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Auriculoterapia na Obesidade – Parte 1

Introdução

            Podemos dizer que a auriculoterapia constitui um ponto de partida para a

integração da medicina tradicional e a ocidental moderna. O microssistema da orelha nos

oferece a possibilidade de localizar e utilizar pontos sob o respaldo, tanto da teoria dos zang

fu e jing luo, como sob os princípios da fisiologia moderna (Garcia, 1999, p.62).

            É o microssistema mais elegido no tratamento da obesidade atualmente,

principalmente pela facilidade de aplicação e efeito sobre o tratamento da ansiedade que

consequentemente repercute no apetite compulsivo. Entretanto pouco se sabe da eficácia

do tratamento sobre a obesidade como um todo, como uma síndrome que é, e também há

grande divergência de seleção de pontos que também tem a ver com a divergência do

diagnóstico correto das causas da obesidade sob o ponto de vista da MTC. Torna-se

fundamental encontrar antes de tudo um consenso entre muitos autores sobre diagnósticos

e tratamentos para a partir daí tratar eficazmente e aperfeiçoar o tratamento da obesidade e

suas causas pela auriculoterapia.

1 – Etiologia da obesidade

            A medicina ocidental considera que a obesidade é uma síndrome e por isso tem um

conjunto de fatores, suas causas podem ser genética, neuroendócrinas, familiares,

comportamentais (dieta, sedentarismo), fisiológicas (puberdade, gestação, menopausa,

retardo do crescimento, “efeito sanfona”, etc.) e psicopatológicas (depressão, ansiedade,

transtornos alimentares e da auto-imagem, baixa auto-estima, etc.) (ABESO, 2007,

disponível na internet, vide bibliografia).

            A obesidade é vista na MTC além de ser decorrente da polifagia, é geralmente

causada por retenção umidade-fleuma retida entre pele e músculos, ligada a deficiência

do qi do baço-pâncreas e/ou doYang do rim (MACIOCIA, 2006, p. 259 e 595). Segundo

Xiaofeng (1997, p. 55-56), existem 7 diferenciações de síndromes principais, sendo do

tipo estômago exuberante, tipo obstrução interna de fleuma, tipo calor no Intestino e


constipação,

tipo Yang, tipo alcoólico, tipo deficiência de baço e tipo obesidade pós parto. Botsaris

(1998, p. 110), defende que a obesidade deve-se ao acúmulo de fleuma endógena, que pode
combinar com frio ou calor, obstruindo o fluxo de qi. Além do aspecto energético-

fisiológico, a MTC leva sempre em consideração as emoções, e como foi citado, é uma

parte relevante na síndrome da obesidade. Fialho (2010) considera que a obesidade (fei

pang pela MTC) é devida a duas causas distintas, fleuma eumidade acumulados


internamente

ou vacuidade do baço-pâncreas e sugere os seguintes pontos: BP9, BP6, E36, E40, VC10,

VC9 e; BP20, B23, VC6, E36, BP6 respectivamente.

2- Conceito de obesidade Yin e Yang na MTC

            No aspecto psicofísico, Curvo (1998, p. 52), a obesidade pode se dividir em Yin e

Yang. Uma pessoa gorda de natureza predominantemente Yin, engorda pela lentidão e

resfriamento de seus processos metabólicos podendo ou não ter uma insuficiência

hormonal. Estes indivíduos possuem digestão lenta por diminuição da função de transporte

e transformação dos alimentos. Há uma tendência à formação de varizes, pela diminuição

de energia Yang em seus músculos, inclusive dos que compõem as paredes dos vasos.

Podem comer freqüentemente devido à depressão ou ao tédio, estão mais propensos a

ganhar peso, pois a deficiência de Yang resulta na debilidade das funções de transformação

e transporte do baço, assim como no acúmulo de fleuma. Outro fato importante é que

estes indivíduos preferem menores quantidades de bebidas, porém mais quentes, pois a

deficiência de Yang está associada ao frio e a umidade. A gordura é de distribuição

ginecóide, ou seja, mais concentrada nas coxas, culotes e glúteos. Língua: aumentada,

apresentando marcas de dentes nas bordas, com saburra fina, branca e úmida. Pulso: lento,

escorregadio, é sentido mais na profundidade do que na superfície.

            Uma pessoa gorda de natureza predominantemente Yang, engorda pelo excesso de

absorção de todas as formas de energia que a ela chegam, aliado a um aquecimento de

todos os processos metabólicos, construtores de tecidos. As pessoas deste grupo estão

propensas a hiperatividade física, mental, sexual, à irritabilidade pré-menstrual e a ter calor

na menopausa. O excesso se faz também no hábito de superalimentação. Os músculos são

grandes e fortes, os depósitos de gordura são importantes e o tecido ósseo mostra um

esqueleto de conformação larga e bem desenvolvida. O tipo Yang tende ficar com fome

mais freqüentemente e se não for saciada, poderá ter sensações de irritabilidade, agitação
motora ou dores de cabeça. Com relação aos líquidos, estes indivíduos tendem a beber

maiores quantidades de bebidas mais frias, pois a deficiência de Yin está associada com o

calor e a secura. A distribuição da gordura se faz do tipo andróide. Com suas características

de excesso de calor e energia, apresenta respiração forte, voz alta, humor e emoções

exaltadas, sudorese abundante, pele quente, face corada, pressão arterial tendendo a alta.

Língua: bordas e ponta avermelhadas, freqüentemente recoberta por uma saburra

amarelada. Pulso: superficial, amplo e rápido. Em resumo as condições mais associadas na

tabela 1:

Tabela 1 – Diferenças fundamentais entre obesidade Yin e Yang

OBESIDADE TIPO YIN OBESIDADE TIPO YANG

Metabolismo lento Metabolismo frequentemente alto

Obesidade ginóide Obesidade andróide

Pés e mãos frias, também abaixo do umbigo Sensação de calor, transpira bastante,

sobretudo na cabeça e nas costas

Rosto pálido ou amarelado Face avermelhada, tendência a acumular

sangue no pescoço e rosto

Preguiça, cansaço Ativo, dinâmico

Pode apresentar pouco apetite ou normal Polifágico

Despertam com vontade de comer doce ou

café com leite

Predileção por bebidas alcoólicas, churrasco,


embutidos, temperos forte

Celulite, varizes, edema de membros

inferiores e palpebral, cabelos e unhas frágeis,

tumores frios, colite irritativa, constipação

intestinal por diminuição do peristaltismo ou

diarréia

Cistites, faringite, sinusite, amidalite,

hipertensão arterial, morte súbita, constipação

intestinal por ressecamento.

Percentual de gordura alto e musculatura

pequena

Músculos normais ou fortes

Tristes, magoados, depressivos. Baixa libido Expansíveis, sociáveis, as vezes irritados.

Sexualmente ativos

 3- Princípios da auriculoterapia

            A técnica remonta de milênios e não somente da China antiga, há relatos de

tratamento através de estimulação do pavilhão auditivo pelos antigos egípcios e gregos

também (SOUZA, 2001, p. 27). Curiosamente, apesar de esta ciência ter sido mais estudada

na China antiga, foi o neurologista francês Paul Nogier na década de 50 que retomou o

interesse pela auriculoterapia no mundo com o desenvolvimento de novos pontos

terapêutico e formulando a teoria de que havia uma relação entre os pontos da orelha e a

posição de um feto invertido e seus órgãos e regiões anatômicas correspondentes

(GARCIA, 1999, p. 15). A partir daí diversos trabalhos, principalmente na China expandiu
em muito o uso deste microssistema como meio de diagnóstico e tratamento validado em

torno de 150 patologias (GARCIA, 1999, p. 25). Em 1991 a professora Huang Li Chun

editou em Pequim um dos tratados mais importantes de auriculoterapia publicados na

China intitulado Tratado sobre o Diagnóstico e Tratamento Através dos Pontos

Auriculares apresentando um dos mapas auriculares mais reconhecidos (Fig. 1).  

3.1 Diagnóstico pelo pavilhão auricular

            Além do diagnóstico pela anamnese clínica, pelo pulso e pela língua, é possível

realizar através da observação de modificações do aspecto geral da orelha revelando

desequilíbrios e processos patológicos já instalados:

            a) Modificações de pigmentação:

            – palidez: Indica deficiência orgânica, diminuição de atividade ou paralisação das

funções orgânicas, ou processo degenerativos. O procedimento nesses casos é a tonificação

dos pontos auriculares.  

            – eritema: indica hiperatividade funcional, processo de desequilíbrio por

hiperfunção. Deve-se aplicar estímulo de sedação.

            – manchas senis ou condensação de melanina: indica a incidência de problemas

crônicos. A prescrição é a tonificação da área reflexional atingida.

            b) Modificações morfológicas:

            – ressecamento da pele: indica enfermidade de natureza crônica, exigindo estímulo

de tonificação

            – exsudação sebácea: indica enfermidade de natureza sub-aguda, usa-se estímulo de

sedação.

            – sudorese: indica tendências a doenças degenerativas. Tonifica-se estes pontos.

            – quistos e tubérculos: são sinais de patologia aguda que está ocorrendo ou irá

ocorrer em órgãos a que esses pontos se referem. No caso da existência da enfermidade

deve-se fazer sedação nesses pontos, Não havendo sintomas, tonifica-se os pontos.

            – pêlos e escamações: indica o primeiro caso, degeneração senil e o segundo,

enfermidade crônica. Tonifica-se nos dois casos.

            c) Modificações de sensibilidade:

            – hiperestesia, indicativa de enfermidades agudas ou subagudas. Recomenda-se


sedar.

            – hipoestesia: indica enfermidade crônica, a conduta recomendada é a tonificação.

3.2 Material empregado

            O material mais empregado no Brasil são as esferas de metal ou cristal e as

sementes de mostarda ou de colza pela facilidade e rapidez de aplicação, baixo custo e

permanência no acuponto de longa duração atuando terapeuticamente. A direção que as

sementes devem ficar está demonstrada na figura 1 e é baseada no sentido que os principais

nervos se encontram para melhor estímulo terapêutico. As agulhas filiformes é o método

mais antigo e tem a vantagem de atuar de forma mais contundente na patologia e poder

estimular o órgão ou região anatômica alvo de modo a tonificar ou sedar, respectivamente

aplicação leve para enfermidades com deficiências ou enfermidades do tipo crônico e tem

um efeito considerado tonificante e, aplicação forte para patologias do tipo agudo ou em

síndromes por excesso, estagnação e enfermidades dolorosas, esta aplicação é considerada

de efeito dispersante (GARCIA, 1999, p. 225). Há também as agulhas intradérmicas do tipo

akabane de uso contínuo que são fixadas com esparadrapo permanecendo vários dias.

            Outros métodos de estimulação dos acupontos auriculares são: mesopuntura

(injeção de medicamentos nos acupontos), emplastros de medicamentos, parches

medicamentosos, moxabustão, sangria, injeção de radioisótopos, imãs, massagens geral ou

específica e laser. Citar cada método detalhadamente e seus objetivos principais ficaria

muito extenso e fugiria do propósito original do artigo, mas a laserpuntura merece um

destaque porque se comprovou um método forte para estimular o metabolismo, para

alcançar a desobstrução e a drenagem adequada dos canais e vasos e para regular a

circulação de sangue e da energia. Também trata processos inflamatórios, promove a

atividade das glândulas supra-renais e o metabolismo protéico (GARCIA, 1999, P. 255) de

modo que pode ser útil ao tratamento da obesidade e suas manifestações.

Fig 1- Mapa da escola chinesa Huang Li Chun. disponível em:

http://auriculoterapiacomsementes.blogspot.com/

4- Auriculoterapia no tratamento da obesidade

          Muitos autores citam pontos gerais recomendados para a obesidade e não há muito
consenso como se pode visualizar na tabela 2. Asamoto e Takeshige (1992) estudaram o

efeito da acupuntura sobre o apetite. Observaram que a implantação de agulhas nos

acupontos auriculares correspondentes ao piloro, pulmão, traquéia, estômago, esôfago,

sistema endócrino e coração reduziu o ganho de peso em ratos obesos. Segundo estes

autores, isso poderia ocorrer pelo efeito da acupuntura exercido sobre o núcleo ventro-

medial, pois a estimulação de regiões específicas do pavilhão auricular de ratos (aurículo-

acupuntura) é capaz de evocar potenciais no núcleo hipotalâmico ventro-medial, o centro

da saciedade. Farber et al. (1996) avaliaram a utilização da acupuntura auricular como

tratamento da obesidade em pacientes humanos. O estímulo dos acupontos

auriculares Shen Men, estômago, cárdia, subcórtex (interno) levou à diminuição significativa

do peso nas pessoas tratadas, com grandes variações individuais. Estes autores concluem

que a acupuntura é moderadamente eficaz como auxiliar no tratamento da obesidade.

Gonzaléz e López (2009) Em um estudo longitudinal, prospectivo e descritivo foram

estudados 158 pacientes para demonstrar o efeito da auriculoterapia para reduzir as taxas

de obesidade. Os pacientes foram classificados de acordo com índice de massa corporal

circunferência da cintura e o tempo de evolução como obeso. A primeira consulta coleta

informações médicas e aplicou-se tratamento semanal de acompanhamento. 13,93% dos

pacientes retornaram ao índice de massa corporal (IMC) de 25 kgm  2 . O circunferência

abdominal sofreu uma redução superior a 80 centímetros em um 12.16% dos pacientes e

outros tiveram uma diminução significativa com relação aos números listados no início do

tratamento. Os resultados positivos foram de ordem de 93.04%.

Nenhum desses estudos ou bibliografias citados na tabela 2 fazem uma diferenciação dos

tipos de obesidade segundo a MTC, provavelmente a falta de consenso sobre a

classificação de obesidade advem dela ser um problema de saúde mundial relativamente

moderno. Porém há autores que acham esta diferenciação importante a ponto de variar

bastante a terapeutica para cada caso, nesse caso podemos citar Zamboti (2010) que

recomenda como pontos obrigatórios para o tratamento da obesidade: shen men, rim,

simpático, fome, vício, estômago. De modo específico ele recomenda:

Como problema hormonal: endócrino, supra-renal, hipófise, tálamo.

Como problema fisiológico: boca, estômago, intestino grosso, fígado, fome, Baço.


Como problema emocional: olho, lóbulo anterior, coração, área de neurastenia,

ansiedade, vício.

Do mesmo autor pontos complementares:

Ansiedade / irritabilidade: ansiedade 1 e 2, tensão, coração fígado yang 1 e 2.

Constipação intestinal: (2X ao dia) acrescentar intestino grosso; (3X na semana) acrescentar

intestino grosso, vesícula biliar e ânus.

Retenção de líquidos: acrescentar adrenal, metabolismo.

Desequilíbrio hormonal: acrescentar ovários, endócrino, tireóide, hipófise.

Compulsão por doces: acrescentar pâncreas, boca.

Tabela 2 – Pontos auriculares eleitos (x) e complementares (c) para obesidade segundo

autores de livros e artigos científicos:

  Shen

men

Rim Fome Simpát. Occipital Boca ID Duodeno

Souza      

   x     x      x      x     x   

     x

Garcia         c         c    

Asamoto      

       
Faber      

       

González      

      x          x   

  Tálamo Excitação Abdômen Endócrino Baço Tireóide Calor Estômago

Souza                      c    

Garcia      x      x      x       x     c      c     c       c

Asamoto             x             x

Faber                     x

González                     x

  Apetite Fígado Subcort.

I.
Cárdia Piloro Pulmão Traquéia Coração  

IG

Souza     c                

Garcia        c              

Asamoto          x    x     x     x      x      x  

Faber          x    x          

González                   

  Ansiedade P. zero  

Souza      

Garcia      

Asamoto      

Faber      

González       x      x  

             

            Segundo Ernest (1997), a acupuntura e a auriculoterapia são freqüentemente

defendidos e usados como meio de controlar o apetite e reduzir o peso corpóreo mas essa

utilização é baseada em estudos não controlados. O mesmo autor afirma também que os
poucos ensaios clínicos controlados com placebo apresentam falhas metodológicas e seus

resultados são contraditórios e que dois ensaios clínicos mais rigorosos demonstram

ausência de efeito sobre o peso corpóreo. As principais falhas observadas foram:

- Número de estudos conduzidos: insuficiente.

- Qualidade dos estudos conduzidos: pobre, mal conduzidos, não controlados, resultados

contraditórios.

Grau de validação independente: não realizada.-

- Potencial de uso no tratamento da obesidade: muito baixo.

- Potencial de risco de iatrogenia: desconhecido.

Conclusão

            Apesar do reconhecimento da eficácia da auriculoterapia pela OMS (Organização

Mundial de Saúde), no que se refere ao tratamento da obesidade há mais incertezas do que

certezas na definição correta desta patologia pela a MTC segundo seus tipos (quando isso é

considerado) e consequentemente a prescrição terapêutica correta da auriculoterapia. Pelos

estudos e resultados que foram observados, podemos recomendar que o tratamento neste

caso seja analisado caso a caso, observando sempre sintomas e características de cada

paciente obeso e que a seleção de pontos seja baseada nestes fatos. Como os resultados

apresentados são muito variáveis e até discutíveis, levamos a crer também que o tratamento

pela auriculoterapia no caso da obesidade seja de forma complementar e não isolado para

aumentar a sua eficácia. Neste caso deve-se somar ao tratamento a acupuntura sistêmica, a

dietoterapia, a prática de exercícios regulares e outras recomendações consagradas no

tratamento da obesidade.

            Na busca de algum consenso de seleção de pontos auriculares os mais citados dos

autores pesquisados foram:

- shen men: 5 vezes

- estômago: 5 vezes

- ponto fome: 4 vezes

- boca: 4 vezes

- endócrino: 3 vezes
- tireóide: 3 vezes

            Não se esquecendo dos pontos muito específicos como no caso do apetite

compulsivo ligado à ansiedade, por exemplo, onde a eficácia do ponto ansiedade pode ser

de grande valia.

Bibliografia

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