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FICHAMENTO – “Los trabajos de la memoria”, de Elizabeth Jelin

Disciplina de História da América Independente II


Vinicius Ellero Kimati Dias – Nº USP 10340242

Jelin e suas reflexões acerca do conceito de memória se inserem num cenário no


qual diversas nações latino-americanas, sobretudo no Cone Sul, passam por processos
de transição de ditaduras de cunho civil-militar para regimes democráticos. Tal
redemocratização é acompanhada de extenso debate sobre a narrativa histórica e a
conservação (ou não) da memória sobre as violações de direitos humanos cometidos por
regimes autoritários.
É necessário pontuar a que tal processo se dá de forma heterogênea entre os
diversos países da América Latina a partir das múltiplas formas nas quais se
desenharam os processos de transição política. Em nações cuja redemocratização tem
marcas de ruptura, é comum haver um processo de conservação e produção de memória
acerca dos crimes de Estado da ditadura de forma mais intensa. No entanto, nos países
que passaram por formas de redemocratização mais conciliada e acordada entre os
dirigentes políticos da ditadura e da nascente democracia – como notavelmente o Brasil
aqui se insere, a partir da promulgação da Lei da Anistia de 1979 – há em geral uma
política de Estado de esquecimento, com ações do poder público que no geral veem a
ausência de denúncia às atrocidades de regimes autoritários como o preço necessário a
se pagar pela pacificação nacional.
Nesse contexto, Jelin analisa o tema da memória, partindo de padrões
comportamentais individuais observáveis nas sociedades contemporâneas para pensar a
memória como fenômeno social e as ações de Estado e políticas públicas voltadas a ela.
A autora inicia seu trabalho com uma reflexão sobre a contemporaneidade. Momento de
extrema aceleração do momento presente, entendendo que a sociedade globalizada não
possui, ao contrário das que a precederam, uma estabilidade que permita ao sujeito
firmar sua identidade. Como resposta a tal aceleração do presente, passa a haver pelos
indivíduos uma necessidade de cada vez maior conservação e registro do passado,
sobretudo a partir de novas tecnologias que permitem o registro em vídeo e áudio.
No entanto, a autora argui que a memória não constitui unicamente um
fenômeno individual. Apesar de os registros mentais de memória – lembranças visuais,
auditivas etc. - serem realizados por pessoas individualmente, a evocação de tal
registros, a narrativa que os acompanha e suas consequências para o presente são no
geral construídos coletivamente. Faz parte do trabalho das instituições responsáveis por
escrever a “história oficial” – ou seja, o poder público majoritariamente – construir um
discurso que, conciliando um conjunto de lembranças individuais, seja capaz de criar
uma memória oficial que seja aceita, se não por toda, pelo menos pela maioria da
sociedade.
Assim agem os Estados nacionais sul-americanos a respeito dos períodos
ditatoriais. Tais construções representam projetos políticos diversos – inseridos nos
regimes democráticos -na medida na qual diversas formas de memórias oficiais são
formuladas. Para as referidas construções, são empregados em diferentes medidas o
esquecimento e a lembrança. No geral, a aplicação do esquecimento, do apagamento da
memória relacionada sobretudo a crimes contra a Humanidade pelos regimes ditatoriais,
é uma das principais medidas na criação de memórias oficiais sobre as ditaduras latino-
americanas. Tal aplicação do esquecimento, como já dito, se apoia numa ideia de
pacificação social e não tratar e relembrar momentos dolorosos e negativos para a nação
(“olhar para o futuro em vez de remoer momentos sombrios do passado”).
A partir deste contexto, surge o que a autora identifica como “a luta pela
memória”. No que se refere às sociedades latino-americanas no período pós-ditatorial,
tal movimento no geral envolve pessoas diretamente afetadas pelo terrorismo de Estado
(militantes políticos oposicionistas torturados, por exemplo), famílias e amigos de
vítimas da ditadura e grupos engajados na pauta de memória apesar de composto por
pessoas que não viveram diretamente os referidos períodos históricos. A luta pela
memória no geral significa um combate à política de Estado de esquecimento, através
da instalação de Comissões da Verdade, do reconhecimento pelo poder público de
vítimas (muitas vezes com indenizações às pessoas torturadas ou aos familiares de
indivíduos assassinados), da inclusão da discussão sobre memória, verdade e justiça no
ensino público etc.
Sobre a questão da juventude, Jelin faz o recorte pertinente sobre a produção de
memória por este grupo, o qual não viveu diretamente o período ditatorial. Tal processo
conta com múltiplos atores: as memórias familiares e de pessoas mais velhas
transmitidas no processo de crescimento do indivíduo, muitas vezes englobando
episódios rememorados e contados pelos mais velhos; as representações culturais sobre
o período, englobando livros, novelas, filmes etc.; e o discurso oficial reproduzido pelo
Estado através de memoriais, discussões na escola, entre outros. Dessa forma, Jelin
argumenta que o discurso hegemônico muitas vezes sinônimo do esquecimento
(veiculado tanto pelo poder público quanto pela indústria cultural) acaba sendo mais
difundido, de forma a perpetuar políticas de apagamento. No entanto, parcela
significativa da juventude – ligada ou não por laços familiares às vítimas das ditaduras
latino-americanas – também incorpora a luta pela memória, reproduzindo para as novas
gerações a disputa entre lembrança e esquecimento.

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