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10.37885/210805742
RESUMO
O presente capítulo reúne dados de uma revisão crítica acrescidos de uma experiência
de pesquisa participante, qualitativa, de caráter exploratório para verificar a adequação
da proposta de realização de oficinas de gênero textual para a melhoria do ensino da
língua portuguesa para estudantes dos anos finais do ensino fundamental em situação de
ensino remoto. Tal considera as contribuições e possibilidades de apropriação da teoria
dos gêneros textuais para a formação docente. Para tanto realizou-se uma abordagem
de cunho qualitativo, na reflexão sobre o conceito de gênero textual desenvolvida no
campo dos estudos do texto e do discurso. Essa foi compartilhada com acadêmicos do
sétimo período do curso de Letras – Português que a desenvolveram em forma de ofi-
cinas para a aplicação em seu Estágio Curricular Supervisionado a escolares do ensino
médio. Os resultados consideram a reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa na
área da Linguística Aplicada, a partir do referencial do Interacionismo Sociodiscursivo.
Reconheceu-se que, uma prática docente sustentada apenas a partir da teoria demonstra
é insuficiente para o adequado processo de letramento. E ainda que a importância da
prática docente atenta às normas do sistema da língua, mas também se faz necessário
o compromisso do professor com a reflexão consistente e consciente sobre a linguagem
real na sua perspectiva social, dialógica. Nessa perspectiva, chamamos atenção para
o fato de que o conhecimento da teoria é pressuposto para a prática docente de modo
que as metodologias de ensino se tornem práticas eficazes, no contexto sala de aula, se
utilizadas com propriedade teórica. Sendo assim, toda prática docente eficiente é produto
de uma base teórica consistente.
P a l a v r a s - c h a v e : G ê n e r o Te x t u a l , E n s i n o d e L í n g u a , F o r m a ç ã o D o c e n t e ,
Estágio Supervisionado.
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Estágio Curricular na Educação: experiências em tempos de educação híbrida
INTRODUÇÃO
1 O presente texto utilizará sempre a expressão gênero textual, apesar de reconhecer que na literatura esse também é encontrado
como gênero discursivo. Tal assunção das expressões como sinônimos se dá em função do reconhecimento geral, verificado na
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literatura de que a separação do textual e do discursivo é essencialmente metodológica (FARIAS, 2013).
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Nessa linha de reflexão, reconhece-se que o sujeito de que se fala na produção da
linguagem (letrado) é aquele que ocupa um lugar no discurso e que se determina na relação
com o outro. Assim reconhece-se que é pela linguagem que o indivíduo se constitui como
sujeito, historicamente inserido no contexto social, cultural e concreto. Esse sujeito não é
neutro em relação às situações linguajeiras, nem ativo, ele é um ser interativo, em sociedade,
em grupos sociais (SANTOS, 2010b).
A partir das concepções de língua apresentadas acima, gêneros textuais podem ser
definidos como textos que usamos em nosso cotidiano com padrões sócio-comunicativos
definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente reali-
zados através da relação de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.
Nesse ínterim, pode-se afirmar que a comunicação humana funciona através do gê-
nero textual e, por isso, é importante reconhecer os aspectos enunciativos e discursivos
que circundam o ensino de língua com os gêneros textuais. É importante também assinalar
seu aspecto funcional e interativo que, como “tipos relativamente estáveis de enunciados”,
organizam atividades e pessoas nas situações de interação comunicativa na perspectiva
sócio-histórica (SANTOS, 2010b).
Ainda, sobre a conceituação de gêneros, vale retomar a distinção entre tipo e gênero
textual. Deve-se usar a expressão “tipo textual para designar uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição, que, em geral, abrange
cerca de meia dúzia de categorias conhecidas” (a saber: narração; argumentação; exposi-
ção; descrição; e, injunção) (SANTOS, 2010b, p. 24). Na composição tipo textual predomina
a identificação de sequências linguísticas típicas como norteadoras. Por outro lado, usa-se
a expressão gênero textual “para refletir os textos materializados que são encontrados na
comunicação da vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas defini-
das por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica” (SANTOS,
2010b, p. 25). Nesse sentido, o gênero textual, apesar de ser entendido como uma noção
vaga, sobrepõe-se aos tipos de textos devido à sua diversidade (MARCUSCHI, 2010).
Ao sistematizar estes termos (gênero textual e tipologia textual), tem-se as se-
guintes definições:
a) Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral uma se-
quência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua com-
posição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}.
O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências
retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em
geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas
como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de
categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar.
Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é
um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo.
Gêneros textuais definem-se principalmente por sua função social, o que o associa a
capacidade de letramento do indivíduo. São textos que se realizam por uma (ou mais de
uma) razão determinada em uma situação comunicativa (um contexto) para promover uma
interação específica. Tratam-se de unidades definidas por seus conteúdos; suas proprieda-
des funcionais; estilo; e, composição, organizados em razão do objetivo que cumprem na
situação comunicativa (LIMA; VERSUTI; SILVA, 2016).
A cada vez que o indivíduo produz um texto, aquele seleciona um gênero em função
daquilo que deseja comunicar; em função do efeito que deseja produzir em meu interlocutor;
e, em função da ação que deseja produzir no meio em que se insere (cultura, grupo social,
etc.). Para isso ele se vale das trocas mais comuns do cotidiano, nos bilhetes registrados em
post-its; em mensagens eletrônicas; notas registradas em smartphones (orais ou escritas);
entrevistas (orais e escritas); bulas de remédio; orações; cordéis; dissertações; romances;
piadas, etc. Uma das principais características dos gêneros é o fato de serem enunciados
que apresentam relativa estabilidade que é a característica que permite que os mesmos
sejam compreendidos (FALEIROS, 2013).
A ideia de letramento reconhece que “ao lado de uma noção de língua, é ne-
cessário ter umanoção de texto e de funcionamento do texto” (MARCUSCHI, 2008,
p.241). Em outras palavras:
o texto não é um puro produto nem um simples artefato pronto; ele é um pro-
cesso e pode ser visto como um processo comunicativo sempre emergente.
Assim, não sendo um produto acabado e nem um depósito de informações,
mas um evento ou um ato comunicativo, o texto acha-se em permanente
elaboração ao longo de sua história e das diversas recepções pelos diversos
leitores. (MARCUSCHI, 2008, p. 242).
MÉTODO
2 Ensino remoto é todo tipo de ensino cujo conteúdo formal foi adaptado a partir do cronograma do ensino tradicional e foi produzido
para ser disponibilizado por meio de recursos das TICs, em especial, a internet. Via de regra essa modalidade de ensino se dá de
modo síncrono entre docente e estudantes, em plataformas de streaming (BEZERRA et al., 2020; GARCIA et al., 2020).
3 O ensino híbrido, ou blended learning, é uma modalidade de ensino que combina a estrutura do ensino presencial com propostas
de educação remota ou de educação a distância – EAD e o uso das TICs aplicadas à educação. Nessa modalidade as aulas podem
se dar de modo síncrono (que acontece simultaneamente) ou assíncrono (que se desconectam temporalmente, e em geral, são
passiveis de replicação por diversas vezes e em diversos momentos) entre docente e estudantes, sendo mais comum a segunda
proposta. Na estrutura assíncrona o docente prepara com antecedência o material (aulas gravadas, podcasts (gravações de áudio),
exercícios, materiais para leitura e fóruns/e ou canais para tirar as dúvidas, etc.) que é disponibilizado por algum Ambiente Virtual de
Aprendizagem – AVA (criados em plataformas de ensino, como, por exemplo, SIGAA e MOODLE, aplicativos como Microsoft Teams,
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Hangouts, Meet, Zoom ou redes sociais) para acesso dos alunos (HODGES et al., 2020).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Entende-se que a noção sobre os gêneros textuais depende do ponto de vista que
o emissor constrói sobre a linguagem. Tal se traduz a partir de diferentes percepções tais
como: o funcional; o enunciativo; o textual; e, o comunicacional (BRAIT, 2007).
O ensino dos gêneros textuais tem consequências positivas para o processo de letra-
mento nas aulas de Português. Isso se dá porque os gêneros textuais consideram os usos
e funções de uma situação comunicativa, o que por sua vez, amplia as possibilidades de
letramento. Nesse contexto as aulas deixam de ter um caráter dogmático e/ou fossilizado,
típico do processo de alfabetização por repetição, e considera a fluidez da língua materna
que passa a ser estudada de formas diferentes e específicas para cada situação comuni-
cacional. Assim o aluno passa a construir seu conhecimento na interação com o objeto de
estudo, mediado por parceiros mais experientes (BEZERRA, 2010).
Conforme proposto na metodologia, supracitada a proposta do trabalho com os gêneros
considerou, entre outros aspectos, a promoção de situações concretas de uso do gênero
no contexto escolar. Tais foram desenvolvidas por estudantes da graduação de Letras –
Português, a partir de interações concretas de uso da língua(gem) com os educandos do
ensino fundamental.
Os estagiários de graduação, ao aplicarem as oficinas de letramento, reconhecem e
defendem que o trabalho com o gênero levou os alunos ao domínio do conceito de gênero
textual. Dessa forma, os participantes da oficina aprenderam a respeitar o funcionamento real
do uso do gênero textual, a partir da perspectiva do letramento, ao compreender sua função
e uso na linguagem corrente e em suas produções práticas. Os estagiários indicaram que os
participantes se tornaram capazes de reconhecer e utilizar o gênero textual de forma ade-
quada, para além da perspectiva “mecânica” (“tecnizada” ou conteudista) do aprendizado das
regras do gênero textual que é típica de um processo de alfabetização descontextualizado.
Essa percepção derivou da adequação realizada pelos participantes das oficinas no
uso adequado do gênero textual em situações comunicativas cotidianas. Acresce-se que,
a partir da percepção dos estagiários, os estudantes participantes das oficinas relatam que
passaram a fazer o uso mais adequado do gênero textual tanto na escola como em contextos
comunicacionais reais realizados fora dessa.
Tal percepção corrobora a de Machado (2009, p. 47), que já apresentava que na
perspectiva do interacionismo sociodiscursivo “a principal ideia defendida é a de que o
desenvolvimento dos indivíduos ocorre em atividades sociais, em um meio constituído e
organizado por diferentes contextos pré-construídos e através de processos de mediação,
sobretudo linguajeiros”.
Corrobora também a proposta de Schneuwly e Dolz (2004, p. 71), quando apresen-
taram que “o gênero é que é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais
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e os objetos escolares, mais particularmente no domínio do ensino da produção de textos
orais e escritos”.
Então,
Nesse contexto, cabe reiterar o papel das IES têm ao formar profissionais competen-
tes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, em situações linguajeiras orais
e escritas, verbais e não verbais. Portanto, vale ressaltar a importância de o professor (ou
futuro professor, no caso dos estagiários que operacionalizaram as oficinas) criar situações
reais que envolvam o trabalho com os gêneros na sala de aula. Espera-se que essas opor-
tunizem atos comunicativos de (re)criação dos gêneros, que promovam a interação através
de textos reais.
É imperativo registrar que o professor tem liberdade e autonomia para escolher e reor-
ganizar as atividades; os gêneros a serem trabalhados no contexto da sala de aula, com
a finalidade de motivar a turma; de oferecer gêneros que interessem, de fato, ao público
discente. Assim, a orientação das diretrizes curriculares torna-se real uma vez que o aluno
se sentirá parte ativa do processo de ensino-aprendizagem, pois o ato de aprender a ler e
escrever no contexto escolar deve ser fruto de escolhas sociais e éticas daqueles que bus-
cam tal conhecimento (BAZERMAN, 2011).
Observou-se, então, que
Logo, os estagiários reconheceram que uma prática docente realizada com estes crité-
rios (de possibilitar aos alunos serem coautores de sua prática educativa ao selecionarem os
gêneros textuais que mais os interessam para o trabalho em sala, e assim em comunalidade
com sua realidade social) como prioridades demonstra uma tendência voltada para a língua
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vista como sistema de regras, e para os gêneros, vistos longe dos seus contextos reais de
uso, fora das possibilidades interativas, de comunicação em situação de uso.
Ressalta-se a importância do trabalho das oficinas de gêneros textuais realizadas com
o sistema da língua conduzidas pelos estagiários. Porém, paralelamente, faz-se necessário
atentar para o compromisso do professor e da escola com a promoção do conhecimento, da
linguagem real, dialógica. Sendo assim, na escola, precisam ser considerados os saberes
que suscitam o trabalho com os gêneros de maneira ativa e responsiva. Assim, além das
atividades orientadas das oficinas de gêneros textuais, que reconheceram o direcionamento
e escolha de gêneros motivados pelos alunos participantes, é compromisso do estagiário
docente, também, complementar a discussão com a realização de atividades de outros
gêneros, complementares, que mesmo utilizados com menor frequência por aquele grupo
social, também fazem parte da norma culta, e assim são passíveis de uso a partir de de-
mandas específicas.
Para Bazerman (2011), os gêneros que atuam na sala de aula são mais que uma re-
petição ritual de proposições padronizadas (e/ou estabelecidas por uma diretriz curricular).
Assim, cabe ao estagiário e futuro professor ativar o dinamismo da sala de aula de forma
a manter vivos, nas ações significativas de comunicação escolar, os gêneros que solicitam
que seus alunos produzam. Isso pode ser feito, tomando-se como base a experiência prévia
dos alunos com o uso de diversos textos/gêneros, em situações sociais que eles consideram
reais; explorando o desejo dos alunos de se envolverem em situações discursivas novas e
particulares; ou ainda, complementando tal ensino com a apresentação gêneros mais for-
mais, propostos nas diretrizes de ensino, de modo a tornar o interesse dos alunos o terreno
discursivo que o docente convida a explorar.
Nesse sentido, o estudo dos gêneros textuais deve ter como proposta não apenas
um modelo de transposição didática, mas propostas didáticas para o ensino de língua que
atenda às necessidades do aluno (em uma perspectiva de letramento, que considera o
contexto sócio histórico cultural do aluno). Nesse sentido, tal estudo deve considerar o uso
que o aprendente faz da linguagem nos diferentes contextos de interação em que participa,
assim como antever contextos que possa a vir participar. Desse modo, será considerado
um ensino de língua articulado às práticas significativas de usos num contexto de interação
social, sendo, para isso, fundamental a transposição da teoria para a prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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