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>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Educação//Investigación Cualitativa en Educación//Volume 1

Ensino de física por investigação e a metodologia qualitativa com


delineamento de pesquisa participante

Mateus Reis Fróes Pereira¹, Maria Clara Colonna dos Santos Vasconcelos ¹, Juliana Eugênia
Caixeta¹
Rodrigo Alves Xavier²

¹ Faculdade UnB de Planaltina, Universidade de Brasília, Brasil. pmateusr@gmail.com;


colonacla74@gmail.com; eugenia45@hotmail.com
² Secretaria do Estado da Educação – DF, Brasil. rodrigoax2006@gmail.com

Resumo. Este artigo apresenta e analisa o Projeto de Ciências “Introdução à Física Mecânica”, desenvolvido
em uma escola pública do Distrito Federal, Brasil, a partir da metodologia de pesquisa qualitativa com
delineamento de pesquisa-participante. Participaram 28 estudantes e 3 professores-mediadores. Foi feita
uma análise de conteúdo do relatório dos mediadores e de 28 questionários e 28 produções livres, dos/as
estudantes. A análise originou três categorias de análise: conceitos de física; ensino de física por investigação
e pesquisa participante. Os resultados evidenciaram que o projeto Introdução à Física Mecânica foi efetivo
para o grupo de estudantes envolvidos no projeto e, também, para seus mediadores, porque gerou contextos
de ensino e de aprendizagem ricos em interação e colaboração.
Palavras-chave: ensino de física; ensino por investigação; metodologia qualitativa; pesquisa participante.

Teaching physics through research and the qualitative methodology analyzed with a participatory research
design

Abstract. This article presents and analyzes the science project "introduction to mechanical physics",
developed at a public school in the federal district, brazil, based on a qualitative research methodology with
a research-participant design. 28 students and 3 mediator teachers participated. A content analysis of the
mediators report and 28 questionnaires and 28 free productions were done, as students. Three areas were
analyzed: concepts of physics; teaching physics through participatory research, and; research. The results
showed that the introduction to mechanical physics project was effective for the group of students involved
who did not already have a project and also for their mediators, because it generated teaching and learning
contexts rich in interaction and collaboration

Keywords: physics teaching; research teaching; qualitative methodology; participant search

1 Introdução
Este artigo apresenta e analisa o Projeto de Ciências “Introdução à Física Mecânica”, desenvolvido em
uma escola pública do Distrito Federal, Brasil, a partir da metodologia de pesquisa qualitativa com
delineamento de pesquisa-participante. O uso deste delineamento de pesquisa é relevante, porque
permite: 1. que todos/as os/as envolvidos/as no processo de intervenção educacional sejam
protagonistas da ação pedagógica, num contexto de colaboração e 2. possibilita a implementação do
ensino por investigação que prevê as seguintes etapas: contextualização, problematização e teorização
(Xavier, 2016).

2 O ensino por investigação e a metodologia qualitativa


O ensino investigativo é uma abordagem que prevê um conjunto diverso de atividades pedagógicas,
fundamentadas em situações problemas, entendido como uma situação que não tem solução

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imediata, mas que pode ser resolvido, por meio do enfrentamento de tal situação (Silva, Nuñes, &
Ramalho, 2001; Silva, & Núñes, 2002; Xavier, 2016). Portanto, as atividades apresentam contextos para
constantes questionamentos, de maneira que a linha de raciocínio da experiência pedagógica seja
protagonizada pelos/as estudantes e não pelo professor (Carvalho, 2013).
A relevância de um ensino pautado na problematização é explanada por Piaget (1976) como
indispensável para a construção do conhecimento, uma vez que a utilização de problemas, ao mediar
processos educacionais, permite identificar as mudanças de conceitos. A partir da teorização de Piaget
(1976), podemos compreender que, quando instruídos a resolver um problema, os/as estudantes são
expostos a um contexto de desequilíbrio cognitivo, o que os/as leva a desenvolver estratégias de
resolução do problema, para alcançar um novo estado de equilíbrio, seja por meio da assimilação, seja
por meio da acomodação, ou, em outras palavras, seja pela utilização de conceitos prévios aplicados
à situação problema, seja pela construção de novos conceitos que permitirão resolver a situação
problema.
Carvalho (2013) concorda com Piaget (1976) sobre os problemas gerarem desequilíbrios cognitivos,
mas pondera que a resolução perpassa, também, pela interação social. Portanto, Carvalho (2013) se
vale de dois pressupostos importantes de Vigotsky (2001): o primeiro se refere à construção do
conhecimento por meio de interações sociais e o segundo, à mediação da aprendizagem, para explicar
que as situações de desequilíbrio, propostas por Piaget (1976), são resolvidas por meio de interações
com outros mediadores que dominem os conteúdos envolvidos na atividade desenvolvida. A partir
desta compreensão, teríamos que o desequilíbrio cognitivo precisa ser resolvido no espaço da inter-
ação, ou seja, na interação entre o conhecimento, quem o protagoniza e os outros sociais que atuam
no contexto.
Compreender que a aprendizagem é um fenômeno social parece essencial para o desenvolvimento de
projetos educacionais fundamentados na pesquisa qualitativa, com delineamento da pesquisa-
participante, porque o conceito central, neste delineamento, é o de colaboração, que implica em
reciprocidade, no fazer coletivo (Silva, 2016). A implicação desta compreensão para o ensino de
ciências e, mais especificamente, para o ensino de física, objeto deste trabalho, é a construção de
contextos pedagógicos que permitam diferentes tipos de interação entre estudantes, professores e
objetos de conhecimento. Portanto, um projeto de ensino, em ciências, que se qualifique como
investigativo, deve ser realizado com planejamento e intencionalidade, de modo a gerar contextos que
possibilitem aos/às estudantes a reflexão, de maneira crítica e racional, quanto a um fenômeno,
problema ou situação (Prado, Mota, Silva, & Caixeta, 2017; Costa, Caixeta, Silva, & 2017). Para isso, as
atividades da aula devem partir do questionamento da turma sobre o fenômeno estudado.
O questionamento implica em diálogo e em atuação protagonista, tão necessária a pesquisas
qualitativas, com delineamento de pesquisa participante. Assim, o ensino por investigação prevê as
seguintes etapas para acontecer: contextualização, problematização e teorização (Xavier, 2016).
A contextualização é o espaço institucional de diálogo, onde professores geram o ambiente necessário
para a apresentação do tema da aula e, também, para a identificação dos saberes prévios dos/as
estudantes, de maneira a perceber como os/as estudantes comunicam o que sabem sobre aquela
temática.
O momento de problematização envolve a construção de perguntas que são capazes de gerar
desequilíbrio cognitivo nos/as estudantes e, também, espaços de interação. A problematização, em
geral, é desenvolvida por meio de perguntas-problemas. A problematização também pode ser
desenvolvida por meio de atividades práticas como experimentos, uso de modelagem, entre outras
ações (Prado, Mota, Silva, Caixeta, & 2017).
A teorização é o espaço de sistematização do conhecimento científico. É o momento em que
professores e estudantes, juntos, constroem um espaço de interlocução que possibilita a
sistematização dos conceitos aprendidos a partir do tema inicial da aula. Esse espaço de analisar,

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perceber os resultados e tentar entendê-los, move os/as estudantes a se tornarem curiosos/as,


potencializando processos de ensino e aprendizagem com caráter autônomo, evidenciando que cada
um é sujeito da própria aprendizagem, não aceitando tudo o que lhe é apresentado, mas duvidando
das explicações dos fenômenos e possibilitando o desenvolvimento dos conceitos científicos.
O ensino por investigação exige, portanto, a participação ativa de todos/as os/as participantes nas
etapas da investigação, tornando todos/as colaboradores/as do processo de aprendizagem. Neste
sentido, a atuação do/a professor/a deve ser de elo promotor (Carlucci, 2012) entre o conhecimento,
os/as estudantes e as interações possíveis entre eles.

3 O projeto Introdução à Física Mecânica


O projeto foi realizado em uma escola pública de Planaltina, Distrito Federal, Brasil, onde um dos
professores-pesquisadores ministrava a disciplina de Ciências Naturais. Participaram do projeto 28
estudantes do nono ano do ensino fundamental e seus mediadores: 1 professor de ciências Naturais,
com mestrado em Ensino de Ciências e dois estudantes de graduação em Licenciatura em Ciências
Naturais.
A estratégia pedagógica que orientou o desenvolvimento do projeto foi o ensino por investigação
(Xavier, 2016; Silva, Nuñes, & Ramalho, 2001; Silva, & Núñes, 2002; Prado, Mota, Silva, Caixeta, & 2017;
Costa, Caixeta, Silva, & 2017), a partir do delineamento da pesquisa qualitativa participativa (Silva,
1986; Silva, 2016). Assim, a sequência didática se centrava no constante diálogo com os/as estudantes:
seja para identificar os saberes prévios deles/as sobre a temática da aula, seja para problematizá-los.
Portanto, a sequência didática foi desenvolvida em três aulas de ciências, tendo em vista dois temas:
os fenômenos estudados pela física e a medida desses fenômenos. Para tanto, os mediadores
desenvolveram, em cada aula, as três etapas do ensino investigativo: contextualização,
problematização e teorização.
A título de exemplificação, a tabela 1 apresenta parte da sequência didática da aula 1, extraída do
relatório dos pesquisadores.

Tabela 1. Apresenta excerto da sequência didática da aula 1.

AULA 1: Fenômenos da Física


Objetivo da aula: Mediar o conceito de física como área do conhecimento da ciência.
Para começar o Projeto Introdução à Física Mecânica, utilizamos a pergunta-problematizadora: o que é física. A pergunta foi
problematizadora, porque as respostas dos/as estudantes se referiam à física como uma disciplina da escola ou uma matéria
que tem cálculos, mas não como uma área do conhecimento que estuda fenômenos físicos, que têm impactos na vida social.
A partir das respostas, os mediadores conduziram uma aula expositiva dialogada sobre os fenômenos estudados pela física,
por meio da pergunta: quais coisas são essas que vocês acham que a física mede? Os/As estudantes responderam: objetos,
peso e temperatura, por exemplo. De posse destas respostas, os mediadores, junto com os/as estudantes, classificaram os
fenômenos em dois: matéria e energia.
Esta organização permitiu a construção do conceito de física mecânica como aquela área da física que trabalha com a matéria
e suas propriedades.

Para a problematização, os mediadores usavam perguntas, experimentos e pesquisas teóricas. Um


exemplo de problematização a partir de experimentos é apresentado no excerto do relatório dos
pesquisadores, disponível na tabela 2.

Tabela 2. Apresenta excerto da sequência didática da aula 2.

AULA 2: Fenômenos e medidas em Física


Objetivo da aula: Mediar os conceitos de movimento, velocidade e tempo

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Na segunda aula , nós usamos as respostas dos/as estudantes sobre movimento para construir uma atividade prática. Já que
para uma coisa se movimentar, ela tem que mudar de lugar, pedimos a um voluntário que fizesse um movimento na sala.
Então, explicamos que essa mudança de posição se chama deslocamento. Nós marcamos a posição inicial e a posição final do
movimento no chão e, pelas marcações, pudemos verificar o deslocamento do voluntário. Perguntamos se era possível medir
esse deslocamento. Os/As estudantes disseram que sim. Eles/as pegaram uma fita métrica e mediram o deslocamento. Neste
momento, introduzimos o conceito de velocidade como uma medida de movimento ligada à quão rápida essa mudança de
posição pode acontecer. Para tornar clara a definição, perguntamos: como podemos saber se a mudança de posição efetuada
por um aluno é mais rápida que por outro aluno? Em debate, a turma concluiu que era o tempo que cada um gastava para
realizar o movimento que determinaria a rapidez. Com a ajuda de um cronômetro, eles/as conseguiram medir o tempo do
deslocamento dos voluntários. Com o tempo e a distância, apresentamos a razão que permite calcular a velocidade.
Velocidade é a razão entre o deslocamento e o tempo, que representa, segundo os/as estudantes: quanto eu ando em
comprimento em tanto tempo.

4 Análise do Projeto Introdução à Física Mecânica


Para realizar a organização e a análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. A
análise de conteúdo é definida como um método de leitura e interpretação de dados, dividido em
cinco etapas gerais, sendo eles: 1. preparação das informações; 2. transformação dos conteúdos em
unidade; 3. classificação das unidades em categorias; 4. descrição e 5. interpretação (Bardin, 2009;
Moraes, 1999).
É importante explicar que as categorias emergiram dos discursos analisados.

4.1. Corpus de análise

Análise de conteúdo foi feita a partir de:


• 28 produções livres feitas pelos/as estudantes na primeira aula.
Para a construção dessas produções, foi solicitado, ao final da primeira aula, que cada estudante
expressasse, de qualquer maneira: desenho, texto corrido ou poesia, o que ele/a entendia por
movimento.
• 28 questionários.
O questionário continha perguntas dissertativas e também perguntas de múltipla escolha. Ao todo, o
questionário continha X perguntas, sendo elas:
1. No projeto, você conseguiu construir algum conceito que ainda era difícil de entender? Qual/Quais?
2. Alguma atividade do projeto foi desconfortável ou desinteressante para você? Descreva esse
momento.
3. Há alguma atividade que você gostaria de ter feito durante o projeto?
4. Escreva, brevemente, sobre o que você achou do projeto. Escreva sobre o que pode ser melhorado,
o que mais gostou e o que menos gostou.
5. Dos seguintes conceitos, quais você conseguiria explicar para algum colega? a) dimensão b) unidade
de medida c) grandezas físicas d) referencial e) posição f) deslocamento g) intervalo de tempo h)
movimento uniforme i) movimento acelerado j) velocidade k) aceleração l) inércia m) força n) ação e
reação.

• 1 relatório do Projeto.
O relatório foi realizado pelos mediadores, estudantes de graduação, após a finalização do Projeto.

4.2. Categorias de análise

Foram construídas três categorias de análise: conceitos de física; ensino de física por investigação e
pesquisa participante.

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4.3. Apresentação dos Resultados

Os resultados serão apresentados e discutidos, considerando cada categoria que emergiu da análise
de conteúdo.
a) Conceitos de Física: esta categoria evidencia que tanto os mediadores quanto os/as estudantes
usaram as mesmas subcategorias para apresentar o que ensinaram e o que aprenderam,
respectivamente. Assim, os conceitos de Física podem ser subdivididos em: i) fenômenos: como
energia, movimento, força; b) grandezas: como tempo, deslocamento e c) medidas: quilômetros,
metros, segundos.
Os conceitos de física que foram escolhidos para serem ensinados estavam explícitos no relatório dos
mediadores, como pode ser lido do excerto a seguir:
“A última etapa consiste em uma conceituação importante a respeito da mecânica, esses conceitos são
os de movimento retilíneo uniforme (MRU) e movimento uniformemente variado (MRUV). Ao propor a
análise da palavra uniforme, surgiram respostas com associações a algo que não se altera, para
construir o entendimento que em um movimento uniforme os alunos entenderam a velocidade é
sempre constante.” [Trecho do relatório].
Percebe-se, no relatório, uma preocupação dos mediadores em utilizar, ao mesmo tempo, a
nomenclatura típica da física: movimento retilíneo uniforme e movimento retilíneo uniformemente
variado com construções realizadas pelos/as estudantes a partir do experimento da aula 2 (ver tabela
2).
Sobre os conceitos aprendidos, os/as estudantes evidenciaram, igualmente, fenômenos, grandezas e
medidas. Apresentamos exemplos das produções deles/as, usando nomes fictícios.

“Eu entendi que a dimensão é aquilo que se pode medir. A unidade é a forma que se mede. Então tudo
que existe e a agente pode ter contato ou seja tocar e que tem comprimento, massa e tempo, é uma
dimensão.” [Produção livre do estudante Carlos].

Fig. 1. Produção livre do estudante Rafael..

Os exemplos de textos e imagens evidenciam que os/as estudantes apresentaram termos da física
(massa, tempo, dimensão), instrumentos que permitem a mensuração das grandezas (cronômetro) e,
também, as unidades de medida. Esta utilização dos nomes corretos dos fenômenos, instrumentos e
medidas nos levam a crer na apropriação dos conceitos ensinados pelos mediadores por meio da
estratégia de ensino por investigação, o que, também, pôde ser verificado nos excertos a seguir,
extraídos dos questionários respondidos pelos/as estudantes:

“No projeto, você conseguiu construir algum conceito que ainda era difícil de entender? Qual/quais?
Sim. Deslocamento, pois eu confundia com posição. Dos seguintes conceitos, quais você conseguiria

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explicar para algum colega? a) dimensão b) unidade de medida c) grandezas físicas d) referencial e)
posição f) deslocamento g) intervalo de tempo h) movimento uniforme i) movimento acelerado j)
velocidade k) aceleração l) inércia m) força n) ação e reação. A) B) C) D) E) F) J) K) M) N)” [Resposta
do estudante Lucas]

“Dos seguintes conceitos, quais você conseguiria explicar para algum colega? a) dimensão b) unidade
de medida c) grandezas físicas d) referencial e) posição f) deslocamento g) intervalo de tempo h)
movimento uniforme i) movimento acelerado j) velocidade k) aceleração l) inércia m) força n) ação e
reação. A) D) E) F)” [Resposta da estudante Gisele]

Ainda que nem todos/as os/as estudantes tenham reconhecido terem aprendido todos os conceitos,
a maioria, 89% deles/as, manifestaram, pelo questionário, a aprendizagem de mais de 50% dos
conceitos listados na questão 5 do questionário.

b) Ensino de Física por investigação: a estratégia pedagógica de ensinar física por meio do ensino por
investigação foi qualificada positivamente tanto pelos/as estudantes, quanto pelos mediadores. Os
questionários e o relatório foram os registros que permitiram evidenciar a avaliação de todos/as os/as
participantes da pesquisa sobre a estratégia pedagógica, pautada na contextualização,
problematização e teorização (Xavier, 2016). Três subcategorias foram construídas para analisar o
ensino de física por investigação: envolvimento, explicação e efetividade.
O envolvimento diz respeito à motivação e à interação. A motivação foi percebida, especialmente, no
relatório dos mediadores, quando trataram a vontade de participar dos/as estudantes:
“Eles mostraram gostar da mediação pautada em perguntas. Eles gostavam de responder as perguntas
que eram feitas algumas vezes com tons de indução ou algo assim” [Trecho do relatório].
“Eles participaram com empolgação das atividades. Quando propusemos medidas e outras atividades
práticas, logo eles se voluntariavam [Trecho do relatório].

A interação foi ressaltada como um significado nuclear da proposta pedagógica. O termo diálogo ou
dialógico foi presente no relatório e parecia demonstrar a preocupação dos mediadores em gerarem
contextos de protagonismo entre os/as participantes. A interação, entendida como a inter-ação ,
aconteceu expressamente como a ação de uma pessoa, interferindo na outra. No caso do projeto, a
ação de um/a participante tinha potencial para interferir e mediar a aprendizagem do/a outro, como,
por exemplo, no caso da participação dos voluntários:

“Os alunos mostraram entender que a velocidade se dá a partir da relação entre deslocamento e
intervalo de tempo. Com os dados de deslocamento e intervalo de tempo recolhidos na
experimentação, os alunos puderam medir qual foi a velocidade média do colega naquele movimento
realizado entre as duas posições.” [Trecho do relatório]

Sobre a interação, é importante acrescentar que esta categoria também esteve presente nas
produções dos/as estudantes, como pode ser verificado no exemplo a seguir:

“Eu gostei quando todos começaram a interagir e a fazer perguntas”. [Resposta do estudante Marcus
Vinicius].

Ainda sobre a subcategoria interação, é preciso pontuar que a timidez, advinda de não conhecerem
dois dos mediadores do projeto com intimidade, foi presente tanto nos relatórios dos mediadores
quanto nas respostas dos/as estudantes ao questionário.

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“A investigação é uma maneira alternativa de ensino, como os alunos estão acostumados com o
método tradicional, ficam retraídos e com vergonha de responder as perguntas, de interagirem. Os
alunos já tinham convívio com o professor regente, ao terem o primeiro contato com os pesquisadores,
que ministraram o curso, ficaram retraídos.” [Trecho do relatório].

“O que eu menos gostei foi quando vocês entraram e nós ficamos retraídos pois já estávamos
acostumados com os professores do dia-a-dia.” [Resposta do estudante Marcus Vinicius].

A efetividade do curso foi evidenciada pelos significados de aprendizagem dos conceitos construídos
pelos/as estudantes. Esta aprendizagem foi expressa no questionário e, também, nas produções livres
e no relatório. É importante ressaltar que por efetividade estamos entendendo a percepção da pessoa
sobre o impacto do projeto para si mesma/o e outros (Manfredi, 2013).

“O curso foi uma boa experiência, pois aprendi coisa que não sabia” [Resposta da estudante Mariana].
“Eu gostei muito, achei bem interessante, o que eu gostei mais foram os exemplos, deu para entender
bastante” [Resposta da estudante Helena].

A subcategoria explicação aborda os significados relativos às contradições expressas pelos/as


estudantes e mediadores sobre o ensino por investigação. É uma estratégia que traz benefícios
reconhecidos pelos/as estudantes, mas que traz incertezas, por se tratar de um conjunto de atividades
que não exige, obrigatoriamente, cálculos; mas reflexões. Assim, tanto estudantes quanto mediadores
registraram o estranhamento da metodologia:
“Analisando os questionários, percebemos que eles gostaram das atividades propostas, porém alguns
poucos sentiram falta dos cálculos” [Trecho do relatório]

“Foi desconfortável porque eu estou acostumado com um tipo de explicação e vocês explicam de
modo diferente” [Resposta do estudante Marcus Vinícius].

c) Pesquisa participante: esta categoria permitiu analisar as contribuições da metodologia qualitativa,


com delineamento de pesquisa participante, para o desenvolvimento do projeto educacional
Introdução à Física Mecânica.
A participação foi entendida a partir de dois significados: protagonismo e possibilidade.
Como protagonismo, a participação emergiu como a atuação propriamente dita do/a estudante e dos
mediadores no processo de ensinar e aprender. Relaciona-se à posição de fala que cada pessoa
participante do projeto e o conjunto delas construiu. Por serem protagonistas, as pessoas expressavam
suas opiniões e apresentavam seus centros de interesse no processo mediacional, por meio de suas
falas, de suas escritas e de sua atuação na sala de aula.

“(...) as estratégias metodológicas devem propiciar a imersão do aluno no ambiente de aprendizagem,


onde ocorra a interação disciplinar, a significação dos conceitos integrando saberes científicos e
saberes do cotidiano (XAVIER, 2016, p.08)”. [Trecho do relatório].

A participação como possibilidade se relaciona à mediação, ou seja, às escolhas que os mediadores


fizeram de construir contextos em que os/as estudantes se posicionassem como pessoas com voz e
vez. A mediação, ou seja, a ação desenvolvida com e entre os/as participantes do projeto foi pautada
no diálogo e na troca de percepções e certezas sobre os fenômenos investigados.

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“Essa lei[Terceira Lei de Newton] foi trabalhada com uma atividade simples, atirar uma bola de vôlei
na parede,usando, para problematizar, a seguinte questão: por que a bola bate na parede e volta?
Rapidamente, os alunos conversaram, trocaram idéias e concluíram que alguma força estaria
empurrando a bola de volta. Os professores mediaram a discussão até o entendimento de que a bola
bate na parede com uma certa força, e a parede bate na bola com uma força de mesma intensidade,
porém com uma direção contrária, lembrando que força possui além de módulo, direção e também
sentido.” [Trecho do relatório].

5 Discussão
Os resultados evidenciaram que o projeto Introdução à Física Mecânica foi efetivo para o grupo de
estudantes envolvidos no projeto e, também, para seus mediadores, porque gerou contextos de
ensino e de aprendizagem ricos em interação e colaboração. As etapas do ensino investigativo,
contextualização, problematização e teorização, propostas por Xavier (2016), foram possíveis de
serem executadas e geraram interesse e atenção por parte dos/as estudantes.
A utilização do ensino investigativo no ensino de física, numa pesquisa participante, fomentou a
participação dos/as envolvidos/as numa concepção que envolve a interação (Vigotsky, 2001), o
protagonismo (Pires, & Branco, 2012) e a mediação (Carvalho, 2013; Vigotsky, 2001 ). A interação se
relaciona ao estar disponível para trocas de saberes num espaço em que nem eu tenho o saber
completo e nem tu tens o saber completo, mas, juntos, vamos tecendo o conhecimento num espaço
de encontros, confrontos e de negociação de significados sobre os fenômenos naturais a partir,
também, da minha vivência sociocultural (Vigotsky, 2001). O protagonismo se relaciona à capacidade
de analisar o contexto, tomar decisões e atuar, considerando, também, os outros envolvidos e o
ambiente (Pires, & Branco, 2012). E, por fim, a mediação se refere, neste contexto, a duas dimensões:
1. à ação pedagógica intencional dos mediadores de usar instrumentos e símbolos para gerar espaços
de aprendizagem, que Vigotsky (2001) nomeou de zona de desenvolvimento proximal, ou seja, espaços
em que a ação de alguém mais experiente provoca contextos de aprendizagem mais elaborados para
que o outro tenha acesso a informações mais complexas e sistematizadas e 2. à ação dos/as
próprios/as participantes de, também, problematizarem as respostas uns/umas dos/as outros/as, a
partir do diálogo que a metodologia permite.
O projeto evidenciou que utilizar o ensino investigativo e a metodologia qualitativa com delineamento
de pesquisa participante acarreta desequilíbrios nos/as participantes (Piaget, 1976) ao mesmo tempo
em que possibilita a construção colaborativa do conhecimento, o que pode permitir avanços nos
processos de ensino e aprendizagem de ciências.
Considerando a escolha da metodologia qualitativa com delineamento participante para este projeto,
defendemos que esta escolha metodológica não se refere apenas a ela ser corriqueira em pesquisas
em educação, mas, para além disso, ela foi escolhida por permitir: a) que os contextos sociais em que
os/as participantes estão inseridos/as fossem levados em consideração para uma análise integral do
fenômeno investigado (Ludke, & André, 1986; Silva, 1986); b) a imersão no contexto da sala de aula
para desenvolver o projeto educacional; c) por permitir uma ampla construção de informações, uma
vez que cada expressão gerada a partir da interação entre as pessoas envolvidas se torna significativa
para uma análise posterior (Godoy, 1995) e d) alcançar uma mudança no contexto em que a pesquisa
é desenvolvida, onde todos/as os/as participantes são responsáveis pelos processos de construção de
conhecimento, integrados à ação. Por isto, a participação das pessoas envolvidas na pesquisa não deve
ser limitada apenas a atividades guiadas e estabelecidas por um mentor, mas sim uma participação
colaborativa, a qual todos são responsáveis pelo conhecimento produzido (Silva, 1986).

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6 Considerações Finais
A escolha por analisar a efetividade do projeto Introdução à Física Mecânica, elaborado por meio da
pesquisa qualitativa com delineamento de pesquisa participante, tendo como estratégia pedagógica o
ensino por investigação, se deu pela necessidade de uma mudança no processo de ensino dos
conceitos de física na escola. Para realizar o projeto, a interação, a mediação e o protagonismo foram
elementos chaves para o desenvolvimento de um ensino de física contextualizado, problematizado e
teorizado.
A ação conjunta entre estudantes e mediadores permitiu identificar os saberes prévios dos/as
estudantes e, partir deles, para construir espaços de diálogo, observação e criação que favorecessem
a construção dos conceitos científicos em física mecânica. Para tanto, o projeto utilizou de aulas
expositivas dialogadas, experimentos e perguntas problematizadoras que permitiram, primeiro, os/as
estudantes entenderem os fenômenos físicos, para, num segundo momento, entenderem os cálculos
matemáticos e seus significados.
A prática pautada no ensino por investigação favoreceu o envolvimento e a imersão dos/das
estudantes no processo de ensino e aprendizagem por meio da ação voluntária e intencional,
viabilizada, inclusive, pela metodologia da pesquisa qualitativa com delienamento de pesquisa
participante. Este delineamento metodológico concedeu a estrutura flexível necessária para a imersão
e atuação de pesquisadores e participantes, com vistas à promoção de mudanças, a partir da
colaboração entre eles.

Agradecimentos. Escola Vale do Amanhecer, Universidade de Brasília, Instituto Bancorbrás de Responsabilidade


Social.

Referências

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