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RESUMO
O trabalho apresenta brevemente a trajetória de construção dos direitos relacionados ao
envelhecimento, considerados como direitos humanos. Conclui-se que no Brasil, apesar das
contradições as políticas públicas, sobretudo a partir da Constituição de 88 imprimiram uma nova
racionalidade e uma nova legitimidade ao assunto ampliando-se o espaço das questões do
envelhecimento na agenda política.
PALAVRAS- CHAVE: DIREITO, POLÍTICA, VELHICE, ESTATUTO, IDOSO
1. Introdução
O envelhecimento se coloca recentemente como questão jurídica, com mais força a partir dos
anos 70. No Brasil todas as constituições anteriores a de 1988 tratam a questão do
envelhecimento de forma superficial e não apresentam um tratamento específico para o cidadão
idoso, a não ser sobre a questão previdenciária, e ainda assim com pouca amplitude.
2. A questão do direito
Os direitos são uma questão inerente à nossa sociedade. É a forma como fazemos e organizamos
a política, portanto, a estratégia dos direitos não tem como se completar fora de uma extensa luta
política pela democracia.
Fazer leis não é simples envolve muitas vezes processos de fortes lutas para ser conquistada.
Após a promulgação ainda resta à efetivação dos direitos declarados, se tornando uma questão
política sempre urgente.
Segundo BOBBIO (2004, p: 17), os direitos do homem são aqueles que pertencem, ou
deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado. Parti-
se então, do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que
merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles
(por toda parte e em igual medida) reconhecidos. Estamos convencidos de que lhes encontrar um
fundamento, ou seja, aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse
feita também pelos outros, é um meio adequado para obter para eles um amplo reconhecimento.
(BOBBIO, 2004 p: 16)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece que todas as pessoas,
em todas as idades, possuem direitos civis, sociais e políticos. Referente ao Direito do Idoso, esta
declaração dispõe, em seu artigo XXV, que “toda pessoa tem direito à segurança em caso de
doença, invalidez, viuvez e velhice” (RODRIGUES, 2007, p. 539). Na publicação “Direitos
Humanos e Pessoa Idosa”, de 2005 (BRASIL, Decreto 2005), discute-se não apenas a
conscientização dos direitos e a promoção da vida e da liberdade, mas o desarraigamento das
desigualdades e da discriminação contra os idosos.
Em todo caso o idoso não poderá ser tratado como “vítima”, mas como sujeito pleno de
direito, a velhice não subtrai do homem a condição de cidadão, o envelhecimento não é um mero
acaso da vida.
Conforme BOBBIO (2004, p. 25) o problema grave de nosso tempo, com relação aos
direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. É qual é o modo mais
seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
continuamente violados?
Envelhecer no século XXI não terá, pois, o mesmo significado que teve no século XX.
“Até o século XIX, nunca se fez menção aos “velhos pobres”; estes eram pouco numerosos e a
longevidade só era possível nas classes privilegiadas.” (BEAUVOIR, 1990, p. 111).
No ocidente, o primeiro texto conhecido dedicado à velhice traça desta um quadro sombrio; este
texto encontra-se no Egito e foi escrito em 2500 antes de Cristo por Ptah-hotep, filósofo e poeta:
Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos
tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se
silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se
hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até recentemente
causavam prazer só se realizam com dificuldade, e o sentido do paladar desaparece. A velhice é o
pior dos infortúnios que pode afligir um homem. O nariz entope, e não se pode mais sentir nenhum
odor. (BEAUVOIR, 1990, p. 114)
O povo judeu é conhecido pelo respeito de que cercou a velhice. Lê-se nos Provérbios “os
cabelos brancos são uma coroa de honra: é no caminho da justiça que essa coroa é encontrada –
lê-se, ainda, no mesmo livro. Abençoada por Deus, a velhice exige obediência e respeito: Tu te
levantarás diante dos cabelos brancos e honrarás a pessoa do velho – prescreve o Levítico.”
(BEAUVOIR, 1990,p. 115)
Por outro lado, os pobres sempre foram marginalizados, mas, segundo TEXEIRA, (2008,
p.33), nos países desenvolvidos, a situação da pobreza no envelhecimento do trabalhador foi
amenizada ou relativizada em função da sociabilizarão da reprodução da força de trabalho –
incluindo, nesse sistema de proteção e no salariato, setores médios e pequenos burgueses –
através das políticas públicas. Ainda assim, há uma característica recorrente nas sociedades: a de
que pessoas idosas são mais pobres do que adultos da mesma população. “No caso brasileiro, os
rendimentos da população idosa são mais elevados que os da população jovem, no entanto
menores do que as pessoas de 40 a 59 anos.” (RODRIGUES, 2006, p: 188)
A construção da velhice não é um fato isolado, que ocorre após os 60 anos, é um processo
continuo que necessita planejamento constate. Envelhecer é uma questão inerente ao desejo de
representar ser jovem pela vida inteira. Todos envelhecem indiferente da classe social, da cor, da
raça, da religião ou da parte do mundo que habitam.
A maneira como concebemos a velhice traduz a construção social, política, econômica que
encontraremos ao envelhecer. A construção de direitos e de políticas perpassa a transformação
deste olhar e manifesta o interesse em se diferenciar uma visão do passado por uma visão do
presente com planejamento de futuro.
A lei Orgânica da Previdência Social foi talvez considerada o evento mais importante da
política previdenciária durante o governo Juscelino Kubistchek. Consagrou o beneficio da
aposentadoria por velhice, seja por tempo de serviço ou as chamadas aposentadorias especiais.
Ainda que considerada para a época uma conquista dos trabalhadores, manteve de fora muitos
setores de trabalhadores seja no campo ou na cidade.
Através do decreto nº 72.771 de 06 de setembro de 1973 se definem formas para usufruto
da pensão por velhice: 65 anos completos ou mais (homens), 60 anos ou mais (mulheres), e para
os ambos os casos que não tenham nenhuma ligação com atividades remuneradas.
Um primeiro documento do governo federal contendo algumas diretrizes para uma política
social para população idosa foi editado pelo MPAS em 1976. Baseou-se nas conclusões de três
seminários regionais realizados em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza e em um nacional. Os
seminários objetivavam a identificação das condições de vida do idoso brasileiro e do apoio
assistencial existente para atender suas necessidades. (CAMARANO 2004, p. 265)
Algumas iniciativas relevantes para a constituição posterior das políticas voltadas aos
idosos foram: a criação em 1961 da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e o
Serviço Social do Comércio (SESC) em 1963 Tanto as ações da SBGG quanto as do SESC
culminavam para o mesmo objetivo: estimular a participação do tema idoso em todas as esferas
de discussão. Também na área não-governamental surgiu em 1977, em Fortaleza, a primeira
associação de idosos, a ACEPI – Associação Cearense Pró-idosos. Já na década de 1980
surgiram, mas precisamente em 1982, na Universidade Federal de Santa Catarina, as primeiras
atividades com idosos, fundando-se o NETI – Núcleo de Estudos da Terceira Idade. Nesse ano, o
SESC – SP realizou o 1° Encontro Nacional, congregando idosos de todo Brasil. Em 1985 foi
fundada a Associação Nacional de Gerontologia – ANG. (CAMARANO 2004, p. 264)
Em janeiro de 1977 o Ministério da Previdência e Assistência Social, cria a “Política Social
do Idoso”. Mas em função da característica geral, o documento acaba sendo mais um modelo de
carta de intenção do que se poderia chamar de programa consistente e com viabilidade.
Outro reforço legal, a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, vem substituir a Lei 6.179,
de 11 de dezembro de 1974, porém com as mesmas premissas não possui nenhum avanço
significativo. Dispõe sobre a organização da Assistência Social - LOAS, regulando o art. 203, V, da
Constituição Federal novamente assegurando a assistência social à velhice e, como ponto alto,
por suas conseqüências econômicas, regula agora este recurso com a titulação de benefício de
prestação continuada (BBC), consistindo na garantia de um salário mínimo mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família (art. 20). A partir de janeiro de
1998, conforme a Lei Federal n. 9.720, de 1998, a idade mínima para receber o benefício de
prestação continuada foi reduzida de 70 para 67 anos. Com a promulgação do Estatuto do Idoso,
em outubro de 2003, a idade mínima para o requerimento do benefício passou para 65 anos.
A lei 8.842 de 04 de janeiro de 1994, sancionada pelo então Presidente Itamar Franco,
dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI), uma prova inconteste de direitos sociais torna-se
direito positivo. Regulamentada pelo decreto n° 1.948 de 1996, tem como finalidade assegurar os
direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e
participação efetiva na sociedade. Ela traz responsabilidades partilhadas pelo Estado, família,
sociedade civil, Ministério Público, órgãos públicos e instituições sociais. Reconhecia-se já ao
idoso o papel de agente ativo na condução da própria vida. A PNI é uma legislação moderna que
reforça a característica brasileira de legislações complexas, ricas de proteção social, entretanto,
com nítido caráter formal, legalista que não se expressa em ações efetivas de proteção. Essa lei
se enquadra como nenhuma outra nas novas diretrizes (internacionais) da política social, aquela
que não prioriza o Estado como garantidor desses direitos, mas como normatizador, regulador, co-
financiador, dividindo responsabilidades da proteção social com a sociedade civil, através de
ações desenvolvidas por ONGs, comunidade, família ou entes municipais. A resultante dessa
configuração são programas pontuais, com metas restritas, se comparado ao crescimento do
número de idosos, embora típicos da forma de execução via sociedade civil. Os programas de
maior cobertura, capazes de retirar o idoso da indigência, são, sem dúvidas, aqueles que contam
com recursos federais na sua integralidade, numa lógica de universalização, apesar de ela não se
efetivar nem entre os mais pobres dentre os pobres.
A PNI toma o idoso como grupo etário, homogêneo, e mascara não apenas as
desigualdades sociais, mas também a tragédia do envelhecimento para os trabalhadores. Embora
a política deva ser universal, a centralidade das atenções deve ser para os trabalhadores, dada a
vulnerabilidade social dessa classe, principalmente quando envelhece, devendo, a partir daí,
universalizar-se para atingir os diversos grupos e frações dessa classe e outros intermediários, já
que não é para todos que o envelhecimento significa um problema social. (TEXEIRA, 2008, p:
266). Envelhecer diante desta legislação ainda é privilegio de classe.
As demandas pela gestão democrática das políticas públicas nasceram dos movimentos
populares no contexto da luta pela redemocratização do Estado e da sociedade e se consolidaram
formalmente na Constituição Federal de 1988. Posteriormente referendadas por políticas setoriais
dentre elas a PNI e o Estatuto do Idoso, e dos denominados Conselhos de Direitos ou Conselhos
Gestores – órgãos colegiados, constituídos nas instâncias federal, estadual e municipal, por
representação paritária da sociedade civil e sociedade política, com funções deliberativas sobre a
política social.” (TEXEIRA, 2008, p. 277). Os Conselhos gestores foram inicialmente vetados,
porém autorizados posteriormente em razão da força popular.
O Conselho Nacional do Idoso (CNDI) foi criado em maio de 2002 (Decreto 4.227) e seu
caráter era apenas consultivo. Em 17 de junho de 2004 o CNDI passou a ter caráter deliberativo
(Decreto 5.109). No artigo 1º do capítulo I - Da Finalidade e da Competência - lemos que o CNDI
“tem por finalidade elaborar diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional do
Idoso, observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe a Lei 10.741, de 1º de
outubro de 2003 – Estatuto do Idoso, bem como acompanhar e avaliar a sua execução”.
Em 1997 surgiu o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência Social, pelo qual o PAI
passou a ser coordenado pela então Fundação Legião Brasileira de Assistência. (RODRIGUES,
2006, p. 190). A proteção pública contra incertezas e os riscos associados ao envelhecimento
constituem um direito da população e um dever do Estado, consagrados na Constituição Federal,
como política de seguridade social, cujo tripé é constituído pela assistência social, saúde e
previdência.
A importância deste estatuto está em dispor aos idosos os instrumentos e mecanismos
asseguradores de seus direitos. Dispostos em três formas, através das políticas públicas (âmbito
do governo), ou dos instrumentos judiciais (linha de atuação do poder judiciário) e da participação
da sociedade civil através dos Conselhos em todas as suas esferas. O objetivo das políticas
públicas é atuar como forma para evitar que ocorram violações aos direitos dos idosos. Já os
mecanismos processuais, ao contrário, exercem um papel de repressão atenuando as
conseqüências de possíveis violações que possam ocorrer, embora, também em alguns casos
possam ser utilizados como prevenção. A participação nos Conselhos, no entanto é um
instrumento de voz organizada, que fiscaliza e delibera ações para fortalecer e ampliar as políticas
públicas vigentes, auxiliar na repressão de violações. O Estatuto não tem por objetivo somente a
garantia dos direitos dos idosos, mas o pleno exercício da cidadania.
3. Considerações
Estamos diante de uma legislação que assegura o direito a envelhecer com dignidade e com
ferramentas de participação para sociedade. Porém para acessar este direito é necessário
conhecê-lo, interpretá-lo, articular-se e interagir com as diversas adversidades desta fase da vida.
Entender a velhice enquanto uma categoria social é fundamental para iniciar este processo.
Referências
ALVES, Andréa M. Os idosos, as redes de relações sociais e as relações familiares. In: NERI,
Anita Liberalesso (Org).IDOSOS NO BRASIL: vivências,desafios e expectativas na terceira idade.
São Paulo: Editora Perseu Abramo, Edições SESC SP, 2007.p 125 - 139.
CAMARANO; Ana Amélia (org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de
Janeiro: IPEA, 2004.
GOLDMAN, Sara Nigri. Envelhecer com cidadania: quem sabe um dia? Rio de Janeiro: CBCISS;
ANG/Seção Rio de Janeiro, 2000.