Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
2004
FICHA CATALOGRÁFICA
À minha mãe
2
e
SUJEITOS A CERTAS LEIS. NÃO BASTA MOSTRAR-SE IMPACIENTE PARA TRANSFORMÁ-LOS MAIS DEPRESSA.
ACOSTUMEI-ME A TOMAR A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DE OUTRO PONTO DE VISTA QUE NÃO O DA MINHA
SORTE PESSOAL. CONHECER AS CAUSAS RACIONAIS DO QUE ACONTECE E ENCONTRAR O SEU PRÓPRIO
PESSOAL A QUE POSSA ASPIRAR AQUELE QUE NÃO CONFUNDE A SUA TAREFA COM OS INTERESSES DO DIA
QUE PASSA."
AGRADECIMENTOS
3
À professora Ester Vaisman, minha sincera gratidão pelo que houve de melhor
em minha vida acadêmica e por sua orientação que, extrapolando o campo da
pesquisa, sempre foi uma orientação, também, para a vida, sobretudo nos momentos
mais difíceis.
Ao grupo de marxologia, em especial, ao Fred, pela profícua interlocução.
Ao Léo, que dividiu comigo, de forma ainda mais próxima e carinhosa, este
último ano.
A Alex e Patrícia, pelo aconchego humano que me proporcionaram durante
este período.
A Joaquim, Marcos, Rejane, Mírian e "Bechano", pela sustentação afetiva.
Ao Milney, por possibilitar, com seu apoio, o término deste trabalho.
A Michelle, Lúcia, Alex, Taís, Sérgio e Fátima, pela amizade e o apoio que,
cada um a sua maneira, souberam me dar.
E, finalmente, ao CNPq, pela bolsa de estudos sem a qual esta dissertação não
teria se viabilizado.
ÍNDICE
4
RESUMO...........................................................................................................................................07
INTRODUÇÃO .........................................................................................................08
A- Caráter universal.....................................................................................................52
B - Produção sob a forma do estranhamento...............................................................61
C - Atividade como negação de vida...........................................................................80
CONCLUSÃO.........................................................................................................123
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................145
RESUMO
5
Objetivando apreender o significado e o modo como a emancipação humana é
entendida por Marx nos Grundrisse (1857-1858), este trabalho empreende a tarefa de,
neste mesmo texto. Isto porque, de um lado, esta categoria é central no entendimento
do autor acerca do ser social. De outro lado, porque, entendida como complexo
manuscritos em foco.
alguma maneira, nas várias formas sociais; seja enquanto configuração específica à
constituem como seres sociais mais ou menos livres em seu processo histórico efetivo
INTRODUÇÃO
6
O trabalho que se apresenta tem por objetivo percorrer as malhas
neste texto.
Os Grundrisse, que assim tornaram-se conhecidos pelo título que lhes foi
dado em sua primeira publicação - Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie
(Rohentwurf) 1857-18581 - foram redigidos por Marx entre julho de 1857 e junho de
1858 e constituem um grande balanço das conquistas de quinze anos de estudos deste
autor. Balanço ou síntese com a qual visava à publicação, que acreditava podê-lo
fazer logo em seguida, da obra Economia - como era, então, designado o que veio a
ser O Capital e todo o inconcluso plano de sua obra madura. A forma rápida como
explicam-se, em grande medida, pela crise econômica que se abate sobre os Estados
Unidos e o mundo em 1857 - pois, nunca é demais lembrar que, em 1853, Marx
uma obra em vários volumes. Assim, dirá o mesmo, numa carta de dezembro de
1857, a Lassalle: "A crise comercial atual me incitou a me pôr, enfim, seriamente a
1
Título da edição publicada pelo Instituto Marx-Engels-Lenin (IMEL) de Moscou,
em 1939, que, por sua vez, adota o termo usado por Marx - Grundrisse - para
referir tais manuscritos em suas cartas.
2
MARX, K. Correspondance - K. Marx, F. Engels, tomo V, p. 90
7
A crise prevista e aguardada por Marx - como também por Engels, fortemente
um louco, noites inteiras, fazendo a síntese de meus estudos econômicos para ter ao
(...) além disso, ele sente como uma nova provocação o Manual do Especulador na
(...)Alguns meses mais tarde, ele prevê a crise e suas manifestações prováveis."4
texto, ele próprio, faz aflorar a temática da emancipação, mesmo não sendo este o seu
pudessem efetivamente ter servido de pretexto ou motivação imediata para que Marx
objetivo desta última e de seus escritos preparatórios era não uma análise ou
Mesmo estando, isto, patente nos Grundrisse e, inclusive, declarado por seu autor
quando diz,
3
Id., p. 78
4
In MARX, K., Oeuvres, Vol. II, p. LXXXVI
8
logo no início da introdução conhecida como Introdução de 1857 que "O objeto deste
passagem do epistolário do período: "O trabalho de que se trata é uma crítica das
sob uma forma crítica. É uma descrição do sistema e, ao mesmo tempo, sua crítica."6
ou seja, quase um século após terem sido escritos, os Grundrisse permanecem senão
desconhecidos - como foi o caso para muitas das gerações posteriores a Marx -
grandemente inexplorados por parte dos estudiosos deste autor da segunda metade do
intitulado "El Marx Desconocido", é quem atenta para o fato de que tais manuscritos
apontavam para uma questão que teria sido objeto de muitas dúvidas e polêmicas ao
muito do que Marx aí aponta não teria sido retomado no que pôde concluir para
1859, não fica, segundo Nicolaus, totalmente elucidado nos volumes do Capital nem
5
MARX, K., Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 17
6
Carta de Marx a Lassalle, de 22 de fevereiro de 1858, in BADIA, G., op. cit., p.
143
7
Veja-se, por exemplo, o livro A Acumulação do Capital, no qual Rosa Luxemburgo
busca "preencher esta importante lacuna nos escritos inconclusos de Marx e
conseguiu, com isto, avivar a fogueira de uma inflamada disputa que, todavia,
hoje, arde dentro do partido." (NICOLAUS, M. Elementos Fundamentales..., p. XII)
9
tampouco nos dois capítulos que chegaram ao público da Crítica da Economia
Política. Assim, "O problema de como é possível esperar que seja precisamente esta
de Marx durante pelo menos meio século. Os volumes d'O Capital não proporcionam
uma resposta clara. Esta deficiência está na raiz da controvérsia sobre a queda [
preencher esta lacuna no sistema teórico de Marx. Porém, a lacuna existe não devido
a que o problema fosse insolúvel para Marx, não porque não houvesse encontrado sua
guerra mundial. (...) Quanto a isto, é fácil advertir que teriam sido necessários vários
volumes a mais do Capital para que Marx pudesse chegar ao ponto que havia
inconcluso, como uma novela de mistério que termina antes que se decifre o enigma.
As questões que se buscará tratar e que constituem, por assim dizer, o objetivo
último do presente trabalho não vêm sendo, portanto, descobertas e debatidas, pelos
estudiosos de Marx em geral, senão nos últimos anos. Naquele que é talvez o mais
8
NICOLAUS, M., Elementos Fundamentales..., p. XXXI
10
clássico estudo sobre os Grundrisse, o livro de Rosdolsky intitulado Génesis y
como veremos no final deste trabalho. Atente-se, porém, sucintamente, que a análise
Hegel, quanto da economia de Ricardo, muito embora ambos tenham sido, mesmo aí,
originária já do rompimento juvenil com aquele autor. O fato de que tal reencontro
ocasional o tenha "ajudado muito" "no método de elaboração do tema" não significa
que Marx tenha aderido ao método de Hegel. Tanto assim que ele, aí, explicitará, pela
primeira vez, o seu próprio método e o porá em obra na consecução de sua Economia.
Fazendo nossas as palavras de Chasin, ao recusar a tese do vínculo lógico entre Marx
diametral - 'meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua
mesmo lugar é
9
Cf. a carta a Engels, de 16 de janeiro de 1858, in BADIA, G., Op. Cit., p. 116
11
declarado que o processo do pensamento é hegelianamente transformado num
demiurgo do real, enquanto que na concepção marxiana o ideal não é nada mais do
é um concreto pensado, não um produto autônomo."10 Para que não se delongue mais
que o necessário e cabível numa introdução - mesmo porque o método de Marx será
este importante tema quando a exposição dos resultados desta pesquisa já houver sido
feita.
Por outro lado, é preciso observar, ainda, que, embora se trate, nos
Grundrisse, de uma análise das categorias econômicas, estas últimas não são
entendidas, por Marx, como uma ordem de categorias cindidas em relação aos demais
mostrar em outro trabalho, "As categorias econômicas marxianas expressam não uma
dada ordem de efetividades cindidas que caracterizariam o ser social e em cujo seio a
economia política. Já nos Manuscritos de 1844, mostra que os economistas que, como
10
CHASIN, J. Estatuto Ontológico..., in TEIXEIRA, F.S. Pensando com Marx, p. 502
11
MARX, K., Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 31
12
propriedade privada, ou seja, o fato da alienação. (...) E isto porque 'A economia
política parte do fato da propriedade privada. Ela não o explica-nos. Ela exprime o
gerais e abstratas, que, em seguida, têm para ela valor de leis. Ela não compreende
estas leis, isto é, ela não mostra como elas resultam da essência da propriedade
privada'. Marx, portanto, denuncia na economia política o fato de que ela oblitera não
apenas 'a questão das origens históricas da formação do capital, mas também o
econômicas são expressões teóricas das relações sociais de produção /.../ Os mesmos
suas relações sociais. Assim estas categorias são tão pouco eternas quanto as
relações que exprimem(...)' ."12 Como alertara Lukács, em Marx, "pela primeira vez
não uma dada ordem de efetividades cindidas do ser social, mas a efetividade
12
VIEIRA, Z.R., Perspectiva Sociológica...., monografia defendida no depto. de
Sociologia e Antropologia da Fafich, UFMG, 1999, p. 38
13
Apud CHASIN, op. cit., p. 378
13
sua crítica ganha definitivamente a forma de uma crítica a um modo de produção que
Marx - até então ainda muito voltado para as relações de troca ou de mercado, isto é,
ainda muito influenciado pela teoria da oferta e da procura14 - perfaz, aí, como
efetivamente o centro de sua análise. É precisamente neste momento que ele faz a
diferente': Arbeitskraft - não uma mercadoria entre outras, mas uma mercadoria
única, produtora de valor."15 Descoberta que permitirá, de uma vez por todas, a
economia, a mais-valia passa a ocupar, então, aquele que será o seu lugar em todas as
demais obras de Marx. Sendo - como fica genuinamente demonstrado nos Grundrisse
terá, assim, papel central também na análise desta última por Marx.
etapa anterior aos Grundrisse - constituída pela obra A Miséria da Filosofia, pelo
Capital - não tivesse Marx efetivamente, ainda, elaborado "sua teoria específica do
lucro, 'até 1848 estavam traçadas as linhas fundamentais de sua teoria da mais-valia',
14
Cf. Chasin, J., "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in MARX, K. A Burguesia
e a Contra-Revolução, p. 25
15
Idem
14
pedra angular de sua doutrina econômica, e só restava a tarefa de desenvolver tal
das luzes ou entre uma crise e outra de fígado que lhe acomete no momento em que
vários anos de labuta intelectual voltados para a crítica da economia política e, por
excedente, para vir a desaguar nesta sua elaboração própria. O que se quer ressaltar,
com a trajetória anterior deste pensamento. Muito ao contrário, como o diz Chasin, "a
ontologia dos Grundrisse adensa e ultrapassa, mas não nega a ontologia composta ao
de que "até 1848 estavam traçadas as linhas fundamentais de sua teoria da mais-
valia"18 - o que, embora fuja à presente pesquisa confirmar ou não, é, neste particular,
16
ROSDOLSKY, R. Génesis y Estructura de El Capital de Marx, p. 28
17
CHASIN, J. "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in MARX, K. A Burguesia e
a Contra-Revolução, p. 27.
18
IMEL, "Prólogo da Primeira Edição em Alemão", in MARX, K. Elementos
Fundamentales...,vol. I, p XLI
15
Rosdolsky acima aludida.
Com o objetivo de trazer à luz o texto mesmo de Marx, com todas as suas
autor por ele mesmo19, esta dissertação concentra-se de forma praticamente exclusiva
plenamente cabível este - procede-se, aqui, a uma análise imanente dos referidos
uma escavação por meio da qual se busca apreender o complexo da atividade sensível
partir do próprio objeto-texto e da articulação das categorias na forma como ela, ali,
se encontra.
com a análise de outros autores que trataram do tema perfaz-se somente à conclusão.
a tais autores, o recurso a eles tem o propósito único de trazer para o trabalho, ainda
16
produção de objetividades sociais e a efetivação de potencialidades humanas.
outros são comuns apenas a algumas. [Outras] determinações serão comuns à época
mais moderna e à mais antiga. Sem elas, não se pode conceber nenhuma produção."20
forma moderna.
que nos exime de fazê-lo aqui - digamos, entretanto, antes de prosseguir, as razões
sociabilidade moderna. Se, de um lado, a forma assumida pelo trabalho nesta última é
uma forma emancipada do trabalho - o que, por si só, já justificaria, portanto, sua
análise - por outro lado, segundo Marx, a "produção em geral" - esta "abstração
20
MARX, K. Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 19
17
razoável" que destaca os traços comuns à produção material nas diferentes formas
históricas por ela assumidas - apenas nos poupa da repetição destes mesmos traços,
mas "as pretensas condições universais de toda produção não são nada mais que estes
momentos abstratos que não apreendem nenhum estágio histórico real da produção."21
Motivo pelo qual Marx, ele próprio, nos Grundrisse, se volta primordialmente para a
No terceiro capítulo, traceja-se, por fim, aquilo que é entendido, por Marx, no
efetiva.
dos Grundrisse por nós adotada. Tendo em vista não existir, no momento em que
citações estão referidas. Apenas quando estritamente necessário, para precisar melhor
21
Idem, p. 22
22
A tradução de E. Hobsbawm desta pequena passagem dos Grundrisse foi
vertida para o português e publicada, com o mesmo título - Formações
Econômicas Pré-Capitalistas, pela editora Paz e Terra. Texto que, no entanto, não
utilizamos, nesta pesquisa, devido a sua incompletude.
18
alemão publicado pela Dietz Verlag de Berlim.
CAPÍTULO I
preciso, em primeiro lugar, destacar - como Marx o faz, embora mais no sentido
moderna - as determinações gerais deste complexo categorial. E, isto, por duas razões
exposição científica, para usar uma expressão de Marx, das determinações gerais ou
objetivo anterior - tal exposição faz-se necessária no sentido mesmo do objetivo final
23
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 , “Grundrisse”, Tomo I, p. 21.
19
corresponderia, para Marx, neste texto, a um metabolismo humano societário
abstratas (como Marx também as nomeia) não são entendidas por este autor como
determinações a-históricas. Para Marx, "a produção em geral é uma abstração, mas
traços comuns, nos poupando, assim, da repetição. No entanto, este Universal, ou este
determinações serão comuns à época mais moderna e à mais antiga. Sem elas não
em cada forma particular da produção. Embora concebida por Marx como sendo uma
enquanto tal - a produção em geral é sempre uma abstração, serve apenas para efeito
20
presente que tais determinações não existem, enquanto tais, articuladas num mesmo
conjunto. Por outro lado, ressalta Marx, "a produção também não é unicamente uma
produção particular: não é nunca apenas um certo corpo social, um sujeito social que
exerce sua atividade numa totalidade de ramos da produção, mais ou menos grande
ou rica".25
O que deve, portanto, ser apreendido, e que Marx nos deixa apontado em suas
anotações, é que se, por um lado, a produção universal em si não existe senão como
válidas, no sentido já assinalado, para todas as formas da produção; por outro lado, a
produção também não é apenas a pura empiria: uma produção particular no interior
de uma certa totalidade da produção ou, ainda, uma totalidade concreta de ramos da
A análise da produção levada a cabo por Marx e reconhecida por ele como
mente ou ante res. Não sendo objeto específico desta dissertação discorrer sobre tal
questão, é preciso, porém, salientar que o trabalho empreendido pelo autor, no texto
assunto, invocamos, aqui, a própria definição de categoria dada por ele neste mesmo
21
da existência [Existenzbestimmungen]"26. São, portanto, determinações concretas,
relações históricas. Tais determinações ou categorias mais abstratas são, elas próprias,
forma totalmente autônoma em relação ao movimento real. Ou seja, nem como ponto
social, para que, em seguida, este mesmo pensamento possa reproduzir, em conceitos,
tal realidade como um todo. Pois, segundo Marx, esta é a única forma que possui o
pensamento de se apropriar do mundo, qual seja: aquela que vai das abstrações mais
26
Id., Tomo I, p. 40.
22
porém, de forma alguma, o produto do conceito que se engendraria a si mesmo e
entanto, este mesmo ponto de partida é, ele também, Daseinformen, ou seja, é, ele
também, aspecto desta mesma realidade que ele pretende explicar. Não se tratam,
descolada, do todo mais complexo ao qual elas se referem. Mas, é deste todo que elas
efetivas. Neste sentido, nos alinhamos com Alves, em sua análise dos Grundrisse,
quando diz: "A categoria é, então, complexo ideal que exprime o complexo real.
direta, não é a mera empiria, ainda que ela seja o material do qual se parte. Assim, a
determinações ontológicas do próprio real, real este que permanece sendo o que é
imediata pela qual a realidade se nos apresenta nem, por outro lado, articulação
presente tal articulação sob a forma do ser. Que uma categoria ou abstração razoável
27
Id., tomo I, p. 35.
28
ALVES, A. L., "A Individualidade nos Grundrisse de Karl Marx", p. 10.
23
realidade em sua articulação efetiva e não como abstração, isto fica ainda mais claro
concreto mas, exatamente por não apreender e esgotar este concreto em seus nexos
efetivos, acaba por incorrer numa apreensão caótica desta mesma realidade.
das determinações abstratas nos Grundrisse, passemos, pois, à análise daquelas que
que, neste texto de Marx, tal categoria é referida tanto como atividade, quanto como
produção estrito senso, ou seja, a produção pode ser entendida tanto como atividade
do indivíduo singular - tal qual a definimos, a partir de Marx, como sendo trabalho -
como também num sentido mais amplo de metabolismo social que englobaria em si o
pode ter, pois, tanto esta acepção mais geral - a qual não deixa de corresponder à
atividade sensível dos indivíduos mas, antes, engloba, no interior desta, todo o
todo este processo como aspecto mesmo do processo de produção estrito senso).
24
entretanto, dispensável, nesta dissertação, na medida em que se objetiva apreender a
nexos e relações travadas pelos indivíduos sociais em seu metabolismo vital - mesmo
porque é também esta a forma pela qual Marx apreende tal categoria no presente
texto, não deixando, para isso, de reconhecer a diversidade com a qual ela se
também usadas, aqui, para referir o mesmo complexo categorial, será justamente
aquela que é mais ampla em sua denotação - ou seja, produção - a que predominará -
como ocorre, também, nos Grundrisse precisamente pelo motivo que viemos de
referir, qual seja, a própria concepção abrangente que se tem da categoria atividade
sensível.
A) SOCIABILIDADE
ato, mas pela própria constituição do indivíduo que o leva a cabo. Para Marx, o ser do
homem é um ser social. "O viver em comum dos indivíduos é, em Marx, não um
indivíduos."29
29
ALVES, A. L., op. cit., p. 21. Grifos nossos.
25
O conjunto específico de relações pretéritas e presentes travadas pelos
indivíduos ativos é aquilo que eles são, ou seja, é precisamente o que configura o
é aquela que dá forma específica ao modo de ser destes como um todo, isto é, tanto ao
desejos dos indivíduos enquanto tais. Como o diz Marx, os indivíduos só são escravos
ao pensamento de Marx, como é precisamente combatida por ele como sendo um dos
equívocos em que incorrem, de um lado, Proudhon mas, por outro lado, também, as
filosofias do séc. XVIII chamadas por ele de "robinsonadas" - ou seja, que tinham
como ponto de partida o indivíduo isolado - e que acabaram por influenciar A. Smith.
estabelecidas por eles enquanto indivíduos ativos não tem, em Marx, o sentido de
distintos de uma mesma realidade, qual seja, aquela dos nexos e interações que os
consistindo neste mesmo modo de ser, mas em sua expressão particular, "como
26
síntese concreta, empírica, material, do conjunto da sociabilidade como entificação
relacional".30
por Proudhon, nos deixa inequívoca sua concepção de sociedade: "A sociedade não é
constituída de indivíduos, mas exprime a soma dos nexos, das relações nas quais estes
indivíduos situam-se uns em relação aos outros. É como se alguém dissesse: do ponto
de vista da sociedade, não há nem escravos, nem cidadãos, são todos homens. É, ao
contrário, fora da sociedade que eles o são. Ser escravo e cidadão são determinações
vimos. Mas, ela só o é enquanto uma série de relações estabelecidas e renovadas por
estes mesmos indivíduos em seus atos particulares. Como o diz Alves, a partir de
atos produtivos, toda a malha societária que os define e os faz humanos"32. São os
tal ou tal forma de sociabilidade entre si. Não sendo esta última, portanto, uma
essência que paira acima deles, por mais cindida e externa que ela possa lhes parecer
do caráter fundante da sociabilidade no ser dos homens passa precisamente pelo - isto
30
Id., p. 22.
31
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 , “Grundrisse”, tomo I, p. 205.
32
ALVES, A. L., op. cit., p. 20.
27
é, é simultâneo ao - reconhecimento do homem como ser ativo. Extrapolando, porém,
nosso intento apontar a gênese deste reconhecimento neste autor, o que deve ficar
claro é a relação intrínseca entre estas duas determinações essenciais do ser concreto
dos indivíduos.
produzindo sua vida própria ao produzir outros seres, e, ainda, porque o faz sempre
efetive e, ao mesmo tempo, lhe dando sua forma específica. Ou seja, ela é a condição
existência humana - já que esta última só é, para Marx, enquanto vida de indivíduos
ativos. Por outro lado, os indivíduos se realizam enquanto seres sociais, são seres
humanos, pelo próprio fato de se efetivarem como seres ativos, que produzem suas
próprias condições de vida. É sempre útil lembrar que, segundo Marx, "Pode-se
distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se
queira. Mas, eles próprios começam a se distinguir dos animais tão logo começam a
produzir seus meios de vida (...). Produzindo seus meios de vida, os homens
33
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p.21.
34
MARX, K., A Ideologia Alemã I, p. 19.
28
produz e reproduz a si mesmo enquanto individualidade, produzindo sua própria vida
material ( o que já seria, por si só, um avanço considerável sobre outras formas de ser,
na medida em que esta produção tem como base a superação crescente das
determinações naturais, como o veremos), como também, e pelo mesmo ato, produz e
reproduz sua própria espécie. A produção humana tem como uma de suas
características fundamentais o fato de ser produção para outro. Como o diz Marx, em
X produza para um outro indivíduo diferente dele. "Que esta necessidade de um possa
ser satisfeita pelo produto do outro e vice-versa, que um seja capaz de produzir o
proprietário do objeto de sua necessidade, isto prova que cada um supera, enquanto
relação ao outro, como homens (...). Aliás, não acontece que elefantes produzam para
abelhas forma, no fundo, apenas uma só abelha e todos produzem a mesma coisa".35
necessidade de respirar, por exemplo - não cria entre eles nenhum tipo de relação. É
enquanto diversos que os indivíduos têm necessidade uns dos outros. Diversidade,
29
simultânea e como resultado deste, o afastamento cada vez maior em relação às
O que deve ficar claro, aqui, quanto à reciprocidade intrínseca ao agir humano
também possa ter satisfeita a sua necessidade própria com o objeto da produção do
outro - é que a especificidade do homem é dada em sua prática, em seu agir próprio.
Para Marx, o homem só se constitui efetivamente como ser genérico, como ser social,
Os homens, como vimos, são e sempre foram seres sociais. Nas formações
da produção dos indivíduos, como ela aparece mesmo como um dado natural e
comunidade que resulta da oposição e da fusão das tribos."36 Quanto mais se afasta do
período moderno, menos o indivíduo existe enquanto tal - com relativa autonomia -
mais ele é elemento de um todo maior e mais ele está imediatamente a este
indivíduo singular com as condições originárias de existência, as quais, por sua vez,
36
Id., Tomo I, p. 18.
30
estão, neste momento, ainda vinculadas à comunidade. O surgimento do indivíduo, tal
dependia para sua produção de uma comunidade natural, como só existia como
ele não tinha a menor chance de escolha - na forma moderna da produção, este
dissolução de todas estas formas sociais em que tal existência subjetiva - enquanto
"O homem começa a individualizar-se apenas pelo processo histórico. Ele aparece,
originalmente, como ser genérico, ser tribal, animal de rebanho (...). A própria troca
e o dissolve. Desde que a coisa tomou uma tal configuração, que o homem, enquanto
tempo, os meios de se pôr como indivíduo singularizado tornaram-se o ato pelo qual
31
Muito embora os homens sempre tenham sido seres sociais e a sociabilidade
seja uma característica intrínseca a sua existência e, portanto, a sua atividade. Muito
embora, de outro lado, a produção, sob sua forma moderna, seja aquela onde os
da sociabilidade ganha traços ainda mais efetivos. Este modo de produção possui
visando satisfazer necessidades sociais. O valor de troca sendo o que, aí, predomina,
não se tem em vista outra coisa que não a realização social do objeto produzido, ou
seja, sua realização para outro, sua trocabilidade. Esta forma assumida pelo trabalho
aquela em que os indivíduos ativos encontram-se mais isolados uns em relação aos
como algo que lhes é externo - apenas como meio para realizarem seus próprios fins -
interesses privados, tais indivíduos são, ao contrário, aí mesmo, mais dependentes uns
32
constante da troca e no valor de troca enquanto mediador multilateral"38. A produção e
o próprio ser ativo não se realizam aí sem a mediação da troca. O indivíduo produtor
é totalmente dependente do outro, das relações cada vez mais universais, para a
Marx mostra que o que aparece aos economistas como interesses unicamente
privados - de cujo confronto resultaria, como num passe mágico ou por obra do
acaso, o interesse coletivo - que tais interesses são, na verdade, postos, definidos, pela
forma do agir: "A astúcia suprema é, ao contrário, que o interesse privado, ele
quadro das condições postas pela sociedade e com os meios que ela dá; portanto, está
mas seu conteúdo, bem como a forma e os meios de sua realização são dados por
a cada um deles, ao mesmo tempo que é o produto de sua interação com os demais - é
que fornece a estes últimos as condições, os meios e os próprios fins de sua atividade.
posição como ser efetivo, concreto. Ela circunscreve, dá forma específica a todos os
indivíduo enquanto tal, ou seja, enquanto atividade com vistas a um fim. Daí porque
38
Id., Tomo I, p. 91.
39
Idem
33
"Quando falamos, pois, de produção, trata-se sempre da produção em um estágio
sendo, antes de mais nada, atividade social é o fato de que tal relação, a relação de
produção, só pode ser corretamente apreendida, para Marx, no interior de sua gênese
constitutivos da atividade sensível ou, ainda, seus "elementos simples", como Marx
40
Id., Tomo I, p. 19.
41
Id., Tomo I, p. 280.
34
são os modos de existência material do trabalho vivo: seus meio e objeto de
natureza, se utiliza desta natureza tanto como objeto - sobre o qual inscreverá seus
objetivos - quanto sob a forma de meio - ele próprio, já natureza formatada, como
veremos - que lhe facilita alcançar tais resultados. Ou seja, no que diz respeito a suas
realiza seus fins e, de outro lado, a matéria sob a forma de instrumento facilitador.
Marx entende o trabalho como sendo atividade orientada e adequada a um fim: "O
trabalho é uma atividade adaptada a um fim e é por isto que, do lado material,
efetivamente utilizado como meio em vista de um fim e que o material bruto recebeu,
enquanto produto, (...) um valor de uso superior àquele que ele possuía antes." 42 A
adequada a ela. Como aparecerá nas seções seguintes, uma série de outras
porém, aqui, de considerar este último, em seus elementos básicos, em seu ponto de
Para Marx, a teleologia - o fato do sujeito ativo possuir em mente o que deve
alcançar com sua ação - é característica distintiva da atividade humana, é aquilo que,
deve ser apreendido, neste ponto, é que o trabalho, enquanto atividade adequada a um
fim, é apenas um dos elementos da atividade sensível. Ou seja, que esta última não é
simplesmente atividade subjetiva: "a atividade sem objeto não é nada ou, no melhor
42
Id., Tomo I, p. 250.
35
dos casos, é atividade intelectual, da qual não nos ocupamos aqui." 43 Não se trata,
apenas os sujeitos ativos são, eles próprios, seres objetivos, concretos, como também
condições objetivas.
o multiverso sensível enquanto fato objetivo, pois, trata-se de uma reflexão que visa
seres objetivos a partir de sujeitos e objetos eles próprios objetivos. Isto porque "O
ser objetivo cria e põe apenas objetos porque ele próprio é posto por objetos, porque é
originariamente natureza. No ato de pôr, não cai, pois, de sua atividade pura em
criação do objeto, senão que seu produto objetivo apenas confirma sua atividade
43
Id., tomo I, p.
44
CHASIN, M. "O Complexo Categorial da Objetividade...", p. 107.
45
MARX, K., Manuscritos Econômico-Filosóficos, Col. Os Pensadores, p. 46.
36
Feita esta consideração que, embora não seja mais objeto de tratamento
da produção, presentes em todas as formas sociais desta são, em suma, o sujeito que
Tais elementos não aparecem, porém, cada qual de forma isolada: como pura
dada, de outro. Pois, sujeito e objeto são configurados na atividade sensível, isto é,
natureza inerte.
inorgânicas não produzidas ou modificadas por ele; já que "As condições originais da
produção (...) não podem, originalmente, ser elas mesmas produzidas, ser resultados
da produção."46 O homem parte de uma base que, assim como ele próprio, não é
seres, o qual se inicia pela produção daqueles que lhe servem de meios de ação.
Desde o momento em que ele inicia seu processo de produção propriamente dito, qual
seja, aquele descrito por estas determinações gerais; desde o momento em que ele não
46
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 426.
37
se reproduz mais apenas sob a forma da caça, da coleta e da criação de animais - as
quais se constituem, segundo Marx, como situações transitórias "e, em nenhum caso,
desenvolvem à medida que surge e se explicita a praxis social, a partir do ser natural,
tornando-se cada vez mais claramente sociais"48, como precisa Lukács a este respeito.
Embora o homem parta de condições não postas por ele, é preciso lembrar,
porém, que mesmo a habilidade adquirida pela mão do primitivo é, também ela, num
47
Id., Tomo I, p. 430.
48
LUKÁCS, G., Ontologia do Ser Social - Os Princípios.., p. 17.
38
trabalho passado, acumulado - seja ele a habilidade que o exercício repetido
encontradas pelo homem, mas, ao contrário, a forma pela qual ele se reproduz a partir
desta base: "Não é a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais
conseguinte, sua apropriação da natureza que pede para ser explicada ou que é o
como não sendo o adotado por ele. O que interessa a Marx é, ao contrário do
possível, segundo este autor, delinear aquelas mais gerais, de que tratamos neste
capítulo. Em outras palavras, concordamos com Lukács quando ele diz que Marx não
está olhando "para trás (...) mas, sim, para a frente, para uma sociedade na qual tem
49
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 19.
50
Id., tomo I, p. 426.
51
LUKÁCS, G., op. cit., p. 141.
39
Voltando, pois, novamente a nos moutons, sujeito e objeto estão em
quanto nos objetivos. As condições objetivas da atividade só vêm a ser o que são
acionadas por ele. Por outro lado, o próprio sujeito da ação se efetiva enquanto sujeito
apropriativa que estabelece com sua mundaneidade. Aspectos que examinamos nas
em si, da objetividade demandada por sua constituição física objetiva. Ela é, também,
ato de formatação, ato pelo qual o homem torna apropriado a si seu mundo objetivo.
Através dela, os indivíduos não apenas tomam para si a natureza - a qual, justamente
pelas razões que se tenta demonstrar aqui, nunca é, para Marx, natureza pura, em
material ou objeto recebe, no trabalho, "um valor de uso superior àquele que ele
possuía antes"52, isto é, torna-se ainda mais útil ou adequado aos homens que em sua
aumento do valor das coisas, pela dação de forma nova e criação de objetividades
52
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 250.
40
A terceira característica da categoria 'trabalho' em geral é, portanto, a de ser
atividade produtora de objetividade social. Como vimos, o homem faz-se ser social
na medida em que é capaz de produzir para outro e de satisfazer sua necessidade com
existentes, para dar a estes objetos uma forma previamente idealizada por ele. "É
poderiam ser produzidos pela natureza, sendo esta uma das propriedades objetivas do
objetividades humano-sociais"53.
qual o sujeito, por sua vez, se apropria idealmente do ser dos objetos respeitando sua
legalidade material, para só então poder afeiçoá-los a sua vontade. Como atesta
Alves, a partir dos Grundrisse, "Não é a atividade humana uma realização auto-
finalidade que orienta as ações do indivíduo ativo não é estabelecida a partir do nada
sensível é pautada pela transitividade entre sujeito e objeto. Ela só se realiza enquanto
53
VILASSANTI, E. C., "O Complexo Categorial da `Atividade Humana` na Obra Marxiana", p. 93.
54
ALVES, A.L., op. cit., p. 31.
41
pôr teleológico na medida em que toma em consideração as características intrínsecas
dos objetivos adequados e factíveis na condução de sua ação. Ela não implica,
portanto, uma subsunção passiva do sujeito ao objeto de sua ação: "a apropriação dos
objetos pelos sujeitos, aparece da mesma forma, de outro lado, como modelagem,
Para Marx, trabalho é atividade que dá forma, aquela pela qual é promovida a
humanização da natureza pelos indivíduos: "A natureza não constrói nem máquinas,
nem locomotivas, nem caminhos de ferro, nem telégrafos elétricos, nem máquinas de
estabelece, ela mesma, como objetividade, como realidade cada vez mais concreta.
geral, mas um objeto determinado, que deve ser consumido de uma maneira
determinada"58 - da criação de objetos cada vez mais sociais, cada vez mais afastados
da legalidade objetiva natural, resulta, por sua vez, a ampliação, também, das
55
MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 426.
56
Id., tomo I, p. 237.
57
Id., tomo II, p. 194.
58
Id., tomo I, p. 26.
42
necessidades. Estas tornam-se, simultaneamente, cada vez mais diversas e
forma de representação. Mas, a produção também põe o consumo enquanto tal (e não
apenas seu objeto): "Por outro lado, a produção produz o consumo criando o modo
resultam, são postas por sua própria produção. Aquilo que eles produzem delimita a
forma de seu consumo: "a fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne
cozida, comida com garfo e faca, não é a mesma que engole carne crua com a ajuda
das mãos, das unhas e dos dentes."61 Forma, esta, que define o próprio consumo
enquanto tal, aquilo que ele é enquanto apetite, enquanto carência. Ou seja, a
produzindo tais objetos também sob a forma de necessidade nos indivíduos. "A
rusticidade natural e perde seu caráter imediato - e o fato mesmo de nela se deter seria
ainda o resultado de uma produção assentada na rusticidade natural - tem, ele mesmo,
59
Não se trata, aqui, de expor todas as determinações em que cada momento da
produção em geral - no caso, o da produção propriamente dita e o do consumo -
aparece frente ao outro, mas de enfocar sucintamente a relação entre eles no
que diz respeito especialmente à determinação da necessidade.
60
Id., tomo I, p. 28.
61
Id., tomo I, p. 26.
62
Idem.
43
Através do trabalho, portanto, os indivíduos não somente adequam às suas
acabamos de ver, qual seja, de "submissão dos objetos a um fim subjetivo" 63 - por
que promove entre eles sua humanização, ou seja, que os constitui efetivamente como
seres sociais. Isto porque, nesta relação, eles não só se diferenciam objetivamente das
demais ordens de seres por se mostrarem capazes de produzir para outro e de realizar,
objetivas - construindo um mundo que lhes é próprio - como, também, é por ela, por
sua relação com a natureza, que os indivíduos se objetivam, tornando efetivas suas
forças essenciais.
A relação do homem com a natureza, em Marx, está muito longe de ser aquela
biológica) ou de mero proveito físico para o homem. O indivíduo social não apenas é
natureza objetiva orgânica e inorgânica - sendo, a natureza exterior a ele, sua própria
63
Id., tomo I, p. 426
44
objetivando-se por meio de sua exteriorização. Para Marx, "Toda produção é uma
objetivação do indivíduo".64
consumo de forças. Para Marx, ela é, sobretudo, ato positivo, consumo produtivo.
Consumo objetivo e subjetivo mas, acima de tudo, criação, produção do novo, através
modificada, formatada pelo trabalho; e o instrumento é consumido por seu uso, sendo
no qual ele se esgota. No entanto, o trabalho não é apenas consumido, mas ele passa,
Objetivando-se, por meio da atividade, este último resulta, ele próprio, transformado.
Aquilo que, antes, nele, se configurava apenas como potência, mera possibilidade,
"No próprio ato da reprodução, não são apenas as condições objetivas que
mudam - por exemplo, o vilarejo torna-se uma cidade, a natureza selvagem, terra
64
Id., tomo I, p.164.
65
Id., tomo I, p. 239.
45
necessidades e uma nova linguagem."66 É na relação que os indivíduos estabelecem
entre si, em sua atividade apropriativa em relação à natureza, que estes mesmos
se, pois, efetivamente, como dois lados de um mesmo ser - diferenças no interior de
trabalho, é que a relação do indivíduo com suas próprias disposições dá-se, para
Marx, exatamente através desta exteriorização, através de sua relação com o mundo
pela atividade. A relação do sujeito com suas capacidades e potências não ocorre no
recesso de uma subjetividade interior, isolada, mas, ao contrário, na relação que ele
objetividade com a qual ele interage. Relação na qual ele terá ou não realizados seus
fins.
Marx explicita isto numa de suas críticas a Smith: "É verdade que a medida do
trabalho aparece dada pelo exterior, pela finalidade proposta e pelos estorvos que o
trabalho deve suplantar para a sua consecução. Mas, A. Smith, assim, não suspeita
que superar obstáculos possa ser, em si, uma atividade de liberdade e que, por outro
aparência de uma necessidade natural simplesmente externa, mas são postas como
finalidades que o indivíduo fixa, ele mesmo, de antemão - possa ser, pois, a auto-
66
Id., tomo I, p. 431.
46
efetivação, a objetivação do sujeito e, por aí mesmo, a liberdade real cuja ação é
precisamente o trabalho."67
Há, para Marx, uma relação intrínseca entre o esforço, o dispêndio de energia
Como referimos acima, pelo ato de apropriação da natureza, ele não apenas se
objetiva como, também, se consome: "o indivíduo que desenvolve suas faculdades
como pôr teleológico do sujeito, na relação deste com os obstáculos postos pela
trabalho - é, em si, uma "atividade de liberdade". É por ela que pode ou não se
conteúdo deste, aparecem como postos pelo exterior, ou seja, como algo que coage
ação. Isto se deve, em primeiro lugar, ao fato de que se tratam de finalidade e medida
indivíduo enquanto tal. Como vimos, tratam-se de fins estabelecidos pelos próprios
67
Id., tomo II, p. 101.
68
Id., tomo I, p. 24.
69
É importante observar que, ao revelar a produção como sendo, em todos os
seus momentos, também consumo, Marx refuta a concepção corrente entre os
economistas pela qual a cada momento do processo global da produção -
produção stricto sensu, distribuição, troca e consumo - corresponderia um
aspecto totalmente distinto e específico. No interior do silogismo estabelecido por
tal concepção, o consumo estaria posicionado apenas no final do processo,
quando a produção entra como insumo para cada indivíduo singular. A análise de
Marx revela, ao contrário, que todos estes momentos - objetivação do sujeito e
subjetivação de objetos - estão postos no interior da própria produção, são
momentos desta.
47
sujeitos da ação, os quais devem, porém, para serem efetivados, se adequar à
materialidade a ser trabalhada. Marx revela, no entanto, que o fato de tal teleologia
não ser estabelecida sobre parâmetros exclusivamente ideais, não se mostrar como
finalidade estabelecida única e exclusivamente pela cabeça do sujeito, não anula mas,
los é, na verdade, estabelecida pelos próprios sujeitos da ação. Por meio desta ação -
legalidade material que os coage numa certa direção - eles se põem como sujeitos
estorvos a serem superados pela ação não são estorvos que recaem inexoravelmente,
superados por decisão dos próprios sujeitos; 2) liberdade não significa absoluta
liberdade real precisamente quando se realiza na ação. Mas, isto não é tudo.
haver, ainda, aqueles postos pela sociabilidade específica em que a mesma se situa.
diferentemente daqueles que viemos de referir, os quais são parte constitutiva, são
48
tinha sua vida ativa contida no interior de uma relação de dependência imediata tanto
atividade sensível dos indivíduos no interior de limites que lhe são próprios. E desta
forma é que Smith vê o trabalho não como atividade de efetivação do indivíduo mas,
ele.
dada, objetiva, que opõe àquele limites concretos a serem suplantados, subvertidos -
e, de outro lado, a forma social sob a qual o trabalho se apresenta, ele próprio, como
lukacsiana - desta atividade nem mesmo sob o modo de produção do capital - que,
segundo ele, é o único em que Smith está pensando. Pois, aí também, ele é
sacrifício e como instância que põe valores porque é sacrifício; como preço que é
pago pelos objetos e lhes dá, por sua vez, preço, segundo eles custem mais ou menos
Como se sabe, trabalho não é, para ele, necessariamente trabalho alienado. Seu
texto releva, a todo momento, considerações que não dizem respeito apenas a uma ou
outra forma histórica assumida pelo trabalho, mas que enfocam suas características
gerais, essenciais. Características, estas, que se, por um lado, não foram plenamente
70
Id., tomo II, p. 102.
49
realizadas nas formas efetivas assumidas pelo trabalho - precisamente devido às
contradições que as marcam em cada um destes momentos históricos - por outro lado,
formas históricas. Continuando a passagem em que critica Smith, Marx diz: "Sem
dúvida, ele tem razão de dizer que o trabalho, em suas formas históricas: escravidão,
que a ele está ligado, para o trabalho que ainda não se deu as condições, subjetivas e
objetivas, (ou, ainda, que as perdeu em relação ao estado pastoril ou a outros, etc.)
para que o trabalho seja travail attractif, auto-efetivação do indivíduo - o que não
significa, de forma alguma, que ele seja puro prazer, pura diversão, como o pensa
Como bem o observa Alves: "(...) este momento de negação de si está compreendido
ativo. (...) Este preço, a negação de certas dimensões de si, aparece como um tributo
71
Id., tomo II, p. 101.
72
ALVES, A. L., op. cit., p. 38.
50
CAPÍTULO II
A) CARÁTER UNIVERSAL
se trata, porém, digamo-lo novamente, de uma essência única que, de forma imutável,
Na primígena de tais formas - aquela que tem como pressuposto a relação dos
indivíduos com a terra como seu laboratório natural - tais indivíduos encontram-se no
não se constituem efetivamente como indivíduos, mas são meros elementos, elos
são tanto em relação a este todo como, enquanto membro do todo, em relação às
51
produção humana enquanto tal, mas que são, ao contrário, pressupostas à produção:
trabalha - passa por uma mediação: o indivíduo não aparece a priori como simples
indivíduo trabalhando, nesta abstração, mas ele tem, por sua propriedade da terra, um
modo objetivo de existência pressuposto a sua atividade e que não aparece como um
(...). Sua relação com a terra passa, pois, também pela mediação da existência natural
membro de uma tribo, etc. Um indivíduo isolado não poderia ser proprietário de uma
Tal aspecto diz respeito não apenas a estas formações sociais com base na
depender da forma histórica assumida por sua atividade - como sendo suas. E, em
dependência pessoal. Relações, estas, que - tanto no que diz respeito às condições
52
desenvolvidas pela atividade, se posicionam como condições que subjazem, que
precedem a atividade e não como relações que dela resultam. "As formas primitivas
formam a base econômica de diferentes formas de comunidade, como têm, por seu
indivíduo social - passa a ser, também ela, engendrada, produzida e não mais
vimos no capítulo anterior, o homem apenas parte de condições não postas por ele -
"Apenas começa-se a trabalhar a partir de uma certa base inicialmente natural, a qual
caçador ou na própria coleta de frutos - aciona, com sua produção, um processo que
dará origem à criação de suas próprias condições de produção. Processo, este, que
propriedade é já posto pelo trabalho, a comunidade não pode mais aparecer, aqui, sob
sua forma natural, como no primeiro caso (a comunidade sobre a qual está fundado
53
A produção com base na propriedade privada é o desenvolvimento deste
produção implicam não "uma supressão das 'relações de dependência', elas são, aliás,
apenas a resolução destas mesmas relações em uma forma universal; elas são, ao
dependência."77
de uma produção voltada exclusivamente para a troca. Relações estas que são, de um
mais universal ou geral na medida em que não possui como limites formas naturais
processo que põe suas próprias condições. Vejamos, pois, inicialmente, o primeiro
destes aspectos.
emanação das relações de produção e de troca"78 e não mais - como nas formas
relações dos indivíduos. As relações pessoais - ou melhor, o que eram, antes, laços
pessoais - são, agora, relações sociais; têm como mediação as relações de produção e
77
Id., tomo I, p. 100.
78
Id., tomo I, p. 101.
54
de troca. Não se tratam de laços unilaterais de dependência, mas de relações
outros."79
produtor ou de sua família, mas aquela que tem em vista precisamente a superação
como o diz Marx, o grande fato histórico do capital na medida em que ele é a
existência necessária deste mais-trabalho. Sob esta forma, a produção tem como
objetivo não mais a subsistência ou outro limite qualquer baseado no valor de uso.
79
Id., tomo I, p. 91.
55
sumaríssima, aqui, como "dinheiro que se produz a si mesmo"80 ou valor que gera
valor - constitui a base de uma produção sem limite, de uma produção universal, que
só tem a si mesma como limite. Nas palavras de Marx, "O capital, enquanto
medida, a ultrapassar seu próprio limite. Todo limite é e só pode ser limitado por
ele."81 Os limites da forma social moderna são aqueles postos pela produção mesma e
do homem em relação às suas condições objetivas de ação, bem como em relação aos
laços sociais aos quais o indivíduo estava submetido e reduzido a meio para a
realização de fins que lhe eram externos. Nesta nova formação social, o indivíduo e
sua atividade têm frente a si tais condições e não estão a elas submetidos numa
determinação natural. Os indivíduos ativos não são mais apenas um elemento dentre
portanto, uma forma de atividade através da qual ocorre a criação de nexos sociais
mais desenvolvidos. Daí porque, para Marx, a sociabilidade moderna, dada pela nova
80
Id., tomo I, p. 273.
81
Idem
56
entendida, porém, "não como universalidade pensada ou imaginada, mas como
como mediador das relações entre eles e as determinações de seu trabalho. Esta
aspectos; sendo, o primeiro deles, o fato de que: "é apenas no valor de troca que a
82
Id., tomo II, p. 34.
83
Id., tomo I, p. 92.
84
Id., tomo I, p. 100
57
mera "ilusão". Os indivíduos são, aí, indiferentes entre si mas, de forma
entre valores de troca ou, mais precisamente, a forma do dinheiro, não se trata de uma
independência do indivíduo singular em relação ao todo social mas, sim, que esta
como algo externo e abstrato em relação aos indivíduos singulares - como o veremos
na próxima seção. Nas palavras de Marx: "esta relação objetiva de dependência, esta
relação de coisas, não é outra coisa senão o conjunto das relações sociais que fazem
eles mesmos."85
produção social, muito embora o seja apenas em si e não para si, isto é, muito
embora, aos indivíduos singulares, esta conexão só apareça na troca, já que, como o
veremos, eles não têm o controle sobre tal produção enquanto indivíduos sociais e
próprio mundo das coisas, o mundo real - tem, no entanto, como fundamento, como
base de si mesmo, relações de produção. Não se trata de simples troca entre coisas. A
aquele que é mais visível, que aparece à superfície. "A circulação, que aparece, pois,
85
Idem.
58
como dado imediato à superfície da sociedade burguesa, existe apenas na medida em
que ela é, sem cessar, mediatizada. Considerada nela mesma, ela é a mediação de dois
determinado grupo, deixa de ser trabalho particular, para tornar-se trabalho produtor
sobre a troca de valores de troca é o de que a atividade e seu produto não estão mais
ligados a uma forma determinada. Sendo, ambos, valores de troca, são "algo universal
seja, o trabalho que é, em si mesmo, valor de troca, é aquele que também produz
serem trocados e que, com o desenvolvimento social, torna-se autônoma frente a tais
86
Id., tomo I, p. 195
87
Id., tomo I, p. 185
88
Id., tomo I, p. 92
89
Id, tomo I, p. 62.
59
nesta sociabilidade, possuem um aspecto ampliado, universal. O dinheiro é
riqueza deixa de ser somente uma forma para ser o próprio conteúdo. Nele, “o
particular”. Ou seja, deixa de ser apenas forma ideal, não efetivada - como quando tal
riqueza está posta apenas nas coisas particulares: “na medida em que a mercadoria
efetividade real. Mas, para Marx, tal universalidade da riqueza em sua forma concreta
seu próprio fim ou a posição do outro como meio para si apenas enquanto este outro
assim também se realiza como fim para si mesmo - "O indivíduo A serve à
60
outro reciprocamente como de seu meio."91 - esta relação social, tornada efetiva e
relação aos outros e voltados, cada qual, exclusivamente para seus interesses
natural da troca, mas (...) ela é, enquanto tal, indiferente a cada um dos dois sujeitos
da troca e (...) esta reciprocidade tem interesse para ele apenas na medida em que ela
satisfaz seu interesse enquanto, este, exclui aquele do outro e não o leva em conta. O
que quer dizer que o interesse coletivo - que aparece como motivo do ato de conjunto
- é, certo, reconhecido, pelas duas partes, como um fato, mas não é, enquanto tal,
motivo; faz, por assim dizer, seu caminho às costas dos interesses particulares
outro."92
que realiza efetivamente a atividade sensível como atividade social, mas que o faz de
lhe, ou seja, termina por ganhar uma força que se defronta com os próprios
indivíduos enquanto potência que lhes é estranha. Isto porque, tanto a objetividade
resultante, quanto a própria atividade enquanto tal, apenas adquirem este caráter
91
Id., tomo I, p. 185
92
Idem
61
O trabalho do indivíduo não é imediatamente trabalho social, assim como seu
dos demais. A troca é o médium que permite sua participação à produção universal.
Seu trabalho compra imediatamente o produto - "o objeto de sua atividade particular"
- mas compra apenas este produto determinado, particular; "seu tempo de trabalho
particular não pode ser trocado imediatamente por qualquer outro tempo de trabalho
mediatizada, tomar uma forma de objeto diferente dele para que ele acesse esta
trocabilidade universal."93
ativo singular quando assume a forma universal do valor de troca, como referimos, "é
apenas no valor de troca que a atividade própria de cada indivíduo singular ou seu
algo distinto dela própria. Troca esta que se põe, como veremos, no próprio ato da
produção e não apenas na circulação de mercadorias enquanto tal. "O caráter social
da atividade, a forma social do produto, bem como a parte que o indivíduo toma na
produção, aparecem, aqui [no dinheiro], frente aos indivíduos, como algo estranho
dos embates dos indivíduos indiferentes entre si. A troca universal das atividades e
produtos torna-se condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca
93
Id., tomo I, p. 108
94
Id., tomo I, p. 92
62
lhes aparece como estranha, independente, como uma coisa. No valor de troca, a
resultado, estão não apenas cindidos em relação aos indivíduos, numa relação de
sua objetivação ativa e esta mesma objetivação enquanto processo estão subsumidas,
generalidade objetiva que subsiste por si, fora delas enquanto determinações e
que a coloca numa relação de dependência recíproca, ela, por outro lado, não conclui
situa-se estranhado com relação aos indivíduos ativos efetivos, em outras palavras, já
– não é imediatamente um resultado para eles. Os indivíduos produtores não são, aí,
indivíduos sociais genéricos que possuem poder efetivo sobre sua produção
63
concreta, real, de suas determinações universais em relação às particulares. Cisão,
esta, que possui sua forma primígena na contradição da mercadoria particular com o
dinheiro.
pela produção que tem origem a troca e de necessidades próprias a esta última, que
produção, em que esta última se desenvolve cada vez mais enquanto relação social
valor de troca tornado autônomo. "A relação de troca se fixa enquanto poder externo
em relação aos produtores e independente deles"99, ganha uma força que submete os
indivíduos produtores a ela. É ela que passa a dirigir, a dar forma `a produção. "O
98
Id., tomo I, p. 81
99
Idem
64
produto torna-se mercadoria; a mercadoria torna-se valor de troca; o valor de
destaca dela enquanto dinheiro, adquire uma existência social universal, distinta de
produto a si mesmo enquanto valor de troca torna-se sua relação a um dinheiro que
existe ao lado dele ou, ainda, relação de todos os produtos ao dinheiro que existe fora
de todos eles. Assim como a troca efetiva dos produtos engendra o valor de troca
e seu valor de troca ou, o que vem a ser o mesmo, no momento mesmo do surgimento
mercadoria"101. Pois, esta cisão implica em que "estas duas formas de existência da
mercadoria não sejam conversíveis uma na outra (...). Desde que o dinheiro é uma
também ligada a condições externas, que podem intervir ou não; está submetida a
100
Ibidem
101
Id., tomo I, p. 82
102
Idem
65
valor de troca é a determinação principal da mercadoria, é aquela que
representa trabalho universal, o trabalho enquanto tal. Daí porque Marx diz que
troca.
particulares diz, portanto, respeito não apenas à relação do trabalho enquanto trabalho
indivíduo ativo com sua própria produção. Esta última encontra-se parcialmente
atividade, nesta forma social da produção, é também uma relação de troca - muito
embora, como será visto, não se trate, aqui, de uma troca de equivalentes. O
sua força de trabalho, o uso desta última durante certo período de tempo. Troca, esta,
forma ainda mais clara na medida em que não apenas a atividade do indivíduo só se
torna atividade para ele quando transformada, como vimos, na forma universal do
dinheiro, como também sua relação ou poder social - ou seja, sua relação com a
de algo que lhe é externo. O meio de troca é quem possui o poder sobre todas as
atividades e bens. Como vimos, é ele quem possui a força social. Todo este rico
66
dele se apropriar, apenas ele tem este poder consigo. "O poder que todo indivíduo
exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as riquezas sociais existe, nele, enquanto
ele possui valores de troca, dinheiro. Seu poder social, bem como sua conexão com a
sociedade, ele os traz consigo em seu bolso."104 A relação do indivíduo tanto com sua
A produção não consiste, porém, aqui, num processo de troca simples - como
social de produção, aquelas determinações gerais: o instrumento, como algo que faz a
mediação entre o sujeito ativo e os fins por ele almejados; o trabalho, como atividade
veremos à frente, "do ponto de vista da forma, o capital não consiste em objetos de
substâncias, bem como aquela substância alterada que consiste no produto, lhes são
indiferentes. O que não significa, porém, que tal processo de transformação material
não ocorra aqui. Ao contrário, ele não apenas está pressuposto, como "O processo de
que o trabalho vivo, nele, é posto em sua relação natural com seus momentos
materiais de existência"106.
104
Id., tomo I, p. 92
105
Id., tomo I, p. 251
106
Id., tomo I, p. 304
67
Mas, para além desta propriedade do trabalho que Marx chama, aqui, de
trabalho, "um valor de uso superior àquele que ele possuía antes."107 A atividade ainda
valor de uso - embora esteja posto como determinação secundária, subjugada pelo
valor de troca - não deixa de subsistir como determinação material sobre a qual se
subsistir na mercadoria, mas passa a ser valor de uso para outros. O que passa a
interessar é não o valor de uso que a mercadoria tem para o indivíduo produtor,
mas seu valor de uso para a sociedade. Mudança esta que não implica, de forma
alguma, porém, um atestado de óbito ao valor de uso, sua colocação como simples
base sem importância. Muito embora ele deixe de existir no produto, ou melhor, na
mercadoria - na medida em que o produto não é mais posto como produto, mas como
mercadoria - enquanto valor de uso para o indivíduo ativo, ele não apenas está sempre
presente: " já vimos que a diferença entre valor de uso e valor de troca faz parte da
própria economia e que, contrariamente ao que faz Ricardo, o valor de uso não se
encontra morto como simples pressuposto"108, como constitui-se, como pode ser visto
ao longo deste capítulo, em todos os momentos deste modo de produção, num ponto
107
Id., tomo I, p. 250
108
Id., tomo I, p. 259
68
de tensão fundamental. "Embora imediatamente reunidos na mercadoria, valor de uso
e valor de troca se dissociam de forma também imediata. Não apenas o valor de troca
não aparece determinado pelo valor de uso, como também, ao contrário, a mercadoria
que a possui não se relaciona com ela como um valor de uso. É apenas alienando-os,
trocando-os por outras mercadorias, que ele se apropria dos valores de uso. A
valor de troca se apresenta como a expressão mais simples e mais abstrata. O valor de
uso da mercadoria é, certo, pressuposto, mas não por seu proprietário: ele o é apenas
consiste nem em um processo de troca simples nem, por outro lado, exclusivamente
assim como o valor - é, antes de mais nada, "produto do trabalho, é tempo de trabalho
109
Id., tomo II, p. 376
110
Id., tomo I, p. 204
69
mesmas, ou seja, encontra-se sob a forma dinheiro; da mesma maneira, sob a
com o trabalho vivo, com o trabalho enquanto valor de uso. "Se, na moeda, o valor de
troca - isto é, todas as relações das mercadorias enquanto valores de troca - aparece
simples circulação de dinheiro, não é apenas moeda. Esta é apenas uma de suas
formas e, como vimos, aquela que se apresenta à superfície ou na qual ele ainda não
se tornou a base da produção, mas é apenas capital comercial. Por outro lado, o
capital também não é apenas trabalho objetivado que serve de base a uma nova
produção, como o concebe Ricardo: "Quando se diz que o capital 'é trabalho
abstração da determinação formal sem a qual ele não é capital." 112 Se o capital é
trabalho objetivado, isto é apenas uma de suas determinações - não menor, mas que
da determinação pela qual ele é uma relação social determinada: "A diferença entre
produto e capital é justamente que o produto tomado enquanto capital exprime uma
111
Id., tomo I, p. 194
112
Id., tomo I, p. 197
113
Id., tomo I, p. 205
70
por outro lado, o produto de seu trabalho não tem nenhum valor para ele, mas
capital possui como pressuposto ontológico - como pressuposto que se põe como
significa, pois, na origem (e, isto, sob sua forma asiática, eslava, antiga, germânica)
que o sujeito que trabalha (que produz) (ou se reproduz) se relaciona com as
condições de sua produção ou de sua reprodução como com condições que são as
desta produção. A produção, ela mesma, tem por objetivo a reprodução do produtor
atividade - na maioria dos casos; ou que se põe como existência meramente objetiva,
escravidão ou servidão.
como reprodução "em e com suas próprias condições objetivas de existência". Tais
71
produção, pelo trabalhador, de suas condições de produção - seja destas sob a forma
de laboratório natural, isto é, sob a forma da terra, que representava, nos diferentes
seja sob a forma de meios de subsistência, a qual subsiste em todas estas formas de
enquanto capital, ou seja, enquanto valor autônomo frente a ele, pressupõe, pois, a
suas condições de produção. "No capital, a associação dos operários não é obtida pela
mas por esta outra coação que se apoia no fato de que as condições da produção
produção."116
do comércio, da troca. Esta, no entanto, não é suficiente para fazer surgir o capital.
Para que este surja enquanto tal - enquanto valor auto-subsistente, posto pela mas,
115
Id., tomo I, p. 434
116
Id., tomo II, p. 81
72
também, pressuposto à circulação - todo um processo sócio-histórico é pressuposto.
condições não mais atadas àqueles que com elas trabalham. Da mesma forma que os
laços políticos que os ligava a elas, também estas encontram-se, agora, como "fundo
livre" frente a tais indivíduos ativos: "elas só fazem face a estes indivíduos separados
uma fonte tão insignificante que ela não é digna historicamente de ser mencionada,
uma vez pressuposto que o dinheiro é ganho pelo homem por meio da troca de seu
deles. Visivelmente não se trata de uma criação, pelo dinheiro, das condições
objetivas do trabalho, tais quais estas são oferecidas ao trabalhador que delas está
117
Id., tomo I, p. 441
118
Id., tomo I, p. 442
73
desprovido para a efetivação do processo de trabalho. Mas, ao contrário, "a fortuna
O que o capital, enquanto sujeito, faz é "comprar umas por meio das outras",
"Nada tinha mudado, não fosse o fato de que, agora, estes meios de subsistência
com as bocas dos retainers, etc. e transformados - de valores de uso que eram - em
inventou, nem fabricou a roldana e a máquina de tecer. Mas, separados de seu terreno,
os fiandeiros e os tecelões caíram sob seu domínio com suas máquinas e suas
de instrumentos que ele encontra tais quais. Ele as aglomera sob seu comando
119
Id., tomo I, p. 447
120
Id., tomo I, p. 446
74
propriedade que lhe correspondem (relações do trabalho com suas condições
121
objetivas) e impele, assim, ao estabelecimento do mercado de trabalho." Com o
seu trabalho, ou seja, a forma da troca de equivalentes. Troca esta, que mostra,
trabalho pelo capitalista, por outro, dá a este último o poder de se apropriar não mais
apenas do produto mas, também, dos próprios meios de produção, de colocar também
estes sob seu comando e não apenas os trabalhadores artesãos enquanto tais. O que já
mercadoria pelo valor de troca correspondente - passa a ser, pois, cessão necessária de
trabalho vivo por trabalho objetivado: "Originalmente, ele comprou o trabalho deles
apenas pela compra de seu produto; desde que eles se limitam à produção deste valor
troca, a trocar completamente seu trabalho por dinheiro para poderem continuar a
existir - eles caem sob sua dominação e, finalmente, vê-se desaparecer até a aparência
que levava a crer que eles lhe vendiam produtos. Ele compra o trabalho deles e lhes
121
Id., tomo I, p. 447
75
retira, primeiro, a propriedade sobre o produto, logo, também sobre o instrumento
(...)"122.
qual permanece enquanto aparência - para uma apropriação sem troca do trabalho de
atividade presente no tempo, quanto como trabalho objetivado - pelo trabalhador. "O
fato, por exemplo, de que o mais-trabalho seja posto como mais-valia do capital
significa que o operário não se apropria do produto de seu próprio trabalho; que ele
valor de uso de seu trabalho, mas apenas de seu valor de troca. O valor efetivamente
produzido por ele, ou seja, aquilo que o uso efetivo de sua força proporciona ou
produz não é apropriado por ele próprio mas, sim, pelo trabalho objetivado já
apropriado por outrem e que se põe, agora, frente a ele, como outro, como
122
Id., tomo I, p. 448
123
Id., tomo I, p. 409
76
- ou seja, no capital já acabado e se realizando enquanto processo que põe suas
mais-produto, isto é, como capital - seja em sua forma de meios de produção, seja
soma do mais-trabalho. Este valor novo - que faz face ao trabalho vivo enquanto
valor autônomo, trocando-se por ele enquanto capital - é o produto do trabalho. Ele
de mestrado e o recorte que se objetiva com esta, não será tal assunto abordado
- o trabalhador produz, pois, para além daquilo que é necessário a sua reposição
ou mais-valia da qual ele, porém, não se apropria. Melhor dizendo, o indivíduo que
trabalha apropria-se, aí, apenas daquilo que Marx denomina de "trabalho necessário"
por oposição a este excedente. A ele é pago o valor de troca efetivo de seu trabalho,
ou seja, o tempo de trabalho necessário a sua reposição como trabalho vivo, o que ele
efetivamente a apporté à produção, mas não, seu valor de uso, aquilo que ele
124
Id., tomo I, p. 390
77
efetivamente produziu. O trabalhador não recebe uma parte determinada do produto
nem, muito menos, o produto integral de seu trabalho, mas uma parte do tempo que
trabalhou sob a forma de dinheiro - o que veremos de forma mais detalhada na seção
seguinte.
apropria põe-se, aí, como condições ou valores para si, como valores que se mantêm
multiplicando-se por meio da troca sempre renovada com o trabalhador, como "O ser-
potência de trabalho viva ou, ainda, o fato de que estas condições se põem frente a
elas [às potências de trabalho vivas] como propriedade de outro, como a realidade de
uma outra pessoa jurídica, o domínio absoluto da vontade desta pessoa e que,
(...)."125
trabalho e das condições objetivas deste em relação ao trabalho enquanto sujeito vivo
78
em que estas ganham a forma de sujeito, de "personificação que possui uma vontade e
outro valor de uso particular, mas sob a forma de todos os valores de uso existentes,
posto, como também o refere Marx, sob a forma parada de objeto - é, neste modo de
produção, uma riqueza universal, vem a ser, valor de troca, trabalho universal e,
em si mesmo a forma universal da riqueza. Na medida em que ele não é mais apenas
meio de troca, mas representa, como vimos na seção A do presente capítulo, o próprio
conteúdo da riqueza, a riqueza enquanto tal - tanto em sua abstração, quanto em sua
totalidade - ele encarna não apenas a forma e o conteúdo da riqueza, ou seja, ele não
apenas é, ele próprio, a riqueza posta, concreta, realizada - riqueza que se põe não
enquanto forma apenas, enquanto abstração, como nas mercadorias particulares - mas
também é a riqueza de forma geral, a riqueza que se põe como forma universal, acima
de suas substâncias particulares. Ele é "a forma encarnada da riqueza frente a todas as
79
frente a elas - a forma universal da riqueza, enquanto a totalidade destas
mercadorias."126
Neste sentido, o dinheiro assume a forma da riqueza por excelência. Ele, sim,
é a riqueza e não sua substância concreta: as mercadorias particulares. Pois, ele é que
é "1) o preço realizado"; enquanto, nas mercadorias, o preço - o valor de troca ainda
não realizado, posto como valor de troca na mercadoria mesma - é apenas enquanto
circulação enquanto valor de troca, isto é, depende de sua venda; e, ainda, o dinheiro
"2) satisfaz toda necessidade na medida em que pode ser trocado pelo objeto de
qualquer que seja esta"; enquanto que "a mercadoria possui esta propriedade apenas
específico dela, com a necessidade específica que ela satisfaz. Daí porque é, o
Disto decorre que a posse da riqueza não é mais, como nas formas precedentes
126
Id., tomo I, p. 159
127
Idem
80
permanece sendo processo pelo qual ocorre a subjetivação de objetividades - por
sendo sujeito que, na relação que estabelece com a objetividade social, exterioriza,
objetiva e desenvolve suas próprias forças. Assumindo a produção, aqui, uma forma
cada vez mais social, trata-se, é verdade, de uma objetivação de forças sociais, de
indivíduo não é aquela do indivíduo em sua determinidade natural, mas dele enquanto
posto em uma determinação (em uma relação) social que lhe é, ao mesmo tempo,
exterior."128
entretanto, nesta sua forma específica de ser, uma desvinculação entre apropriação e
indivíduo enquanto indivíduo ativo pressupõe justamente que ele não se aproprie de
seu trabalho, de outro lado, a relação com esta riqueza torna-se fortuita, contingente,
torna-se relação que não diz respeito à apropriação pelo trabalho. A relação com a
riqueza enquanto dinheiro não supõe uma relação intrínseca do indivíduo com seu
81
que tal relação é apagada. Assim o explica Marx: "Toda forma da riqueza natural,
antes de ser relegada e substituída pelo valor de troca, supõe uma relação essencial do
indivíduo com o objeto: o indivíduo se objetiva ele mesmo, por um de seus lados, na
apenas o universal, enquanto ele não é senão resultado social - não pressupõe
contrário, é posse do que é sem individualidade, dado que esta relação social existe,
individualidade, isto não implica, seja dito novamente, que a produção não se efetive
enfatizar, e que fica claro da penúltima passagem de Marx citada por nós, é que o
contrário, não só este caráter é afirmado pelo fato mesmo de que o estranhamento
resulta, é posto, ele próprio, pela atividade: "esta separação absoluta entre
82
realização; entre trabalho objetivado e trabalho vivo; entre o valor e a atividade
relação do indivíduo com sua atividade é, somente aqui, posta como relação na qual a
determinação social, própria à forma de ser dos homens, torna-se efetiva e pode se
Muito embora a riqueza produzida não apareça aos indivíduos como este rico
evolver de potencialidades sociais, mas esteja posta sob a forma abstrata de dinheiro,
como algo no qual eles não se reconhecem, a apropriação da riqueza torna-se, aí, uma
concreta, ou seja, uma relação do indivíduo não apenas com suas próprias forças
mas com todo o universo da riqueza social produzida. Neste sentido, significa a
não apenas em si. No entanto, a relação do indivíduo social com o produto total de
sua atividade não depende, aqui, desta mesma relação enquanto atividade criadora,
determinada forma da riqueza - ou seja, o fato de que seu círculo de fruições esteja
83
consumidores, (...) uma outra importância, enquanto agentes da produção, que aquela
que eles têm ou que eles tinham na antigüidade ou na idade média, ou, ainda, na
encontra-se em condições de igualdade com ele: não é, enquanto tal, sua propriedade,
frente ao capitalista, como proprietário de sua potência de trabalho. Ele lha vende, ele
mesmo, como sua propriedade, como um de seus momentos sobre o qual ele tem
equivalente do qual ele se apropria aparece, em suas mãos, apenas como numerário,
como meio de troca em vista de bens de consumo. O trabalhador não recebe riqueza.
Ele recebe, na verdade, apenas valor de uso, apenas o estritamente necessário a sua
economizem, eles não podem obter riqueza"133, pois, seus salários certamente cairiam
e eles voltariam a sua condição normal, qual seja, a do uso do salário exclusivamente
para a sobrevivência.
Marx não nega que tenham existido formas sociais em que os proprietários
trabalham e trocam, eles próprios, entres eles. Apenas quer mostrar que o capital é
exatamente o aniquilamento destas formas, pois, para ele se pôr enquanto capital, "ele
só pode se pôr como tal, pondo o trabalho como não-capital, como puro valor de uso.
84
livre ele não tem valor, tem um valor apenas a disposição de seu trabalho, obtida
graças à troca com ele. Não é ele que faz face ao capitalista como valor de troca, mas
trabalho existente no tempo, com o trabalho vivo. Uma relação pela qual o primeiro
se põe, enquanto valor, de forma autônoma em relação a este último, mas não só. Tal
relação pressupõe, como vimos, a produção deste mesmo valor através da troca entre
objetiva de suas condições - nesta forma social, quando se põe em relação de troca
com o trabalho enquanto capital. Troca, esta, que é exatamente a base deste modo de
produção que tem, como resultado, uma mais-valia, um valor superior àquele posto
enquanto capital - isto é, enquanto valor de troca que tornou-se autônomo. Daí
porque, segundo Marx, a igualdade só é base desta relação num certo sentido. A troca
numa relação de troca simples, onde cada um recebe o equivalente daquilo que pôs na
com base no uso da força de trabalho. Trata-se de uma igualdade aparente porque o
134
Id., tomo I, p. 230
85
valor de uso do trabalho, o uso que o capitalista dele faz, não é indiferente nesta
exclusiva, ser mercadoria que cria valor. Portanto, a relação que se encontra na
superfície, aquela da troca de equivalentes, repousa sobre esta outra, pela qual se
contrapartida, seu uso e, pois, um valor ampliado. Daí porque a troca entre capital e
trabalho não é uma troca simples. Se o primeiro ato em que ela se desdobra - a troca
do trabalho por salário - constitui-se, enquanto tal, numa troca simples, onde a
mercadoria trabalho é trocada, como qualquer outra, por seu preço; seu segundo
trabalho, da atividade que põe valor - não pode, no entender de Marx, nem mesmo ser
troca entre o capital e o trabalho, o primeiro ato é uma troca, ele entra totalmente na
aquela pela qual se efetua a transação, não possui nenhum interesse para a
135
Muito embora os Grundrisse inaugurem, segundo Chasin, nova fase na
trajetória de Marx, precisamente devido à "distinção entre trabalho e força de
trabalho" (CHASIN, J. "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in A Burguesia e a
Contra-Revolução, p. 25); tal distinção não é necessariamente explicitada por
Marx em todos os momentos - como não o é neste ao qual nos referimos. E, isto,
provavelmente, pelo fato mesmo de que se trata do momento de gestação, do
reconhecimento primeiro dela. Esta autora ficaria, por necessidade de precisão,
naturalmente tentada a referir, nesta frase e nas que a ela seguem neste
parágrafo, não à categoria trabalho, mas à de força de trabalho. Tendo em vista,
porém, a proposta metodológica desta dissertação, houvemos por bem manter o
termo usado por Marx no caso específico.
136
Id., tomo I, p. 216
86
determinação formal da relação; tanto assim que ela sai, ao final, desta para entrar
pela qual se realiza, aí, a troca possui, pois, interesse apenas enquanto valor de uso, o
valor de troca dela está presente como determinação meramente formal. Já, na troca
relação econômica. O valor de uso desta mercadoria não apenas não é algo indiferente
ou alheio à transação, como, na verdade, é o fim visado por ela. "No caso presente,
diz Marx, inversamente, o valor de uso do que foi trocado por dinheiro aparece como
relação econômica particular e é o uso determinado do que foi trocado por dinheiro
que constitui o objetivo último dos dois processos. Isto já distingue, pois, de um
ponto de vista formal, a troca entre o capital e o trabalho da troca simples: são dois
diferença entre a troca que realizam entre si capital e trabalho e a troca simples, mas
com o valor que se apresenta, frente a ele, como sujeito pelo fato de que este último
se apropria, sem troca, sem igual contrapartida, de um sobrevalor, por outro lado,
nem mesmo aquilo que o trabalhador recebe - a fração diminuída de sua força de
trabalho - configura-se, para ele, como sendo riqueza universal. O trabalhador recebe
riqueza universal, assim como o capitalista. No entanto, ele recebe tal riqueza apenas
137
Idem
87
em potência, já que, na realidade, o mesmo equivalente converte-se imediatamente,
igualdade, já que produz riqueza universal, valor, mas recebe, em troca, apenas valor
de uso. E esta é, segundo Marx, precisamente a condição para que o capital se ponha
como capital, como valor para si: "Enquanto o trabalhador, enquanto tal, tem um
valor de troca, o capital industrial não pode existir enquanto tal e, portanto, menos
ainda, a fortiori, o capital desenvolvido. Frente a este último, é preciso que o trabalho
exista unicamente como puro valor de uso que seu proprietário oferece, ele mesmo,
como mercadoria, em troca de capital, isto é, em troca de seu valor de troca (ou de
troca torna-se efetivo, para o trabalhador, apenas enquanto moeda - valor de troca
posto sob forma ideal, que se realiza na relação apenas quando desaparece, quando
deixa de ser valor de troca - e, portanto, não enquanto capital, enquanto valor de troca
objetivo, concreto. "A separação entre a propriedade e o trabalho aparece como lei
necessária desta troca entre capital e trabalho."139 O trabalho é posto, aí, exatamente
como a não riqueza efetiva, como a produção ou riqueza negada. Ele aparece, no
capital, com quem ele troca, é que se apresenta como valor, como incorporação de
tempo de trabalho.
138
Id., tomo I, p. 231
139
Id., tomo I, p. 234
88
formas da propriedade fundiária - "independentemente do trabalho, o trabalhador tem
Ele existe apenas de forma separada, cindida, em relação à objetividade posta por ele
estas determinações, como mera faculdade: como potência de trabalho. Ele possui
ativa é, aqui, uma existência unilateral, que não pode efetivar-se por si mesma. A
individualidade ativa só pode efetivar-se como ser que se auto-põe desde que
que pode oferecer o trabalhador frente ao capital, portanto, aquilo que ele pode
oferecer aos outros de uma forma geral, não está materializado num produto, não
existe simplesmente fora dele, não existe realmente mas, apenas, potencialmente,
solicitado, posto em movimento pelo capital – pois, uma atividade sem objeto nada é
(...)”.141 O trabalho presente como trabalho vivo só é presente como sujeito vivo, ou
seja, como possibilidade, como trabalhador. O indivíduo não se põe como momento
140
Id., tomo I, p. 411
141
Id., tomo I, p. 207.
89
exclusivamente como valor de uso para o capital, como existência que só tem valor
como força de trabalho. Força esta, ela própria, desprovida – enquanto manifestação
Para Marx, como não poderia ser diferente, mesmo esta forma puramente
não-objetivo, ele mesmo, sob forma objetiva) (...). O trabalho como a pobreza
absoluta: a pobreza não como falta, mas como exclusão total da riqueza objetiva. Ou,
objetivo, existindo sem mediação – esta objetividade só pode ser uma objetividade
não é uma objetividade que sai para fora da existência imediata do indivíduo ele
pessoa – “’fora de seu trabalho’ ele é, ainda, algo para si mesmo” – ou seja, ele não é,
ele próprio, um valor de troca ou objeto de outrem, mas encontra-se livre para poder
alienar ou não sua atividade; a qual, esta, sim, é que é, aqui, apenas valor: “a
142
Id., tomo I, p. 234
143
Idem
90
alienação das manifestações exteriores de seu ser vivo é apenas um meio de sua
própria vida”144.
trabalho; é ser sujeito em relação às manifestações exteriores de seu ser vivo - o que
144
Id., tomo I, p. 231.
91
terra, assim como o gado de lavoura. Na relação de escravidão, o trabalhador
não é outra coisa que não uma máquina de trabalho viva, que tem, por aí mesmo, um
trabalho aparece, em sua totalidade mesmo, como sua propriedade, como um de seus
momentos sobre o qual ele tem influência enquanto sujeito e que ele conserva
alienando.”145
A forma moderna da produção possui, assim, este aspecto positivo no que diz
respeito à condição do trabalho vivo. Marx diz ser preciso distinguir o mercado de
capitalista não é sua pessoa, mas a manifestação de sua força de trabalho. Muito
embora o indivíduo que trabalha seja, na verdade, mera potência de trabalho, seja
formal. Apresenta-se, frente ao capitalista, como pessoa, como ser que possui certa
liberdade de escolha. Liberdade que se revela, porém, uma liberdade aparente, já que,
se o indivíduo, enquanto tal, não é mais mero objeto, dentre outros, do processo de
trabalho, se ele não é mais, enquanto indivíduo singular, escravo ou servo, suas
92
A sociabilidade engendrada pelos indivíduos ativos, suas condições objetivas
produção, mas, ao contrário, a potência de trabalho sai desse processo como uma
dependente delas, já que não se auto-sustentam nem enquanto seres vivos, enquanto
força de trabalho viva, muito menos em sua manifestação de vida. Dependem tanto
de meios de subsistência – aqueles que mantêm acesa sua chama de vida enquanto
atividade dos indivíduos é que são seres para si. Eles é que são efetividades postas,
objetivamente, mas põe sua objetividade como seu próprio não-ser ou como o ser de
"regulada, medida e dirigida por algo que se coloca ante ao indivíduo ativo e sua
146
Id., tomo I, p. 401.
147
Id., tomo I, p. 393.
93
própria atividade enquanto uma potência alheia"148. Potência esta que é, na verdade,
sua própria despotencialização, sua própria potência voltada contra si. Pois, o
para impregná-lo de uma lama vivificante e para perder sua alma em proveito
daquele (tendo por resultado ter produzido a riqueza criada como algo estranho, e de
atividade, por um lado, produtora de uma riqueza que lhe é estranha e que a submete
CAPÍTULO III
A EMANCIPAÇÃO HUMANO-SOCIETÁRIA
forma social moderna porque, nesta, "O acento está colocado não sobre o fato de ser
148
ALVES, A., Op. Cit., p. 109.
149
MARX, K., Manuscrit de 1857-58, tomo I, p. 225.
94
produção personificadas, isto é, sobre o pertencimento ao capital desta prodigiosa
ela estabelecida como objetividades, Marx não deixa de entender seu caráter finito e,
portanto, superável, dado ser, segundo o mesmo autor, uma necessidade ‘histórica’ e
produtivas do indivíduo”152.
95
modernidade porque, nela, tais potencialidades constituem-se em pressupostos
produtivas que constitui a base da apropriação, mas uma relação determinada com as
previamente posto pelas forças produtivas; relação que só deve ser reproduzida
(...)"153
sociedade são mortas com o desenvolvimento da riqueza ou, o que dá no mesmo, das
forças produtivas sociais. Fato pelo qual, entre os antigos, que disto tinham
A constituição feudal, quanto a ela, é morta pela indústria urbana, pelo comércio, pela
agricultura moderna (e, ainda, pelas invenções isoladas, como a pólvora e a imprensa
153
Id., tomo II, p. 96
96
políticas dos diferentes componentes da comunidade que correspondiam a esta última
(...)"154.
condições específicas que lhe antecedem, mas se pôs precisamente como processo de
capital. O pressuposto deste é seu próprio produto e não algo que lhe antecede e
determina a priori: "O capital põe como pressuposto de sua reprodução a própria
valor de uso; ele não inclui, portanto, nenhum tipo particular de consumo, etc., de
tráfico, etc., como condição absoluta. (...) Seu pressuposto, ele próprio - o valor - é
posto como produto e não como um pressuposto superior que pairaria sobre a
continuamente a si próprio.
aí, forças ou potências coisificadas, autônomas em relação aos indivíduos ativos. Daí
154
Id., tomo II, p. 33
155
Id., tomo II, p. 34
97
porque Marx diz ser esta forma assumida pela atividade uma forma a ser superada,
medida em que se tratam de limites postos por ela própria – esta mesma tendência a
produção, “desta prodigiosa potência objetiva”, mas que esta última seja recobrada
como potência própria aos sujeitos da objetivação. Uma tal configuração da atividade
atividade, nesta sociabilidade por vir, “é o caráter social da produção que está
pela troca de trabalhos ou de produtos do trabalho independentes uns dos outros. Ela
98
sociabilidade. A malha societária é sua própria substância, apropriada e reposta por
ele num processo infinito de transformação no qual ele está inserido como indivíduo
social ativo.
efetivasse como sendo para os indivíduos no interior mesmo do ato pelo qual eles se
valores de troca e, de outro, como valores de uso; a superação desta imensa cissura
moderna, é vista, por Marx, como processo que desponta no interior do próprio modo
de produção atual.
99
trabalho imediato extorquida ao trabalhador157, o capital desenvolve-se
progressivamente como processo contraditório, que se põe e que, por este mesmo ato,
põe, também, aquilo que o nega. Pois, o desenvolvimento das forças produtivas -
posto como uma sua necessidade - se faz como desenvolvimento de forças produtivas
cada vez mais sociais ou gerais, frente às quais, o tempo de trabalho vivo ou imediato
aparece como algo cada vez mais ínfimo e sem importância. O desenvolvimento do
capital perfaz-se sob condições nas quais sua valorização torna-se crescentemente
de trabalho - a qual, por sua vez, (a potência eficaz deles) não tem, ela mesma,
los, mas depende, sim, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou seja,
material)"158.
diz Marx, a divisão do trabalho chegou a um ponto tal de mecanização que pôde ser
157
Muito embora se trate de uma 'extorsão' consentida e entendida
exclusivamente desta forma, como visto no capítulo anterior, julgamos
perfeitamente cabível e coerente com o pensamento de Marx, o uso deste termo,
que, ademais, tem o mérito de evidenciar o aspecto fundamental sobre o qual
repousa tal relação: o aspecto de não-troca ou troca sem contrapartida para o
trabalhador.
158
Id, tomo II, p. 192
100
de então, mais e mais para o desenvolvimento da produção material - enquanto
desenvolvimento das forças sociais gerais, aparece, assim, como processo autômato,
como processo natural frente aos indivíduos. "Não é mais o operário que intercala um
objeto natural modificado como meio termo entre o objeto e ele, mas é o processo
natural - processo que ele transforma em um processo industrial - que ele intercala
como meio entre ele e a natureza inorgânica da qual ele se torna mestre. Ele acaba
por se pôr ao lado do processo de produção, ao invés de ser seu agente essencial.
Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, nem seu tempo
de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão
e sua dominação da natureza por sua existência enquanto corpo social ou, numa
sobre o qual repousa a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparada
àquela, recentemente desenvolvida, que foi criada pela grande indústria ela
mesma."159
uso, não é o trabalho imediato nela dispendido. A base e medida da riqueza deixa de
sujeito efetivo, neste novo modo de produção, mas, sim, toda a força produtiva dos
159
Id., tomo II, p. 193
101
indivíduos já objetivada, esta imensa potência concreta tornada, em grande medida -
produção. Desta forma, "Na exata medida em que o tempo de trabalho - o simples
global (...)"160.
último permanece sendo a única fonte da mais-valia. O capital, por si mesmo, não
cria valor. Como reitera Marx, em várias oportunidades ao longo dos Grundrisse,
trabalho são, elas próprias, valores - tempo de trabalho objetivado, materializado, não
pago aos trabalhadores - não são, tais condições, porém, fonte de valor, elas não
põem valor: "A transformação da mais-valia na forma de lucro - esta forma que o
160
Id., tomo II, p. 188. Grifos nossos.
102
capital tem de calcular a mais-valia161 - repousa sobre uma ilusão quanto à
entanto, isto não impede que, do ponto de vista do capital, ela seja necessária. (É
fácil imaginar que a máquina enquanto tal, pelo fato de que ela age como força
trabalho algum, ela poderia aumentar o valor de uso, mas o valor de troca que ela
criaria não seria nunca maior que seu próprio custo de produção, seu próprio valor - o
trabalho objetivado nela. Não é porque ela substitui trabalho que ela cria valor, mas
não pago ao trabalhador ou, em outras palavras, o trabalho excedente dos indivíduos,
pago.
do valor objetivado, com o trabalho vivo. Tal relação foi, entretanto, restringida a
uma parte insignificante do capital existente, já que o trabalho vivo ocupa, agora,
161
Nota desta autora: Não sendo nosso objetivo entrar na diferenciação
pormenorizada entre taxa de lucro e mais-valia, se faz premente ressaltar, no
entanto, que, nos Grundrisse, tal diferença é consideravelmente tratada por Marx
e que, de forma extremamente sucinta, consiste em explicar que o capital - os
vários e diferentes capitais postos na circulação - ao atingir certo
desenvolvimento, toma a si mesmo como referência para o cálculo do valor novo
posto e não mais sua troca efetiva com o trabalho vivo. O lucro é precisamente
esta diferença entre o valor novo produzido e aquele pressuposto à produção.
162
Id., tomo II, p. 256
103
lugar periférico e desprezível na forma automatizada da produção. A extinção do
para Marx, com o fim da produção com base no valor de troca. A fonte e medida da
riqueza não sendo mais o tempo de trabalho imediato, mas a potência social concreta,
indivíduos, graças ao tempo liberado e aos meios criados por todos eles." 163 O modo
pelo qual o capital mantém acesa sua chama, aquele pelo qual ele é capaz de não ver
secar sua fonte de valor, ou seja, a contínua e crescente redução do tempo de trabalho
necessário, tal mecanismo torna-se cada vez mais ineficaz. A redução do tempo de
àquele já existente.
O ponto alcançado com este processo, seu resultado último, é que a redução
do tempo de trabalho necessário não implica mais seu antigo par: a criação de mais-
trabalho necessário torna-se fim. Redução do tempo de trabalho necessário tout court
163
Id., tomo II, p. 193
104
ou, ainda, criação de tempo social livre. Se, por um lado, tal redução não dá mais
origem ao valor, por outro, ela também não implica redução do tempo necessário
cavou sua própria ruína, criou, por outro lado, as condições para o desenvolvimento
geral do indivíduo social. E assim é que Marx descreve tal fenômeno: "A criação de
muito tempo disponível, para além do tempo necessário, para a sociedade em geral e
para cada um de seus membros (isto é, de lazer, para que se desenvolvam plenamente
capital ] contribui, assim, malgrado ele, ativamente para a criação dos meios do
O que foi reduzido, em geral, foi não apenas o tempo de trabalho necessário à
indivíduo ativo e todas as suas capacidades e necessidades postas pelo estágio efetivo
164
Id., tomo II, p. 190
165
Id., tomo II, p. 195
105
condições de uma reapropriação, pelos indivíduos ativos, de toda a riqueza criada,
societária, não depende mais da existência destes indivíduos como meras potências
não implicaria, entretanto, uma supressão imediata do modo de produção. Marx não
entrementes, se manter como processo de valorização. Para não falar, aqui, das crises
desvalorização do capital, ou seja, como mecanismos pelos quais tal tendência seria,
até certo ponto, contida no interior mesmo da circulação do capital - Marx reconhece
que "o capital porá em obra tudo para emperrar a atrofia da relação do trabalho vivo
mecanismos diversos seriam engendrados pelo capital, tais como processos em que
166
Id., tomo II, p. 237
106
O processo pelo qual as condições da reprodução do capital tornam-se cada
vez mais inexistentes é - assim como o foram todos aqueles que, na história humana,
- entendido, pelo autor dos Grundrisse, como um longo e difícil processo. Ao longo
insistente persistência de uma produção que se debate com suas contradições: "Estas
conduzem, este último, pela violência, a um ponto em que ele estará em condições de
cunho epistêmico ou político que devesse ser ou que seria necessariamente seguida
pela ação dos homens visando alcançar uma existência efetivamente livre. O que
resulta de seus estudos sobre o capital é que este realiza, na prática, sua auto-
singular e as determinações de sua vida ativa. O capital, enquanto sendo, ele mesmo,
põe como realidade, pois, "no processo de produção da grande indústria, assim como,
107
sua existência imediata, como trabalho abolido em sua singularidade, isto é, como
uma forma que se, de um lado, adestrou e sujeitou definitivamente - isto é, da forma a
mais elaborada e rica até então já vista - a natureza à sociabilidade; de outro lado,
pôs esta sociabilidade como pressuposto efetivo da produção. O indivíduo ativo não
sob a forma de forças combinadas e entendimento social objetivado. Daí porque "A
concentração de provisões em uma só mão não é mais necessária." 169 Pois, já foram
agora, sobre a produção mesma, sobre o valor de uso criado e não mais no valor de
troca. Este último deixa de ser, pois, aquilo que determina a produção, o que
de troca desta para situar-se em seu caráter de produção de riqueza e potência social
dar, agora, por meio de si mesma, ou seja, por meio da própria produção, da relação
168
Id., tomo II, p. 197
169
Id., tomo II, p. 106
108
dos indivíduos com seu mundo efetivo. Para Marx, o vir-a-ser efetivo das condições e
que, em suas próprias condições de reprodução, põe aquelas que são, ao mesmo
desta base mesma (o desabrochar no qual ela se transforma, mas é sempre esta base,
esta mesma planta enquanto floração - daí porque ela murcha após e na seqüência de
seu desabrochar) é o ponto em que ela foi, ela própria, elaborada até tomar a forma
portanto, também, com o desenvolvimento mais rico dos indivíduos. Desde que este
Tudo o que vemos ratifica, pois, a crítica de Marx aos economistas que, como
109
imutáveis, e exclusivamente a distribuição da riqueza como passível de mudança pela
mão humana. Segundo Marx, "As 'leis e condições' da produção da riqueza e as leis
da 'distribuição da riqueza' são as mesmas leis sob uma forma diferente e estas duas
embora seja, ela, o ponto de partida ontológico, aquele a partir do qual retomam os
condições de produção - que são, também, produto do trabalho - seja, ainda, enquanto
como o consumo e a troca, ela não se identifica com a produção, mas, por outro lado,
acordo tanto com a produção passada, quanto com a presente. O que implica em dizer
171
Id., tomo II, p. 324
172
Cf. MARX, op. cit., tomo I, p. 28
173
Id., tomo I, p. 33
110
que a mudança, o desenvolvimento, no quadro das forças produtivas dos
regem a produção desta mesma riqueza, uma mudança naquela só pode existir
enquanto seja mudança também nesta última. Tendo, por outro lado, a produção,
teriam, para Marx, sua origem ou gênese precisamente na forma da produção. Pois,
chega a explicitá-lo nosso autor: "(...) a distribuição modificada proviria de uma base
174
Id., tomo I, p. 30
175
Id., tomo II, p. 324
111
estranhamento como resultado do mesmo modo de produção que o originou e não
mas conduz, por outro lado, à sua abolição. O modo de produção do capital teria
de alienação [Entfremdung], eles são, então, postos como propriedade, como corpo
reprodução de sua vida, em seu processo vital produtivo, não foram postas senão pelo
subjetivas (as quais são apenas as duas formas diferentes destas mesmas
condições)."176
objetividade, em Marx, não implica num entendimento unilateral deste processo mas,
112
aspectos ou momentos dissociáveis, independentes um em relação ao outro e, sim,
o valor de troca, criam-se relações de troca e de produção que são, também, minas
para fazê-la explodir. (Uma massa de formas contraditórias da unidade social das
quais não se pode, porém, jamais fazer explodir o caráter contraditório por meio de
uma metamorfose silenciosa. De um outro lado, se, na sociedade tal como ela é, não
tal explosão não ocorreria fora de condições objetivas e subjetivas muito concretas
que a possibilitasse. Mesmo porque são estas as condições que lhe dão origem
O ato final do processo pelo qual a livre individualidade torna-se efetiva não
sujeito se cifra". Como bem observa Alves a este respeito, tal parâmetro "não é, em
113
etc., mas as condições efetivas existentes ou não para a sua realização. A
pela força representa uma imensa consciência que é, ela própria, o produto do modo
mesma maneira que, quando o escravo tomou consciência de que ele não podia ser a
base da produção."179
também, as condições subjetivas de uma nova forma social. Tais condições objetivas
178
ALVES, A. L., Op. Cit., p. 42.
179
MARX, K., Op. Cit., tomo I, p. 402
114
A tessitura da sociabilidade, o desenvolvimento desta de modo geral - "isto é,
processo. Ao focar seus estudos sobre a produção, Marx não está tratando
do trabalho. Como ele mesmo o diz, "Se considerarmos a sociedade burguesa em seu
aparição da sociedade, isto é, do próprio homem em suas relações sociais. Tudo o que
tem forma fixa - como o produto, etc. - aparece apenas como momento, momento
indivíduos, mas os indivíduos nas relações mútuas que eles reproduzem, assim como
nas relações novas que eles produzem. É o processo de seu próprio movimento
perpétuo, processo no curso do qual eles se renovam, assim como renovam o mundo
não são, no entender de Marx, objetividade distinta destes últimos, mas, ao contrário,
são suas próprias relações existindo de forma concreta, objetiva. Elas são objetivação
180
Id., tomo II, p. 200
181
Idem
115
de tempo de trabalho excedente, "desenvolvimento de potência, de capacidades de
produção e, pois, tanto das capacidades, quanto dos meios de fruição. A capacidade
de fruição é a condição desta última - portanto, seu primeiro meio - e esta capacidade
tempo de trabalho igual a aumento de tempo livre, isto é, de tempo para o pleno
desenvolvimento do indivíduo; desenvolvimento que age, por sua vez, como a maior
como, também, das capacidades de fruição (que são, elas próprias, capacidades
como as relações pelas e nas quais os indivíduos são o que são - sobretudo e de forma
ainda mais efetiva no modo de produção do capital - ela vem a ser, aí, este rico
do conteúdo deste, bem como de sua forma e daquilo que ele é enquanto necessidade,
indivíduos, novas necessidades, que são, por sua vez, os sujeitos de uma nova
182
Id., tomo II, p. 199
116
produção num processo em que se parte de determinações cada vez mais gerais ou
universais.
que se põe, desde o início, como produção social e que se efetiva enquanto tal numa
forma de apropriação também, esta, social, coletiva - dá lugar, pois, a uma alteração
do conceito mesmo de riqueza. Esta última não é mais algo externo ou posto como
externo em relação aos indivíduos, mas vem a ser a própria individualidade rica. A
capital, "Em todas as suas formas, ela [a riqueza] aparece como figura reificada - seja
como coisa ou como relação mediada pela coisa que se encontra fora do indivíduo e,
por acaso, ao lado dele. (...) Mas, na verdade, uma vez que a forma burguesa limitada
natureza, quanto sobre aquelas de sua própria natureza ? Senão a elaboração absoluta
desenvolvimento de todas as forças humanas enquanto tais, sem que elas sejam
medidas por uma escala previamente fixada ? Senão um estado de coisas em que o
homem não se reproduz segundo uma determinidade particular, mas em que ele
produz sua totalidade; em que ele não procure permanecer como algo que tem seu
futuro atrás de si, mas onde ele é tomado no movimento absoluto do futuro ?"183
183
Id., tomo I, p. 424
117
A riqueza produzida veio a ser o pleno desenvolvimento das necessidades,
ser social e, portanto, aberto, não mais limitado por nenhuma outra força ou forma de
ser. O ser da nova forma social - forma posta, engendrada, pela produção moderna - é
auto-engendra - sem que, para isso, tenha que se submeter a nenhum poder (social ou
natural) que lhe faça face - que tomou para si suas condições de produção, de criação
e que, por outro lado e como conseqüência, se caracteriza por ter precisamente uma
transformação.
184
Id., tomo I, p. 94
118
múltiplas e de capacidades universais."185 Na terceira forma da produtividade
a si sua produtividade coletiva e esta última é, agora, seu poder social. Apropriação,
esta, que não poderia se dar em outro momento já que "os indivíduos não podem
submeter a si seus próprios laços sociais antes de lhes terem criado."186 Apenas com a
indivíduos de uma produção coletiva. Não se trata mais do poder pessoal ou natural
nem tampouco do poder social estranhado, mas, sim, do poder efetivo dos indivíduos
humana construída.
Por último, last but not least, é preciso assinalar que, nesta possível forma
social do trabalho, este último resulta, também ele, alterado. O leque ampliado de
produção conduzem a que o trabalho deixe de ser, ele próprio, trabalho para dar lugar
185
Id., tomo I, p. 93
186
Id., tomo I, p. 98
119
a uma forma mais rica e ampla de atividade: "Mas, aspirando, sem trégua, à forma
universal da riqueza, o capital impulsiona o trabalho para além das fronteiras de suas
rica individualidade, que é tão polivalente em sua produção, quanto em seu consumo
e cujo trabalho, conseqüentemente, também não aparece mais como trabalho, mas
sua forma imediata, desapareceu, pois, uma necessidade produzida pela história veio
a primeira lei econômica sobre a base da produção coletiva. É mesmo uma lei que se
impõe a um grau bem mais alto"189. A atividade deixa de pautar-se sobre a produção
de tempo excedente para outrem e de tempo de mais-trabalho para si mesmo, para vir
a ser tempo de atividade livre para os indivíduos ativos. Desenvolve-se como tempo
187
Id., tomo I, p. 264
188
"Quanto mais o tempo que a sociedade necessita para produzir trigo, gado,
etc. é reduzido, mais ela ganha tempo para outras produções materiais ou
espirituais." (Id., tomo I, p. 110)
189
Id., tomo I, p. 110
120
para o livre desenvolvimento deste indivíduo social rico em determinações.
Daí porque não se trata de mero ócio ou lazer, pois, a multiplicidade de necessidades
121
CONCLUSÃO
suas conclusões o fato de que, seja em suas determinações mais gerais, seja naquelas
Determinações das quais não se pode fazer abstração a não ser no pensamento.
Neste sentido, dentro dos limites, também concretos, tanto desta pesquisadora,
efetiva. Assim, se o objeto, sobretudo do capítulo II - que diz respeito a uma forma de
produção, por excelência, complexa - não pôde ser exaurido em todos os seus nexos,
é porque houvemos por bem, seja dito, nos concentrar naqueles que nos eram
pesquisa diz respeito ao papel da sociabilidade. Trabalho é, para Marx, relação social,
próprio trabalho, tornando-se, como vimos, indissociável deste último. Por via de
122
conceitos abstratos, que dizem respeito apenas a um aspecto específico ou restrito da
historicamente engendradas, refletem relações sociais de produção nas quais tal cisão
Habermas, que se interessara pelo tema - das mais diversas matizes, dele permanecem
distantes.
"racionalidade" que o afasta quase que diametralmente daquilo que ele entende como
de uma de suas obras publicadas entre fins da década de 60 e princípio da de 70, "A
que podemos chamar de fator humano - à técnica. Este par está, pois, em ação por
123
toda parte e não apenas nem principalmente no artigo que o leva como título
correspondência com uma realidade empírica dada, mas a relação com normas
Marx, do plano da abstração, como era concebida até então, para o da prática
"Habermas não aceita esta aproximação entre Bildung e trabalho alegando que tal
qual Geist [espírito, vida social] é visto como a interseção de família, língua e
trabalho."191
190
LADMIRAL, Jean-René, "Le Programme Épistémologique de Jürgen Habermas"
in HABERMAS, J. , Connaissance e Intérêt, p. 19.
191
INGRAM, D., Habermas e a Dialética da Razão, p. 26.
124
pela linguagem corrente" é a dimensão "que é a única essencial porque suscetível de
humanização."192
trabalho. Este último encontra-se, aí, cindido - como esfera fechada sobre si mesma -
em relação aos demais aspectos da sociabilidade. É regido por uma lógica que é, por
institucional. Habermas promove, pois, esta delimitação das esferas do agir humano
Não sendo nosso propósito promover, nestas poucas linhas, uma crítica a este
autor, mas principiar o confronto de alguns dos resultados alcançados nesta pesquisa
alguma maneira, para ele, retornemos, pois, ao autor dos Grundrisse. Uma das
que diz respeito à categoria prática, bem como em relação a vários outros aspectos
que se podem concluir desta dissertação, como seu ponto de partida não gnosiológico
192
HABERMAS, J., La Technique et la Science comme Idéologie, p. 68.
193
Idem
125
de análise e sua compreensão onto-prática (para usar uma expressão cunhada por J.
Chasin) da relação entre sujeito e objeto, vem a ser, sua compreensão deste par
partida de Habermas. Já que, este último autor, parece oscilar, em sua análise, de um
partir deste suposto isolamento, seu mundo próprio é posto. De outro lado, tal mundo,
importante questão, vale a pena referir aqui mais um argumento em que fica patente
esta unidade prática do ser social: "Não apenas, pois, a igualdade e a liberdade são
respeitadas, na troca que repousa sobre valores de troca, mas a troca de valores de
troca é a base real que produz toda igualdade e toda liberdade. Enquanto idéias puras,
relações jurídicas, políticas e sociais, elas são apenas esta base elevada a uma outra
126
organização do processo social de produção e reprodução"195 - são, enquanto tais,
expressões das relações concretas que as engendram. Pois, nas palavras de Marx, "a
abstração ou idéia não é senão a expressão teórica destas relações materiais que [no
em idéias e é assim que filósofos conceberam a dominação por idéias como sendo o
de uma forma social da produção que coloca os indivíduos, entre eles, bem como suas
objetivações, como indivíduos e objetivações equivalentes entre si, de igual valor. Ele
não a toma, portanto, como mera “ideologia” - que deixaria de existir a partir do
momento em que se deixasse de, nela, acreditar ou que seria abalada por mudanças na
da organização social que também é transposto para o plano igualmente real das
concretos postos em sua atividade sensível, bem como em relação aos limites sociais
ou menor negação desta não é senão este mesmo em que tais relações se estabelecem
195
HABERMAS, J. op. cit., p. 30
196
MARX, K., op. cit., tomo I, p. 100
127
oposição em relação à materialidade ou natureza “externa”, mas é, ao contrário,
liberdade real precisamente na relação com ela. Pois, como vimos, é em e através de
Assim, vimos que, para o autor dos Grundrisse, a liberação das forças
interior de uma reprodução dada das relações foi precisamente aquilo que possibilitou
para ele, tal fator. A dominação pela tradição, fundada precisamente sobre idéias
Para o autor em tela, tal “relação típica” é aquela sustentada por uma racionalidade
128
limites da eficácia legitimadora das tradições culturais. Resulta disto uma
meios.”197
possibilidade de uma efetiva emancipação humana na medida em que, apenas aí, o ser
como limite.
procurando saber que forma de propriedade fundiária é a mais produtiva, cria a maior
riqueza. A riqueza não aparece como o objetivo da produção – ainda que Catão saiba
muito bem investigar que cultivo do campo é o mais lucrativo ou que Brutus saiba
mundo moderno. Neste, a riqueza, “Em todas as suas formas, aparece como figura
197
HABERMAS, J., op. cit., p. 27
198
Idem
199
MARX, K., op. cit., tomo I, p. 424
129
reificada – seja como coisa ou como relação mediatizada pela coisa que se encontra
fora do indivíduo e, por acaso, ao lado dele. É assim que a opinião antiga, segundo a
qual o homem aparece sempre como a finalidade da produção - qualquer que seja o
elevada frente ao mundo moderno, no qual a produção é que aparece como finalidade
necessidades, das capacidades, dos gozos, das forças produtivas dos indivíduos –
chamamos por natureza, quanto sobre aquelas de sua própria natureza? Senão a
elaboração absoluta de suas aptidões criadoras, sem outro pressuposto que não o
objetivação universal dos indivíduos, o “infantil mundo antigo aparece, por um lado,
busque uma figura, uma forma fechada e uma delimitação acabada. O mundo antigo é
moderno deixa insatisfeito ou, ali onde aparece satisfeito consigo mesmo, é vulgar.”201
200
Idem
201
Id., p. 425
130
pelo tipo de racionalidade que, em cada um deles, prevaleceria, Habermas, a
nosso ver, deixaria como secundário, ou não perceberia, o fato de que a dominação
estabelecida a partir do que ele nomeia sub-sistemas de ação racional com relação a
estabelecida não só a partir da interação dos indivíduos, como é, ela própria, uma
autônomas, sobre os indivíduos singulares. Pois, o que é mais importante, para ele,
nas formas sociais pré-capitalistas “evoluídas”, é que, nestas, não são tais sub-
não apreende a transitividade efetiva entre sujeito e objeto, também efetivos, presente
Deixando de apreender, assim, que a atividade sensível longe de ser apenas uma
empírica e não uma realidade querida, almejada, pelos indivíduos – é aquela pela qual
eles próprios são parte e tornando, ao mesmo tempo, concreta e possível uma nova
realidade.
momento deste texto, faz de Marx fica comprometida ao dizer que: “Fazer a história
202
Id., p. 68
131
de forma voluntária e consciente – Marx tinha, com certeza, considerado que o
da evolução social até então incontrolado.”203 Segundo ele, seus intérpretes é que
compreenderam tal problema como sendo “de ordem técnica”. Marx, como podemos
concluir deste nosso trabalho, desvela um controle prático concreto cada vez maior
“prática” tem, nele, como vimos, um sentido bem diferente daquele que possui em
Habermas. Trata-se, como fica evidente, não de um controle prático enquanto externo
própria ou como controle efetivo vislumbrado como resultado de tal processo social,
seres sociais ativos obtido através da apropriação mesma, pelos indivíduos, de suas
sobre si mesmo, sobre seu processo social, jamais é encarado, por Marx, como
132
entendidas como condições de um trabalho emancipado, como criação de tempo
Condições, estas, engendradas pela ação própria dos homens na relação com sua
de forma contraditória.
Uma “explosão”204 social - que talvez pudéssemos entender como ação social
de cunho político, embora Marx não qualifique tal ação transformadora radical - é
repetir: Marx quer mostrar, nestes manuscritos, precisamente que tal “explosão” não
possibilitasse. Mesmo porque são estas as condições que lhe dão origem enquanto
momento ideal. São as condições efetivas de superação das relações estabelecidas que
Uma ação social ou prática, no sentido habermasiano, não é vista, por Marx,
humano-societário nem tampouco propugnada, por ele, para que viesse a sê-lo. A
204
Reiteremos, aqui, que Marx não utiliza, nos Grundrisse, o termo revolução. A
passagem em que faz alusão a um momento radical no contexto de superação do
modo de produção capitalista apresenta-se, como fora visto, da seguinte forma:
“(...) no quadro da sociedade burguesa, da sociedade fundada sobre o valor de
troca, criam-se relações de troca e de produção que são, também, minas para
fazê-la explodir. (Uma massa de formas contraditórias da unidade social das quais
não se pode, porém, jamais fazer explodir o caráter contraditório por meio de
uma metamorfose silenciosa. De um outro lado, se, na sociedade tal como ela é,
não encontramos dissimuladas as condições materiais de produção de uma
sociedade sem classes e as relações de troca que lhes correspondam, todas as
tentativas de fazê-la explodir seriam apenas donquichotismo).” (tomo I, p. 95).
133
lacuna, mas está relacionada com o caráter mesmo do pensamento marxiano. Embora
as condições para uma produção livre sejam fartamente demonstradas por ele na
trama das determinações engendradas pela trajetória humana, Marx não faz do
própria concepção da atividade humana, que tem, para ele, a forma de uma atividade
em permanente vir a ser, de atividade aberta. Como assevera Rosdolsky: “Sabe-se que
eternos da justiça´ e das ´leis imutáveis da natureza humana´.” 205 Seria, por outro
lado, logicamente impossível antecipar algo sobre o que só tem seu lugar no interior
205
ROSDOLSKY, R. Gênesis y Estructura de El Capital de Marx (estúdios sobre los
Grundrisse), p. 457
206
Não se desconhecendo, com isto, bem entendido, as importantes
reformulações e conquistas alcançadas na trajetória intelectual marxiana,
principalmente, na década de 50, quando os Grundrisse foram escritos.
134
ou, em outros termos, um estatuto ontológico na medida em que busca
coletivas como uma possibilidade, por conseguinte, uma hipótese a ser ou não
efetivada207.
Marx em relação a uma sociabilidade emancipada têm sua razão de ser no método
manifestação social no fluxo de seu vir a ser, de sua existência e de sua expiração. Por
isto, este método assinala, por si mesmo, ‘modos anteriores de produção’ e, de outro
acordo com as quais Marx pautaria suas análises, são, na verdade, para Rosdolsky,
207
Cf. MARX, K., op. cit., p. 109 e 110
208
ROSDOLSKY, R., op. cit, p. 458. Grifos nossos.
209
Id., p. 457
135
leis deduzidas do método materialista dialético. Assim, dirá ainda: “A
capitalistas, por um lado, e o ordenamento social socialista, que substitui este modo
entre si [...], quanto com a livre troca entre os indivíduos associados sobre a base da
uma divisão de toda a história da humanidade que possui a forma de uma tríade
Marx não divide a história humana numa “tríade dialética”, mas, a partir do
das quais certos vestígios, ainda não superados, subsistem (...). A anatomia do homem
é uma chave para a anatomia do macaco. Os indícios que anunciam uma forma
superior, nas espécies animais de ordem inferior, só podem, por seu lado, ser
136
economia burguesa nos dá a chave da economia antiga, etc. Mas, de forma alguma, à
maneira dos economistas que apagam todas as diferenças históricas e que vêem, em
sobre o fato de que a última forma considera as anteriores como etapas conduzindo a
ela; além do que ela é raramente capaz, apenas em condições muito determinadas, de
fazer sua própria crítica (...). Do mesmo modo, a economia burguesa só vem a
Desse modo, ainda segundo Marx, “seria, portanto, inviável e errado seguir as
Sua ordem é, ao contrário, determinada pelas relações que existem entre elas na
137
pois, como resultado, ou seja, a partir do rigoroso desvelamento das determinações
evitar a repetição. (...) Mas, se é verdade que as línguas mais evoluídas têm em
destes caracteres gerais e comuns é precisamente aquilo que constitui sua evolução.
A forma de apreensão teórica pela qual prima Marx não é aquela que
reconhece, “por toda parte, as determinações do conceito lógico, mas que apreende a
em seu significado próprio.”215 Forma de apreensão, esta, que, segundo Chasin, toma
– no reconhecimento ideal de sua constituição – o ser social por ele mesmo, em seus
madura em questão. Ao contrário, é a partir dele que pode Marx afirmar, por outro
lado, que “(...) os indivíduos desenvolvidos universalmente (...) não são produtos da
138
justamente a produção sobre a base dos valores de troca; produção, esta, que começa
Fazer este, sim, que possibilita a Marx extrair considerações a seu respeito, as quais
no interior da produção atual por ele dilucidada. Tal procedimento é, a nosso ver, por
fossem “concebidas como leis dialéticas da evolução” e pelo qual “este método
assinala, por si mesmo, ´modos anteriores de produção´ e, de outro lado, ´pontos nos
216
MARX, K. Manuscrit de 1857-1858 (Grundrisse), tomo I, p. 98
217
ROSDOLSKY, R. op. cit, p. 458.
139
Para Rosdolsky, Marx deriva sua “imagem do futuro socialista do
conhecimento, embora não seja entendido por ele como algo de natureza metafísica, é
um conhecimento pautado e organizado por um método. Método, este, que não parece
coincidir, entretanto, com o procedimento analítico indicado por Marx em sua famosa
Introdução, mas, sim, com o método de Hegel de ponta cabeça, isto é, invertido.
Assim, é que, para o autor ora examinado, os Grundrisse são uma “grande remissão a
materialista em que se converteu Hegel neste caso.”219 No entanto, o que seria esta
contas com este clássico comentador dos Grundrisse – mesmo porque, se assim o
fosse, seria preciso dizer que concordamos com ele em vários outros aspectos – o que
nos cumpre reafirmar é que, a análise de Marx, nestes manuscritos, mostra-se, por
qual Marx não se afasta em nenhum momento de seu proceder – nem quando dela
extrai suas relações mais gerais e abstratas nem quando realiza este movimento no
ele, correto; pois, “No primeiro passo, a plenitude da representação foi volatilizada
que Hegel caiu na ilusão que consiste em conceber o real como resultado do
218
Id., p. 481
219
Id., p. 13
140
pensamento que se reúne em si, se aprofunda em si, se move a partir de si mesmo;
concreto.”220
maturidade de Marx - fato ou não, aqui não é o lugar para uma avaliação dessa
exemplifica certa porção das abordagens mais ventiladas a respeito. Parece ter se
tornado quase consensual a idéia de que muito, para não dizer tudo, na obra de Marx,
leitor sereno de Marx não pode deixar de notar que todos os seus enunciados
análise, são entendidos como enunciados diretos sobre algum tipo de ser, isto é, são
modo autônomo.
220
MARX, K., op. cit., tomo I, p. 35
221
Per l’Ontologia dell’essere sociale, “I princípi ontologci fondamentali di Marx”,
Editori Riuniti, pp.261 e ss.
141
Chasin, em escrito datado de 1995, demonstrou a gravidade do quadro
obra de Marx. Segundo este autor, “sobre o ‘critério gnosiológico’, para usar uma
mundaneidade humana.”222
Hegel, bem como afirmar que a emancipação decorre de seu movimento interno de
pelos textos. Cabendo acrescentar que, quanto à convicção de que seria possível
identificar a existência de uma lógica dialética na obra de Marx - hipótese com a qual
dado vínculo lógico entre Marx e Hegel - os resultados deste trabalho tendem a negar.
Coadunam, estes, por tudo o que foi visto e analisado em passagens e páginas
anteriores, mais com a assertiva de Chasin de que: “não há como ligar esses dois
autores, no plano lógico, por meio de arrimos textuais diretos, não só porque eles
222
CHASIN, J. “Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica” in Teixeira,F.J.S.
Pensando Com Marx, p.338.
142
respeito desautorizam essa velha hipótese, bem como exponencialmente suas
diversos.”223
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
223
Id.,Ib., p. 466-7.
143
MARX, K. Grundriβe der Kritik der Politischen Ökonomie. Dietz Verlag, Berlim,
1974.
Paris, 1980.
coleção dirigida por Maximilien Rubel, Vol. Economie II, Gallimard, Paris, 1968.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Horizonte, 1999.
144
DUSSEL, E. "As Quatro Redações de O Capital (1857-1880)". In Ensaios Ad
______. Para a Crítica da Economia Política. Abril Cultural, São Paulo, 1982.
145
VAISMAN, E. "A Ideologia e sua Determinação Ontológica". Ensaio 17/18. São
Hominem, 1999.
1999.
146