechou o bar, e, junto a outros
amigos, brindaram à vida. Após o brinde, seguiram até a casa da noiva e dos pais. O reencontro foi inesquecível.
Outro que passou por essa experiência desagradável foi Geraldo Sanfelice. Ao ser ferido em combate e ter a
perna amputada, talvez por má interpretação, a sua “baixa” foi considerada como morte e noticiada no jornal. Os parentes
já haviam chorado a perda quando receberam a primeira carta dos Estados Unidos, informando que ele estava por lá,
em tratamento. Anexada à carta, uma fotografia, na qual estava sem a perna. O morto havia renascido. Souberam que o
guerreiro havia perdido uma perna na guerra, mas isso foi motivo de muita festa na 4ª Colônia...
58
REAPRENDENDO A ANDAR
Muitos dos pracinhas mutilados em combate, antes “Também estava lá o Rubens Leite de Andrade, que
de retornarem ao Brasil, passaram por um processo havia perdido o pé em combate. Era um grande amigo,
de reabilitação, nos Estados Unidos. Cerca de trinta com quem jogava sinuca. Ele era craque e nós íamos
militares viveram esta experiência. ao clube tirar dólares dos americanos. O Capitão Yedo
Blauth, que havia perdido uma perna em combate, os
Geraldo Sanfelice foi evacuado de navio, após Sargentos Teles e Farias e outros tantos, todos eram
amputar a perna em um hospital de campanha. Em muito amigos e gente boa”, diz Sanfelice.
Denver, no Colorado, após retirar mais um
pedaço da perna, que Após mais de um ano, e muitas sessões de
havia gangrenado, fisioterapia depois, estava reabilitado e podia
iniciou o processo de andar sem maiores problemas.
recuperação física.
Posteriormente, A bordo de um navio de carga, de Nova
foi transferido para Iorque, seguiu para o Rio de Janeiro. Após
o Bushnell General trâmites burocráticos, no Hospital Central
Hospital, em Brigham do Exército e no Ministério da Guerra, mais
City, no estado de Utah, de um ano e meio depois de ter partido de
onde foi confeccionada Santa Maria, estava liberado para retornar à
uma prótese mecânica casa da família. Foi reformado na graduação
e realizada a fisioterapia. de 2º Sargento.
“O tratamento, nos
Estados Unidos, foi
muito bom. Recebíamos
atendimento completo, tanto
na parte física quanto na
psicológica”, diz Sanfelice.
Entre os pracinhas que
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APRENDIZADO
Para a maioria dos pracinhas, a guerra foi uma tinham medo. Pelo contrário; eram topetudos até
grande escola para a vida. Quem conviveu com os seus demais! Na guerra, não precisa ser valentão; tem de
horrores, não os esquece. Os fantasmas sempre voltam ser cuidadoso. Encarar uma metralhadora de frente
para assombrar. Por outro lado, os muitos ensinamentos não é demonstração de coragem; isso é burrice!”.
colhidos foram úteis ao longo da vida. Segundo diz, se o inimigo está bem protegido, antes de
botar os homens a dar lanços e avançar, é necessário
Para Alcides Basso, “na guerra, a gente aprende que a artilharia e a aviação funcionem, e muito.
a valorizar a vida e aprende a importância da Assim, preservam-se vidas. “A falta de prática levou os
solidariedade”. Como exemplo, recorda que ele, Júlio brasileiros a cometerem erros, e isso, na guerra, pode ser
Dalla Porta e Geraldo Sanfelice formavam um trio fatal. Antes de ir para a guerra, eu era muito impulsivo.
inseparável, até Geraldo ir para o front. “Já no navio, Lá aprendi a medir as consequências dos meus atos,
o Geraldo não comia. Ele nos cedeu o seu cartão de antes de colocá-los em prática”, conclui.
refeições. Eu e o Julio repartíamos a comida que seria
dele e ficávamos com três refeições por dia. O Geraldo Taltíbio Custódio diz: “antes da guerra, eu era metido
só comia a sobremesa (dos três). Ele ficou tão fraco que, a fazer de tudo. Aprendi a ser mais observador e agir
na chegada à Itália, tivemos de carregá-lo do navio, pois com mais cautela. Nunca se deve ser covarde, mas ser
já não conseguia caminhar”. muito afoito pode ser perigoso e pode até custar a nossa
vida”.
Sobre essa passagem, Sanfelice relata: “durante a Foto Mário F. A. Pedroso
travessia, eu me sentia muito mal, e não parava nada
no estômago. Apesar disso, os amigos tentavam me
descontrair. A camaradagem era muito grande e fazia
com que eu não entregasse os pontos. Eles cuidavam
de mim. Quase morri de tantos enjoos que tive. Para
ficar hidratado, o João Batista Pozzobon, que ajudava
no cassino dos oficiais, trazia mais laranjas, e eles
espremiam o suco na minha boca”.
60
O LEGADO DA FEB PARA O EXÉRCITO
No Exército Brasileiro, a FEB é considerada um divisor; irmãos. Formávamos uma só família, uma irmandade,
sobretudo, no aspecto do relacionamento interpessoal. onde havia igualdade com respeito”.
No início da década de 1940, o Exército seguia a doutrina
Ressalta, entretanto, que a mudança não foi tão
militar da escola francesa. Entre oficiais e praças havia
rápida. De volta da Itália, os veteranos eram vistos
uma barreira quase intransponível, estabelecida por um
com desdém por aqueles que não haviam ido à guerra.
rígido regime disciplinar que, além de respeito, impunha
Procuravam minimizar a dimensão dos feitos dos
aos soldados um sentimento que se aproximava do
pracinhas. “Nós, que fomos simples soldados, éramos
pavor.
vistos como sobras de guerra, que só queriam contar
Pacífico Pozzobon exemplifica a situação dizendo vantagem. Como se participar de uma guerra fosse um
que, para ele, seria “mais fácil chegar perto de uma passeio qualquer. Indo ou não para o front, estivemos
onça, de um tigre, do que de um coronel”. Relata que, na Itália; havíamos posto a vida à disposição da Pátria”.
certo domingo, quando vinha da colônia (Três Barras), Diz, ainda, que os pracinhas de Santa Maria começaram
encontrou um coronel, na porta da catedral. “Fiquei a ser mais valorizados e convidados para as solenidades
todo atrapalhado, sem saber o que fazer. O coronel, militares a partir de 1973, ano em que o General César
percebendo que eu estava apavorado, perguntou se eu Montagna de Souza, ex-capitão da FEB, assumiu o
era católico. Ao responder que sim, convidou-me para comando da Divisão Encouraçada. “Custou um pouco,
assistir à missa. Disse-lhe que eu estava de serviço e mas os ideais da FEB foram absorvidos pelo Exército.
precisava render a parada diária. O coronel disse que Graças a Deus e à FEB, o Exército está mudado; e a
ligaria para o quartel, justificando a minha falta. Comecei mudança começou na guerra!”, conclui Pozzobon.
assistindo à missa, mas, como não queria arriscar uma Basso destaca que, durante a guerra, a conduta
punição, saí e fui ao quartel. Depois que tinha assumido com relação ao material também começou a mudar.
o serviço, o cabo da guarda me chamou para dizer que o Segundo ele, no Brasil vigorava a orientação no sentido
coronel havia ligado, justificando o meu atraso”. de que o armamento era o elemento mais importante;
Segundo Alcides Basso e José Pereira, o tratamento o homem vinha em segundo plano. Na guerra, isso
dispensado aos soldados não era o mais apropriado para mudou: “quando vissem que não conseguiriam manter
quem estava disposto a defender os ideais brasileiros determinada posição no terreno e não houvesse
na guerra. No Rio de Janeiro, qualquer reclamação era como levar os equipamentos mais pesados (viaturas,
resolvida com punição disciplinar. Certo dia, um soldado morteiros, metralhadoras, etc.), antes de retrair, esses
teria sido punido com rigor excessivo por reclamar da deveriam ser destruídos, a fim de evitar que caíssem em
comida, o que gerou uma revolta generalizada entre os mãos inimigas. Um lema dos norte-americanos passou
pracinhas. Houve uma palestra, esclarecendo os fatos, e a ser adotado pela FEB: para repor uma arma, bastam
a tranquilidade voltou ao acampamento. poucas horas numa linha de produção; para a vida
humana, não há reposição!”, conclui. Aribides Pereira
Pozzobon relata que, na Itália, o tratamento mudou corrobora essa informação, dizendo que os norte-ame-
bastante, tornando-se mais humano. O que antes parecia ricanos não poupavam em nada. A ordem era atirar
inconcebível passou a ser regra. “Independentemente quando necessário, e sem economizar, pois a economia
de ser branco, preto, rico ou pobre, éramos todos de munição poderia significar a perda de valorosas vidas.
61
As relações humanas, como se pode
perceber, tiveram grande evolução
após a guerra, no âmbito do Exército.
A evolução doutrinária e de material
também foi evidente, com a introdução
da mecanização na Artilharia e na
Cavalaria, inicialmente, e também na
Infantaria e na Engenharia.
62
espaço
à PAZ! O LEGADO MAIOR.
deram
alos ce
ria, cav
e n a Artilha anização. A FEB foi o primeiro contingente do Exército
alaria ec
Na Cav motom
Brasileiro a participar, no exterior, de ações de
restauração e manutenção da paz.
63
a liderança
Na opinião dos pracinhas, na guerra, é fundamental Para Alcides Basso, “o tratamento entre as
que o comandante disponha da confiança da tropa. O diversas patentes, na guerra, era de muito respeito.
ideal é que a ele esteja associada a imagem do líder, que Aprendemos muito com os americanos. No Brasil,
convence pelo exemplo. havia muita distância entre os oficiais e praças. Com
o tempo, isso começou a mudar e houve uma sensível
Para Geraldo Sanfelice, em Montese, a FEB só teve melhora no relacionamento entre os soldados. Na
sucesso, porque “o comandante seguia na frente, guerra, além de comandante, o tenente ou o sargento
junto com a tropa, dando o exemplo de coragem aos tem de ser líder. Muitos dos que, aqui, eram super-
subordinados”. Sanfelice recorda que, apesar da tensão -homens, lá, não eram mais do que homens comuns.
existente no ambiente de guerra, havia momentos de A vida de uns dependia do companheirismo dos
descontração. Havia muito respeito, mas todos brincavam outros. Oficiais, sargentos, cabos e soldados tinham
e aceitavam as brincadeiras. Lembra que o Major Firmo de se respeitar como homens, independentemente de
de Almeida e o Capitão Henrique César Cardoso, mesmo estrela ou divisa”, conclui.
sendo oficiais, iam descontrair os soldados quando
estavam de folga. “As duas peças que eu mais louvava na guerra
eram o capitão e o 3º sargento. Todos eram valiosos,
“Na FEB, havia ordem e disciplina. O respeito para mas esses eram a base para o sucesso em qualquer
com os superiores, e destes para com os subordinados, combate. O capitão, pela importância do planejamento
em atividades de serviço, era indiscutível. Nas horas de e distribuição das missões; o 3º sargento, pela
folga, todos aceitavam brincadeiras, independentemente condução dos homens de sua fração; ele comandava
da condição hierárquica. Fora do serviço, eram todos pelo exemplo”, diz Aribides Pereira.
soldados, eram todos iguais. Quando a gente entrava em
forma ou estava em missão, aí sim, cabo era cabo, sargento Taltíbio Custódio diz que, “no combate, os soldados
era sargento, e assim por diante. Quem comandava sabia estavam sob o comando direto dos cabos e dos
que a sua vida dependia, Acervo Geraldo Sanfelice sargentos. O Sargento
muitas vezes, dos Max Wolff Filho era muito
subordinados. Amigos arrojado e servia de exemplo
se ajudam. Respeito para os outros militares. Era
não se adquire com cara o chefe dos patrulheiros.
feia nem carranca, mas Tudo que era serviço
sim com a convivência perigoso, onde se tinha de
saudável, diária. Bons buscar a informação perto
comandantes convivem do inimigo ou arrancar
com os subordinados. os alemães da trincheira,
Precisam conhecê- era missão para ele e seu
-los para conquistar a grupo. Ele morreu numa
amizade e o respeito missão de reconhecimento,
deles”, diz Pacífico próximo a Montese. Sofreu
Pozzobon. Alto Comando da FEB, em visita aos baixados, nos EUA. uma emboscada durante
64
uma patrulha. Penso que deveria ter mais destaque, pois foi um dos heróis que tombaram no cumprimento do
dever para com a Pátria”.
Para Sanfelice, o relacionamento entre os integrantes da FEB era muito amistoso. Os oficiais e os sargentos
tratavam muito bem os pracinhas. Nos bons e maus momentos, estavam sempre interessados e atentos ao que
acontecia com os soldados. “Um bom comandante nunca abandona os soldados feridos em combate. Por isso nos
sentimos muito orgulhosos quando, ao final da guerra, o General Mascarenhas, acompanhado do alto escalão da
FEB, nos visitou, no hospital, nos Estados Unidos.”
Alcides Basso é categórico ao dizer que, “quando se vive uma guerra, nunca mais se quer saber de outra, porque
ela não deixa nada de bom para ninguém. Desde que existe mundo, sempre existiram guerras, que não levaram a
nada, a não ser à destruição. É um ato selvagem que acaba com a família, com a moral, com tudo de bom. É o fim
do mundo.”
Taltíbio Custódio ressalta que não se considera um herói. “Heróis são aqueles que tombaram na guerra. Sou
uma pessoa que combateu por um ideal – a liberdade do mundo que estava sendo posta em risco pelo nazi-
fascismo. Todo brasileiro tem de defender a terra em que nasceu. A Bandeira é um símbolo que representa a nação;
ela merece respeito. A Pátria merece o nosso sacrifício. Sinto-me honrado por ter defendido o nosso Exército e a
nossa Pátria, empurrando para longe a barbárie que havia na Itália. Por isso, me sentia obrigado a mantê-la bem
distante das nossas fronteiras. Aquela era a hora de cumprirmos com o nosso dever”.
Custódio encerra dizendo que passou a enxergar o mundo com outros olhos e dar mais valor às coisas. “Causava
espanto ver aquela destruição toda. Em poucos segundos, a guerra destrói o trabalho e a economia de uma vida
inteira. A guerra é uma tragédia, um atraso. É a História sendo destruída pela ganância e pelo sonho de poder.
Quem presencia uma guerra aprende que o progresso começa pela não destruição do que já se tem. Não poluir a
água, não cortar as matas sem necessidade, conservar a natureza. Essas são as missões de hoje”.
66
SEPARAÇÃO E REENCONTROS
Segundo relatam os pracinhas, o momento da outros pracinhas, resolvi cutucar o tatu. Ele abriu um
separação foi difícil. Pacífico Pozzobon diz que, ao largo sorriso e fez a maior festa. O apelido já não o
retornar para casa, passou uns quatro dias sem querer incomodava. Reencontrar velhos amigos era motivo de
ver ninguém, a não ser a família, apesar de muitas festa.
pessoas o procurarem para saber sobre a guerra. Só
dormia e descansava. Os encontros de Ex-Combatentes e Veteranos da FEB
foram – e continuam sendo – uma boa oportunidade
Os sentimentos eram confusos. “Apesar da felicidade de reencontros. Encontrar os amigos sempre é bom,
por ter voltado para casa e estar com a família, estava segundo Sanfelice. “Enquanto as condições físicas
profundamente triste. Era tristeza pela separação de permitiam, viajava de trem para visitar os amigos.
uma irmandade. Fiquei perdido! Foi uma das piores Sempre mantive contato com o Rubens, por longo
coisas que aconteceu. A separação foi muito difícil. período, presidente da Associação dos Ex-Combatentes
Tinha feito amigos de Pernambuco, do Amazonas, do do Brasil – Seção RJ. O Yedo Blauth vinha me visitar,
Rio, de Minas e de outros tantos lugares. Estávamos em Santa Maria. Eu, com a família, o visitava, em Porto
sempre juntos, por quase dez meses. Saber que não iria Alegre”, conclui.
mais encontrá-los, foi uma paulada. Nós éramos muito
unidos; era uma união diferente da que temos com a Outras tantas histórias emocionantes aconteceram.
família de sangue. Apesar de termos tido formações Mesmo que o tempo apague da memória os detalhes e
totalmente diferentes, todos se ajudavam, desde o os pormenores dos dias vividos na guerra, não apagará
comandante até o soldado. A missão era defender o os exemplos de amizade e camaradagem vividos ao
Brasil, mas, sobretudo, tínhamos que proteger uns aos longo dessa jornada.
outros”, conclui Pozzobon.
Acervo Pacífico Pozzobon
Após o casamento, Pozzobon permaneceu por
algum tempo trabalhando na agricultura. Mudou-
-se para Santa Maria, em 1953. Por trinta e seis
anos, foi proprietário do Restaurante do Chico, na
Avenida Rio Branco, em frente à catedral. Dividia
o tempo entre o restaurante e a profissão de
agente de polícia do Estado. No restaurante, teve a
oportunidade de manter e fortalecer a relação de
amizade com outros veteranos.
67
MONUMENTOS E HOMENAGENS
Em homenagem aos bravos da região central do Rio
Grande do Sul que participaram das ações na II Guerra
Mundial, ainda no ano de 1945, foi inaugurado um
monólito com o mapa do Brasil insculpido, contendo uma
placa de bronze com os dizeres “SANTA MARIA EXALTA
O EXPEDICIONÁRIO BRASILEIRO – UMA GLÓRIA A MAIS
NA GLÓRIA DO BRASIL – 1945”, na Praça da República,
atualmente mais conhecida por Praça dos Bombeiros.
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MONUMENTO NACIONAL AOS MORTOS DA II GUERRA MUNDIAL
Foto: Amilton Mendes dos Passos
Em 1960, os restos mortais dos brasileiros que tombaram em solo italiano foram trasladados do
Cemitério Brasileiro em Pistoia para o Rio de Janeiro, onde repousam no Monumento Nacional aos Mortos
da II Guerra Mundial.
Juscelino Kubitschek, Presidente da República, justificou a operação dizendo: “O Brasil precisava de seus
mortos como exemplo para os vivos”.
69
HOMENAGEM MUSICAL LETRA
Em destaque na avenida, ante a tropa perfilada,
O pracinha, emocionado, relembra sua jornada:
70
GALERIA MÁRIO FRANCISCO DE ÁVILA PEDROSO
Muitas das fotografias que ilustram os textos e as desta galeria são de autoria de Mário Francisco de Ávila
Pedroso, sargento do 7º RI, que, incorporado à FEB, seguiu para a Itália em setembro de 1944. Exímio datilógrafo,
foi designado para o QG recuado da 1ª DIE. As imagens falam por si. Contudo, as observações feitas pelo autor
nas fotografias soam como um protesto ante a destruição causada pela guerra e reforçam o clamor pela paz,
unanimidade entre os pracinhas que ajudaram a escrever este livro.
71
Anversa – 1945
72
Bolonha – 1945
Zocca – 1945
Turim – 1945
73
A Marinha do Brasil na Guerra
Antes de tratarmos da Marinha do Marinha de Guerra
Brasil (MB) na 2ª Guerra Mundial, é
importante destacar a relevância da A missão da Marinha do Brasil (MB) durante
Marinha Mercante (MM). Na década a 2ª Guerra Mundial era patrulhar o Atlântico
de 1940, o transporte de cargas entre Sul, protegendo os comboios de navios
as diferentes regiões brasileiras era mercantes nas rotas entre o Caribe e o nosso
quase todo realizado por via marítima. litoral contra a ação dos alemães e italianos.
A interdependência das regiões conferia Também coube à MB proporcionar segurança
à MM a missão estratégica de assegurar aos navios que conduziram os efetivos da FEB
o transporte dos produtos agrícolas e até a Europa.
manufaturados.
A capacidade de combate da MB era muito
A tensão entre os marinheiros era modesta para fazer frente às forças do Eixo,
grande, e aumentou quando o Brasil rompeu relações em operação no Atlântico. Fruto de um esforço conjunto
diplomáticas com os países do Eixo. Submarinos das indústrias nacional e norte-americana, o poderio
alemães e italianos que navegavam pelo Atlântico Sul naval brasileiro foi aumentado, com a incorporação de
passaram a atacar navios brasileiros, em navegação novas embarcações, dotadas de novos armamentos e
costeira ou em águas internacionais. Praticamente tecnologias. A isso, somou-se a reorganização da força
indefesos, tornaram-se alvos fáceis. Entre fevereiro e naval e o treinamento de pessoal, visando à preparação
agosto de 1942, 19 navios mercantes foram afundados, para o conflito.
causando grave impacto à estrutura de transportes e
levando a vida de centenas de brasileiros. Esse fator foi José Francisco da Cruz, atual presidente da Associação
decisivo para que o Brasil se declarasse em guerra. Até dos Ex-Combatentes do Brasil – Seção Brasília, era
julho de 1944, mais de trinta navios mercantes haviam marinheiro mercante desde 1938, na companhia
sido torpedeados, totalizando mais de mil mortes. Amazon River, que realizava navegação fluvial no Rio
Amazonas. Em junho de 1940, foi convocado para a
MB. Prestou serviço na Ilha das Cobras e no submarino
Tamoio, guarneceu Fernando de Noronha, atuou no
navio auxiliar Vital de Oliveira, no quartel de marinheiros,
Escola Naval e Ilha da Trindade. No contratorpedeiro
Mariz e Barros, fabricado no Brasil e equipado nos EUA
com armamento moderno e preciso sistema de detecção
(radares e sonares), atuou nas rotas do Atlântico e do
Pacífico.
75
A FORÇA AÉREA BRASILEIRA NA GUERRA
A Força Aérea Brasileira (FAB), dezembro de 1943. Em janeiro de 1944, um grupo de
ainda em fase de organização, oficiais e sargentos partiu para os EUA a fim de estudar
colaborou no patrulhamento os novos equipamentos e participar de intenso programa
do litoral e na proteção de de instrução e treinamento. Ao pessoal do escalão
comboios no Atlântico Sul, em terrestre cabia a tarefa exercitar serviços de manutenção
ação conjunta com as Marinhas e operação, enquanto os pilotos treinavam nas novas
do Brasil e dos EUA. aeronaves as manobras e operações que realizariam em
combate. Organizado e devidamente preparado para
Visando à adequação da entrar em ação, o 1º Grupo de Caça seguiu para a Itália,
FAB às necessidades decorrentes do conflito, foram desembarcando no Porto de Livorno, em 6 de outubro.
adquiridas novas aeronaves (de caça, bombardeio, Foi integrado à Força Aérea Tática do Mediterrâneo, em
observação e transporte). As escolas de formação de apoio ao V Exército norte-americano, do qual fazia parte
pilotos, mecânicos e outros especialistas em aviação a Força Expedicionária Brasileira.
intensificaram a instrução e o treinamento.
Após executar missões conjuntas com os norte-
No final de 1943, o Governo brasileiro decidiu -americanos, os brasileiros passaram a operar de forma
enviar à Europa, junto com a FEB, um Grupo de Caça, independente, em missões de bombardeio de pontes,
que atuaria integrado à Força Aérea dos EUA, no teatro estradas de ferro e rodagem, campos de aviação,
do Mediterrâneo, e uma esquadrilha de ligação e posições de artilharia, depósitos de munição e de
observação, para operar junto à Artilharia Divisionária combustível e comboios, com a finalidade de minar a
da FEB. resistência inimiga.
O 1º Grupo de Aviação de Caça foi criado em Cabe mencionar que, entre os 48 pilotos de
combate do Grupo, estava o
santa-mariense Fernando Soares
Péreyron Mocellin, e que houve 8
mortes, sendo 5 em combate e 3
em acidentes de aviação.
A 1ª Esquadrilha de Ligação
e Observação (ELO) foi criada
em julho de 1944, e passou a
servir diretamente à Artilharia
Divisionária da FEB (AD/1).
Composta por 31 militares, entre
aviadores, mecânicos e auxiliares
de mecânico, dispunha de 10
aeronaves. Tinha a missão de
O Campo Brasileiro na cidade de Tarquínia, na Itália. executar voos isolados sobre a
76
Terra de Ninguém e sobre a própria Marques Moura, que, ao ter sua aeronave abatida, saltou
linha de frente inimiga, com o de paraquedas sobre terreno inimigo. Contrariando
objetivo de fazer observação, as recomendações de conduta para uma evasão, teria
reconhecimento aéreo e trocado o uniforme militar por trajes civis e a pistola
regulagem de tiro, em proveito por uma bicicleta. Por um mês, enfrentando a fome e
direto da AD/1. o frio, com o auxílio de uma bússola, percorreu os cerca
de 450 quilômetros entre o local da queda e a base
Participou ativamente das brasileira, sem ser reconhecido pelos soldados nazistas.
principais ações da FEB em Monte Sua chegada foi uma surpresa, pois já era considerado
Castelo, Montese, Montello, La Serra, Collecchio, entre morto. A recepção na base foi digna de herói.
outras, e exerceu eficiente vigilância sobre os vales dos
rios Panaro e Serchio, culminando na rendição da 148ª Segundo Vinícius, “na guerra percebe-se que há
Divisão de Infantaria alemã, em Fornovo di Taro. coisas que podem ser piores do que a morte”. Certo
dia, em visita ao Hospital da FEB, que ficava ao lado do
Vinícius Vênus Gomes da Silva, atual presidente Hospital do Grupo, deparou-se com um soldado que
da Associação Nacional dos Veteranos da FEB – Seção havia sido atingido, durante uma patrulha, por uma
Brasília, integrante do Serviço de Saúde do 1º Grupo mina (armadilha explosiva enterrada), que decepou os
de Caça, diz que o Grupo prestou muitos e relevantes membros superiores e inferiores do mesmo, tirando-
serviços durante a guerra. Conforme diz, ouviu muitos lhe, também, a visão. “Ele pedia a Deus que tirasse sua
relatos sobre os feitos dos pilotos brasileiros, dignos de vida, pois já não tinha motivos para viver. Essa passagem
menção. Dessas histórias, destaca a do Tenente Danilo eu não esqueço, pois foi a mais triste que presenciei”.
Imagens: www.fab.mil.br
77
A Volta
O mar, outra vez, pertencerá aos expedicionários. As ondas do mar tangem, agora, para o Brasil. Será um mar
sem barcaças, esperamos. As próprias barcaças, porém, se sublimariam com esse mar que tange para o Brasil, no
cântico da volta.
Pássaros emigratórios, de plumagem verde, que tornam com o sol às plagas de nascença. O sol derreterá a neve
do fox hole, que ainda se acumula sobre as fotografias. A volta dissolverá as lembranças do fox hole, mas o fox hole
é uma coisa que ficará sempre por cima da memória, insolúvel.
A sua tristeza, amanhã, a sua cãibra nas pernas, a sua dor, o seu cansaço, os seus pés que incham de vez em
quando, recordarão o fox hole. Mas a casa é grande e antiga, a família está reunida, há o quintal com alguns pés de
laranja e a calçada com algumas cadeiras de balanço.
Há os jornais que de vez em quando dirão, a propósito disto ou daquilo: “Os expedicionários”; “Fez parte da
F.E.B.”; “Foi ferido em Monte Castelo”; “Era do pelotão que entrou em Montese”; “Montou guarda à divisão que
se rendeu”. As dores da ferida aberta em Soprassasso ou a cabeça zonza com os morteiros que caíam em Montese
recrudescerão. Mas há sempre um sorriso de confirmação para o que os jornais disserem.
E há os filhos que dirão “Meu pai foi um expedicionário”, com orgulho, mas você escutará por cima do seu
orgulho, com ar sério, prometendo que a aventura não se repetirá para o seu filho.
E há o mar que você não pode esquecer. O mar que lhe custou quinze dias de viagem, muitos enjoos, muitas
comidas com açúcar, e muitos banhos salgados que tiravam o suor para botar uma coceira.
Mas que vale tudo isso, dentro de casa, com chuveiro de água doce e comida com sal, tudo pelo avesso do
navio? E uma cama que de semelhante com a neve do fox hole só tem a brancura do linho com que você se cobre?
E nunca esquecer o amor, que as cartas regaram como a água a uma flor. O amor que tem muitos nomes, que
chorou, que se despediu, que gostou do poema “Espere por mim”, e esperou, de fato, por você.
As ondas do mar tangem para o Brasil. Nós sabíamos disso. O mar que trouxe, leva de volta. O mar, outra vez,
pertencerá aos expedicionários. O mar que vem, o mar que vai, o mar de todos os mares, que das praias da Itália,
leva às praias do Brasil.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES DE CONSULTA
– LOPES, Marechal José Machado – 100 vezes responde a FEB, Edição do autor
– Jornal A Razão
– www.anvfeb.com.br
– www.fab.mil.br
– www.portalfeb.com.br
– www.segundaguerramundial.com.br
– www.sentandoapua.com.br
– www.olapaazul.com
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“Nenhuma história tem começo e fim; isso só acontece nos romances.
Só conhecemos fragmentos. São esses pequenos trechos que,
somados, nos oferecem a ilusão de que a vida é uma história única”
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