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CURRÍCULO ESCOLAR?1
Introdução
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Publicado em: PEREIRA, José Alan da Silva; COSTA, Fátima Batista da (Org.). Saberes Múltiplos.
Recife: Editora Universitária/UFPE, 2015, p. 79-102.
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Graduada em Ciências Sociais (FAFICA); Especialista em História do Brasil (FAFICA); Mestra em
Educação Contemporânea (CAA/UFPE); professora nas Licenciaturas de Filosofia, História e
Pedagogia da FAFICA, professora de História da rede estadual de ensino de Pernambuco; Integrante do
Grupo de Estudos Pós-Coloniais e Teoria da Complexidade na Educação (CAA/UFPE). E-mail:
mguerreirof@hotmail.com.
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Graduado em Pedagogia (FAFIRE); Mestre e Doutor em Educação pelo Núcleo de Pesquisa de
Formação de Professores e Prática Pedagógica – UFPE. Professor Adjunto do Centro Acadêmico do
Agreste no Núcleo de Formação Docente – UFPE e Professor Permanente dos Programas de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Educação e do Centro Acadêmico do Agreste da UFPE.
Coordenador do Grupo de Estudos Pós-Coloniais e Teoria da Complexidade na Educação
(CAA/UFPE). E-mail: janssenfelipe@hotmail.com.
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Para Boaventura de Sousa Santos, tal racionalidade é “totalitária na medida em que nega o caráter
racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos
e pelas regras metodológicas” (1999, p. 11).
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voltam da diáspora à África especialmente do Brasil para Guiné, Nigéria, Benin, Togo e
Gana transformaram-se num segmento social influente em seus países ao levarem
consigo elementos culturais brasileiros.
Porém, a forte presença da herança colonial nos currículos escolares tenta
silenciar as Histórias e as Culturas Afro-Brasileiras e Africanas que, devido ao
protagonismo dos movimentos sociais negros, tornaram-se componentes obrigatórios
nos currículos dos sistemas de ensino brasileiro. Mas que componentes são esses? Por
que eles foram “esquecidos”?
Para responder as duas indagações acima, tecemos como objetivos deste
trabalho: a) analisar aspectos da herança colonial que perpassam os currículos escolares
e; b) identificar as possibilidades abertas para a descolonização dos currículos e a
construção da Educação das Relações Étnico-Raciais.
Este trabalho está organizado em três seções, além da presente introdução: a)
presença da herança colonial nos currículos escolares; b) Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e; c) considerações finais.
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A colonialidade é um padrão de poder que atua sobre várias dimensões do colonizado, por isso Quijano
(2005, 2007), Mignolo (1996, 2005, 2011), Cajigas-Rotundo (2007) e Walsh (2005, 2007, 2008, 2010)
apresentam-na a partir de pelo menos quatro eixos: Colonialidade do Poder, Colonialidade do Saber,
Colonialidade do Ser e Colonialidade da Mãe-Natureza. Esses eixos possuem sentidos sociais, culturais,
epistêmicos, existenciais e políticos. E atuam de maneira a afirmar e a celebrar os sucessos intelectuais
e epistêmicos europeus, ao passo que silenciam, negam e rejeitam formas outras de racionalidade e
história (WALSH, 2007). Neste artigo, vamos nos deter apenas nos eixos do poder e do saber.
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Abya Yala6 (América) com os ameríndios, bem como com os povos que foram trazidos
através da diáspora africana. Tal conformação constitui um padrão de poder que se
funda em dois pilares: o da racialização (forma de classificar a sociedade baseada na
ideia de raça) e o da racionalização (formas de classificar o saber).
A articulação desses dois pilares caracterizam formas de controle do trabalho, de
seus recursos e de seus produtos. Num primeiro momento, esses pilares se constituem
com o objetivo de estabelecer as relações de dominação dos povos conquistados, mas
depois tal padrão de poder foi expandido para todo o mundo.
Quijano (Ibid.) mostra como as identidades se tornaram identidades “raciais” e
como passaram a servir para classificar e dividir a sociedade, “sendo a raça branca a dos
dominantes/superiores ‘europeus’ e os índios7 e negros, as raças dos
dominados/inferiores ‘não europeus’” (FERREIRA, 2013, p. 39). A colonialidade do
poder expressa a noção de raça com o objetivo de afirmar a hegemonia europeia,
convertendo-se, de acordo com Quijano (Ibid., p. 230), “no primeiro critério para a
distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da
nova sociedade” após a conquista de Abya Yala.
Assim, são formadas identidades raciais produzindo uma hierarquia social que
classifica de superior a inferior os brancos, os mestiços, os índios e os negros. De
acordo com Walsh (2008), mestiços, índios e negros são tomados como identidades
homogêneas e negativas no intuito de negar as diferenças e as especificidades, e impor
como referência um único padrão: branco, masculino, heterossexual, urbano, cristão,
europeu.
Diante do exposto, é compreensível por que lembramos, indubitavelmente, de
termos estudado nas nossas aulas de História temas como: a Revolução Francesa, a
Revolução Inglesa, a Revolução Russa... também lembramos algo sobre o Iluminismo,
o Renascimento, o antigo Regime Francês, o Feudalismo, a Reforma Protestante! Todos
estes temas, entre outros (que tiveram a Europa como locus), foram plantados em nossa
memória individual e coletiva como História Universal, por meio de currículos
colonizados, eurocêntricos. Por isso, entendemos que o currículo foi e é ainda um
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Os Movimentos Indígenas, organizados no continente americano, usam a expressão "ABYA YALA"
que é considerada pelos povos indígenas do continente como o verdadeiro nome da América. Essa é
uma expressão da língua kuna (povo do Panamá, ponto de união entre o sul e o norte do continente) que
significa Terra madura, Terra viva ou Terra em florescimento (PORTO-GONÇALVES, 2009).
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A conformação racial da sociedade torna todos os povos indígenas e suas diversas etnias, culturas e
línguas em uma única categoria homogeneizada: índios.
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Assim, o Outro não é sujeito de e da história e nem de e da cultura, por isso não
lhe cabe espaço-tempo no latifúndio epistêmico-pedagógico do currículo escolar.
Talvez, possamos encontrar algumas pistas para as questões levantadas acima
em Uidá, Benin, onde ficava um dos grandes portos de embarque de pessoas que eram
vendidas como escravos. Estas pessoas percorriam um caminho de cinco quilômetros da
cidade até o porto, mas antes de embarcar eram obrigadas a dar voltas em torno de uma
árvore, a Árvore do Esquecimento:
É óbvio que os povos que foram trazidos para este lado do Atlântico, para o
Brasil e outras parte da América e Caribe, não esqueciam seu passado, suas origens e
nem suas identidades culturais. Mas, após o fim do colonialismo e da abolição da
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A colonialidade do ser, para nós, é um dos eixos mais perversos da colonialidade, pois atua por meio da
situação imposta pela colonialidade do poder, conduzindo o outro ao questionamento: “quem sou eu?”,
fazendo-o acreditar que realmente é de uma raça inferior, por isso deve submeter-se aos desígnios da raça
superior. É a negação sistemática da pessoa outra.
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nos currículos escolares, nos livros didáticos, nas datas comemorativas do calendário
escolar. Pois as histórias e as culturas de “raças” inferiores são igualmente inferiores,
não trariam contribuição para a formação de uma identidade nacional que se pauta no
eurocentrismo, no padrão colonial estabelecido. E/ou seria muito arriscado apresentar
histórias e culturas outras e não questionar a hegemonia imposta pelo eurocentrismo.
É nesse sentido que destacamos a importância da luta dos movimentos sociais
pela inclusão das Histórias e Culturas Afro-Brasileiras, Africanas e Indígenas, nos
currículos da educação básica brasileira, por meio das lutas que resultaram na
promulgação da já citada Lei nº 10.639/2003, normatizada através de suas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN): o Parecer CNE/CP nº 03/2004 e a Resolução CNE/CP
nº 01/2004. As quais representam possibilidades de desnaturalizar a subalternização a
que esses povos foram submetidos como veremos na próxima seção.
2004
Promulgação do Parecer CNE/CP nº 03/2004, que orientou a Resolução
CNE/CP nº 01/2004, a qual institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
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Para compreender a relação que estabelecemos entre as políticas sociais, de ação afirmativa,
educacionais e curriculares ver Dinâmica das Políticas Curriculares em Ferreira, 2013.
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Tomamos o ano de 2003 como ponto de partida das conquistas dos movimentos sociais meramente por
se tratar de um marco legal relevante para o objeto deste trabalho sem ignorar, no entanto, que suas lutas,
resistências e conquistas remontam ao século XVI.
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Estas, dentre outras, são algumas das principais conquistas da mobilização dos
Movimentos Negros e de outros segmentos da sociedade no cenário educacional de uma
forma ampla. Notamos que as ações citadas assinalam para uma prática e política outras
e se posicionam contra a colonialidade através do combate ao preconceito, ao racismo e
ao eurocentrismo.
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EIXOS CONTEÚDOS
tráfico.
A ocupação colonial na perspectiva dos africanos.
As lutas pela independência política dos países africanos.
As ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o
papel da União Africana para tanto.
As relações entre as culturas e as histórias dos povos do
continente africano e os da diáspora.
A formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e
histórica dos africanos e seus descendentes fora da África.
A diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa,
Ásia.
Os acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre
África, Brasil e outros países da diáspora.
O jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia-a-
CULTURA AFRO-
dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques,
BRASILEIRA
ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.
As contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais.
As universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que
floresciam no século XVI.
CULTURA
AFRICANA As tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de
mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem
como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura,
música, dança, teatro) política, na atualidade.
Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus
descendentes em episódios da História do Brasil, na construção
econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação
de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação
profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (tais
HISTÓRIA E como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz
CULTURA AFRO- Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro
BRASILEIRA Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de
Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento,
Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do
Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos,
Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos
Santos, entre outros).
Divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus
descendentes na diáspora, em episódios da História mundial, na
construção econômica, social e cultural das nações do continente
africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em
HISTÓRIA E
diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de
CULTURA
criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha
AFRICANA
Nzinga, Toussaint-L’Ouverture, Martin Luther King, Malcom X,
Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ,
Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela,
Aminata Traoré, Christiane Taubira).
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O primeiro aspecto que devemos destacar é que tais conteúdos estão pautados
em três princípios que trazem desdobramentos e encaminhamentos para todo o sistema
educacional do país, são eles:
Consciência Política e Histórica da Diversidade – prevê o diálogo, a desconstrução
de preconceitos, de ideologias, do mito da democracia racial e a superação das injustiças
raciais, por meio da compreensão da formação de nossa sociedade com base no
conhecimento da construção histórica e cultural valorizando as histórias dos povos
africanos e das culturas afro-brasileiras.
Fortalecimentos de Identidades e de Direitos – orienta processos de afirmação de
identidades e de historicidades negadas ou distorcidas, através do combate à privação ou
violação de direitos e às imagens negativas forjadas com base na colonialidade do
poder.
Ações Educativas de Combate ao Racismo e às Discriminações – encaminha para o
desenvolvimento de ações que combatam as representações negativas dos negros, dos
indígenas e de outros grupos subalternizados nos materiais didáticos, bem como a
articulação com a comunidade em que a escola está inserida e com os Movimentos
Negros, para a valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro e o estabelecimento de
elos culturais e históricos entre os diversos grupos étnico-raciais.
Tais princípios exigem que “desaprendamos” o que aprendemos por meio da
valorização de uma única epistemologia, a eurocêntrica. Exige que o currículo escolar
deixe de ser representado pela Árvore do Esquecimento para que possamos reaprender e
assim promover a educação das relações étnico-raciais.
A descolonização do currículo pode estar se materializando na organização
apresentada nas DCN. Os conteúdos sugeridos foram organizados em seis eixos: 1.
História Afro-Brasileira; 2. História da África; 3. Cultura Afro-Brasileira; 4. Cultura
Africana; 5. História e Cultura Afro-Brasileira; 6. História e Cultura Africana.
Os princípios e os eixos não são, necessariamente, disciplinares, o que denota a
complexidade em promover a educação das relações étnico-raciais através do ensino de
conteúdos que para serem aprendidos precisam estar relacionados. Embora, de acordo
com o § 2º, Art. 26A da LDB (Lei nº 9.394/96), “os conteúdos referentes à História e
Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. Ou seja,
sem prejuízo para as demais disciplinas, os conteúdos estão enfatizados em Arte,
Literatura e História do Brasil.
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Considerações
Referências
DUSSEL, Enrique. 1492 El encubrimiento del outro: hacia el origen del “mito de la
Modernidad”. Plural Editores: La Paz, 1994.
DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, Edgard.
(Org.). A Colonialidade do Saber, Eurocentrismo e Ciências Sociais: perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 55-70.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de.; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia Decolonial
e Educação Antirracista e Intercultural no Brasil. Educação em Revista. Belo
Horizonte, v. 26, nº 01, abr. 2010, pp. 15-40.
SILVA, Janssen Felipe da. Sentidos da Educação na Perspectiva dos estudos pós-
coloniais latino-americanos. (Org.) MARTINS, Paulo Henrique [et.al.]. Guía sobre
post-desarrolo y nuevos horizontes utópicos. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Estudios Sociológicos Editora, 2014.
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SILVA, Filipe Gervásio Pinto da; SILVA, Janssen Felipe da. A crítica decolonial das
epistemologias do Sul e o contexto de constituição das coleções didáticas do PNLD-
Campo/2013. In. Revista de Estudos AntiUtilitaristas e PosColoniais (REALIS), v.4,
n. 02, Jul-Dez. 2014, p. 149-174.