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BOLETIM ANTI-R Boletim Informativo do Curso de Medicina [Ano 1]

Ed.1

REPORTAGEM
Uso inadequado de antibióticos pode
esgotar as possibilidades de cura

A
evolução dos estudos dedicados ao combate da ação microbiana
no organismo humano possui uma linha evolutiva importante, mas
apresenta uma preocupante curva ascendente no que diz respei-
to à resistência desses organismos aos medicamentos. Parte do
problema está na evolução natural das bactérias sobre os medicamentos,
mas os profissionais de saúde também são responsáveis por este cenário.
Antibióticos são agentes químicos, naturais ou sintéticos, capazes
de inibir a ação de microorganismos e, para compreendermos mel-
hor os desafios que a medicina moderna possui em relação aos or-
ganismos resistentes, traçamos uma linha evolutiva destes estudos.
A palavra antibiótico foi utilizada pela primeira vez por Selman Abrahan
Waskman em 1942, mas no final do século XIX o pesquisador Vuillemin já
havia criado o termo antibiose para se referir as descobertas de Louis Pas-
teur e Robert Koch sobre doenças humanas provocadas por bactérias.
Atividade terapêutica de fungos e germes
No final do século XIX Ernest Duschesne apresentou em Lyon, na Fran-
ça, o primeiro trabalho científico sobre a atividade terapêutica exer-
cida pelos fungos contra os germes. É importante destacar também
a contribuição do quimioterapeuta Paul Ehrlich, que desenvolveu o
conceito de toxidade seletiva, e indicou a ação danosa de determina-
dos agentes sobre microrganismos, sem afetar as células do hospedeiro.
Por outro lado, chineses, sumérios, indianos e índios norte-americanos
INOVE

recorriam a fungos, bolores e mofos para a cura de doenças infecciosas em


humanos e animais, entretanto, sem o devido conhecimento sobre sua ação.
Até mesmo Hipócrates, que viveu cerca de 400 anos antes de Cristo, emprega-

1 va a lavagem de ferimentos com vinho para evitar a infecção e recomendava


o uso de bolores tostados para o tratamento de doenças genitais femininas.
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Penicilina e ação antimicrobiana


Uma das mais importantes descobertas neste campo foi a peni-
cilina registrada por Alexander Fleming em 1928, já estudada por
Duschesne, entretanto suas pesquisas não foram publicadas, sendo
enfim esquecidas e abrindo espaço para a patente de seu sucessor.
Certas obras literárias narram que a descoberta de Fleming ocorreu devido o
pesquisador ter esquecido placas que continham microrganismos em cima
de um balcão. Acidente ou não, Fleming reparou na ação do Staphylococ-
cus Aureus em seu laboratório no
Hospital St. Mary’s em Londres.
Um fungo do ar contaminou
a cultura de bactérias obser-
vadas pelo pesquisador es-
cocês. Dessa contaminação
Fleming notou que o estafiloco-
co não se desenvolveu e pôde
concluir que o fungo do gênero
Penicillium exercia ação anti-
microbiana sobre a bactéria.
Do uso desconhecido da ação antimicrobiana, a descoberta da penicilina,
chegamos ao século XXI com um vasto conhecimento da estrutura química dos
antibióticos, que podem hoje ser classificados em penicilinas e cefalosporinas.
Cenário preocupante
A preocupação dos Governos, órgãos de saúde, médicos, en-
tre outros profissionais, aumentam a cada ano, junto com a ven-
da de medicamentos contendo antimicrobianos em sua fórmula.
Segundo a Organização Mundial de Saúde 50% das prescrições de anti-
bióticos no mundo são inadequadas. Um relatório do Instituto IMS Health
(Serviços de Marketing Intercontinental) notificou que os antimicrobianos são
responsáveis pela movimentação de mais de um bilhão de reais no Brasil.
Medidas são tomadas, como o projeto de lei aprovado em 2009 pela
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) no qual a
venda de antibióticos humanos e veterinários sem prescrição médi-
ca é proibida, devendo o farmacêutico reter a receita apresenta-
da para evitar a possível compra em estabelecimentos irregulares.
Essa aprovação permitiu a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) estabelecer um controle maior sobre os cinco tipos de anti-
bióticos mais vendidos, ampicilina, amoxilina, sulfametoxazol com tri-
metoprima, cefalexina e azitromicina, através de notificação eletrôni-
INOVE

ca no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados.


Além da fiscalização eletrônica, o órgão responsável em promov-
er a proteção da saúde da população propõe a exigência de re-
2 ceita de controle especial em duas vias e a apresentação e re-
tenção de uma dessas vias no ato da compra do medicamento.
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Todas as imagens contidas neste Boletim informativo são do site: SXC


ANTIBIÓTICOS E RESISTÊNCIA Ed.1

Flávia P. Prudente e Fernanda Brisola,


sob orientação do Prof. Dr. Milton S. Lapchik

ARTIGO *

A
* Dr. Milton S. Lapchik é redução da mortalidade associada às doenças infecciosas relaciona-
Doutor em Infectologia
se, em grande parte, ao desenvolvimento de novos antibióticos.
(Capes) e Professor das
disciplinas Outros fatores como melhoria na saúde pública, nutrição, condições
Microbiologia, de moradia e o desenvolvimento de vacinas também contribuem
Imunologia e Infectolo-
até os dias de hoje para a redução da morbidade e mortalidade relacionada
gia do curso de Medi-
cina da Uninove. Flávia às infecções. Porém, doenças consideradas como tratáveis e sob controle
P. Prudente de Moraes há alguns anos estão se tornando um problema de saúde pública. Estudos
e Fernanda Brisola são
revelam que este fenômeno foi acelerado pelo uso abusivo de antibióticos,
acadêmicas e monito-
ras de microbiologia do principalmente nos países desenvolvidos e pela subutilização de antibióticos
curso de Medicina da de qualidade em países de desenvolvimento. A resistência microbiana é
Uninove.
um fenômeno natural, mas que se tornou um problema de saúde pública
decorrente deste processo.
A prevalência das infecções e o conseqüente uso de
antimicrobianos para tratá-las acarretam muitos erros
de prescrição, relacionados à incerteza diagnóstica e
ao desconhecimento farmacológico. Nesse contexto
aparecem além dos problemas de prescrição, erros de
seleção e indicação do antimicrobiano.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS),
as infecções são responsáveis por 25% das mortes em
todo mundo e por 45% nos países menos desenvolvidos.
A partir dessa informação, houve interesse no estudo do
uso de antibióticos por essa população e verificou-se
que apenas 1/3 dos antibióticos são comprados com prescrição médica.
O erro no diagnóstico demonstra a fragilidade nos sistemas de saúde, mesmo
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nos países desenvolvidos. Médicos extenuados pelo trabalho excessivo, ou


pela deficiência de formação, prescrevem desnecessariamente antibióticos
muitas vezes como postura de defesa. A falta de informação leva à utilização
3 de doses insuficientes ou prescrição desnecessária.
Nos Estados Unidos calcula-se que 50% dos usos sejam inadequados, ou
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seja, em infecções virais no trato superior em adultos e crianças. Se isso


fosse levado em consideração, haveria uma economia de 6 milhões de
prescrições desses medicamentos.
As expectativas do paciente influenciam na prescrição médica além da
propaganda da indústria farmacêutica, que incentiva o uso de novos
medicamentos e do alto custo. Já nos hospitais, a menor experiência clínica
de internos e residentes tornam mais frequentes as decisões terapêuticas
pelo uso de antibióticos de amplo espectro ou a combinação de vários
antibióticos de pequeno espectro para evitar falhas de tratamento nas
primeiras 24 horas. Observa-se além da repetição automática da prescrição,
o uso prolongado dos medicamentos.
A resistência microbiana refere-se a cepas de microorganismos que são
capazes de se multiplicar em presença de concentrações de antimicrobianos,
mais altas do que as que provem de doses terapêuticas dadas a humanos.
Estes são os únicos medicamentos que influenciam não apenas o paciente
em tratamento, mas também todo ecossistema onde ele está inserido, com
repercussões potenciais profundas, podendo a resistência microbiana
romper barreiras continentais.
O custo das hospitalizações prolongadas e da necessidade de alternativas
mais onerosas devido à resistência bacteriana chega a 1,3 bilhões de dólares
por ano nos Estados Unidos.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que mais de 50%
das prescrições de antibióticos no mundo são inadequadas. Só no Brasil,
o comércio de antibióticos movimentou, em 2009, cerca de R$ 1,6 bilhão,
segundo relatório do instituto IMS Health.
Durante a conferência Européia sobre uso de antimicrobianos, em 2001,
David Byrne afirmou que o problema da resistência bacteriana não vai ser
resolvido pelo contínuo desenvolvimento de novos fármacos,
mas pela urgente preocupação com a imediata redução do
uso desnecessário e inapropriado de antibióticos.
Além do correto uso de antibióticos, medidas de saúde
pública, como saneamento básico, vacinação, cuidado
com a água de uso, também podem contribuir
para a redução da disseminação de infecções por
microorganismos resistentes.
Através de treinamentos de estudantes de graduação de saúde no diagnóstico
e manejo de infecções comuns, a execução de programas educacionais que
visem reduzir a transmissão de microorganismos, além da comercialização
de antibióticos que atendam padrões internacionais de eficácia, segurança
e qualidade, será possível minimizar esse mal do século XXI.
INOVE

EXPEDIENTE
4 O Boletim informativo Anti-R é elaborado pelos alunos de Comunicação Social – Jornalismo e
Medicina da Universidade Nove de Julho – UNINOVE, sob orientação dos professores Ms. Eduardo
BOLETIM ANTI-R

Natário (Jornalismo/Edição) e Dr. Milton S. Lapchik (Medicina) e Prof. Pedro Roberto Rodrigues
(Jornalismo/Editoração e Arte). Participaram desta edição os alunos Amanda Santos (Jornalismo), João
Paulo da Silva (Jornalismo), Flávia P. Prudente de Moraes (Medicina) e Fernanda Brisola (Medicina).
O Anti-R - Anti-Resistência é um informativo mensal dedicado às discussões sobre o uso
de antibióticos e rsistência microbiana disctribuido por e-mail e disponível no site www.
uninove.br/inove. Para entrar em contato com o Anti-R envie e-mail para natário@uninove.br.

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