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São Paulo
2016
DIEGO DO NASCIMENTO PEREIRA
São Paulo
2016
Ao baterista Nenê, minha maior influência na música.
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais André Luiz e Inezilda Soares pelo apoio; ao primo
Carlos Augusto “Guto” por me acolher em minha chegada a São Paulo; ao Professor e
amigo Pedro Ramos por ser como um pai durante o curso; Paulinho Alves por ser um
irmão; a Juliana Rodrigues pelo apoio e paciência para comigo; ao professor e
orientador Carlos Ezequiel pela motivação e incentivo a pesquisa; a toda equipe da
Faculdade Souza Lima pela chance a mim concedida de realizar esta monografia.
Resumo
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2 FERRAMENTAS DE ANÁLISE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1 FORMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2 INSTRUMENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3 DESENVOLVIMENTO MOTÍVICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.4 USO DE PADRÕES RÍTMICOS BRASILEIROS . . . . . . . . . . . . 14
4 ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
9
INTRODUÇÃO
Desde o início de minha pesquisa já estava muito claro que o baterista Realcino
Lima Filho, conhecido como Nenê, seria meu objeto de análise partindo da minha
admiração e influência por ele. Nenê possui uma carreira focada na composição de obras
que se tornam cada vez mais frequentes no repertório dos grupos de música
instrumental do Brasil e na alta performance no instrumento enquanto improvisador.
Suas composições são registradas em vários discos gravados durante sua carreira,
com diversas formações e músicos de diferentes instrumentos.
A partir da audição de seus discos, podemos notar a existência de faixas
dedicadas a solos de bateria, nas quais Nenê transforma a bateria em um instrumento
solista que por si só é capaz de compor uma obra. Observa-se que no desenvolvimento
destas obras são encontradas técnicas comuns na prática de composição, tais como:
repetição, sequência, movimento retrógrado e inverso, e assim por diante. Seria esse
procedimento de execução instrumental uma ferramenta baseada nas técnicas de
composição tradicional e seria esse o fator crucial para o desenvolvimento de seus
solos? Qual seria a abordagem utilizada para a criação dos mesmos?
Essa prática não é comum entre os bateristas, tendo em vista que existem
outros recursos de improvisação dentro de uma faixa que contenha a participação de
outros músicos, em forma de trade1 ou vamp2. A partir deste questionamento, viu-se a
necessidade de compreensão desta forma de construir um solo através da sua
análise.
A metodologia foi dividida da seguinte maneira: audição dos solos repetida-
mente para a compreensão do conteúdo musical como um todo; transcrição parcial
de trechos relevantes para a análise com o auxílio do programa Transcribe!; docu-
mentação em partitura através do programa Sibelius 7 ; análise e apontamento do
uso de técnicas composicionais, tal como outras informações relevantes para análise
composicional com o auxilio dos livros descritos no final deste trabalho.
O capítulo 1 disserta uma breve biografia do baterista em questão para contex-
tualização do cenário que influencia na formação musical do mesmo.
As ferramentas utilizadas para as análises dos solos são descritas no capítulo
2 e escolhidas de acordo com o material apresentado nos solos.
Nascido em Porto Alegre – RS em 1947, Realcino Lima Filho (ou Nenê como
é conhecido) teve seu primeiro contato com um instrumento através de um pandeiro
de plástico, e em seguida, incentivado pelo seu pai, ganhou um acordeom e iniciou
suas atividades profissionais por volta dos 15 anos. Após atuar com seu primeiro
conjunto de música regional, viu seu grupo se desfazendo, e ao se deparar com
a partilha de bens adquiridos pelos integrantes, logo se apropriou da bateria,
instrumento esse que chamava sua atenção.
Anos depois, assim que se mudou para São Paulo, integrou o Quarteto Novo
logo após a saída do baterista Airto Moreira, e em seguida foi convidado pelo Hermeto
Pascoal a participar do seu novo grupo. Com este grupo, podemos registrar dois discos
importantes para o catálogo de música instrumental brasileira: Zabumbê-bum-a, e
Hermeto Pascoal ao vivo em Mountreux. Após esse período, gravando e excursio-
nando com Hermeto Pascoal, foi convidado a integrar o grupo de Egberto Gismonti,
indo à Europa para gravar o disco Sanfona, lançado pelo selo ECM. Viajou para 45
países com a turnê desse mesmo disco, sendo a França o último país no qual se
instalou e viveu pelos doze anos seguintes. Gravou seu primeiro álbum solo intitulado
Bugre, eleito um dos melhores discos do ano pela conceituada revista francesa JazzHot, e
seu primeiro livro de ritmos brasileiros, lançado pela editora francesa Zurfluh. Em
suas visitas ao Brasil, compôs e arranjou para o grupo Pau Brasil. Assim que retornou
definitivamente ao país em 1995, após longos anos de experiência, incluindo shows
com trio de Hermeto Pascoal e Arismar do Espírito Santo, Elis Regina, Milton Nasci-
mento, Charlie Haden e Michel Portal, Nenê criou seu trio com o baixista Enéias Xavier
e o guitarrista Magno Alexandre.
Atualmente Nenê atua com seu trio, agora com Írio Junior ao piano e Alberto
Luccas no contrabaixo e leciona nas Faculdade Souza Lima, e na Escola de Música do
Estado de São Paulo (EMESP) como professor de bateria e prática de banda.
12
2 FERRAMENTAS DE ANÁLISE
- Forma
- Instrumentação
- Desenvolvimento motívico
2.1 FORMA
Para as análises de Forma, foi montada uma tabela que expõe fatores relevantes
para cada seção do solo. Para medida de ordenação, cada seção recebeu uma letra
em ordem alfabética. Após a letra, foi incluído o nome de alguma característica que
marca o trecho e em seguida foi classificada entre quatro modalidades: Melodia,
Idiomatismo no Instrumento, Gênero e Estruturação.
A primeira se refere a uma série de notas musicais dispostas em uma sucessão,
num determinado padrão rítmico, para formar uma unidade identificável (SADIE, 1994).
A segunda trata das frases que são comuns ao idioma do instrumento, uma vez que
suas características e técnicas formam um repertório que se consagra pelo uso. A
terceira modalidade se refere aos gêneros musicais encontrados durante as obras,
essencialmente constituídos por formas de expressões culturais brasileiras que foram
desenvolvidas e aprimoradas ao longo da carreira do músico em questão.
Capítulo 2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE 13
2.2 INSTRUMENTAÇÃO
Suite Porto
Nome do
Bugre Curral dos Ogã Sudeste Outono
Disco
D’el Rey Casais
Ano 1983 1997 1998 2005 2007 2009
Nome da Solo de Comigo o Solo de
Solo Solo Utacaram
Faixa Bateria Arroz é Seco Bateria
Uso de
X X X X X
Percussão
Melodia
aa’ ababc abc aabc aaabcc
Inicial
Início
X X X X
Rubato
Samba X X X
Partido
X X
Alto
Baião X X
Maracatu X
Xula X
Introdução
X X
de faixa
3.1 BUGRE
3.1.1 Forma
A - 0:00 Melodia aa‘a Melodia
B - 1:17 Baquetas - Ênfase na caixa Idiomatismo
C - 1:54 Grande rufo + Uso do cowbell Idiomatismo
D - 2:50 Maracatu Gênero
E - 3:10 Caixa + Grande rufo Idiomatismo
F - 3:19 Ritmo deslocado Estruturação
G - 3:33 Citação do tema Melodia
H - 3:53 Caixa + Grande Rufo Idiomatismo
I - 4:43 Rall Caixa com uma mão Idiomatismo
J - 4:54 Grande Rufo Idiomatismo
K - 5:26 Sinos Idiomatismo
Coda - 5:46 Rallentando Estruturação
a
As partes que integram a melodia serão classificadas com letra em itálico, enquanto as seções do
solo serão classificadas com letra maiúscula: a - Melodia A - Seção.
3.1.2 Instrumentação
Esse período que se encerra com um grande rulo de prato com o uso de uma
baqueta de feltro e a troca do guizo por um caxixi2 para uma textura diferenciada foi
chamado de a.
Na segunda parte da melodia, aqui chamada de b, segue a textura do caxixi,
até a troca para um segundo guizo, e a repetição das frases nos tons.
2
Nome dado ao “chocalho” de recipiente feiro de palha trançada com formato cônico, tendo a base
fechada geralmente por um pedaço de “cabaça”. Possui alça na extremidade superior e contém
sementes ou pedrinhas. (. . . ) Tornou-se conhecido por ser tocado junto com o “berimbau” (. . . ). O
som é produzido sacudindo-se no sentido vertical, de forma que os grânulos se chocam com a base
de “cabaça”. (FRUNGILLO, 2003, p.146)
Capítulo 3. ANÁLISE DOS SOLOS 18
Figura 5 – Diminuição.
Figura 6 – Sequência.
As notas são agrupadas de três em três uma vez que mão direira, mão esquerda
e pé direito executam cada nota listada na descrição da figura. Nesta seção C, é feita
uma longa repetição com nuances de andamento, dinâmica e variação melódica com o
mesmo baqueteamento3 .
O mesmo agrupamento é encontrado mais uma vez nesta mesma seção agora
utilizando o prato de vitrola, como nos mostra o exemplo abaixo:
Na seção H, I e J, Nenê continua uma longa série de rufos até chegar a seção
K, onde a roda de toca disco é novamente tocada relembrando a textura encontrada
na exposição do tema com a inclusão do bumbo para gerar uma variação de timbre,
caminhando para o final da obra.
Nesta seção encontramos novamente a técnica de sequência, distribuindo as
semicolcheias nos tambores seguidos do prato, como apresentado no exemplo abaixo:
Figura 10 – Sequência.
3.2.1 Forma
3.2.2 Instrumentação
Na parte a, o tema e sua forma são muito claros, uma vez que o pulso, a
quadratura e o desenho rítmico e melódico nos mostram este contraste das frases.
A frase é criada a partir da distribuição da semicolcheia nos pratos e nos objetos de
percussão acoplados a bateria, sendo eles: tampa de forno, sino e cowbell.
Capítulo 3. ANÁLISE DOS SOLOS 21
Essa frase se repete quatro vezes, caracterizando a quadratura da seção a, como nos
mostra o exemplo abaixo:
Figura 12 – Parte a.
Figura 13 – Parte b.
Na seção H, o Nenê se utiliza dos idiofones para criação de uma nova ideia. O
caxixi e a prato de vitrola, e posteriormente o guizo, tampa de forno, prato e surdo são
incluídos em rubato, até o momento em que uma nova rítmica surge com frases no
prato de vitrola posteriormente distribuídas nas demais peças da bateria.
Figura 15 – Inversão.
Figura 18 – Xaxado.
A Xula é uma dança do folclore gaúcho, também praticado na Argentina (LIMA FI-
LHO, 2008, p.29). O exemplo abaixo foi encontrado durante a seção K:
Figura 21 – Xula.
O terceiro solo analisado integra o disco Porto dos Casais (NENÊ, 1998). Se-
gundo o site do selo Maritaca, este pode ser considerado um tratado de música
brasileira na bateria devido a complexidade e inovação na aplicação de ritmos brasilei-
ros nas composições, que na maioria das vezes levam o nome do gênero, como por
exemplo a música ‘Partido’, ou até mesmo a música ‘Calango’. O disco possui treze
faixas e o objeto de análise será a faixa nove, intitulada ‘Solo de bateria’.
3.3.1 Forma
3.3.2 Instrumentação
O Solo se inicia com o uso do caxixi e dos guizos, seguido da tampa de forno e
a repetição do motivo apresentado no solo do disco Bugre, como vemos no exemplo
abaixo.
Capítulo 3. ANÁLISE DOS SOLOS 26
Figura 32 – Sequência.
Capítulo 3. ANÁLISE DOS SOLOS 29
4 ENTREVISTA
Por fim, foi registrada uma entrevista de caráter qualitativo com o próprio ba-
terista, com o intuito de afirmar algumas hipóteses e evitar conflitos de informação,
uma vez que apenas a audição dos solos não foi suficiente para o reconhecimento da
instrumentação, por exemplo. A entrevista ocorreu no dia 22 de novembro de 2016,
com duração de uma hora e trinta minutos registrados através de um aparelho celular.
A primeira pergunta foi relacionada a carreira. Permiti ao entrevistado uma
liberdade para contar sobre sua trajetória e sua relação com a música e mais especifi-
camente com a bateria:
Seu aprendizado foi autodidata e intuitivo, talvez sendo essa uma condição que
o levou a utilizar muito mais dos tambores e efeitos do que de rudimentos e frases muito
complexas. Os estudos de rudimentos foram desenvolvidos ainda que tardiamente.
“Eu aprendi assim, o estudo era aprender a fazer o rítmo e tentar fazer o
que o cara fazia no disco sem ter noção nenhuma de paradiddle, papa
mama. Tudo pra mim era rulo simples. (. . . ) não foi através de livro
nenhum, porque não tinha livro também.”
Mais uma vez ele cita o estudo do acordeom, agora com o intuito de reforçar
a importância de um instrumento harmônico o desenvolvimento da musicalidade e a
aplicação mais consciente.
Sua maneira de tocar é aqui definida como “esquisita”, tendo em vista que uma
das prioridades do músico em criar uma identidade que se torna uma das maiores
razões da admiração de vários músicos. Em seguida ele fala sobre como se aprofundou
no estudo de rítmos brasileiros.:
Mais uma vez ele ressalta a importância de criar uma identidade e fugir dos
padrões que se consagraram pelo uso comum.
“Quando eu comecei era assim que todo mundo tocava, 4/4, 2/2, ou
então fazia na forma, eu tocava assim até os 30 anos. Aí quando fui
para o Hermeto, ele falava que a gente tinha que fugir da forma.”
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da audição dos solos de bateria encontrados nos discos ‘Bugre’, ‘Porto
dos Casais’ e ‘Suite Curral D’el Rey‘, percebemos que o baterista utiliza de algumas
técnicas comuns na área da composição, tais como desenvolvimento de motivos,
estru-turação e variações. Seria possível afirmar que o baterista Nenê utiliza de
ferramentas composicionais em seus solos para criá-los?
Com base nos dados levantados na pesquisa, foi constatado que os elementos
composicionais de desenvolvimento de motivos, forma e instrumentação são ocorrentes
devido a sua vasta experiência como compositor. Essas técnicas foram desenvolvidas
de forma empírica, uma vez que o baterista teve contato com o acordeom desde jovem e
pratica composição desde muito cedo, posteriormente desenvolvendo a prática tradi-
cional do instrumento. Essa ocorrência das técnicas permeiam os momentos nos
quais aparecem as técnicas idiomáticas do instrumento, por se tratar de uma criação
espontânea pensada apenas segundos antes da gravação, como constatado na
entrevista.
O conceito de forma está ligado diretamente ao conceito de composição da
música popular, onde a composição é dividida em seções, seguida posteriormente de
um solo. Esse tema, assim como grande parte das composições consideradas jazz
standards não se estendem a mais de 3 seções.
O rufo, assim como os demais elementos específicos p ara a b ateria foram
encontrados em vários momentos, como forma de transição de partes dos solos. Sua
importância se dá aqui pelo estudo mesmo que tardio das técnicas convencionais para
a bateria, tal como o baqueteamento e suas variações.
O desenvolvimento de motivos é a ferramenta que o baterista foi aprimorando ao
longo dos anos, tendo em vista que o último solo analisado, ’Porto dos Casais‘, possui
uma ocorrência maior de repetições exatas e alteradas, e essa técnica gera uma
expectativa no ouvinte chamando a atenção para o que está por vir. Cabe aqui
a reflexão de que essas ferramentas foram adquiridas de forma empírica, portanto o
uso de técnicas mais avançadas de desenvolvimento de motivos não entram no
repertório do baterista.
Capítulo 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 33
Referências
LIMA FILHO, R. A Bateria Brasileira do Século XXI. São Paulo: NENÊ, 2008.
NENÊ. Suíte Curral D’El Rey. Belo Horizonte: Mix House, 1997.
NENÊ. Porto dos Casais. São Paulo: Núcleo Contemporâneo, 1998. O’MAHONEY,