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METODOLÓGICA
Resumo
A ousada proposta apresentada nesse estudo é uma possibilidade de mudança dos paradigmas
do processo de ensinar e aprender, por acreditar que os modelos vigentes não dão conta de
formar um cidadão independente e autônomo intelectualmente. Tendo em vista o cenário
educacional atual – marcado por desinteresse, descaso, alienação, indisciplina, etc.–, se faz
necessário repensar nossos princípios e nossas praticas pedagógicas. Assim, procurou-se fazer
uma análise da forma de atuação do presente sistema de ensino, fazendo uma crítica ao
método explicador de ensinar, expondo o processo de alienação de inteligências e prisão de
liberdade de pensamento a que ele leva. Sugere a emancipação intelectual como proposta de
ensino, que parte do princípio direcionador que é o pressuposto da igualdade das
inteligências. Esses pensamentos têm como referência principal as idéias de Jaccques
Rancière, filósofo francês contemporâneo, apoiadas pelas do também filósofo, o alemão
Immanuel Kant. O método utilizado foi o da revisão bibliográfica. Os argumentos sustentam
que é inútil explicar (os conteúdos das matérias) sem implicar o aluno no processo de
produção de conhecimento. Acredita que, partindo do principio da igualdade das
inteligências, um mestre pode emancipar um aluno, ou seja, levá-lo a utilizar sua própria
inteligência para adquirir os conhecimentos necessários exigidos pelos cursos de ensino
obrigatório e também para toda sua vida. A função do mestre nesse sistema não seria de
explicar, mas de acompanhar o aluno na marcha em buscar do conhecimento. Assim, o aluno
não mais se coloca alheio ao aprendizado, mas ao contrario, ele mesmo, com sua própria
capacidade irá construir seu saber. Dessa forma, serão cultivados estudantes e posteriormente
cidadãos esclarecidos, independentes e não alienados mentalmente, que terão capacidade,
liberdade e vontade de raciocinar livremente e de usar suas próprias faculdades para formar
seus juízos e conceitos.
Introdução
Este estudo faz uma análise do sistema educacional presente, verificando seus métodos
de ensino, sua atuação, seus resultados e também seus princípios norteadores. Faz oposição ao
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seu sistema explicador de ensinar, por acreditar que essa forma de ensinar (explicando) é
pouco eficaz, e que gera o desinteresse e o descaso pela educação verificado em nosso tempo.
Traz a emancipação intelectual como uma nova possibilidade de proposta pedagógica e
metodológica, pois tem o objetivo de levar o aluno a pensar, a criar, a fazer o saber e o
conhecimento tendo o professor como um companheiro de caminhada.
O sistema explicador e a emancipação intelectual
Entendi isso, diz o aluno satisfeito. – Isso é o que você pensa, corrige o mestre. Na
verdade, há uma dificuldade de que, até aqui, eu o poupei. Ela será explicada quando
chegarmos à lição correspondente. – O que quer dizer isso? pergunta o aluno,
curioso. – Eu poderia lhe explicar, responde o mestre, mas seria prematuro: você não
entenderia. Isso lhe será explicado no ano que vem. (RANCIÈRE, 2002, p. 20)
1
Aqui entendida como desde o momento em que o ensino foi institucionalizado.
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Dessa forma seu saber nunca alcançará o do mestre. Ele sempre vai ficar alienado e
dependente de um explicador.
O conteúdo a ser estudado também está longe do sujeito que deve aprender. O livro é
apresentado ao aluno em palavras e não como objeto material a ser descoberto. E ainda, não o
livro, mas partes dele, as mais fáceis, da forma mais fácil, para facilitar a compreensão. O
aluno não acessa o conteúdo das páginas, mas toma conhecimento delas (quando realmente
toma) através da interpretação do seu professor. Não o que pensa o autor, na sua totalidade,
mas uma leitura terceira, uma voz objetivada que diz o que se deve compreender com aquelas
páginas, como se o livro necessitasse desse recurso (a fala) para ser apreendido. Não
bastariam as palavras de um livro para se entendê-lo?
A presente forma de ensinar será marcada por seleção, progressão e incompletude,
necessariamente. O livro, que é um todo, é o centro ao qual se pode associar tudo o que se
aprender de novo, nunca será apreendido na sua completude. O acontece é: estuda-se uma
parte, algumas noções daquele autor, ou ainda um capitulo daquele livro, e parte para outros.
“Aprendem-se algumas regras e alguns elementos, que são aplicados a alguns trechos
escolhidos de leitura, alguns exercícios correspondendo aos rudimentos adquiridos”
(RANCIÈ, 2002, p. 19). O livro nunca está inteiro e a lição nunca acabada.
As ações mentais: aprender e compreender. O dicionário Aurélio (1986) define esses
dois termos da seguinte forma: aprender é “tornar-se apto ou capaz de alguma coisa, em
conseqüência de estudo, observação, experiência, advertência, etc. e compreender é “perceber
ou alcançar as intenções ou o sentido de”. O que as definições nos mostram é que as duas
atitudes são distintas. O aprender exige um esforço do sujeito que lhe é recompensado com
determinada aptidão advinda desse esforço. O compreender, por sua parte, é a apreensão
passiva de algo dado.
Para Rancière (2002), a lógica do nosso sistema de ensino é a da explicação. A
conseqüência de uma explicação é uma compreensão2, e compreender é o que [o aluno] “não
pode fazer sem as explicações fornecidas, em certa ordem progressiva, por um mestre”
(Idem). Ou seja, quando um professor explica, o aluno só “aprende” que “compreender” é
aquilo que ele nunca vai fazer sozinho.
2
Explicar, de acordo com o dicionário Michaellis (1998) significa “fazer-se compreender”.
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evolução correspondente na chamada “compreensão” efetiva pelo aluno? Ou seja, o aluno está
interessando-se mais? Compreendendo mais?
Uma discussão feita por Aquino (1996), chamada “A desordem na relação professor-
aluno”, traz o fato de que é uma queixa bastante comum dos educadores que o aluno atual é
acometido por agressividade, rebeldia, apatia, indiferença, desrespeito e falta de limites. Isso
só vem corroborar com a nossa suspeita de que talvez os métodos de ensino não estejam
sendo tão eficientes assim.
O professor entra em sala de aula, e depara-se com alunos agitados, desinteressados. E
não é raro, em um determinado momento da explicação, ter que ouvir e responder perguntas –
como o próprio Aquino (1996) coloca –, do tipo: “Pra que eu tenho que estudar isso? Pra que
serve isso? Eu vou usar isto algum dia?”
O que percebemos? Para o professor – que se dedicou em preparar sua aula, que
dispensou horas nesse exercício, pensando no seu tema, objetivos, metodologia, usou a
tecnologia, fez uma apresentação de slides, procurou vídeos, imagens – tudo o que ele diz
parece ser muito interessante e empolgante. No entanto, para o aluno parece ser tão
desinteressante, ao ponto de ele se questionar sobre o motivo de ele estar lá, escutando aquilo.
O que acontece no método explicador é que o único que está envolvido nesse processo
de conhecer é o professor. O aluno está totalmente alheio a tudo o que está acontecendo na
sala de aula. Por mais que o mestre se importe, se aperfeiçoe na arte de bem explicar, e
procure as melhores formas de fazer o aluno compreender, a única coisa que ele vai conseguir
é embrutecer o aluno. Ou seja, vai impossibilitar o aluno de utilizar sua própria inteligência e
capacidade.
Ao trazer todos os conhecimentos prontos, digeridos e expor aos alunos está se
reproduzindo a distância entre o conhecer e o aluno. Isso quer dizer que no processo
explicativo, o aluno não se apropria e nem se interessa pelo conhecimento porque ele não faz
parte daquilo que se expõe. Ele não sabe de onde veio o que se explica, e nem para onde vai,
então, é natural que ele não se interesse por coisas com as quais ele não se envolveu.
Quando um professor explica determinado conteúdo ao aluno, o processo sempre se dá
por simplificação da matéria. Por exemplo: ao trabalhar determinado autor, o professor vai
escolher uma determinada obra, selecionar alguns fragmentos, ou mesmo, algum trecho de
um comentador do assunto, para deixar fácil e melhor explicar aquilo aos alunos. O que o
aluno vai ver desse processo é: um nome estranho (autor), que nasceu em algum lugar, e
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escreveu ou fez aquilo que o professor está falando. Isso se mostra nas frases que ouvimos, e
que até mesmo já falamos: um tal de Bhaskara que “inventou um fórmula que não serve pra
nada”. Um tal de “sei lá eu quem” que “disse que viemos dos macacos”, e um tal de Kant que
“eu nem sei o que disse”.
Quando o aluno não faz parte do processo de conhecer, quando ele não está envolvido
nessa produção ele não vai se interessar, pois lhe dão como função apenas reter na mente
aquilo que se está falando, e ele se vê obrigado àquilo, pois lhe será cobrado depois. Ele tem
uma ordem que é a de saber, no entanto, esse saber não vem dele, mas lhe é imposto de fora,
de longe, é um estranho que quer se infiltrar. Quando não participamos das etapas de uma
construção é natural que nos encontremos na obra pronta.
Todos os anos que o aluno passou na escola vivendo o processo explicativo só
ensinaram a ele efetivamente uma coisa: quem sabe é o professor. E o aluno só saberá se lhe
for explicado. É um processo de alienação. Aliena-se a inteligência do aluno à inteligência do
professor. E isso começou desde o primeiro dia que a criança ingressou no que chamamos de
“ensino propriamente dito” 3. Aí inserem o aluno no sistema explicador, interrompem o
movimento da sua razão, destroem sua confiança em si mesmo.
Antes de entrar na escola, uma criança sempre conheceu o mundo e aprendeu as coisas
pelas suas próprias mãos, com suas faculdades e capacidade. Rappaport (1981), discorrendo
sobre a teoria de Piaget, afirma que é a própria criança que irá construir seu crescimento
mental, ou seja, ela é vista como agente de seu próprio desenvolvimento. Assim, tudo o que
ela vai aprender e saber sobre o mundo, os objetos, as pessoas e as relações será
responsabilidade e trabalho dela.
Um dos grandes feitos de uma criança é adquirir a linguagem. Segundo Rancière
(2002, p. 05), o que “todos os filhos dos homens aprendem melhor é o que nenhum mestre
lhes pode explicar”: a língua materna. E como a criança faz isso? Elas escutam, retêm,
imitam, repetem, erram, corrigem-se, acertam por acaso e recomeçam. Esse é o método da
criança: a adivinhação4, (Idem, p. 09).
No entanto, ao começar o ensino formal, simplesmente esquece-se dessa capacidade
infantil e assim como de tudo o que a criança já fez e já aprendeu até esse momento através do
seu próprio empenho, esforço e inteligência, e a tratam como se não fosse conseguir mais
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Primeiros anos do ensino obrigatório.
4
Método da adivinhação: “observar e reter, repetir e verificar, associar o que se busca aprender àquilo que já
conhecia fazer e refletir sobre o que havia feito”. Rancière( 2002, p.09)
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nada sozinha. Simplesmente ignoram o fato de que ela é competente para usar seu próprio
entendimento para se apropriar também dos conhecimentos escolares.
Ora, se a criança sozinha aprendeu várias coisas, qual o problema de acreditar que ela
pode usar sua inteligência para continuar aprendendo? Por que ela não pode permanecer
utilizando o seu método? Não seria esse método da criança – o da adivinhação –, o verdadeiro
movimento da inteligência humana que toma posse de seu próprio poder? Não seria
necessário inverter a ordem admitida dos valores intelectuais? Não seria melhor emancipar ao
invés de embrutecer? Fazer pensar e não explicar?
O conceito de emancipação intelectual é o seguinte: uma inteligência que obedece a
ela mesma, que se liberta da alienação do saber de outro. Ele relaciona-se muito bem com o
conceito kantiano de “esclarecimento”, que é a “saída do homem de sua menoridade (...). A
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro
individuo” Kant, (2005, p. 63). Emancipar, portanto é fazer uso da sua própria inteligência,
servir-se dela, independente de outro, de forma livre.
Bertrand Russel, já apontava a emancipação intelectual – no entanto, não com esse
termo – como essencial à função de um mestre, quando discorria sobre a alienação deste ao
estado. Afirmava ele:
“Quem ensina sem emancipar, embrutece”, diz Rancière (2002, p.16), e o que
emancipa ou embrutece não é procedimento ou a maneira usada para ensinar, é o princípio. É
o pressuposto por trás da ação que emancipa ou embrutece. O principio da desigualdade é
embrutecedor, não importa o que se faça.
Dar uma explicação embrutece quando se explica por crer que o aluno não consegue
aprender sozinho, bem como pode emancipar se ela tiver um caráter de troca de pontos de
5
vista. “O velho não embrutece os alunos ao fazê-los soletrar, mas ao dizer-lhes que não
podem soletrar sozinhos”. (Idem, p.26)
O principio da igualdade emancipa, independente do procedimento, método ou lição e
o mestre que deseja emancipar interroga os alunos à maneira dos homens, e não à maneira dos
sábios, justamente por crer na igualdade presente entre eles. No entanto, só emancipa um
homem aquele que é emancipado.
De acordo com Kant (2005, p. 64),
o incapaz como tal. Se não fossem os inaptos, o que fariam os explicadores, qual seria sua
função?
O homem pode aprender sem mestre explicador, mas não sem mestre. O mestre
emancipador vai guiar o aluno na sua passagem pelo país do conhecimento, verificando se ele
está pesquisando continuamente. Ele sempre vai estar à porta do aluno e quando este disser
“eu não consigo”, o mestre diz “você consegue! Olhe mais uma vez, repita, tente novamente”.
E o interrogará sempre à maneira dos homens e não à maneira dos sábios, ou seja, em posição
de igualdade.
De tudo o que o aluno aprender, o mestre lhe pedirá que fale. Que diga o que ele vê, o
que pensa disso, o que faz com isso. E tudo o que ele disser deverá demonstrar a
materialidade do livro. Ele deve observar o mundo por ele mesmo. E de tudo onde investir
sua inteligência, deverá responder à tríplice questão – o que vê? O que pensa disso? O que faz
com isso? – e demonstrar na materialidade do livro.
O mestre emancipador vai verificar não o que o aluno descobriu, para confirmar ou
negar suas afirmações, mas verificará se ele buscou, se estava atento enquanto buscava, se
estava pesquisando continuamente. O que ele deve exigir do seu aluno é que prove que
estudou com atenção.
O aluno emancipado é aquele que se coloca na marcha do conhecimento. Ele acredita
na sua capacidade e caminha com suas próprias pernas. Ele sabe que todas as inteligências são
iguais as dele e a dele é igual à de todos. E é esse pressuposto que permite ir adiante. “O que
embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua
inteligência.” Rancière (2002, p. 38). Essa crença barra o movimento da razão e inibe a
autoconfiança, ao ponto do homem estagnar intelectualmente e esperar que o saber sempre
venha do outro. É isso que vemos em nas salas de aulas. Alunos estancados, inundados de
crenças de senso comum, pouco interessados com as matérias e com o conhecimento, ou seja,
alunos embrutecidos. Eles não sabem ainda do seu potencial desbravador, não estão
convencidos do seu poder intelectual, aliás, estão descrentes dele, estão ignorantes dele.
É inútil tentar explicar sem implicar o aluno nessa ação, acreditando que ele vai se
interessar e aprender. Emancipar o aluno coloca-o de volta no processo de conhecer, devolve
a ele a satisfação em descobrir, em achar, encontrar o saber com suas mãos. Ele se sentirá
poderoso, capaz, apto e competente e estará pronto para tomar suas próprias decisões e
escolher pela sua vida, utilizando sua inteligência.
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Considerações Finais
Este texto teve por objetivo trazer algumas reflexões sobre nossas concepções de ensinar e
aprender. Buscou demonstrar que a nossa lógica de ensino estaria invertida, pois dispensa
esforços buscando novas metodologias de explicar, quando é necessário colocar o aluno
perseguir o conhecimento e isso se faz através da sua emancipação intelectual. Ao emancipar
o aluno, ele se torna agente do seu conhecimento, participante do processo de saber. Ele será
autoconfiante e corajoso, e saberá que todas as inteligências são iguais a sua e a sua igual à de
todos. E a partir disso, poderá criar livremente. A emancipação intelectual não ambiciona
tornar-se um método social, ou uma imposição governamental. Aqui não se pretendeu querer
dizer o que é certo e o que é errado, ou ainda tornar o método da emancipação uma lei, uma
imposição. Apenas procurou mostrar que com ela podemos obter grandes avanços no
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processo de ensino aprendizagem, podemos trazer o aluno de volta para o saber, sem coerção.
A emancipação é o método dos homens por excelência. Todos os homens já utilizaram essa
forma de aprender um dia. Falta reconhecê-la efetivamente, e dar-lhe o devido lugar, a devida
importância, e deixar que ela faça o seu trabalho.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Julio Groppa. Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. Org. Julio
Groppa Aquino. São Paulo: Summus, 1996, p. 39-55
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: que é “esclarecimento”? In: ___. Textos Seletos.
Petrópolis: Vozes, 2005, p.63-71.