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All content following this page was uploaded by Tiago Ribeiro Duarte on 19 July 2021.
Introdução
“a expertise científica conduziu-nos a dilemas políticos que ela não consegue resolver
sozinha. Não é só o controle e a previsibilidade que perdemos. Agora nos deparamos com
radical incerteza, com a ignorância e com dúvidas éticas no âmago das questões que
dizem respeito à política científica” (p. 221-222).
“This is an exciting but also an undoubtedly challenging time for science and society. On the
one hand, new developments in science and technology – whether the human genome
project, medical therapies or advances in computing and information technology – promise
a bright and prosperous future. On the other, the emergence of risks, ethical concerns and
environmental problems – including mad cow disease (BSE), genetically modified foods and
global warming – reminds us of the dangers ahead. Recent scientific and technological
innovations have both opened up new social possibilities and drawn public attention to
inevitable uncertainties and limitations within our scientific knowledge”.
“O final do século foi marcado por uma crescentes desconfiança do público com relação à
ciência em decorrência de falhas claramente visíveis de tecnologias de ponta e dos
desastres associados a elas, da manifesta politização dos debates sobre o progresso
científico em áreas relacionadas à biologia e da cada vez mais evidente falta de certeza
entre os cientistas no tocante ao legado da fissão nuclear e dos riscos colocados pelas
novas práticas agrícolas”.
Essa narrativa vem sendo criticada em anos recentes por estudiosos dos
ESCT que a consideram eurocêntrica (Guivant e Macnaghten, 2011; Reyes-
Galindo, 2017). Um estudo comparativo realizado em 2009 que utilizou grupos
focais para investigar a percepção pública de nanotecnologias no Brasil e no
Reino Unido chegou a resultados bastante distintos nesses países
(Macnaughten e Guivant, 2011). Entre os participantes brasileiros imperava
visões positivas a respeito das nanotecnologias, as quais eram percebidas
como solução para problemas societários e como rota para o progresso. Por
outro lado, entre os britânicos emergiram visões pessimistas, que envolviam a
possibilidade das nanotecnologias trazerem dilemas sociais profundos, como,
por exemplo, a intensificação de desigualdades e do individualismo, associados
a uma sensação de impotência. Nesse sentido, as autoras questionam a
universalidade da desconfiança pública nas ciências e tecnologias e sugerem
que se trata de um fenômeno geograficamente localizada nos países mais ricos
do Norte Global. Elas também lançam dúvidas sobre o papel da participação
pública em questões tecnocientíficas em contextos como o brasileiro, no qual
membros de diferentes públicos não parecem incomodados com uma gestão
tecnocrática das ciências e tecnologias.
1
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/05/27/brumadinho-mais-uma-vitima-da-
tragedia-da-vale-e-identificada-diz-governador-romeu-zema.ghtml.
estratégia da “bola de neve” (Vinuto, 2014). Duarte é nascido em Belo
Horizonte, cidade próxima a Brumadinho, onde passou da sua infância até o
início da sua vida adulta, e conhece pessoas nascidas na cidade onde ocorreu
o desastre. A partir destas redes informais ele obteve o contato de moradoras
de Brumadinho que se dispuseram a participar da pesquisa e,
subsequentemente, indicaram outras pessoas que também aceitaram ser
entrevistadas. A amostragem não ambicionou ser representativa da população
de Brumadinho, estando mais interessada na variedade de significados que
emergiria nas entrevistas. Ainda assim, buscou-se incluir moradoras com perfis
de renda e educacionais variados, o que resultou em uma amostra com
participantes de diversificados níveis educacionais e pertencentes a diferentes
classes sociais. Não foram percebidas diferenças significativas nas respostas
entre membros dos grupos com diferentes níveis de escolaridade e renda, de
modo que nos nossos resultados esses recortes não são explorados.
2
Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-01/mineracao-representa-
60-da-arrecadacao-de-brumadinho. Acessado em 04 de Setembro de 2020.
3
Sobre a compra da Ferteco S.A. pela Vale do Rio Doce ver:
http://www.vale.com/brasil/pt/investors/information-market/press-releases/paginas/cvrd-compra-
ferteco.aspx. Acessado em 04 de setembro de 2020.
4
Nota Semad disponível em: http://www.meioambiente.mg.gov.br/noticias/3740-nota-de-
esclarecimento-5-brumadinho Acessado em: 04 de setembro de 2020
A ruptura da Barragem I
“Ciência e tecnologia, ela também não é uma ciência exata e fechada. Ela
busca melhorar, mas nem sempre é possível. Cito um exemplo, nos anos 80
quando a Nasa foi lançar o foguete Challenger, mais ciência e tecnologia que
tem a Nasa... logo no primeiro impulso, na primeira propulsão do foguete ele
explodiu. Então, a ciência e tecnologia elas precisam continuar um trabalho ad
aeternum, elas precisam continuar um trabalho de busca de melhorias,
implantação de métodos de segurança para a população e para o planeta num
todo. Aí inclui tudo, meio ambiente, inclui tudo” (Marcos).
“Olha, ela [ciências e tecnologias] ajuda bastante, agora é como eu tinha
falado um pouco antes, ajuda, mas é falha, não dá para confiar 100%. Mas, se
for olhar ela é bem benéfica, se não tivesse tecnologia, como é que iria ser? Já
é uma dificuldade danada, se não tiver creio que coisas piores já teriam
acontecido” (Antônio).
Além das barragens a montante, há outros tipos que podem ser empregados
na contenção de rejeitos e que são mais seguros. Dentre elas existe o
alteamento a jusante (figura 2), no qual se constrói um dique inicial e os
alteamentos são construídos a jusante do rejeito. Isso gera mais estabilidade
para a estrutura, uma vez que a barragem cresce sobre ela mesma e não
sobre os próprios resíduos consolidados (Araujo, 2006; Cardozo et. al, 2016).
Esse tipo de estrutura tem os custos mais elevados, implica em área
desmatada maior, mas apresenta segurança significativamente maior.
Figura 2 - Seção típica de uma barragem com alteamento a jusante (Albuquerque-Filho, 2004:
23)
Figura 3 - Seção típica de uma barragem com alteamento pela linha de centro (Albuquerque-
Filho, 2004: 24)
5
https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/01/modelo-de-barragem-usado-em-
brumadinho-e-mariana-e-o-mais-barato-e-menos-seguro.html;
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/01/31/brasil-tem-88-barragens-do-tipo-a-montante-
ou-desconhecido-metade-com-alto-potencial-de-dano-diz-agencia.ghtml;
O fato de a Vale ter utilizado um modelo de barragem de custo menor e
com menor segurança foi algo que apareceu com frequências nas entrevistas.
Todavia, entre as entrevistadas não emergiu uma visão pessimista sobre as
barragens de contenção de rejeitos da mineração de um modo generalizado,
nem sobre a capacidade humana de controlá-las. As entrevistadas
majoritariamente desenvolveram desconfiança com relação ao método de
alteamento à montante, mas continuaram favoráveis à mineração e ao uso de
barragens para o armazenamento de rejeitos. Esse ponto é exemplificado
pelas seguintes falas:
Nos trechos acima é possível perceber que, mesmo quando paira uma
desconfiança com relação a uma tecnologia específica, no caso, as barragens
com alteamento a montante, a crença no potencial das ciências e tecnologias
para promoverem o progresso permanece em larga medida inabalada. Ao
tratarem das barragens, a percepção de grande parte das entrevistadas é que
o risco não é intrínseco às tecnociências, mas é algo que emerge quando se
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/01/28/entenda-como-funciona-a-barragem-da-vale-
que-se-rompeu-em-brumadinho.ghtml; https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47048439.
6
https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2020/09/30/bolsonaro-
sanciona-lei-que-proibe-barragens-como-a-de-brumadinho-mg.htm.
opta por tecnologias baratas, de baixa qualidade. A solução para evitar novos
desastres é o desenvolvimento de novas tecnologias.
Alguns outros pontos surgiram nas entrevistas que vão em direção semelhante,
isto é, da crença no potencial da inovação tecnológica e na possibilidade da
humanidade controlar as ciências e tecnologias e utilizarem-nas em prol do
progresso e desenvolvimento. Uma forma na qual isso se apresentou foi na
ideia de que as empresas deveriam buscar tecnologias de segurança ou
monitoramento mais efetivas:
“(...) acho que elas [empresas] poderiam investir mais em mais informação,
mais inovações também. É aquilo que eu tinha falado um pouco antes, é
buscar alternativas para atestar mais segurança. Porque aí sim, você vai ter
bem mais segurança, vai ser mais confiável todo o sistema, todo o processo”
(Antônio).
“Eles (a Vale) fizeram um levantamento de onde a barragem iria romper, os gastos que
eles iam ter, olharam no cofre e viu que eles tinham caixa suficiente pra poder arcar
com os negócios e pegou e falou ‘Vamos deixar arder, melhor a gente deixar estourar
do que parar nossa produção’” (Joaquim).
“Agora eu falo, a Vale teve lucro, não teve prejuízo. Isso é fato, tá aí notório para quem
quiser pesquisar. A Vale teve lucro. Ela sabia da probabilidade de rompimento, só que
ela contabilizou vidas e dinheiro e ainda está se aproveitando da situação.” (Jonas).
“Olha, eu atribuo [o desastre] ao descaso mesmo. Principalmente da direção [da Vale],
de quem sabia do risco. Porque há pessoas que sabiam. Então assim, a ganância,
também a ganância. Porque poderia ter parado, poderia ter reparado a barragem.
Ainda que perdesse um ano de trabalho e tudo, mas iria ter poupado as vidas. Tanto é
que nesse tempo parado a Vale, ela está lucrando muito mais do que estava antes.
Então assim, ela já recuperou todo o valor que foi perdido ali em Córrego do Feijão ela
já recuperou. Então assim, eu vejo mais pela ganância, falta de cuidado. Teve as falhas
mecânicas, da sirene que não tocou, mas foi mais humano, esse erro. Porque as
pessoas poderiam ter evitado isso” (Antônio).
“É o descaso das empresas e das autoridades. É o descaso porque uma vez que tinha
acontecido isso em Mariana e pelo que a gente vê falar, a Vale tinha ciência disso, que
poderia acontecer isso, poderia ser evitado. Como é que você constrói um alojamento,
um restaurante debaixo de uma barragem? Onde você não tem a menor chance de
fuga se acontecesse aquilo. Com uma empresa que é tão rigorosa com relação à
segurança. Você descer no caminhão da Vale para fazer uma forra de uma faixa você
é notificado, você deixar comida na bandeja, por exemplo, você é notificado, se você
não usar o equipamento de segurança você é notificado. Como é que uma empresa
desta deixa uma barragem, um alojamento e um restaurante? Isso que não dá para
entender” (Conrado).
Conclusão
Referências bibliográficas