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CONCEITUALIZAÇÃO DE

CASOS CLÍNICOS NA TCC


Carolina Mayumi Formighieri Ikeda
Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a reprodução total, parcial ou divulgação comercial deste conteúdo sem prévia autorização da Editora Intersaberes.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


SISTEMA INTEGRADO DE BIBLIOTECAS

Ikeda, Carolina Mayumi Formighieri


Conceitualização de casos clínicos na TCC [recurso
eletrônico] / Carolina Mayumi Formighieri Ikeda. Curitiba:
Contentus, 2021.
71 p. il. color.

ISBN 978-65-5935-345-3

1. Terapia do comportamento. 2. Terapia cognitiva. I.


Título.

CDD 616.89142

Catalogação na fonte: Célia Regina Pinheiro Vasques – CRB-9/1180

Instituto Ethos Educação Digital Ltda - CNPJ 39.279.631/0001-27


Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a reprodução total, parcial ou divulgação comercial deste conteúdo sem prévia autorização da Editora Intersaberes.

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - CONCEITUALIZAÇÃO .................................................................................................. 5
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 6
BREVE HISTÓRICO ........................................................................................................................ 6
OS TRÊS NÍVEIS DE COGNIÇÃO .................................................................................................... 6
ESTRUTURA DAS SESSÕES............................................................................................................ 9
O QUE É CONCEITUALIZAÇÃO? .................................................................................................. 10
IMPORTÂNCIA DA CONCEITUALIZAÇÃO .................................................................................... 11
FINALIZANDO ............................................................................................................................. 13
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 14
CAPÍTULO 2 - DIFICULDADES ......................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 16
O QUE TER EM MENTE QUANDO O CLIENTE CHEGA? ............................................................... 16
IDENTIFICANDO AS DIFICULDADES ............................................................................................ 17
LISTANDO AS DIFICULDADES PRINCIPAIS .................................................................................. 18
ORGANIZANDO AS DIFICULDADES PARA ESTABELECER OBJETIVOS ......................................... 20
UNIÃO DA TEORIA COM AS DIFICULDADES ............................................................................... 21
FINALIZANDO ............................................................................................................................. 24
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 25
CAPÍTULO 3 – PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS E DISTORÇÕES COGNITIVAS ................................ 26
CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 27
SIGNIFICADO DOS PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS................................................................... 27
PRESSUPOSTOS SUBJACENTES................................................................................................... 28
CRENÇAS NUCLEARES ................................................................................................................ 29
DISTORÇÕES COGNITIVAS.......................................................................................................... 30
ESTRATÉGIAS COMPENSATÓRIAS .............................................................................................. 33
FINALIZANDO ............................................................................................................................. 34
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 35
CAPÍTULO 4 - DIAGNÓSTICO .......................................................................................................... 36
CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 37
PERSONALIDADE ........................................................................................................................ 37
DIAGNÓSTICO ATEÓRICO........................................................................................................... 38
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ...................................................................................................... 41

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HISTÓRIA DE VIDA...................................................................................................................... 42
HISTÓRICO PSIQUIÁTRICO E USO DE MEDICAÇÕES .................................................................. 45
FINALIZANDO ............................................................................................................................. 45
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 47
CAPÍTULO 5 – CONCEITUALIZAÇÃO APÓS AVALIAÇÃO INICIAL ..................................................... 48
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 49
CONCEITUALIZAÇÃO APÓS AVALIAÇÃO INICIAL .................................................................... 49
HISTÓRICO E CONTEXTO DE VIDA.............................................................................................. 49
DADOS DA IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE ............................................................................. 49
USO DE MEDICAÇÕES ............................................................................................................ 50
MOTIVO DA BUSCA POR ATENDIMENTO .............................................................................. 50
FORMA DE ENCAMINHAMENTO............................................................................................ 51
INFORMAÇÕES DA HISTÓRIA DE VIDA................................................................................... 51
DIAGNÓSTICO E DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO............................................................... 52
LISTA DE PROBLEMAS E DIAGNÓSTICO ATEÓRICO ................................................................ 52
DIAGNÓSTICO TEÓRICO ......................................................................................................... 52
ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS ..................................................................................... 54
OUTROS PONTOS IMPORTANTES .............................................................................................. 57
PONTOS FORTES E RECURSOS ............................................................................................... 57
CRENÇAS QUE PODEM INTERFERIR NO ATENDIMENTO ....................................................... 57
PLANEJANDO A INTERVENÇÃO .................................................................................................. 58
FOCOS DO TRATAMENTO ...................................................................................................... 58
PLANO DE TRATAMENTO (MODALIDADE/FREQUÊNCIA/DURAÇÃO/ESTRATÉGIAS
TERAPÊUTICAS) ...................................................................................................................... 58
POSSÍVEIS DIFICULDADES DO CASO....................................................................................... 58
FINALIZANDO ............................................................................................................................. 59
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 60
CAPÍTULO 6 – TIPOS DE CONCEITUALIZAÇÃO ............................................................................... 61
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 62
CONCEITUALIZAÇÃO PARA CRIANÇAS ....................................................................................... 62
CONCEITUALIZAÇÃO PARA ADOLESCENTES .............................................................................. 65
CONCEITUALIZAÇÃO PARA CASAIS ............................................................................................ 66
CONCEITUALIZAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS ....................................................................... 68
CONCEITUALIZAÇÃO COMO FACILITADORA DA ALIANÇA TERAPÊUTICA.................................. 69
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 71

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CAPÍTULO 1 - CONCEITUALIZAÇÃO

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Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a reprodução total, parcial ou divulgação comercial deste conteúdo sem prévia autorização da Editora Intersaberes.

INTRODUÇÃO
Neste capítulo, vamos relembrar alguns conceitos importantes da terapia
cognitivo-comportamental (TCC), com um breve histórico e uma revisão dos três
níveis de cognição: pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças
nucleares.
Depois, introduziremos o conceito de “conceitualização cognitiva” (ou
“conceituação cognitiva”), e vamos falar sobre sua importância no processo
terapêutico.

BREVE HISTÓRICO
Antes de aprofundarmos a conceitualização cognitiva, vamos revisar
alguns conceitos importantes.
A TCC faz parte da segunda geração (ou onda) de terapias
comportamentais. Essa terminologia foi criada para explicar de maneira didática
as diferentes correntes de terapia de base cognitiva que também levam em
consideração a importância do ambiente no qual o indivíduo está inserido e a
observação dos seus comportamentos como essenciais para entendermos melhor
como cada um de nós interpreta o mundo. A primeira onda, constituída pela
terapia comportamental, teve seu início na década de 1950 e surgiu para
questionar a efetividade da psicanálise, predominante na época, pelo viés da
modificação do comportamento.
Com base nos estudos de Bandura e na criação da teoria de aprendizagem
social, nos quais ficou claro o significado da cognição em comportamentos
voltados para a aprendizagem, estudiosos como Aaron Beck, com a terapia
cognitiva, perceberam como, por meio da modificação das cognições, seria
possível mudar a interpretação das situações e, consequentemente, influenciar no
modo como as pessoas se sentem e se comportam. Ao longo das décadas de
1970 e 1980, a TCC foi se consolidando como uma vertente importante na
psicologia mundial.

OS TRÊS NÍVEIS DE COGNIÇÃO


Como o próprio nome diz, a TCC é uma abordagem psicoterápica de base
cognitiva que usa técnicas comportamentais, considerando a influência do
ambiente na maneira como o indivíduo pensa, se sente e se comporta. Assim, é
importante entender como nossas cognições, ou seja, qualquer coisa que passa

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na nossa cabeça – pensamentos, memórias, imagens, entre outras –, muitas


vezes define nossa visão de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. Mas, essa
nossa visão pode não ser a melhor nem a mais realista, o que pode alimentar
crenças disfuncionais.
Um exemplo de caso (que usaremos como base ao longo dos capítulos)
mostra isso de maneira bastante simples. Mônica é uma cliente de 34 anos,
médica casada, e procurou atendimento após duas situações que trouxeram muita
ansiedade, com as quais ela não sabia lidar. Uma das situações foi a proposta de
fazer uma palestra para profissionais de outras unidades de saúde de sua cidade,
representado a unidade onde trabalhava.
A princípio, esse momento poderia trazer muito orgulho para ela, por ter
sido escolhida para realizar essa tarefa por sua competência, de acordo com
quem a escolheu. O único problema é que, a partir do momento que ela ficou
sabendo que tinha sido escolhida, o que passou pela sua cabeça foi algo como:
“Não vou conseguir falar direito lá na frente, vão me achar uma idiota”.
Essa conclusão a deixou bastante ansiosa, seu coração estava batendo
mais rápido e suas mãos suavam mais. E vários outros pensamentos relacionados
à ansiedade foram surgindo ao mesmo tempo, como ela achar que tudo vai dar
errado, que ela vai esquecer o que tem pra falar, que ninguém vai entender o que
ela quer dizer – e isso a faria imaginar o julgamento de todas as pessoas
presentes –, ela pensaria que é uma profissional ruim, que tem algo de errado
com ela e que ela não merece estar lá.
Ufa! Você percebe o quanto o pensamento dela “andou”? Começou
pensando sobre sua palestra e acabou como uma situação totalmente
catastrófica. O problema desses pensamentos é exatamente isso: quando estão
passando por nossa mente, temos uma tendência a acreditar neles como se
fossem reflexo da realidade.
Continuando o exemplo, pensamentos desse tipo continuaram na cabeça
de Mônica ao longo das duas semanas que antecederam a palestra. Podemos
imaginar o quanto ela sofreu com as sensações de ansiedade, que dificultaram
sua preparação.
Quando chegou a manhã do dia marcado, ela alegou que estava doente e
não podia ir trabalhar. Mônica acabou se comportando de modo a fugir do que
estava causando ansiedade. Isso trouxe um alívio na hora, com certeza, mas não
permitiu que ela pudesse enfrentar a situação temida e perceber, por exemplo,

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que seu desempenho poderia ter sido melhor que o esperado, por apenas se
permitir viver a realidade da situação. Essa atitude também gerou um sentimento
de culpa por ter assumido um compromisso que não cumpriu, na sua visão, por
sua “fraqueza”.
Tal exemplo é bastante ilustrativo para entendermos que a sensação de
ansiedade não é algo que podemos simplesmente ignorar. Faz total sentindo nos
sentirmos ansiosos diante de uma exposição, como dar uma palestra. O problema
é que, para ela, a ansiedade chegou a um nível exagerado, o que aumentou a
força de pensamentos relacionados à sua incapacidade e comportamentos para
tentar aliviar essa sensação desconfortável.
Também chegamos a um dos conceitos principais da TCC: “uma mesma
situação produz reações distintas em diferentes pessoas, e uma mesma pessoa
pode ter reações distintas a uma mesma situação em diferentes momentos da
vida” (Rangé et al., 2011, p. 21). Esses pensamentos ou conteúdos cognitivos
influenciam na maneira como nos sentimos e nos comportamos, estabelecendo
um ciclo.
Com isso, já conseguimos entender a importância de identificar e aprender
a reestruturar nossas cognições. Podemos dividi-las em 3 níveis:
Pensamentos automáticos: como o próprio nome diz, é tudo que passa
pela nossa cabeça, a todo momento. São chamados de “automáticos” por conta
da rapidez com que passam, o que dificulta sua identificação. Devido a essa
rapidez, também não conseguimos questioná-los no mesmo momento, o que nos
faz acreditar facilmente no seu conteúdo. Como no primeiro pensamento do
exemplo anterior, Mônica nem questionou a ideia de conseguir ou não falar bem
na palestra; ela simplesmente acreditou que não iria conseguir, o que
desencadeou a reação negativa.
Pressupostos subjacentes: os pressupostos subjacentes são regras,
atitudes ou pressupostos baseados nas crenças nucleares. Usando o mesmo
exemplo, ela poderia, ao longo das duas semanas, ter pensado: “Pessoas que
conseguem dar palestras são bem-sucedidas” e “Se eu não conseguir, então sou
um fracasso”. Fica bem claro como um pressuposto desses pode aumentar a
ansiedade de qualquer pessoa, pois a consequência de não conseguir fazer a
palestra afeta como ela se vê, e a faz acreditar que isso é uma prova de que é
fracassada.

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Crenças nucleares: são o terceiro nível da cognição, o mais profundo de


todos. Com origem, em grande parte, na mistura do nosso temperamento com
nossas experiências iniciais de vida, elas formam ideias inflexíveis e, com base
nelas, interpretamos nossa realidade. No exemplo de Mônica, podemos identificar
uma crença nuclear de si mesma como um fracasso. Uma vez colocada para fazer
a palestra, é possível perceber que essa ideia de si mesma, que é bastante
enraizada, vai contribuir para pensamentos automáticos disfuncionais, como
duvidar de sua capacidade, e para confirmar a ideia de que, segundo seu
pressuposto, será um fracasso se não conseguir cumprir a tarefa.
Entender esses conceitos da TCC é a base do processo terapêutico. A
psicoeducação do cliente baseada nos princípios básicos da abordagem, vistos
anteriormente, é feita desde a primeira sessão, para que ele se familiarize com
essa nova visão de suas dificuldades.

ESTRUTURA DAS SESSÕES


Uma sessão baseada nos pressupostos da TCC é constituída de alguns
passos importantes:

• Verificação do humor: geralmente é feita logo no início da sessão, com


questionários específicos ou perguntas diretas do terapeuta. Uma opção
simples seria perguntar ao cliente com qual emoção ou emoções da
imagem a seguir ele se identificou na semana e se conseguiu perceber o
que causou tal mudança;

Figura 1 – Possibilidades de humor na terapia

Fonte: Kolonko/Shutterstock.

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• Ponte com a sessão anterior: inclui a revisão das tarefas dadas no último
encontro;
• Agenda da sessão: feita em conjunto com o cliente, com os tópicos que
vão ser abordados;
• Discussão dos tópicos: responsável pela maior parcela da sessão e
concluída com uma nova tarefa combinada entre ambas as partes;
• Resumo final e feedback do cliente: para o terapeuta, com sua
percepção da sessão.

O processo terapêutico na TCC é bastante estruturado e voltado para o


momento presente, buscando uma melhor qualidade de vida para o cliente. É um
processo com começo, meio e fim, cujo objetivo é desenvolver novas habilidades
no cliente, para ele entender suas questões com outra perspectiva e lidar da
melhor maneira possível com sua vida.
A construção de uma boa relação terapêutica também é outro aspecto
importante para o andamento da terapia. O papel do terapeuta como alguém com
uma postura empática, interessada e que preza pela colaboração com seu cliente
é essencial para que o processo seja bem-sucedido.
Como é possível perceber, o terapeuta precisa se aperfeiçoar a todo
momento para guiar esse processo, pois precisa prezar pela organização e
estrutura da sessão, ao mesmo tempo que está ali para lidar com as demandas
do cliente conforme elas aparecem, e acolher seu sofrimento.
Assim, para darmos conta de todos esses fatores durante uma sessão, a
conceitualização é um recurso que facilita o raciocínio do terapeuta e o
entendimento do cliente, colaborando para chegar ao objetivo.

O QUE É CONCEITUALIZAÇÃO?
A conceitualização cognitiva, tópico principal de nosso capítulo, é uma
ferramenta essencial para o processo terapêutico em TCC. Relembramos, nos
tópicos anteriores, conceitos necessários para conseguirmos desenvolver essa
conceitualização da melhor maneira possível.
Sabemos que a TCC é uma abordagem baseada em evidências. Diversos
estudos e pesquisas são realizadas com frequência e buscam criar protocolos e
modelos de entendimento e intervenção terapêutica, o que acaba atraindo
profissionais e pessoas em busca de atendimento. Para Kuyken, Padesky e
Dudley (2010, p. 41), “apesar da necessidade de mais pesquisas relacionadas ao

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entendimento da contribuição da conceitualização em si, acreditamos que ela nos


desafia a desenvolver modelos mais prováveis de atender aos padrões baseados
em evidências”.
Conceitualização é a união entre teoria, pesquisa e experiências do cliente.
Ela valoriza tanto a habilidade do terapeuta em trazer seu conhecimento e domínio
do lado teórico como a contribuição do cliente com suas observações e
consciência sobre experiências internas e externas. Todas essas informações são
essenciais para entender cada caso, deixando evidente que a conceitualização é
uma ferramenta a ser usada com o cliente, e não como algo restrito ao terapeuta.
Além de auxiliar o profissional a entender da melhor maneira possível as
demandas do cliente e como elas podem se relacionar, a colaboração entre as
duas partes também o estimula a permanecer interessado e concentrado no que
está acontecendo, pois o torna ativo no próprio tratamento, provocando seu
interesse ao compreender, com o respaldo da teoria, dificuldades que muitas
vezes estiveram sempre presentes em sua vida.

IMPORTÂNCIA DA CONCEITUALIZAÇÃO
O momento em que o cliente busca a terapia é muito significativo em sua
vida pois, na maioria das vezes, é quando desvantagens ou perdas começam a
superar as vantagens ou ganhos de não se abrir a uma pessoa estranha. Então,
o que o terapeuta puder fazer para motivá-lo a continuar e conseguir ver uma
melhora é de grande ajuda para ambas as partes.
Uma das habilidades mais importantes de um terapeuta é a empatia.
Independentemente de sua abordagem e da maneira como trabalha, o terapeuta
precisa sempre colocar em prática a capacidade de se colocar no lugar do cliente
e, principalmente, de mostrar que seu sofrimento tem sentido; a validação de suas
dificuldades e questões mostra acolhimento e apoio. Muitas vezes, é no ambiente
terapêutico a primeira vez que o cliente obtém essa validação e compaixão de
alguém. Mas também ajuda quem já buscou se abrir com alguém e teve seus
sentimentos diminuídos e invalidados, como se não existisse motivo para se sentir
de determinada maneira.
Desse modo, a conceitualização, por si só, já é um exercício de validar os
problemas do cliente. Com isso, a possibilidade de esse cliente se sentir à vontade
para se abrir é muito maior.

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Ao longo das sessões durante o período de avaliação, a colaboração entre


terapeuta e cliente também pode abrir espaço para testar as hipóteses elaboradas
pelo profissional sobre seu funcionamento. Uma vez que as informações foram
analisadas, pode-se identificar os gatilhos para as dificuldades, o que mantém
essas dificuldades e quais são os fatores que ajudam ou atrapalham o cliente.
A partir daí tarefas como preencher o registro de pensamentos
disfuncionais (RPD), que vamos ver com mais detalhes posteriormente, podem
auxiliar a comprovar ou desmentir hipóteses sobre os problemas apresentados.
A investigação da história de vida também conta com muito do que o cliente
traz. Entender o andamento da sua vida e como ele vê o que aconteceu colabora
para identificar a possível origem de certas crenças e por que são tão presentes
na sua vida. Muitas vezes, tais crenças são internalizadas desde muito cedo.
O contexto cultural em que o cliente nasceu e cresceu também pode
influenciar. Famílias asiáticas, como as de origem japonesa, são mais conhecidas
pela valorização da inibição emocional, ao contrário de famílias italianas, por
exemplo.
Precisamos sempre lembrar que, apesar de nosso estudo e constante
aprimoramento na TCC, o cliente é o maior especialista de si mesmo. É o único
com acesso às suas experiências internas, incluindo sua interpretação muito
particular das situações que o afetam.
Posteriormente, vamos auxiliar o cliente a entender se tais percepções são
muito disfuncionais ou irrealistas, mas, num primeiro momento, saber qual é a
visão dele sobre o que acontece e ajudar a entender qual é a dinâmica
estabelecida é outro ponto essencial.
Como vimos, a TCC consiste em sessões estruturadas, nas quais fazemos
uma agenda no início para organizar os tópicos a serem trabalhados e
coordenamos o tempo de modo mais efetivo. No sentido prático, a
conceitualização também acaba sendo muito importante, pois é ela que nos
auxilia a “traduzir” as experiências do cliente a certos padrões, que consistem no
conjunto de algumas de suas crenças relacionadas a determinada situação.
Esse conjunto, que chamamos de “esquemas”, interpreta as informações
do ambiente pelo filtro das crenças, somado às estratégias comportamentais
adotadas no momento, formando o modo. Podemos pegar o exemplo de Mônica
para ilustrar isso. Ela ficou ansiosa quando soube da proposta da palestra, o que
influenciou seu modo de se ver e se sentir ao longo das semanas que

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antecederam o compromisso, assim como na maneira como se comportou,


quando fugiu da situação.
Percebemos que a conceitualização, no geral, é vista como ferramenta
essencial para o período de avaliação de um caso. Mas também podemos vê-la
como uma intervenção, e pode ser usada com esse objetivo, na medida em que
ensina uma perspectiva diferente sobre o funcionamento do cliente. Assim, sua
presença é importante em todas as fases da terapia, auxiliando o terapeuta a
desenvolver sua visão do indivíduo e possíveis intervenções, além de estimular a
participação ativa do cliente.
Aliás, em fases mais avançadas do processo, a terapia pode parecer
“emperrada”. As intervenções propostas pelo terapeuta, baseadas nas hipóteses
elaboradas na conceitualização, podem não surtir o efeito esperado. Algo muito
importante a ser lembrado e reforçado sempre para o cliente é que a
conceitualização está em constante mudança durante o processo. Algo novo que
o cliente traz pode mudar muito o entendimento do caso, e o terapeuta precisa ser
flexível para incorporar as novas informações.

FINALIZANDO
O objetivo deste capítulo foi revisar alguns conceitos básicos da TCC para
o entendimento da conceitualização cognitiva no processo terapêutico, assim
como explicar como essa ferramenta pode ajudar o profissional em diversos
momentos da terapia.
Posteriormente, vamos aprender como fazer uma conceitualização,
passando por todos os tópicos necessários para descrever, avaliar e planejar a
intervenção do caso pela ótica da TCC.

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REFERÊNCIAS
KUYKEN, W.; PADESKY, C. A.; DUDLEY, R. O dilema de Procrusto. In: _____.
Conceitualização de casos colaborativa: o trabalho em equipe com clientes em
terapia cognitivo comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 19-43.

PALMA, P. C.; RIOS, B. F.; NEUFELD, C. B. Conceitualização cognitiva: um


exemplo de caso. In: ARAÚJO, N. C.; RUBINO, J. P.; OLIVEIRA, M. I. S. (Org.).
Avaliação e intervenção na clínica em terapia cognitivo-comportamental: a
prática ilustrada. Novo Hamburgo: Synopsys, 2018. p. 132-160.

RANGÉ, B. et al. Terapia cognitiva. In: _____. Psicoterapias cognitivo-


comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2011. p. 20-32.

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CAPÍTULO 2 - DIFICULDADES

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INTRODUÇÃO
Como vimos, a conceitualização cognitiva é uma ferramenta essencial para
a prática da TCC. Ela reúne todas as informações necessárias para o andamento
do processo terapêutico e permite que o terapeuta elabore o atendimento de modo
efetivo.
Neste capítulo, vamos ver como começar a elaboração da
conceitualização, incluindo o que deve ser de domínio do terapeuta, até mesmo
antes da primeira sessão, e ao longo dos atendimentos. Também vamos entender
como investigar as dificuldades atuais do cliente para iniciar o processo e
entender, com base na teoria, como é o funcionamento desse indivíduo.

O QUE TER EM MENTE QUANDO O CLIENTE CHEGA?


Geralmente, procura-se por terapia em momentos de algum nervosismo.
Além de essa pessoa provavelmente estar passando por dificuldades
significativas para seu bem-estar, está numa situação em que precisa contar com
um “estranho” para se abrir e tentar resolver seus problemas. Não é à toa que
possíveis clientes podem se sentir desconfortáveis na primeira sessão.
Ter isso em mente é essencial para que o terapeuta pense em como vai
ser sua postura ao recebê-lo. A TCC contempla a importância de um
comportamento genuíno e empático com a pessoa à frente, para que ela se sinta
mais confortável e comece a construir uma aliança saudável. Para a
conceitualização, os dois trabalham juntos, investigando e tentando entender, no
primeiro momento, como as dificuldades atuais estão aparecendo na sua vida e o
porquê.
Lembre-se de que a atenção e a concentração do terapeuta são de extrema
importância, focando o que se diz e também o que não está sendo dito. Explorar
todas as áreas da vida do cliente, com uma postura de curiosidade e abertura,
sem julgamento, ajuda a colher informações que, muitas vezes, o próprio cliente
desmerece, mas são muito significativas para entender seu comportamento.
No caso de Mônica, ela não falou sobre as outras áreas da sua vida na
primeira sessão. Isso fez com que o terapeuta precisasse explorar com mais
clareza qual era sua visão dos outros aspectos da sua vida, conseguindo perceber
que sua ansiedade também aparecia em outros momentos – informação essencial
para conceitualizar o caso.

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IDENTIFICANDO AS DIFICULDADES
No início, a investigação deve ser mais ativa por parte do terapeuta. Ou
seja, ele dá o direcionamento, fazendo perguntas para entender detalhadamente
o que é relatado e verificar pontos em comum entre as queixas. Existem diversas
maneiras para essa investigação ser feita, e fica a critério do profissional decidir
qual será a melhor, assim como entender com qual das abordagens ele se sente
mais confortável. Alguns profissionais preferem fazer essa sessão de forma mais
livre, conversando sobre o que querem saber e direcionando a investigação com
perguntas específicas. Outros gostam de entrevistas mais estruturadas e/ou
questionários de avaliação qualitativa para colher todas as informações
necessárias.
Uma ferramenta sugerida para a primeira sessão é a roda da vida. Tal
recurso permite que o cliente classifique cada área de sua vida com uma nota de
0 a 100, e que fale sobre cada uma. Com base nisso, o terapeuta pode explorar
cada área e ver qual é o seu nível de satisfação. Por ser um recurso visual, ele
esclarece quais áreas estão com classificação mais baixa, o que pode trazer à
tona outras informações significativas sobre o estilo de vida do cliente. Por
exemplo, Mônica classificou sua área do amor com a nota 90, a princípio. Ao ser
perguntada sobre o que levou em consideração para dar essa nota, começou a
perceber, com o direcionamento do terapeuta, que momentos de ansiedade
também apareciam quando estava com o marido, principalmente relacionados à
sua dificuldade em ter segurança para tomar decisões relacionadas à vida a dois.
Isso a levou a classificar com 60 ao final, estabelecendo mais um objetivo.

Figura 1 – Exemplo de roda da vida

Fonte: Artellia/Shutterstock.

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LISTANDO AS DIFICULDADES PRINCIPAIS


Depois da primeira sessão, o terapeuta já pode preencher a
conceitualização, e diversos modelos podem ser utilizados. O modelo para
referência escolhido para este módulo foi o idealizado por Wainer e Piccoloto
(2011), uma vez que explora alguns elementos da terapia do esquema (que serão
abordados futuramente) e tem como base o modelo de Beck (1997). Para outros
modelos, sugere-se que o aluno busque mais sobre as contribuições de Kuyken,
Padesky e Dudley (2010).
Precisamos lembrar que o foco, nesse primeiro momento, está nas
preocupações atuais. Em um segundo momento, a origem de tais dificuldades e
padrões será investigada. Para Mônica, as queixas principais foram:

• Ansiedade relacionada ao desempenho no trabalho. Relatou uma situação


de preocupação enquanto dirigia a caminho do trabalho, antecipando tudo
que poderia acontecer de ruim e como não conseguiria lidar com as
demandas, com crenças relacionadas a uma possível falta de capacidade
e de inutilidade como profissional. A proposta da palestra trouxe isso ainda
mais à tona, quando percebeu que teria que falar sobre sua atuação para
muitas pessoas e ser “julgada” em relação a seu desempenho como
profissional de forma direta e clara, uma vez que, segundo seu relato, temia
muito perceber a falta de interesse da plateia na sua apresentação se, por
exemplo, passassem a utilizar o celular enquanto ela falava;
• Insatisfação no relacionamento; sentimento de inferioridade em relação ao
marido. Ela afirma que ele é mais qualificado para saber quais são as
melhores decisões a tomar. Quando estavam à procura de um novo
apartamento, por exemplo, apesar de cada um contribuir com metade do
valor, ela achou que ele tinha que tomar todas as decisões, pois, nas
palavras dela, “fico tão ansiosa na hora de tomar uma decisão importante,
que nem consigo pensar direito e tenho medo de decidir algo que possa
nos comprometer muito mais pra frente”;
• Dificuldade com o lado financeiro. Não consegue fazer compras sem se
preocupar com a hipotética falta de dinheiro. Apesar de ter uma boa
organização financeira, sente que não conseguiria lidar com uma possível
falta, pensando em como seria difícil ter que pedir dinheiro emprestado, por
exemplo;

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• Dificuldades com outros relacionamentos. Apesar de não se considerar


uma pessoa tímida, ela percebia um alto nível de ansiedade quando
marcava de se encontrar com uma amiga, por exemplo. E, quando ia (pois
desmarcava com frequência), ficava nervosa durante a conversa e não se
sentia à vontade para falar sobre seus problemas e aflições, temendo que
sua amiga não entendesse o que quer dizer ou achasse que ela está
ficando “sem noção”.

Outro ponto a ser destacado é a importância de observar os pontos fortes


do cliente. Muitas vezes temos a tendência em nos concentrar, como terapeutas,
somente nas dificuldades da pessoa, afinal, dificilmente alguém começa a fazer
terapia porque sua vida é ótima e funcional. Entretanto, o cliente não se resume
somente aos seus problemas.
Notar e pontuar traços fortes e qualidades também funciona como fator
motivacional para que o cliente entenda quais recursos já possui para se sentir
melhor. Isso também auxilia o terapeuta a entender a pessoa como um todo, para
saber o que pode ser fortalecido. No exemplo de Mônica, alguns pontos positivos
sobre sua personalidade ficaram claros:

• Dedicação máxima a tudo que se comprometia a fazer. Grande parte da


preocupação relacionada a seu desempenho vinha da importância que
colocava em ser uma boa profissional e servir ao propósito da medicina;
• Capacidade de observação do ambiente. Como grande parte das pessoas
que lidam com níveis de ansiedade mais altos, Mônica era muito
observadora, o que atrapalhava quando estava ansiosa, pois acabava
concentrando-se exclusivamente no que dava errado, tanto nas situações
em si como em suas sensações internas. Mas essa característica também
é positiva, principalmente para aprender habilidades ensinadas na terapia,
como a identificação de seus pensamentos, emoções e comportamentos;
• Assertividade. Já na primeira sessão, foi possível notar que ela sabia se
expressar com facilidade, algo que relatou conseguir em todos os
momentos em que não estava ansiosa – mesmo ela considerando esses
momentos raros.

Outro recurso interessante é sugerir ao cliente que faça um caderno da


terapia. Ao auxiliar na sua psicoeducação, armazenando conceitos sobre a teoria

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e observações sobre seu próprio funcionamento, pode se tornar, futuramente,


uma fonte de consulta quando estiver passando por momentos difíceis.
O cliente pode ser encorajado a trazer o caderno em toda sessão para fazer
anotações pertinentes e lembrar-se de suas tarefas. A lista de dificuldades atuais
também pode estar anotada no caderno, para que ele possa alterar e pensar em
outras questões que queira trazer para a terapia, considerando que essa lista é
sempre flexível.

ORGANIZANDO AS DIFICULDADES PARA ESTABELECER OBJETIVOS


A partir do momento em que as dificuldades estão claras, o terapeuta pode
identificar o que deve priorizar, visto que o tempo em cada sessão não é suficiente
para lidar com todas as demandas, as quais, muitas vezes, envolvem diversas
áreas da vida do cliente.
O primeiro critério são possíveis comportamentos suicidas, que precisam
ser abordados e questionados diretamente, para que os profissionais possam
fazer as intervenções pontuais adequadas. Em seguida, é preciso identificar se
existem comportamentos que possam interferir com as sessões em si, como
clientes que se atrasam com frequência para as sessões, o que pode indicar um
comportamento de evitação. Para isso, o terapeuta precisa estar confortável e
seguro ao abordar as questões relacionados às sessões em si, uma vez que tais
atitudes podem incomodá-lo como pessoa. Mais uma vez, a conceitualização
pode ajudar nisso, fazendo o terapeuta entender que um possível atraso do cliente
vem de um padrão de evitação que também aparece em outras áreas de sua vida,
e isso precisa ser abordado durante o processo.
Com isso, o terapeuta foca as demandas que podem ser mudadas com
mais facilidade. Ao começar a perceber que está se sentindo melhor, o cliente
começa a ficar mais motivado para o processo como um todo. Nos casos de
depressão, por exemplo, iniciar por técnicas de ativação comportamental, as quais
envolvem estimular o cliente a ter alguma atividade, por menor e mais simples que
seja, é o primeiro passo para que ele possa começar a estar mais ativo, ver as
coisas com outra perspectiva e, por consequência, influenciar nas cognições e
crenças que contribuem para seu estado depressivo, e encorajá-lo para o
processo de mudança.

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UNIÃO DA TEORIA COM AS DIFICULDADES


Uma vez que as dificuldades estão claras e listadas, e a história de vida do
cliente foi explorada, partimos para o próximo passo: alinhar as queixas com a
teoria e, principalmente, com a TCC. De certa forma, trata-se de “traduzir” tudo
que foi coletado sobre o cliente para a visão da teoria. Tal processo visa entender
como e por que essa pessoa age de tal maneira e estabelecer como a teoria pode
ajudar o indivíduo a atingir seus objetivos.
Para um terapeuta iniciante, é importante ampliar seu repertório de
conhecimento da teoria da TCC sempre que puder, mesmo sobre assuntos de
que ainda não tenha tratado em consultório. Por ser uma abordagem que trabalha
com protocolos específicos para muitos transtornos, o profissional ganha muito ao
se familiarizar com esse material ao longo de sua prática. Os protocolos são
importantes por serem um guia para o andamento dos atendimentos e, sendo
baseados em diversos estudos anteriores e aperfeiçoados, certamente poderão
contribuir com o tratamento, desde que o terapeuta entenda como encaixar essas
informações teóricas nas dificuldades do paciente.
Para iniciar a psicoeducação do cliente na TCC, um dos primeiros passos
é ensiná-lo a diferenciar pensamentos e emoções.

• Pensamentos: podem estar em forma de frases, imagens ou lembranças,


sendo tudo que passa pela cabeça do cliente em determinada situação;
• Emoções: tudo o que ele sente – ansiedade, tristeza, raiva, alegria. Outra
característica importante é que emoções não podem ser questionadas. Se
a pessoa se sente de determinada maneira, isso é verdadeiro – isso as
diferencia dos pensamentos, que podem ser questionados se são
verdadeiros ou realistas.

Alguns clientes acabam confundindo os dois conceitos. Por exemplo, ao


serem perguntados sobre o que passou pela sua cabeça em algum momento,
acabam dizendo: “pensei que me senti triste”. É importante esclarecer para o
cliente que, nesse caso, ele está tendo um sentimento e um pensamento ao
mesmo tempo.
Deixar bem clara a diferença entre os dois faz com que o cliente comece a
treinar sua capacidade de identificar o conteúdo cognitivo, que influencia em como
ele se sente. É normal uma certa confusão no início, até porque a maioria das
pessoas nunca teve contato com o tópico.

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Após entender a diferença entre os dois, o terapeuta pode introduzir o


registro de pensamento disfuncional (RPD). Identificar pensamentos automáticos
é a porta de entrada para a futura avaliação das crenças disfuncionais e
intervenções. Sugerimos que o terapeuta treine o preenchimento do RPD com o
paciente, para que ele tenha um exemplo de quais perguntas deve fazer ao tentar
preencher cada uma das colunas.
“O que devo me perguntar:”

• Situação: “Qual situação real, lembrança ou imagem me levou a sentir algo


desagradável?”

Lembre-se de que a situação-gatilho para os pensamentos e emoções


associadas pode ser real ou imaginária. É preciso que o cliente identifique o que
estava acontecendo, na sua vida ou na sua cabeça, um pouco antes de começar
a sentir certas emoções.

• Pensamentos: “O que passou pela minha cabeça nesse momento? O que


veio à minha cabeça quando isso ocorreu? Do que lembrei nesse
momento?”

Pensar sobre o que estava passando na própria cabeça é uma habilidade


nova para muitos clientes. É importante que eles tenham paciência até conseguir
dominar melhor esse procedimento. Se o terapeuta percebe muita dificuldade, ele
pode tentar fazer perguntas mais direcionadas, como: “Você acha que passou
pela sua cabeça ‘vou conseguir fazer uma palestra ótima’”? No exemplo de
Mônica, isso seria provavelmente o oposto do que realmente se passou, o que
pode auxiliar o cliente a identificar exatamente o problema.

• Emoções: “O que senti no momento?”

O melhor momento para capturar exatamente qual foi o pensamento


automático do cliente é quando podemos perceber alguma reação mais
emocional. A emoção é a porta de entrada para chegarmos à cognição quente,
ou seja, o pensamento que mais influencia no que o cliente sente e em como se
comporta.

• Comportamentos: “Qual foi minha reação em resposta à situação?”

É importante esclarecer para o cliente que a reação dele pode ser algo que
ele fez, ou também algo que não fez. Após perceber que ele entendeu como
identificá-la corretamente, pode passar como tarefa de casa para treinamento.
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Quanto mais próximo da situação o cliente preencher, com mais detalhes vai
conseguir lembrar as informações necessárias.

Quadro 1 – Exemplo de RPD

Situação Pensamentos Emoções Comportamentos


automáticos
“Preciso fazer uma “Não vou conseguir Ansiedade “Me enrolei para
palestra em duas falar pra toda essa Medo organizar o material
semanas.” gente, vou esquecer Tristeza da palestra e faltei
tudo, vou parecer uma no dia marcado. ”
idiota.”

Outra ferramenta que pode ser útil para identificar as contingências que
mantêm o comportamento do cliente é a análise funcional. Trata-se de um recurso
mais comportamental, que ajuda a entender quais são os estímulos envolvidos
com certo comportamento, assim como os estímulos que o reforçam, ou seja, que
fazem o cliente, em outra situação parecida, ter um comportamento análogo.
No exemplo de Mônica, ao observamos seu comportamento de evitação ao
faltar no dia da palestra, podemos perceber que o estímulo para a falta foi o próprio
dia da palestra. Uma vez que ela faltou, esse comportamento foi reforçado por ter
aliviado sua ansiedade, já que não precisou se expor. Uma vez reforçado tal
comportamento de evitação, é possível que, em outras situações nas quais se
sinta exposta, ela acabe se comportando da mesma maneira, pois foi a solução
para abaixar sua ansiedade a curto prazo, mesmo sendo ruim a longo prazo.
Essas ferramentas são apenas alguns exemplos de como o terapeuta pode
construir seu entendimento sobre o funcionamento do cliente, o que abre portas
para começar a avaliar tais pensamentos, verificando sua validade ou sua
utilidade. Não é possível sempre contestar os pensamentos do cliente pelo certo
ou errado. Muitos de seus pensamentos podem ser verdadeiros e realistas,
mesmo sendo disfuncionais.
Casos de cognição relacionados à ansiedade, por exemplo, geralmente
envolvem pensamentos que, apesar de pouco prováveis, ainda podem ser
verdadeiros, como pessoas com fobia de avião, que pensam que ele pode cair a
qualquer momento, representando um risco iminente.
Não está no controle do terapeuta saber se o avião pode cair ou não, mas
ele pode ensinar o cliente a explorar qual é a utilidade desse tipo de pensamento

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naquele momento, ou seja, se pensar de tal modo mais ajuda ou atrapalha. Uma
das intervenções nesse caso envolve reestruturar esses pensamentos para que
eles não sejam tão impactantes, além de analisar possíveis crenças nucleares de
vulnerabilidade do cliente.

FINALIZANDO
O objetivo deste capítulo foi instruí-lo sobre como iniciar a conceitualização,
destacando a importância da postura do terapeuta como profissional e do domínio
de conceitos básicos para entender o funcionamento do cliente e relacionar o que
é observado com a teoria.
Futuramente, veremos como dar continuidade ao processo de
conceitualização, abordando como identificar seus pressupostos subjacentes e
crenças nucleares, e fazer possíveis diagnósticos.

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REFERÊNCIAS
BECK, J. S. Conceituação cognitiva. In: _____. Terapia cognitiva: teoria e
prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. p. 28-39.

KUYKEN, W.; PADESKY, C. A.; DUDLEY, R. O dilema de Procrusto. In: _____.


Conceitualização de casos colaborativa: o trabalho em equipe com pacientes
em terapia cognitivo comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 19-43.

WAINER, R.; PICCOLOTO, N. M. Conceitualização cognitiva de casos adultos. In:


RANGÉ, B. et al. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a
psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 120-131.

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CAPÍTULO 3 – PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS E DISTORÇÕES


COGNITIVAS

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CONVERSA INICIAL
Neste capítulo, abordaremos os modos de investigação do significado dos
pensamentos automáticos, o que nos leva a identificar as crenças mais
enraizadas do cliente. Também vamos entender como as estratégias
compensatórias acabam influenciando e reforçando as crenças, o que resulta em
um ciclo disfuncional.

SIGNIFICADO DOS PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS


A avaliação dos pensamentos automáticos leva a entender qual é seu
significado na vida daquela pessoa e abre caminho para que possamos identificar
seus pressupostos subjacentes e crenças nucleares. Para Mônica, pensar que
ninguém está gostando do que ela está falando em uma determinada situação
pode significar que as pessoas vão perceber que é completamente inútil como
profissional, o que vai contra o que valoriza: ser uma profissional dedicada e
capaz.
O significado acaba explicando por qual motivo os pensamentos
automáticos levam o cliente a ter determinadas sensações e reações.
Provavelmente, uma pessoa que adota um significado como o de Mônica nunca
vai se sentir confortável quando perceber algum tipo de desaprovação dos outros
ao estar se expondo, o que aumenta a frequência de seus comportamentos de
evitação.
A técnica da seta descendente pode ajudar o terapeuta a visualizar toda a
cadeia entre pensamentos automáticos e o significado destes para o cliente,
trazendo à tona possíveis pressupostos e crenças nucleares.
Usando o exemplo de Monica:
Paciente: “Não vou conseguir falar pra toda essa gente, vou esquecer tudo”

Terapeuta: Isso te incomoda, porque significa o quê?


Paciente: “Significa que sou uma profissional ruim”

Terapeuta: E o que significa ser uma profissional ruim?


Paciente: “Significa que sou incapaz, inútil”
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PRESSUPOSTOS SUBJACENTES
Como mencionado acima, identificar os pensamentos automáticos auxilia
no entendimento de quais são os pressupostos subjacentes do cliente, ou seja,
certas regras e suposições que ele adota nas mais diversas situações e
influenciam na sua interpretação das situações e, principalmente, como ele acaba
se comportando. Podemos ter regras e suposições positivas ou negativas.
Geralmente emoções mais desconfortáveis acabam levando à ativação de
pressupostos subjacentes negativos.
Para Monica, a ideia de não conseguir falar bem em uma apresentação
relacionada ao seu trabalho faz com que chegue à conclusão de que é uma
profissional inútil, o que contribui com sua evitação desse tipo de situação. Assim,
a regra é: não conseguir me apresentar em uma palestra me faz uma profissional
inútil.
Ou seja, ela acabou prevendo uma consequência do seu comportamento,
de acordo com sua interpretação de que isso é uma indicação de ser inútil. O
problema com uma regra como essa está em limitar a perspectiva da pessoa
sobre as situações e não flexibilizar como ela pensa. Se formos considerar o
mesmo caso, dificilmente uma possível dificuldade na apresentação vai fazer com
que os outros pensem que é uma profissional inútil, considerando que foi
convidada a apresentar justamente por ser alguém que se destaca no que faz.
Ela acaba não percebendo que pode cometer erros, como qualquer um,
mas que eles não precisam definir quem é como profissional. Provavelmente, com
essa outra perspectiva, ela não se sentiria tão ansiosa a ponto de precisar evitar
a situação para obter algum alívio.
Um recurso interessante para conseguirmos identificar os pressupostos
subjacentes do cliente é fazer um exercício para completar as seguintes lacunas:

SE___________________, ENTÃO______________________

Exemplo: Se eu não consigo me apresentar bem/de maneira satisfatória/de


forma perfeita, então sou uma profissional inútil (ou seja, algo que não combina
com a visão de profissional ideal, o que gera emoções negativas).
Se consigo me apresentar bem/de maneira satisfatória/de forma perfeita,
então sou uma profissional capaz/útil/boa (ou seja, algo que combina com a visão
de profissional ideal, o que gera emoções positivas).

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CRENÇAS NUCLEARES
Todos esses pensamentos e pressupostos são alimentados pelas crenças
nucleares (ou centrais), o nível mais profundo da nossa cognição, como vimos
anteriormente. Tais níveis de cognição podem ser divididos em três, ainda usando
o exemplo do caso da Monica:

• Crenças sobre si mesmo: sou incompetente, incapaz, inútil.


• Crenças sobre os outros (ambiente): os outros vão me desaprovar se eu
errar.
• Crenças sobre o futuro: um dia vão descobrir que eu sou uma farsa.

A origem das crenças nucleares está, principalmente, nas primeiras


experiências do indivíduo. Durante a infância, todas as pessoas acabaram
interagindo com pessoas significativas ou passaram por determinadas situações
que as levaram a internalizar certas ideias sobre como elas, os outros ou as coisas
são.
Podemos levantar uma hipótese de que uma pessoa, como Monica, tenha
vivido situações em sua infância que a levaram a entender que erros não são
coisas comuns a todos os seres humanos, e sim que errar é algo que pode
significar que seja uma pessoa incompetente, incapaz, indigna. Esse contexto
pode ter sido influenciado por pais rígidos, que cobravam um desempenho perfeito
da filha, ou por certas experiências marcantes, como ao tirar a nota mais baixa da
turma em uma prova e ser julgada. O contexto no qual as crenças se desenvolvem
depende dessas experiências individuais de cada um e constroem o significado
do que é errar e que é necessário ser uma pessoa rígida e inflexível para evitar o
erro, causando sofrimento nos momentos que percebe ter errado ou que acha que
errou.
Beck (1997) observou a existência de três tipos de crenças centrais mais
predominantes, relacionadas a desamparo (sou incapaz), ao desamor (sou
imperfeito) e à desvalorização (sou inaceitável). Tal informação pode ajudar o
terapeuta a começar a identificar as crenças nucleares com base em como
pensamentos automáticos e pressupostos subjacentes vão se encaixando em
algum desses tópicos.
A técnica da seta descendente, vista anteriormente, também pode ser
usada para descobrir possíveis crenças nucleares. O trabalho com a identificação
dessas crenças geralmente requer um pouco de paciência por parte do terapeuta.

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Por serem ideias muito enraizadas, muitas vezes o cliente nunca colocou em
palavras essas percepções, por mais que se sinta de tal maneira. Momentos nos
quais o cliente se emociona também podem ajudar o terapeuta a conseguir
identificar tais conteúdos com mais facilidade.

DISTORÇÕES COGNITIVAS
As crenças, muitas vezes, se perpetuam pelas distorções cognitivas, que
mantêm a certeza de sua perspectiva na vida do indivíduo. Por mais que o
conteúdo das crenças nucleares disfuncionais seja doloroso e triste, o indivíduo
acaba falhando em reconhecer informações que possam mostrar a ele que sua
crença não é totalmente verdadeira ou válida.
Questionar uma determinada crença ou maneira de pensar demanda
tempo e energia, além de ser algo novo e desconfortável, fazendo com que o
cliente precise da motivação do terapeuta para buscar uma mudança que é difícil,
mas necessária para a melhora de sua qualidade de vida.
As distorções cognitivas são divididas em várias categorias. Identificar e
aprender a diferenciar esses erros de pensamentos também podem auxiliar o
terapeuta a entender se tais distorções podem se encaixar em certas
psicopatologias.
O trabalho com distorções cognitivas pode ser uma intervenção eficaz para
que o cliente comece a se distanciar de tal pensamento, podendo questionar sua
validade ou eficiência antes de acreditar totalmente em seu conteúdo, o que ajuda
a questionar suas crenças disfuncionais.
Alguns exemplos de distorções mais comuns são:

• Pensamento dicotômico (ou tudo ou nada; 8 ou 80; preto e branco)


A pessoa vê uma situação apenas em termos extremos, sem considerar
um meio termo. Exemplo: “Se não sou um sucesso total, sou um fracasso total”.

• Catastrofização
O pensamento do indivíduo “anda”, ou seja, ele consegue prever seu futuro
de modo negativo e de forma rápida, sem considerar outras possibilidades.
Exemplo: “Vou ser demitida e ter que morar na rua caso não me saia bem na
palestra”.

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• Desqualificação do positivo
Não importa o que aconteceu de positivo em determinada situação, a
pessoa vai argumentar diminuindo tais feitos. Exemplo: “As pessoas aplaudiram
a palestra, mas isso só significa que elas são educadas, não que eu tenha me
saído bem”.

• Raciocínio emocional
Se o indivíduo se sente de uma determinada maneira, isso é indicativo para
aquilo ser verdade. Exemplo: “Estou ansiosa em relação a dar a palestra, então é
óbvio que vai dar tudo errado”.

• Rotulação
Estabelece uma definição fixa e rígida sobre si mesmo e outros. Exemplo:
“Eu sou uma incompetente”.

• Maximização/Minimização
Quando pensa sobre ou avalia uma situação, a pessoa aumenta os
aspectos negativos e/ou minimiza os positivos. Exemplo: “Gaguejei em um
momento da palestra, então não adianta eu ter recebido aplausos no final, sou um
incompetente mesmo”.

• Abstração seletiva
O indivíduo só consegue focar em um detalhe específico da situação,
geralmente negativo, e não olha para o todo. Exemplo: “Se gaguejei no meio da
palestra, isso significa que foi um fracasso”.

• Leitura mental
A pessoa acredita que sabe exatamente o que os outros estão pensando,
desconsiderando outras alternativas. Exemplo: “Aquela pessoa tá mexendo no
celular no meio da minha palestra porque deve tá odiando o que eu estou falando”.

• Supergeneralização
Um desfecho de uma situação específica serve de modelo para todas as
outras situações. Exemplo: “Não consegui dar essa palestra, então nunca vou
conseguir falar em público na minha vida”.

Entender a dinâmica entre o que o paciente pensa e sente, o que alimenta


os pensamentos, as regras que adota para sua vida com verdades absolutas e
como tudo isso influencia na maneira como ele se comporta é uma das habilidades

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mais importantes que o terapeuta vai ensinar para o cliente, e é a base de uma
intervenção pela TCC.
Para registrar na conceitualização, o terapeuta vai selecionar diversas
situações da vida do cliente, relacionadas com suas queixas e preencher as
colunas. No modelo usado nesse capítulo, isso significa que ela começa a ser
preenchida pela parte de baixo. As informações reunidas e relacionadas a essas
situações vão auxiliar o profissional a preencher a parte de cima.
No caso da Mônica, vamos selecionar as seguintes situações:

Quadro 1 – Situação para registro na conceitualização

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2 SITUAÇÃO 3


Dirigindo para o trabalho. Fiquei sabendo que preciso Aluno vem tirar uma dúvida
fazer uma palestra em duas sobre uma conduta
semanas. específica.

PENSAMENTO PENSAMENTO PENSAMENTO


AUTOMÁTICO AUTOMÁTICO AUTOMÁTICO
“E se chegar um caso “Não vou conseguir falar pra “Como que eu não sei como
grave? Não sei o que fazer toda essa gente, vou faz isso? Sou muito burra
se tiver que reviver um esquecer tudo.” mesmo.”
paciente. ”

SIGNIFICADO DO P.A. SIGNIFICADO DO P.A. SIGNIFICADO DO P.A.


Se eu não souber conduzir Se eu esquecer tudo e não Se eu não sei tudo sobre
um caso grave/ se eu não sei conseguir falar, isso vai determinada conduta
a resposta de tudo, sou uma mostrar que sou inútil. médica, isso me prova que
profissional incapaz e sou incompetente e não
fracassada. deveria estar ali.

EMOÇÃO EMOÇÃO EMOÇÃO


Ansiedade Ansiedade Ansiedade
Medo Medo Tristeza
Raiva Tristeza

COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO


Chega no trabalho e se Se enrola para separar um Se fecha em sua sala para
fecha em sua sala para tempo para preparar a parecer ocupada e sem
poder estudar sobre palestra (procrastinação). tempo de responder
primeiros socorros e se isolar Falta no dia, alegando estar (evitação).
de todos (evitação). sentindo-se mal (evitação).

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Com base nas situações exemplificadas, podemos começar a preencher a


parte de cima, a qual engloba as crenças nucleares, os pressupostos subjacentes
e as estratégias compensatórias:

Crença nuclear:

Sou incompetente/ sou incapaz/ sou inútil.

Pressupostos subjacentes:

“Se não souber conduzir tal caso, sou uma profissional incapaz. ”

“Pessoas que não conseguem falar em público são inúteis. ”

Estratégia compensatória

Evitação: não prepara a palestra, falta no dia marcado.

Para fins didáticos, selecionamos uma das crenças centrais e situações


que exemplificam essa crença. É importante lembrar que um cliente não se limita
somente a uma crença central. Assim, o diagrama de conceitualização cognitiva
pode ser usado para as diversas crenças centrais relevantes para seu caso,
sempre recomendando-se que o terapeuta selecione três situações que
exemplificam a cadeia de pensamentos, emoções e comportamentos
relacionados a tais crenças.

ESTRATÉGIAS COMPENSATÓRIAS
As situações selecionadas têm um ponto em comum: exemplificam o nível
de ansiedade de Mônica em relação a seu desempenho como profissional. Ela
duvida de sua capacidade e isso leva a, principalmente, comportamentos de
evitação. Tais comportamentos podem ser classificados como exemplos das
estratégias compensatórias de Mônica. Para que não precise entrar em contato
com sua crença nuclear “sou incapaz”, ela age de maneira a evitar situações que
possam envolver o possível questionamento direto de sua capacidade. Ao fazer
isso, ela consegue continuar “mantendo a fachada” de que é uma boa profissional,
mesmo no fundo não acreditando nisso.

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As estratégias compensatórias (ou comportamentais) são desenvolvidas


para que o indivíduo possa se proteger e não tenha que entrar em contato com
sua crença, ou seja, se colocar em situações as quais possam comprovar o que
ele realmente pensa sobre si mesmo.
Apesar do alívio momentâneo que trazem, é importante mostrar para o
cliente o quanto elas contribuem para que ele continue a sentir emoções
desconfortáveis e ter pensamentos disfuncionais, principalmente por nunca
permitirem que ele se coloque de forma diferente do que está acostumado nessas
situações e obtenha outras informações, conseguindo perceber outras
perspectivas.
Ao fazermos uma análise funcional de seus comportamentos, ou seja,
buscando entender o que está envolvido antes e depois de se comportar de tal
maneira, podemos mostrar ao cliente quais são as consequências deste
comportamento para sua vida de maneira bastante didática.
No caso de Monica, fica claro que suas evitações a levam a ter como
consequência um desempenho inferior no trabalho, confirmando sua crença
central de incapacidade. Como essa crença vai se fortalecendo, cada vez mais
ela adota a estratégia de evitação para lidar com situações que são gatilho para
sua ansiedade. Mostrar para Monica quais eram as consequências desses
comportamentos acabou sendo um fator motivacional de adesão ao tratamento.
Ao longo das sessões iniciais, é preciso que o profissional perceba que o
cliente realmente entendeu a relação entre pensamentos, emoções e
comportamentos para que ele possa elencar os objetivos para a terapia junto com
o cliente, deixando claro como que a teoria e futuras intervenções podem ajudar
na melhora das queixas.

FINALIZANDO
Neste capítulo, procuramos explorar mais o significado dos pensamentos
automáticos e como eles servem como porta de entrada para identificarmos os
pressupostos subjacentes e as crenças nucleares particulares de cada cliente.
Também vimos como as estratégias compensatórias contribuem para fortalecer
as crenças disfuncionais.

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REFERÊNCIAS
BECK, J. S. Conceituação cognitiva. In: ______. Terapia Cognitiva: teoria e
prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. p. 28-39.

BECK, J. S. Identificando e modificando crenças intermediárias. In: ________.


Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2014.
p. 221-248.

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CAPÍTULO 4 - DIAGNÓSTICO

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CONVERSA INICIAL
Neste capítulo, vamos entender um pouco mais sobre a avaliação
necessária para diagnóstico de algum tipo de transtorno, caso existam evidências
para isso. Escolhemos dar destaque para os transtornos de personalidade neste
módulo, pois acabam sendo os clientes com padrões mais rígidos de cognição e
para os quais a conceitualização de caso é ainda mais significativa para a
segurança do profissional em conduzir o processo.
Assim, além de esclarecermos alguns pontos importantes para avaliação
na conceitualização do caso, também vamos entender a importância da
investigação da história de vida do cliente e possível histórico psiquiátrico para um
entendimento mais amplo do seu funcionamento.

PERSONALIDADE
Enquanto o profissional elabora a conceitualização, várias hipóteses vão
surgindo em sua mente, conforme ele raciocina sobre o caso apresentado. Nesse
momento, podem surgir questões sobre a possibilidade de o cliente apresentar
sintomas relacionados a algum tipo de transtorno específico.
O possível diagnóstico de transtornos pode servir como mais um dado
importante de como pode ser a conduta do profissional com aquele cliente. Para
isso, a avaliação precisa tentar reunir o máximo de informações e evidências
possíveis sobre como um cliente se encaixa em tais critérios. Essa avaliação
precisa ser minuciosa, considerando que grande parte dela vai envolver relatos
trazidos pelo próprio cliente e que fazem parte de sua perspectiva. Para isso, é
possível que o terapeuta peça para outras pessoas próximas do cliente virem para
uma sessão e também falarem sobre sua perspectiva a respeito das questões
trazidas.
Veremos adiante como diagnosticar o indivíduo, verificando se ele se
encaixa em algum critério de possíveis transtornos psiquiátricos. Mas,
primeiramente, vamos rever um conceito muito importante e difundindo além da
psicologia: a construção da personalidade. Tudo isso com o objetivo de podermos
prever, como profissionais, possíveis padrões do cliente que se encaixam em
algum diagnóstico, assim como fazer intervenções que condizem com o que a
literatura indica como eficaz.
O conceito de personalidade pode ser construído por diversos fatores,
como o componente genético, relacionado com o temperamento de cada um.

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Nascemos com determinadas tendências, como um filtro, que nos faz perceber e
entender experiências futuras sob certa visão. Essa visão é influenciada pelo
ambiente no qual a pessoa cresce e se desenvolve e acaba construindo a
estruturação da personalidade desse indivíduo.
Um dos modelos mais conhecidos para o entendimento da personalidade
é o modelo dos cinco fatores (ou Big Five). Esses cinco fatores correspondem a
traços gerais da personalidade de um indivíduo, calculados por um percentil, que
mostra qual é o nível de cada traço para aquela pessoa.
Os cinco fatores são:
• abertura para a experiência;
• conscienciosidade;
• extroversão;
• amabilidade;
• neuroticismo (ou instabilidade emocional).
Tais traços se relacionam com o ambiente em que esse indivíduo se
desenvolve, como vimos anteriormente. Entendemos como ambiente desde a
influência cultural e social do contexto ao qual o indivíduo pertence até a influência
do seu núcleo familiar. Voltando para a ótica da TCC, essa influência social e
familiar, muitas vezes, ensina e reforça certas crenças que podem ter grande
impacto sobre seu comportamento atual e futuro. Essas crenças constroem a
interpretação da pessoa sobre si, sobre o mundo ao seu redor e sobre o seu
futuro, e podem se tornar bastante inflexíveis.
Assim, podemos entender os transtornos de personalidade como um
padrão bastante inflexível e enraizado de pensar, sentir e se comportar
apresentados por uma pessoa. Essa maneira de pensar e entender o que se
passa dentro de si e nas situações acaba seguindo os critérios para cada
transtorno específico, o que traz diversos prejuízos para seu funcionamento e
pode trazer muito sofrimento.

DIAGNÓSTICO ATEÓRICO
Nesse momento da conceitualização, já conseguimos delimitar algumas
das dificuldades do cliente, assim como entender a dinâmica entre o que ele
pensa, sente e como ele se comporta e o quanto tudo isso faz com que ele não
consiga lidar com suas dificuldades.

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Para uma avaliação bem desenvolvida, o consenso entre profissionais de


saúde mental é da efetividade do diagnóstico baseado no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Desordens Mentais (DSM-5), em sua quinta edição (APA, 2013).
O DSM-5 representou uma grande mudança na maneira de classificarmos
os transtornos, principalmente quando comparado com seu antecessor, DSM IV-
TR, o qual dividia a avaliação em eixos, os quais compreendiam diferentes fatores
que poderiam afetar o funcionamento saudável do cliente.
• Eixo I: Transtornos psiquiátricos clínicos.
• Eixo II: Transtornos de personalidade.
• Eixo III: Condições médicas agudas ou doenças físicas.
• Eixo IV: Fatores ambientais e/ou psicossociais.
• Eixo V: Avaliação global do funcionamento (AGF).
É importante destacar essa diferença, pois parte da literatura em TCC ainda
usa essa classificação antiga. No DSM-5, os antigos eixos II e IV acabaram
incorporados a outras sessões do manual. Os transtornos de personalidade não
são mais diferenciados de outros tipos de transtornos, já que tal divisão foi
considerada injustificada pela equipe elaboradora.
Fatores ambientais e/ou psicossociais ainda são considerados importantes,
mas foi orientado que a classificação do CID-10 seja tomada como referência para
tal. O eixo V foi descartado, considerando que não era mais vista como uma
escala essencial para a avaliação do cliente.
Mencionado anteriormente, a Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) também estabelece
critérios para possíveis diagnósticos. Apesar de serem sistemas diferentes, elas
possuem diversos pontos parecidos entre si. No que diz respeito à classificação
de transtornos de personalidade, por exemplo, os dois concordam que esse tipo
de transtorno representa um padrão fixo e generalizado do indivíduo, que traz
sofrimento em diversas áreas da vida.
Tanto CID-10 como o DSM-5 são sistemas de classificação ateóricos, ou
seja, apresentam uma visão geral e padronizada de possíveis diagnósticos de
transtornos psiquiátricos, estabelecendo critérios específicos para a classificação
de um indivíduo em um ou mais transtornos. Isso permite que a prática seja
baseada em evidências científicas e, principalmente, proporciona uma constante
troca entre todos os profissionais envolvidos, com a possibilidade de previsão de
resultados de possíveis intervenções.

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A conceitualização cognitiva engloba elementos da avaliação baseada em


diagnósticos ateóricos com a teoria da TCC, o que pode proporcionar ao terapeuta
mais segurança na sua conduta com o cliente e resultados mais significativos.
No caso exemplificado durante os capítulos, podemos perceber que Monica
se encaixa em um diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).
O TAG é caracterizado por uma preocupação persistente e exagerada, presente
em várias áreas da vida do indivíduo. Tais preocupações estão relacionadas com
crenças de vulnerabilidade.
Os critérios do DSM-5 para o diagnóstico de TAG são:
A. Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo
na maioria dos dias por pelo menos seis meses e relacionada a inúmeros
eventos ou atividades (p.ex. trabalho e desempenho escolar).
B. A preocupação é difícil de controlar.
C. A ansiedade e a preocupação estão associadas a três (ou mais) dos
seguintes sintomas (com pelo menos alguns sintomas estando presente na
maioria dos dias nos últimos seis meses; apenas um item é exigido para
crianças):
• Inquietação ou sensação de estar no limite.
• Cansar-se facilmente.
• Dificuldade de concentração.
• Irritabilidade.
• Tensão muscular.
• Distúrbios do sono (dificuldade de iniciar ou manter o sono e sensação
sono não satisfatório).
D. Os sintomas físicos, preocupação ou ansiedade causam sofrimento
clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional
ou outras áreas importantes da vida do indivíduo.
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p.
ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (p. ex.,
hipertireoidismo).
F. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (p.
ex., ansiedade ou preocupação quanto a ter ataques de pânico no
transtorno de pânico, avaliação negativa no transtorno de ansiedade social
[fobia social], contaminação ou outras obsessões no transtorno obsessivo-
compulsivo, separação das figuras de apego no transtorno de ansiedade

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de separação, lembranças de eventos traumáticos no transtorno de


estresse pós-traumático, ganho de peso na anorexia nervosa, queixas
físicas no transtorno de sintomas somáticos, percepção de problemas na
aparência no transtorno dismórfico corporal, ter uma doença séria no
transtorno de ansiedade de doença ou o conteúdo de crenças delirantes na
esquizofrenia ou transtorno delirante).
No relato de Monica, ela trouxe preocupações sobre diversas áreas da sua
vida: trabalho, casamento, financeira. Sintomas descritos por ela, como a
sensação de estar com os nervos à flor da pele, dificuldade de concentração,
tensão muscular e insônia, estão presentes desde muito tempo, mas aumentaram
a partir do evento que a trouxe para terapia, a proposta da palestra, o que acabou
prejudicando seu funcionamento.
Observamos que, apesar de o evento desencadeador ter sido recente, esse
estado de preocupação mais exagerado é presente na sua vida há muito tempo.
Podemos criar uma hipótese de que, talvez, Monica tenha um temperamento com
maior tendência a estados ansiosos, o qual, aliado com suas experiências iniciais,
fizeram com que ela desenvolvesse crenças de vulnerabilidade e, por
consequência, um transtorno relacionado à ansiedade.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Várias partes do relato de Monica também condizem com um quadro de
Transtorno de Ansiedade Social, como quando ela demonstra preocupação sobre
seu desempenho na palestra na frente de muitas pessoas. O diagnóstico
diferencial é feito quando percebemos que a preocupação dela não está voltada
somente para uma possível exposição social, mas é generalizada e presente em
diversos momentos, sendo quando é testada pelo seu desempenho ou não.
O diagnóstico diferencial com outros transtornos é uma habilidade que
precisa ser praticada pelo profissional. Muitas vezes, o mesmo indivíduo acaba se
encaixando em critérios de outros transtornos, o que pode acabar confundindo o
terapeuta em relação a sua intervenção. A conceitualização pode ajudar a
esclarecer em quais possíveis transtornos o cliente se encaixa, principalmente se
as principais crenças do cliente ficarem explícitas, as quais acabam sendo
diretamente relacionadas a padrões descritos nos critérios dos transtornos. O
próprio DSM-5 aborda isso, exemplificando alguns possíveis transtornos que
podem parecer relacionados entre si e como fazer essa diferenciação.

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Um diagnóstico correto de possíveis transtornos do cliente para a


conceitualização do caso ajuda o terapeuta a buscar protocolos existentes para
tal, podendo ter mais uma fonte de informações sobre o funcionamento daquele
indivíduo. Mas é essencial que o terapeuta entenda que o protocolo precisa estar
associado ao trabalho de perceber e valorizar as particularidades do cliente. O
protocolo é um guia, e não uma regra absoluta sobre como o clínico deve conduzir
o caso.

HISTÓRIA DE VIDA
Neste ponto da construção da conceitualização do cliente, já entendemos
quais são suas dificuldades atuais e organizamos tais queixas em objetivos,
percebendo como a teoria da TCC pode ajudar na melhora do caso. Também
vimos como utilizar estratégias que auxiliam a identificar padrões de
pensamentos, emoções e comportamentos em situações incômodas para a
pessoa e entender como tais componentes se influenciam e fortalecem seus
pressupostos subjacentes, crenças nucleares e estratégias compensatórias.
A próxima etapa sugerida é uma investigação mais detalhada da história
de vida do cliente. É importante esclarecer que, apesar do foco maior nesse
momento da avaliação, provavelmente algumas questões já foram trazidas pelo
cliente relacionadas a situações de seu passado ou o próprio terapeuta já pode
ter levantado algumas hipóteses.
O andamento do processo terapêutico não precisa e nem deve ser
engessado e rígido. O encaminhamento da conceitualização nos capítulos
apresentados aqui é organizado de maneira didática, mas o terapeuta pode e
deve ser flexível para receber o relato do cliente e colher as informações
apresentadas. Precisamos sempre manter em mente que a teoria existe para
ajudar terapeuta e cliente, e não atrapalhar o processo.
Assim, entendemos que a investigação da história de vida do cliente serve
como auxílio para esclarecer as origens de alguns de seus padrões. Muitas vezes,
perceber que tais maneiras estão tão enraizadas pode servir de conforto para o
cliente, principalmente em uma dúvida frequente que temos no setting terapêutico:
o cliente entende racionalmente suas dificuldades e o que precisa melhorar, mas
não consegue se sentir de maneira diferente.
Apesar de a TCC ser uma abordagem que prioriza o foco no aqui e agora,
estabelecendo objetivos para auxiliar o cliente a melhorar situações atuais que

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trazem incômodo, muitas vezes, conseguir esclarecer a origem de tais crenças é


libertador, no sentido que a crença se torna algo que, uma vez aprendida, pode
ser modificada.
O terapeuta pode abordar a história de vida do seu cliente de diversas
maneiras. Na literatura, existem algumas ferramentas voltadas para tal objetivo,
como o Formulário de Auxílio a Coleta da História, proposto por Kuyken, Padesky
e Dudley (2010). Esse formulário contém questões que buscam abranger diversas
áreas da vida do cliente, dando um panorama geral sobre sua história de vida e
fatores que podem influenciar direta e indiretamente no desenvolvimento de
crenças nucleares. Ele é dividido em sessões:

• dificuldades e objetivos;
• história de vida familiar;
• educação;
• vida profissional;
• experiências passadas perturbadoras;
• relacionamentos afetivos e família atual;
• histórico médico e psiquiátrico;
• histórico de uso de álcool e drogas;
• futuro.

Como podemos perceber, o primeiro e último item abordados referem-se a


dificuldades e objetivos e futuro. Já abordamos esses dois itens nesse momento
da conceitualização, seguindo a ordem proposta pelo capítulo. Os autores
propõem dar o formulário antes mesmo da primeira sessão, por isso, os dois itens
estão presentes. Novamente, é importante que o terapeuta escolha qual tipo de
abordagem faz mais sentido para seu trabalho. De qualquer forma, percebemos
que os itens abordados no formulário acabam contemplando de modo bastante
completo a história de vida do cliente, ficando como sugestão.
Outra forma de abordar essas questões está em o terapeuta fazer
perguntas explorando as áreas significativas da história de vida do seu cliente.
Pode-se iniciar esse trabalho perguntando sobre a história familiar. O uso do
genograma pode ser muito útil. Por meio dele, podemos criar uma representação
visual de várias gerações de uma família e entender essas relações em uma
perspectiva cronológica.

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Sabemos que entender o contexto no qual o cliente nasceu e se


desenvolveu é essencial para entendermos a origem de algumas de suas crenças
mais enraizadas, então, fazer o genograma junto do cliente pode auxiliar na
conceitualização, extraindo mais informações sobre seu contexto familiar.
Por exemplo, o genograma de Mônica poderia ser representado da
seguinte maneira:

O primeiro casal é representado pelos seus pais, o símbolo do quadrado


para pessoas do sexo masculino e o do círculo para pessoas do sexo feminino.
Seus pais tiveram duas filhas: Mônica, a mais velha, e sua irmã. As duas são
casadas e sua irmã tem um filho de 4 anos. Os números dentro de cada símbolo
representam as idades de cada um.
A história de vida de Mônica ajuda a entendermos um pouco melhor sobre
o desenvolvimento do TAG. Seus pais sempre foram bastante rígidos com seu
desempenho e ela ficava, muitas vezes, responsável pela irmã mais nova. Por ter
sido sempre cobrada pelo seu comportamento geral e desempenho escolar, ela
passava noites em claro estudando e tinha pesadelos em relação a levar uma
bronca dos pais caso tirasse alguma nota ruim.
Nunca chegou a tirar uma nota ruim em si, mas lembra da punição física
que sofreu quando acabou voltando para casa 15 minutos após o horário
estabelecido pela mãe. Esse episódio ficou marcado em sua vida, por ter feito
algo errado e ter sido severamente punida por isso. Podemos entender que ela
acabou internalizando a seguinte regra: “se errar, vou ser punida”. Para evitar a
punição, que é algo aversivo, ela aprendeu a se cobrar cada vez mais para ser
“perfeita” e, principalmente, não ter que passar por situações que possa ser
reprovada de alguma forma por não corresponder a essa perfeição. Uma vez que
a perfeição não existe, qualquer possibilidade de erro leva ao aumento da

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ansiedade, o que se generaliza para sua vida e está por traz do medo de se
perceber como alguém incapaz.

HISTÓRICO PSIQUIÁTRICO E USO DE MEDICAÇÕES


Outros dados importantes para a conceitualização de caso referem-se ao
histórico psiquiátrico do cliente. Saber possíveis diagnósticos já identificados por
outros profissionais, caso o cliente já tenha buscado ajuda anteriormente,
permitem até que o terapeuta possa fazer contato com tais pessoas.
A troca de informações sobre um caso pode auxiliar para um entendimento
mais amplo, considerando a perspectiva de outro profissional. Mas, sempre é
importante lembrar, esse contato precisa ser acordado com o cliente e ele precisa
dar sua autorização para que o terapeuta possa conversar com outro profissional
sobre seu caso.
Para a conceitualização, saber se o indivíduo já fez algum tipo de terapia
anteriormente é mais uma informação que pode contribuir para o andamento do
processo. Pessoas que já fizeram terapia antes, sendo com profissional que
também trabalha com a TCC ou não, tendem a vir aos atendimentos com certas
visões pré-estabelecidas sobre suas questões. Assim, o terapeuta pode entender
melhor a “bagagem” do cliente e suas percepções sobre o processo, inclusive
podendo corrigir possíveis distorções sobre seu trabalho ou como ele se diferencia
de outras abordagens terapêuticas.
Apesar de o psicólogo não poder prescrever medicações, outro tipo de
conhecimento necessário é de como possíveis medicações podem influenciar no
estado do cliente. A influência de substâncias, lícitas ou ilícitas, muitas vezes, são
critérios de diferenciação para transtornos. Ou seja, é preciso entender que a
influência de certas medicações pode confundir o terapeuta, fazendo com que
uma intervenção planejada não seja tão efetiva naquele momento, por exemplo.
O que faz com que o terapeuta esteja sempre revisando sua conceitualização e
inclua nela possíveis efeitos dos remédios prescritos para o seu cliente.

FINALIZANDO
Neste capítulo, foram apresentados conceitos relacionados a avaliação e
possível diagnóstico de transtornos psiquiátricos. Tais diagnósticos são
fundamentais para que o terapeuta possa conduzir o caso com a maior efetividade
possível. Também percebemos como investigar o histórico psiquiátrico do cliente,

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assim como uso de medicamentos, pode auxiliar em uma conceitualização do


caso mais completa e direcionada.
Posteriormente, veremos um exemplo de conceitualização completa após
a fase inicial de avaliação na terapia, formando o ponto de partida para a segunda
fase do processo terapêutico: a intervenção.

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REFERÊNCIAS
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BECK, A. T. Teoria dos transtornos da personalidade. In: BECK, A. T.; DAVIS, D. D.;
FREEMAN, A. Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. Porto Alegre:
Artmed, 2017. p. 17-53.

KUYKEN, W.; PADESKY, C. A.; DUDLEY, R. O dilema de Procrusto. In: ______.


Conceitualização de casos colaborativa: o trabalho em equipe com pacientes em
terapia cognitivo comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 19-43.

OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação dos transtornos mentais


e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

WAINER, R. O desenvolvimento da personalidade e suas tarefas evolutivas. In: WAINER,


R. et al. (Org.). Terapia cognitiva focada em esquemas: integração em psicoterapia.
Porto Alegre: Artmed, 2016. p. 15-26.

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CAPÍTULO 5 – CONCEITUALIZAÇÃO APÓS AVALIAÇÃO INICIAL

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INTRODUÇÃO

Conceitualização após avaliação inicial

Vamos iniciar o capítulo preenchendo uma conceitualização após avaliação


inicial, reunindo todas as informações necessárias para identificar as dificuldades
do cliente, esclarecendo a origem de suas questões e o que as mantém para
podermos desenvolver uma intervenção para seu caso.
Além disso, vamos entender um pouco melhor sobre a terapia do esquema
(TE), uma abordagem integrativa dentro da TCC originalmente criada para
clientes mais difíceis e complexos, os quais não respondem tão bem aos
protocolos tradicionais.

HISTÓRICO E CONTEXTO DE VIDA


Como vimos, a conceitualização é iniciada desde a primeira sessão, na
qual o terapeuta começa a investigar as dificuldades do cliente e une suas queixas
às pesquisas e protocolos da TCC, buscando a melhora do seu funcionamento.
Ao longo deste e dos demais tópicos do capítulo, vamos dividir a
conceitualização apresentada em quatro blocos (distribuídos ao longo dos quatro
próximos tópicos) para fins didáticos: identificação, histórico e contexto de vida do
cliente; diagnósticos e diagrama de conceitualização; esquemas iniciais
desadaptativos; outros pontos importantes e planejamento da intervenção. No
primeiro, vamos focar o contexto da vida do cliente, reunindo todas as informações
necessárias para entender como essa pessoa se desenvolveu.
Vamos selecionar novamente o caso de Mônica como exemplo, para
podermos visualizar como ficou a conceitualização do seu caso.

Dados da identificação da paciente

• Nome: Mônica;
• Idade: 34 anos;
• Escolaridade: ensino superior completo;
• Profissão e ocupação: médica em uma unidade de saúde;
• Estado civil e com quem reside: casada; mora com o marido;
• Religião: católica;
• Genograma:

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Figura 1 – Genograma de Mônica

• Outros profissionais que atendem o paciente (motivo): psiquiatra, para


tratamento medicamentoso combinado;
• Tratamentos psicoterápicos e/ou internações psiquiátricas anteriores:
nenhum.

Uso de medicações

• Uso de entorpecentes atuais: não usa;


• Medicações psiquiátricas atuais: Zoloft;
• Medicações não psiquiátricas atuais: nenhuma;
• Todas as classes acima, anteriormente utilizadas: uso moderado de álcool
desde a adolescência. Faz uso de anticoncepcional via oral (Yaz).

Motivo da busca por atendimento

Depois de uma proposta para se apresentar numa palestra, percebeu que


seu desempenho poderia ser testado, sentiu um nível de ansiedade exagerado e
a necessidade de aprender a lidar com isso. Além da situação específica, percebe
ansiedade exagerada em várias áreas da sua vida, o que traz diversas
consequências e sofrimento.

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Forma de encaminhamento

Foi indicada por uma colega, cliente da mesma terapeuta.

Informações da história de vida

• História familiar: sua gravidez foi uma surpresa para os pais, pois tinham
enfrentado dificuldades para engravidar e até desistido de tentar por um
tempo. Ficaram felizes com sua vinda, mas estavam passando por um
momento de grande dificuldade financeira. A relação com os pais sempre
foi satisfatória, mas com muita rigidez, principalmente após o nascimento
da sua irmã. Ficava responsável por cuidar dela, o que trazia muita
ansiedade, pois não queria decepcionar nem ser punida pelos pais. Se dá
muito bem com a irmã e a considera sua melhor amiga;
• História escolar: com a melhora da vida financeira dos pais na sua
infância, teve oportunidade de estudar em uma das melhores escolas da
sua região, sempre com um desempenho acima da média, e pôde fazer
diversas aulas extracurriculares, aprendendo línguas e praticando
esportes. Passou em seu primeiro vestibular para medicina em uma
universidade privada. O período do curso foi muito tumultuado, devido à
quantidade de matérias e ao nível de cobrança sobre seu desempenho,
mas nunca reprovou. Passou na residência de sua escolha logo após se
formar;
• História social: tem dificuldade em fazer amigos. Seu grupo atualmente é
limitado a amigas de infância, que fez na época do colégio, e sua irmã.
Gosta dos colegas de trabalho e mantém boa relação, mas não considera
isso uma amizade, pois não se encontra com eles fora do ambiente de
trabalho, apesar dos convites;
• História sexual: heterossexual, é casada há 10 anos, após 3 anos de
namoro e 1 de noivado. Seu primeiro e único relacionamento sexual foi com
o marido. Diz não se incomodar com isso e considera sua vida sexual atual
satisfatória.

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DIAGNÓSTICO E DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO


Uma vez reunidas todas as informações possíveis para entendermos
melhor o contexto no qual esse cliente nasceu, se desenvolveu e vive hoje,
começamos a tentar encaixar tais informações com a teoria. O terapeuta vai,
então, listando as dificuldades e organizando-as para conseguir estabelecer, junto
com o cliente, quais são seus objetivos na terapia.
O diagrama de conceitualização, no fim deste tópico, proporciona que o
terapeuta entenda claramente a relação entre pensamentos, emoções e
comportamentos, e quais crenças estão relacionadas a esses fatores. No caso do
exemplo, selecionamos a crença relacionada à incapacidade da cliente e três
situações relacionadas diretamente a essa crença, mas geralmente há mais de
um diagrama por conceitualização, para abranger as outras crenças disfuncionais
relevantes para abordar na terapia.

Lista de problemas e diagnóstico ateórico

• Dificuldade no ambiente de trabalho, medo de não ter um desempenho que


considera perfeito;
• Dificuldade no relacionamento – sensação de ser inferior ao marido;
• Dificuldade em lidar com a vida financeira – medo de perder seus recursos;
• Dificuldade com outros relacionamentos – não tem uma rede de apoio
grande, acaba sentindo-se desamparada, pois queria ter mais pessoas com
quem pudesse contar além do marido e das amigas próximas;
• Diagnóstico ateórico: transtorno de ansiedade generalizada (TAG).

Diagnóstico teórico

• Tríade cognitiva (visão de si, dos outros/mundo e do futuro):


 Visão de si: “sou incompetente; incapaz; inútil; vulnerável”;
 Visão dos outros/mundo: “os outros são mais capazes do que eu”;
“o mundo é um lugar exigente”; “quem é bem-sucedido sempre
consegue dar conta de tudo”;
 Visão do futuro: “se eu não for a melhor que posso ser, posso perder
tudo”.

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Quadro 1 – Informações sobre conceitualização cognitiva

Dados relevantes da infância e adolescência


Seus pais colocavam muita responsabilidade em suas mãos; ficava
responsável por amparar e cuidar da irmã mais nova.
Seus pais valorizavam seu desempenho perfeito e condicionavam seu amor e
sua aceitação a isso. Era punida verbalmente quando não tinha um bom
desempenho ou quando “fazia algo errado”.
Tinha o sonho de fazer um curso superior (medicina) e percebeu como seria
bastante concorrido, o que acabou colocando seu desempenho à prova e
trouxe constante pressão para passar (dela mesma e dos pais também).
Crença nuclear
“Sou incompetente/ sou incapaz/ sou inútil”.

Pressupostos subjacentes
“Se não souber conduzir tal caso, sou uma profissional incapaz”;
“Pessoas que não conseguem falar bem em público são inúteis”.

Estratégia compensatória
Evitação: se fecha na sala para não ter que dar orientações, não prepara a
palestra e falta no dia marcado.

Quadro 2 – Exemplos rotineiros de ansiedade da cliente

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2 SITUAÇÃO 3


Dirigindo para o trabalho. “Fiquei sabendo que Aluno vem tirar uma
preciso fazer uma palestra dúvida sobre uma conduta
em duas semanas.” específica.

PENSAMENTO PENSAMENTO PENSAMENTO


AUTOMÁTICO AUTOMÁTICO AUTOMÁTICO
“E se chegar um caso “Não vou conseguir falar “Como que eu não sei
grave? Não sei o que fazer pra toda essa gente, vou fazer isso? Sou muito
se tiver que reviver um esquecer tudo.” burra mesmo.”
paciente.”

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SIGNIFICADO DO P.A. SIGNIFICADO DO P.A. SIGNIFICADO DO P.A.


“Se eu não souber “Se eu esquecer tudo e “Se eu não sei tudo sobre
conduzir um caso grave/ não conseguir falar, isso determinada conduta
se eu não sei a resposta de vai mostrar que sou inútil.” médica, isso me prova que
tudo, sou uma profissional sou incompetente e não
incapaz e fracassada.” deveria estar ali.”

EMOÇÃO EMOÇÃO EMOÇÃO


Ansiedade Ansiedade Ansiedade
Medo Medo Tristeza
Raiva Tristeza
COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO COMPORTAMENTO
Chega no trabalho e se Se desorganiza para Se fecha em sua sala para
fecha em sua sala para separar um tempo e parecer ocupada e sem
poder estudar sobre preparar a palestra tempo de responder
primeiros socorros. (procrastinação); (evitação).
Falta no dia, alegando
estar se sentindo mal
(evitação).

ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS


A conceitualização expande o diagnóstico teórico. A terapia do esquema
(TE) é uma abordagem relativamente nova dentro da terceira geração da TCC, e
pode ser combinada com protocolos mais tradicionais para um entendimento mais
amplo do cliente. O conceito de esquemas em si não foi desenvolvido por Jeffrey
Young, sendo uma definição já usada por Beck na terapia cognitiva.
Na definição de Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 22),

esquema é um tema ou padrão amplo, difuso; formado por memórias,


emoções e sensações corporais; relacionado a si próprio ou aos
relacionamentos com outras pessoas; desenvolvido durante a infância
ou adolescência; elaborado ao longo da vida do indivíduo; disfuncional
em nível significativo.

Basicamente, a TE fala sobre como os esquemas, uma estrutura que reúne


pensamentos, emoções, sensações e memórias, funcionam como óculos com
lente específica, a partir da qual percebemos e interpretamos o mundo. Todas as
pessoas possuem esquemas que podem ser ativados nas mais diversas situações
do dia a dia.

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Muitas vezes, em atendimentos nos quais protocolos da TCC são utilizados


pelo terapeuta, o cliente vê progresso em relação a suas dificuldades iniciais e
percebe que aprendeu a questionar os pensamentos e as crenças associadas,
mudando a maneira e a intensidade de suas emoções, além de passar a ter
comportamentos diferentes do que estava acostumado, fazendo com que as
consequências também sejam diferentes e, preferencialmente, mais saudáveis
para seu funcionamento. Mas pode ser que esse cliente ainda perceba uma
dificuldade em realmente sentir-se diferente, apesar de entender e saber como
lidar com suas dificuldades de modo racional.
Nesse momento, a TE acaba sendo uma abordagem que consegue
responder a essa pergunta, associando esse “sentir” ao fato de que os esquemas
acabam funcionando como uma máquina do tempo. Ao viver determinada
situação, a pessoa sente as mesmas emoções e sensações de situações
parecidas ou com o mesmo significado para ela em seu passado, geralmente na
sua infância e/ou adolescência.
Vamos pegar novamente o exemplo de Mônica. Ao identificarmos seus
esquemas, percebemos que um deles pode estar ativado quando fica ansiosa no
ambiente de trabalho: o esquema de padrões inflexíveis. Para indivíduos com
esse esquema, não basta realizar tarefas com desempenho satisfatório; eles
querem atingir um padrão ideal e perfeito internalizado.
Mônica tem pensamentos relacionados ao perfeccionismo e à cobrança
quando se vê em uma situação de trabalho que vai desafiar seu desempenho. Ela
acha que precisa ser perfeita para ter um bom desempenho e que, se cometer
algum erro, isso automaticamente significa que é uma profissional incapaz. Essa
percepção de si mesma aumenta sua ansiedade, em busca de tentar evitar ou
antecipar situações que possam fortalecer mais ainda a ideia de que é incapaz.
Ao analisarmos a história de Mônica, percebemos que ela acabou
internalizando essa cobrança dos seus pais e desenvolvendo o esquema de
padrões inflexíveis durante sua infância e adolescência. Ela acabou aprendendo
que precisava sempre ter o melhor desempenho para antecipar qualquer
possibilidade de erro e ter a aceitação e aprovação dos pais, que condicionavam
essa aprovação ao fato de ela ter sempre o melhor desempenho esperado por
eles.
Os esquemas são desenvolvidos por conta de uma combinação entre o
temperamento inato do indivíduo e o ambiente no qual ele se desenvolveu. No

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exemplo de Mônica, ela aparenta ter um temperamento mais sensível que,


alinhado a um ambiente bastante crítico e rígido, a levou a desenvolver os padrões
inflexíveis para poder “funcionar” nesse ambiente. Ou seja, vemos que, ao ser
desenvolvido, o esquema é adaptativo, pois ajuda o indivíduo a sobreviver da
melhor maneira possível. Muitas vezes é melhor para ele ser perfeccionista caso
tenha pais rígidos, para ser aceito e amado por eles.
Mas, ao longo do crescimento da pessoa, o esquema acaba tornando-se
desadaptativo, pois é rígido e generalizado. Quando Mônica precisa apresentar
uma palestra, por exemplo, percebe-se uma situação com significado parecido
com momentos da sua infância para ela: está sendo testada e cobrada pelo seu
desempenho. Isso faz com que tenha emoções e pensamentos relacionados à
ansiedade e vulnerabilidade, iguais aos que tinha quando era criança, e a faz
querer evitar essas situações atualmente, mesmo sendo, de modo objetivo, uma
profissional capacitada para tal.
Existem 18 esquemas estudados atualmente, divididos em 5 domínios.
Cada domínio corresponde a certas necessidades emocionais, as quais, se não
forem atendidas durante o crescimento, podem desenvolver esquemas
relacionados. O primeiro domínio, de desconexão e rejeição, reúne clientes que
não tiveram suas necessidades de segurança, estabilidade, amor e cuidado
atendidas pelos cuidadores ou outras pessoas próximas. Os esquemas do
primeiro domínio são abandono/instabilidade, privação emocional,
defectividade/vergonha e isolamento social/alienação.
No segundo domínio, necessidades relacionadas à autonomia e
desempenho não foram atendidas. São pacientes que, quando crianças, não
foram estimulados ou tinham dificuldade de explorar seu ambiente.
Dependência/incompetência, vulnerabilidade ao dano ou doença,
emaranhamento/self subdesenvolvido e fracasso são os esquemas relacionados
a esse domínio.
O terceiro domínio engloba esquemas relacionados à dificuldade de ter
limites realistas, sendo eles: arrogo/grandiosidade e autocontrole/autodisciplina
insuficientes. Já o quarto domínio fala sobre a dificuldade de pessoas com tais
esquemas ativados de levar em consideração suas próprias necessidades em vez
de somente atender às de outros indivíduos. Os esquemas desse domínio são:
subjugação, autossacrifício e busca de aprovação/busca de reconhecimento.

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Por fim, no quinto domínio, pessoas com esses esquemas acabam


suprimindo suas necessidades emocionais em prol de regras rígidas e
internalizadas sobre como é certo se sentir e se comportar.
Negativismo/pessimismo, inibição emocional, padrões inflexíveis/postura crítica
exagerada e punitiva são os esquemas relacionados.
Assim, dentro da conceitualização de Mônica, os esquemas iniciais
desadaptativos e estilos de enfrentamento (Young) são:

• Padrões inflexíveis/postura crítica exagerada;


• Privação emocional.

OUTROS PONTOS IMPORTANTES


Outras questões consideradas importantes para serem abordadas com o
cliente desde o começo são seus pontos fortes ou qualidades mais significativas.
Tudo que o terapeuta percebe que o cliente tem a seu favor são seus recursos,
fatores internos ou externos que podem facilitar sua melhora.
As crenças que podem interferir no atendimento são todos os pensamentos
que o terapeuta identifica relacionados à adesão do cliente ao tratamento como
um todo. Mônica, como veremos, possuía muitas crenças disfuncionais em
relação ao tratamento psiquiátrico, que foi necessário no seu caso e poderia
interferir diretamente no tratamento psicoterápico, diminuindo as chances de
sucesso. Sabendo disso, a terapeuta pode dedicar algum tempo da sessão para
sua psicoeducação.

Pontos fortes e recursos

Possui grande dedicação em tudo que faz. Gosta muito de sua profissão
porque se importa em sentir que fez a diferença para melhorar a vida dos outros;
apoio do marido e da irmã no processo terapêutico; forte nível de espiritualidade;
ótima capacidade intelectual e de abstração.

Crenças que podem interferir no atendimento

Medo de buscar um tratamento psiquiátrico, por não querer ficar


dependente em remédios. Sente-se falha por não conseguir lidar com suas
questões sozinha.

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PLANEJANDO A INTERVENÇÃO
Os três últimos itens da conceitualização do caso referem-se à intervenção.
Assim como em toda a conceitualização, mas ainda mais com a parte da
intervenção, pode-se mudar e acrescentar informações ao longo de todo o
processo.

Focos do tratamento

Deve-se aprender a lidar com a ansiedade, reestruturando crenças


relacionadas à cobrança de desempenho perfeito e vulnerabilidade, e reduzindo
distorções cognitivas; reduzir comportamentos relacionados à evitação; e
aumentar o nível de habilidades sociais.

Plano de tratamento (modalidade/frequência/duração/estratégias terapêuticas)

• Modalidade: terapia individual e acompanhamento psicofarmacológico


para reduzir o nível de ansiedade;
• Frequência: sessões semanais;
• Duração do tratamento: sem duração prévia estabelecida – objetivos de
reduzir os níveis de ansiedade revistos em três meses;
• Estratégias terapêuticas: avaliação; uso de questionários (esquemas);
psicoeducação; reestruturação cognitiva e teste empírico de crenças
relacionadas à preocupação, ao desempenho e à vulnerabilidade; treino de
relaxamento; treinamento de habilidades sociais.

Possíveis dificuldades do caso

• Dificuldade em evitar o comportamento evitativo, uma vez que ele é fonte


de grande alívio para a cliente;
• Falta de rede de apoio mais significativa;
• Dificuldade em identificar emoções diferentes de ansiedade.

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FINALIZANDO
Neste capítulo, pudemos observar uma conceitualização após a avaliação
inicial. Como mencionado, essa ferramenta auxilia no entendimento do terapeuta
sobre o caso e funciona como psicoeducação para o cliente, tornando-a essencial
para um processo terapêutico dentro da TCC. Para isso, apresentamos uma
organização específica para ajudar o aluno a começar suas conceitualizações e
praticar seu preenchimento.
Futuramente, veremos como fica a organização de conceitualizações
cognitivas na terapia com crianças e adolescentes e na terapia de casal. Vamos
concluir esse módulo discutindo possíveis desafios para a conceitualização como
ferramenta e sua importância para um ingrediente fundamental de qualquer
processo terapêutico: a aliança terapêutica.

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REFERÊNCIAS
BECK, J. S. Conceituação cognitiva. In: _____. Terapia cognitiva: teoria e
prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. p. 28-39.

YOUNG, J. E.; KLOSKO, J. S.; WEISHAAR, M. E. Terapia do esquema: modelo


conceitual. In:_____. Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-
comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 18-69.

WAINER, R.; PICCOLOTO, N. M. Conceitualização cognitiva de casos adultos. In:


RANGÉ, B. et al. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a
psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 120-131.

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CAPÍTULO 6 – TIPOS DE CONCEITUALIZAÇÃO

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INTRODUÇÃO
Neste capítulo, vamos entender as diferenças e similaridades entre uma
conceitualização para casos adultos para o trabalho com casos específicos:
crianças, adolescentes e para terapia de casal.
Em um segundo momento, vamos discutir sobre como a conceitualização,
sendo uma ferramenta de avaliação e intervenção, também pode ajudar na
construção da aliança terapêutica, elemento fundamental em qualquer processo
de psicoterapia.

CONCEITUALIZAÇÃO PARA CRIANÇAS


O processo de avaliação e conceitualização para crianças e adolescentes
acaba sendo um pouco mais complexo do que para adultos, pois exige
investigação maior por parte do terapeuta sobre todos os fatores que podem estar
envolvidos na apresentação dos comportamentos-problema.
Geralmente, os pais ou outras pessoas do convívio da criança, incluindo a
escola, acabam percebendo certos comportamentos disfuncionais que os levam
a buscar uma terapia. A primeira sessão pode ser feita com os pais, pois a
conceitualização também precisa envolver pensamentos, sentimentos e
comportamentos destes, para que possamos entender qual é a função dos
comportamentos problemáticos da criança na interação com esses cuidadores.
Sabemos que grande parte dos comportamentos-problema que aparecem,
como queixas no momento da avaliação, são nada mais do que a criança tentando
se comportar em um ambiente ou contexto disfuncional.
Assim, as pessoas com as quais a criança interage ou os ambientes nos
quais ela está inserida influenciam na origem e na manutenção desse
comportamento. Sabendo disso, o terapeuta precisa fazer uma anamnese
completa, explorando como o contexto da criança desencadeia ou reforça esses
comportamentos.
A avaliação começa com o terapeuta sabendo a idade da criança e, por
consequência, qual é a sua fase do desenvolvimento. Ter conhecimento sobre
desenvolvimento infantil é essencial para um profissional que quer atender
crianças, pois a teoria acaba funcionando como parâmetro para que o profissional
possa diferenciar quais comportamentos são esperados para aquela fase, assim
como notar possíveis déficits.

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Na primeira sessão, realizada com os pais, a entrevista vai ser feita com a
etapa do desenvolvimento em mente, para que o terapeuta já possa ter ideia do
que está adequado para aquele momento ou não. Como em entrevistas iniciais
com casos adultos, instrumentos e escalas de avaliação podem ser aplicados,
tanto com os pais quanto com a criança, assim como entrevistas estruturadas com
essa finalidade. E assim como com adultos, possíveis diagnósticos ateóricos
podem ser feitos de acordo com os sintomas apresentados, descrevendo o seu
funcionamento em termos gerais.
Além dos pais como fonte principal de informação, outras pessoas que
convivem com a criança também podem ser chamadas para uma sessão. Essas
outras perspectivas ajudam o terapeuta a ter uma visão mais abrangente do
problema e podem ajudar, em um segundo momento, na intervenção e
psicoeducação, caso seja necessária, das pessoas que interagem com a criança
de modo significativo.
Uma visita à escola também pode ser muito útil para que o terapeuta possa
ter contato com os professores e observar como a criança se comporta no
ambiente escolar. Muitas vezes, diferenças no comportamento na escola e em
casa podem mostrar qual ambiente está desencadeando os comportamentos-
problema, permitindo que a conceitualização foque mais no contexto disfuncional.
Além da primeira e/ou segunda sessão com os pais e possíveis sessões
com outras pessoas envolvidas, podemos fazer uma sessão, ainda na etapa da
avaliação, com a família nuclear da criança. A interação dela com os pais e
possíveis irmãos pode ser muito esclarecedora para o terapeuta observar a
dinâmica entre os indivíduos.
Muitas vezes é possível perceber que tipo de comportamento os pais
reforçam, o que muitas vezes acaba trazendo consequências disfuncionais. A
avaliação funcional, como já sabemos, é muito útil para o trabalho com a criança,
além de ser um elemento bastante didático, que pode ser mostrado e explicado
para os pais no trabalho de orientação.
A conceitualização em si é mais complexa por ter mais elementos a serem
levantados, mas sua elaboração é bastante parecida com a de adultos. Um
modelo de diagrama de conceitualização infantil foi desenvolvido por Caminha,
Soares e Caminha (2011) e acrescentou informações sobre os pais ou cuidadores
principais, relacionadas às suas crenças, emoções, pensamentos e
comportamentos.

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A maneira como os dados da conceitualização são coletados é diferente,


pois no trabalho com crianças é importante que o terapeuta busque formas mais
lúdicas para trazer esses conteúdos à tona.
Por exemplo, usamos o RPD (registro de pensamento disfuncional) como
ponto de partida para o preenchimento da conceitualização e para ensinar o
cliente a identificar seus pensamentos, emoções e comportamentos e como eles
podem estar influenciando uns aos outros, trazendo o sofrimento. Com a criança,
usamos o mesmo raciocínio ao investigar esses elementos, mas podemos usar
um recurso como o baralho das emoções, desenvolvido por Caminha e Caminha
(2014). Esse instrumento consiste em cartas representando uma emoção
específica na forma de desenho, fazendo com que seja mais fácil para o terapeuta
acessar esse conteúdo utilizando uma linguagem mais adequada para uma
criança.
Filmes infantis também podem ser usados com o mesmo propósito, com a
criança identificando quais emoções percebe nos personagens e se elas também
conseguem lembrar de algum momento em que se sentiram assim.

Saiba mais

O filme Divertidamente (2015) é um exemplo ótimo de filme que explica o


funcionamento das emoções de forma acessível e didática, que pode ser usado
tanto para a criança aprender a identificar emoções quanto para entender o que
acontece dentro do nosso corpo quando ela sente essa emoção.
DIVERTIDA mente. Direção de Pete Docter. EUA, 2015. 1h35min.

Independentemente do recurso escolhido pelo terapeuta, usar as emoções


como ponto de partida acaba sendo preferível no trabalho com crianças, pois com
esse tipo de recurso, torna-se mais fácil para elas mesmas perceberem o que
sentiram naquele momento do que tentar identificar cognições, algo mais abstrato
e com as quais muitos adultos também têm dificuldade no início da terapia.
A partir desse momento, a formulação do caso pode ser construída,
integrando os comportamentos-problema, possíveis diagnósticos ateóricos, o
ambiente familiar e social atual, história de vida e desenvolvimento da criança e
dos pais e o funcionamento interno da criança.
É importante lembrar que, como a conceitualização de casos adultos, ela
também precisa funcionar a favor e não contra o caso, ou seja, pode ser
reestruturada a qualquer momento, à medida que surjam outras informações
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relevantes ou alguma intervenção que não tenha o efeito esperado. Sendo assim,
ela também precisa ser compartilhada de modo que seja acessível e apropriada
para a criança, buscando com que esta entenda seu funcionamento. Com essa
finalidade, podem ser usadas metáforas ou desenhos infantis, entre outros
recursos.
Fica bastante claro que a utilização dos mais diversos recursos é essencial
para a terapia com crianças. Assim, a sala de atendimento do terapeuta precisa
ser pensada para esse tipo de atendimento. Por exemplo, mesas com tamanho
adequado para crianças de diferentes tamanhos auxiliam na hora de desenhar.
Os pais podem ser consultados, a partir da primeira sessão, em relação a gostos
ou hobbies específicos da criança, para que o terapeuta possa preparar a sessão
e providenciar materiais relacionados a eles.
A preocupação com o ambiente de trabalho e dos seus recursos contribui
para o aumento do vínculo entre criança e terapeuta. A aliança terapêutica na
terapia com crianças é tão importante quanto na terapia com adultos. Conseguir
inserir os conceitos que compõem a conceitualização do caso a um ambiente
agradável e divertido ajuda a criança a associar o processo terapêutico a um
momento no qual ela pode se sentir à vontade para aprender mais sobre como
funciona e lidar com suas dificuldades.

CONCEITUALIZAÇÃO PARA ADOLESCENTES


De acordo com o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069/1990), “considera-se criança, para efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”
(Brasil, 1990). Essa fase é uma das mais complexas na vida de um ser humano,
devido ao número de mudanças físicas e emocionais e o quanto essas mudanças
influenciam na maneira do adolescente se entender e entender o mundo ao seu
redor.
Como ele precisa se adaptar a novos contextos e a novas demandas,
muitas vezes se sente perdido em relação a diversas questões. Como já sabemos,
a terapia cognitiva comportamental (TCC) postula que a maneira como o indivíduo
interpreta a si e o mundo ao seu redor depende de suas crenças. A adolescência
acaba sendo uma etapa na qual as crenças, inclusive, estão sendo modificadas
ou reformuladas, uma vez que ele começa a entender melhor seu papel no mundo.

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Sendo essa etapa muitas vezes turbulenta para os adolescentes e para os


pais, estes acabam procurando um processo terapêutico quando seu filho
apresenta algumas emoções ou comportamentos que chamam sua atenção, mas
eles não conseguem entender ou não sabem como lidar com eles.
Assim, a conceitualização com adolescentes acaba não sendo muito
diferente do que o trabalho com crianças. As informações trazidas por pais ou
outras pessoas que convivem com o adolescente são muito importantes para o
entendimento do contexto que ele está inserido. O que muda são alguns fatores
inerentes à adolescência que precisam ser explorados mais diretamente pelo
profissional.
Questões que surgem pela primeira vez nessa fase, como autoimagem,
autoestima e sexualidade, podem ser exploradas pelo terapeuta na
conceitualização, visando entender como o adolescente sente-se e relaciona-se
com essas mudanças e possíveis novas preocupações. Todos esses novos
fatores que aparecem nessa etapa do desenvolvimento podem influenciar nas
cognições, emoções e comportamentos do indivíduo e contribuem com a
formação de sua identidade. Considerando essas questões, o terapeuta precisa
criar um ambiente seguro e que consiga estabelecer um vínculo para que o
adolescente se sinta à vontade para lidar com questões desconfortáveis, mesmo
sem ter repertório para entender ainda.

CONCEITUALIZAÇÃO PARA CASAIS


Em um processo de terapia de casal, a conceitualização se torna ainda
mais necessária do que em processos normais. Considerando-se que os
membros, antes de serem um casal, são pessoas com suas crenças específicas,
precisamos ter uma percepção detalhada de como cada um funciona, assim como
a interação entre essas maneiras diferentes de interpretar as situações pode
contribuir para as dificuldades apresentadas.
Uma tendência antiga no direcionamento da terapia do casal era de o
terapeuta fazer uma breve coleta de dados e entender um pouco sobre a dinâmica
do relacionamento para já entrar diretamente na parte da intervenção. Ou seja,
intervenção e avaliação eram dois processos que acabavam ocorrendo
simultaneamente.
A prática baseada em evidências acabou mostrando a importância de ser
feita uma boa avaliação e conceitualização do caso, para, então dar início à fase

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do tratamento. A conceitualização, como estamos vendo no decorrer deste


capítulo, auxilia o terapeuta a entender quais são as intervenções com maior
chance de sucesso para o alcance dos objetivos combinados.
Além dos elementos básicos, a conceitualização do caso na terapia de
casal envolve entrevistas conjuntas e individuais. Todas as informações
apresentadas nessas duas entrevistas devem ser consideradas para a
formulação.
Uma das vantagens em um processo com o casal presente nas sessões
está no fato de o profissional poder observar, à medida que acontece, a interação
entre os dois e sua comunicação verbal e não verbal. Essas informações
decorrentes da observação do terapeuta acabam sendo muito importantes
quando ele apresenta a conceitualização para os clientes, pois o profissional
consegue pontuar exatamente o que está acontecendo na dinâmica das
interações que pode estar interferindo na interpretação do que o outro fala ou faz.
Um casal, por exemplo, buscou a terapia com dificuldades para lidar com
diferenças de opinião sobre questões da rotina da casa, as quais acabam gerando
grandes conflitos. Geralmente situações mais rotineiras podem ter um significado
muito forte para um dos cônjuges. Vamos pensar que essa parceira está
descontente com o fato de todas as tarefas da casa serem realizadas por ela,
mesmo com os dois combinando que vão dividir.
Na visão dela, o parceiro é alguém que poderia colaborar com essas
demandas com mais dedicação, considerando que os dois têm, praticamente, a
mesma quantidade de tempo livre e dividem a casa. Na visão dele, a prioridade é
chegar após um dia de trabalho e poder aproveitar a companhia dela, deixando
as tarefas de casa como algo mais secundário ou que pode ser feito nos finais de
semana, quando sobra mais tempo.
O exemplo mostra o quanto podem estar distorcidas certas cognições
relacionadas às expectativas de cada um, regras formadas antes e durante o
relacionamento sobre como as coisas devem ser, atribuições e suposições sobre
atitudes ou comportamentos do outro. A busca, na maioria dos casos, acaba
sendo muito mais baseada em entender quais são as cognições disfuncionais de
cada um e conseguir chegar a um acordo sobre as dificuldades apresentadas, de
forma que seja o mais justo possível para ambos.

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CONCEITUALIZAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS


Sendo a conceitualização, uma ferramenta que faz a ligação entre os dados
e observações proporcionados pela avaliação com a intervenção, fica clara sua
relevância para o processo terapêutico em TCC.
Apesar de essa visão geral ser fundamental para a prática, existem poucas
pesquisas relacionadas à confiabilidade da conceitualização do caso,
principalmente por não ser definida de forma sistemática. Existem modelos
sugeridos por diversos autores, mas parece ainda não ter sido desenvolvido um
método único para sua realização. Isso acontece até pelo fato de que a natureza
da conceitualização é individual. Ou seja, ela só é elaborada e pode ser útil ao
tratamento se for a mais personalizada possível, sendo composta pelas
informações específicas do determinado cliente.
Segundo Dobson e Dobson (2010, p. 37)

Além disso, independentemente da extensão do uso da formulação do


caso nos estudos de resultado, a maior parte da prática clínica exige
uma formulação de caso individualizada, porque o cliente típico que se
apresenta para tratamento é mais complexo e tem mais problemas do
que o sujeito médio de um estudo de resultados. É por causa dessas
complexidades e questões que a maior parte dos clientes exige
avaliação cuidadosa, conceituação de caso e planejamento de
tratamento

Sabemos que o uso de protocolos já validados é importante para os casos


que se encaixam em possíveis diagnósticos. No caso de clientes com
funcionamentos mais complexos, muitas vezes com comorbidades, torna-se difícil
para o terapeuta manter-se preso a um protocolo que, muitas vezes, pode não ser
o mais efetivo para esse tipo de caso. Estes acabam exigindo uma visão mais
individualizada do profissional, o qual pode utilizar os mais diversos recursos,
amparado pelas hipóteses reunidas na conceitualização, para entender o
funcionamento do cliente e poder desenvolver intervenções com maior chance de
sucesso.
Assim, sugere-se para o terapeuta que se atenha a alguns fatores
essenciais, os quais podem auxiliá-lo a desenvolver a melhor conceitualização
para cada caso. Um desses fatores é buscar ferramentas para avaliação
confiáveis e válidas empiricamente. No caso do Brasil, o Conselho Federal de
Psicologia (CFP) desenvolveu um sistema de avaliação de testes psicológicos
(SATEPSI) que estabelece alguns requisitos mínimos para um instrumento poder
ser reconhecido como teste psicológico. A lista de instrumentos que podem ser

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usados pelo psicólogo na prática profissional, incluindo testes não privativos do


psicólogo, pode ser consultada pela internet.
Outro fator que pode ajudar o profissional a elaborar a melhor
conceitualização para o caso é procurar focar, o máximo possível, no uso de
dados descritivos e objetivos, limitando as inferências do terapeuta. Uma vez
colhidos os dados, o psicólogo vai ver como essas informações podem se
conectar com o que é apresentado na teoria. Assim, poderá desenvolver
hipóteses sobre o caso, as quais sempre devem ser testadas para ver se podem
ser confirmadas. Todo esse processo é muito diferente de o psicólogo entrar em
um “achismo” com base no que é apresentado e basear-se no princípio de que já
sabe como é o funcionamento do seu cliente.

CONCEITUALIZAÇÃO COMO FACILITADORA DA ALIANÇA TERAPÊUTICA


Como sabemos, a conceitualização possui um papel significativo, por ser
uma ferramenta de avaliação e, ao mesmo tempo, de intervenção. Ou seja, ela
vai estar envolvida no processo inteiro da terapia de um profissional que trabalhe
com a TCC.
Ao longo do capítulo, focamos no aspecto técnico da elaboração de uma
conceitualização, explorando todos os elementos relacionados e como reunir
esses dados para que o terapeuta possa ter a percepção do funcionamento do
cliente e poder escolher intervenções apropriadas.
Mas comentamos em alguns momentos que, apesar da necessidade do
preparo e segurança do terapeuta em dominar a teoria e como colocar tudo isso
em prática, um outro elemento essencial para tornar a conceitualização uma
ferramenta que facilite o processo é o desenvolvimento de uma boa aliança
terapêutica.
A TCC possui fama de ser uma abordagem bastante diretiva e, por conta
disso, mais objetiva e menos “pessoal”. Por conta de diversos protocolos
desenvolvidos e técnicas elaboradas para tratamento de diferentes dificuldades,
acaba sendo fácil acreditar que o domínio da teoria pode ser o mais eficaz para o
andamento do processo terapêutico e que esse conhecimento basta para o
profissional ser referência no que faz.
O terapeuta precisa, por motivos óbvios, dedicar-se a entender o
funcionamento teórico de seus clientes e estar sempre se aprimorando. Queremos
aproveitar este último tópico para enfatizar a importância do equilíbrio entre ter o

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conhecimento teórico e saber aplicá-lo para conseguir manter um relacionamento


empático, caloroso e humano com a pessoa sentada à sua frente.
As terapias da terceira onda em TCC enfatizam a importância do terapeuta
como alguém que consegue conciliar seu papel como profissional, mas também
ao mesmo tempo como alguém que pode atender às necessidades emocionais
daquele cliente, dentro dos limites da relação terapêutica. Ou seja, fica evidente
que o cliente se beneficia muito mais das intervenções quando o terapeuta
funciona como alguém que genuinamente se importa com ele e quer seu melhor,
deixando isso transparecer de diferentes formas, como apoiando o seu cliente
para experimentar comportamentos novos ou acolhendo-o quando está com
dificuldades.
Quando usado corretamente, o uso da empatia pode ser um elemento que
fortalece a aliança terapêutica e engaja o paciente no seu tratamento. A TCC,
sendo um processo com começo, meio e fim, precisa ensinar o cliente a lidar com
suas dificuldades por conta própria e entender o que pode fazer em situações
difíceis, as quais vão existir, considerando que a vida de qualquer pessoa é feita
de altos e baixos. Qualquer ensinamento, quando feito com compaixão e empatia,
muda de modo significativo a vida de qualquer um de nós.

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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder
Leggislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

CAMINHA, R. M.; CAMINHA, M. G. Baralho das emoções: acessando a criança


no trabalho clínico. 4. ed. Porto Alegre: Synopsys, 2014.

CAMINHA, M. G.; SOARES T.; CAMINHA, R. M. Conceitualização cognitiva na


infância. In: RANGÉ, B. Terapia cognitivo-comportamental: um diálogo com a
psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2011.

DOBSON, D.; DOBSON, K. S. Integração e formulação de casos. In: _____. A


terapia cognitivo-comportamental baseada em evidências. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 35-53.

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