Você está na página 1de 7

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000154229

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9261435-


57.2008.8.26.0000, da Comarca de Pirassununga, em que é apelante VERA LÚCIA MARIA
DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA) sendo apelados DI CARMO CABELEIREIRO LTDA e
BANCO DO BRASIL S/A.

ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIS CARLOS DE


BARROS (Presidente) e REBELLO PINHO.

São Paulo, 26 de março de 2012.

Maria Lúcia Pizzotti


RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO 2
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

APELANTE: VERA LÚCIA MARIA DA SILVA


APELADO: DI CARMO CABELEIREIRO LTDA. e BANCO DO BRASIL S.A.
COMARCA: PIRASSUNUNGA
JUIZ SENTENCIANTE: Dra. FLAVIA PIRES DE OLIVEIRA

EMENTA
APELAÇÃO PROTESTO DUPLICATA ANTECIPAÇÃO
DE DÍVIDA DANO MORAL ENDOSSO MANDATO.
- Banco que não pode suscitar cláusula contratual de desconto de
títulos, pois aufere lucros com a atividade e deve, portanto,
diligenciar sobre a natureza do débito, em especial para títulos
causais como a duplicata, legitimidade constatada;
- Prova de compra em três parcelas que não foi desconstituída
pela prova oral colhida (art. 333, II, do Código de Processo
Civil), duplicata inexigível;
- Cobrança indevida que, por si só, enseja a reparação por danos
morais, independente de outras restrições, valor abaixo do
patamar médio, porém, R$6.000,00 (seis mil reais).
RECURSO PROVIDO, para julgar procedentes os pedidos
iniciais, inexigibilidade do título e danos morais.

Vistos.

Trata-se de ação de nulidade de título com pedido de indenização por danos morais,
julgada extinta, com fulcro no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, reconhecendo a
ilegitimidade do Banco do Brasil S.A., diante do contrato endosso-mandato e improcedente com
relação à Di Carmo Cabeleireiro Ltda. Diante da sucumbência, a requerente foi condenada ao
pagamento das custas, despesas processuais e honorários.

Insurge-se a autora contra a decisão da R. Primeira Instância. Aduziu, em suma, que a


corré Di Carmo tinha ciência das condições de venda para a autora, mesmo com anotações no rol de
inadimplentes. Disse que a testemunha não foi o intermediário na venda, mas, sim, outra vendedora,
impugnando seu testemunho. Reiterou a responsabilidade do Banco do Brasil S.A. e pugnou pela
reforma da sentença.

Regularmente processado e recebido, o recurso foi respondido (fls. 174/176 e


178/183) e remetido a esta E. Instância.

É o relatório.

De plano, entendo por bem afastar a tese de ilegitimidade do Banco para figurar no
APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
PODER JUDICIÁRIO 3
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

pólo passivo da demanda.

Muito embora tenha alicerçado o Banco sua tese de ilegitimidade pelo fato de ter
recebido títulos para cobrança apenas na qualidade de mandatário, referida tese não encontra
respaldo. Isto porque, muito embora efetivamente a instituição financeira seja contratada apenas para
realizar a cobrança, deve ela observar um dever de diligência mínimo, consistente em verificar, antes
de enviar o nome do suposto devedor ao protesto, se o título que se pretende cobrar possui lastro e foi
regularmente emitido.

No caso ora em análise, a tese é de antecipação do débito representado pelo título de


crédito, de sorte que o banco deveria ter diligenciado no documento subjacente ao título não apenas a
existência do débito, mas, também, sua natureza. O documento de fls. 13 da corré Di Carmo prevê
expressamente a forma de pagamento parcelada em três vezes, desconsiderada pelo banco, que se
limitou a protestar o título, sem sequer se ater ao negócio jurídico subjacente.

Aqui, vale lembrar que a duplicata é título causal, formal e circulável, isto é, impõe-se
ao emitente do título comprovar a existência da efetiva operação comercial e suas peculiaridades.

No caso em tela, o banco deve ser considerado legítimo, pois, tem dever de diligência
e arca com os riscos do negócio caso a emissão seja indevida neste sentido, cito precedente
jurisprudencial desta Colenda Câmara:

“RESPONSABILIDADE CIVIL Indenização Protesto de duplicatas Títulos sacados


contra terceiro, mas apontados por meio do CNPJ da autora Inadmissibilidade -
Negligência da sacadora ao emitir título sem se certificar da correção das informações
lançadas na cártula - Responsabilidade solidária da sacadora e do banco-endossatário
pela indenização Endosso-mandato - Aplicação da teoria do risco profissional. DANO
MORAL Valor indenizatório - Fixação em R$ 34.360,00 Redução Admissibilidade Valor
que não deve ser fonte de enriquecimento - Fixação em R$ 12.000,00 Admissibilidade.
Recurso parcialmente provido. Configurada, portanto, a legitimidade do Banco para
figurar no pólo passivo.” (Ap. n. 9234779-63.2008.8.26.0000 Des. Alvaro Torres
Junior j. 30 de janeiro de 2012).

O banco firmou contrato de desconto de títulos e, consequentemente, aufere lucro


deste, não podendo se eximir integralmente da responsabilidade de diligenciar pela existência do
débito ou mesmo suas condições de validade.

Configurada, portanto, a legitimidade do banco para figurar no pólo passivo.

No mérito, assiste razão à apelante.

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
PODER JUDICIÁRIO 4
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

O documento de fls. 13 com os dados da compra é expresso em demonstrar a forma


de pagamento, contrária a duplicata única emitida e protestada, mediante suposto pedido da apelante.

A testemunha ouvida em juízo não permite a presunção de veracidade do pedido de


antecipação do vencimento dos débitos entre as partes, diante da prova documental
supramencionada.

Verdadeiramente, o representante comercial que depôs perante a MM. Magistrada não


foi o responsável pela venda (conforme assinatura de fls. 13), incabível supor, portanto, que tenha
efetivado tal antecipação da duplicata com a anuência da autora, sem qualquer prova documental
neste sentido.

Com efeito, o protesto de duplicata em valor e data diversos do estipulado permite a


conclusão do dano moral suportado pela ré, a despeito de negativação anterior ou mesmo do débito
em aberto.

O desrespeito à avença entre as partes gerou restrição creditícia ou a agravou, pelo


que surge o dever de indenizar, nos termos do artigo 927 do Código Civil.

Passo, portanto, à análise do pleito indenizatório na seara moral.

De plano, deve ser destacado que foi ultrapassado o tempo em que dano moral
equivalia à dor, sofrimento e angústia da vítima em razão da ofensa. Os mais renomados estudiosos
da responsabilidade civil modernamente conceituam o dano moral de maneira bastante clara e
objetiva: trata-se de ofensa aos direitos da personalidade e, em sentido mais amplo, à própria
dignidade da pessoa humana. A conseqüência, os efeitos de mencionada ofensa podem, estes sim,
ser constituídos pela dor, sofrimento ou vexame causado.

Fenômeno interno, portanto, o dano moral, em si mesmo, não precisa nem pode ser
provado. O que deve ser provado são fatos, condutas ou omissões que ocasionem a mencionada
ofensa aos direitos da personalidade e, por conseqüência, sofrimento e dor ao prejudicado. A
avaliação sobre quais fatos que causam dano moral deve ser feita pelo juiz, segundo a jurisprudência
e as regras da experiência. Sobre a necessidade de comprovação da ocorrência do dano moral,
leciona o precursor da tese do dano moral no Brasil, CARLOS ALBERTO BITTAR, em sua obra
“Reparação Civil por Danos Morais”, Revista dos Tribunais, 1.993, pág. 204, que:

“... não precisa a mãe provar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra
demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não
inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante...”

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
PODER JUDICIÁRIO 5
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

No mesmo sentido: “O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não


há como ser provado. Ele existe tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante para
justificar a indenização.” ( RT 681/163 ).

Extrai-se, desde já, o conceito de dano moral e a desnecessidade de sua


comprovação, via de regra. Por questões de ordem lógica, portanto, deve ser analisada a possibilidade
de reparação dos danos extrapatrimoniais.

Muito se questionou sobre a reparabilidade dos danos morais. Não se ignora que,
inicialmente, havia certa resistência quanto à possibilidade de reparação, mas a discussão restou
superada em face da Constituição Federal de 1.988, que em seu artigo 5º, incisos V e X, deixou
evidente a possibilidade de reparação do dano moral, bem como a sua cumulatividade com o dano
material. Neste sentido inclusive foi editada a Súmula nº 37 do STJ, cujo enunciado destaco: “São
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato". Prevaleceu,
portanto, a correta orientação de que os danos morais devem ser reparados.

Fixados, assim, o conceito do dano moral, a desnecessidade de comprovação de sua


ocorrência e a possibilidade de sua reparação, pertinente se mostra a análise dos critérios de fixação
do valor da indenização correspondente, sendo tal matéria uma das mais tormentosas na doutrina e
jurisprudência.

O dano moral não precisa representar a medida nem o preço da dor, mas uma
compensação pela ofensa injustamente causada a outrem. Conforme ensinamento do já mencionado
autor (Carlos Alberto Bittar - Tribuna da Magistratura, julho/ 96):

“Com efeito, a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos
materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido,
através da aplicação da fórmula “danos emergentes e lucros cessantes” (C. Civ., art.
1059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do
sofrimento havido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe
sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.”

A indenização econômica, assim, tornou-se o único meio para a reparação do dano


moral. Ocorre por mera compensação ou neutralização e não exatamente por restauração dos bens
lesados, o que, à evidência, seria impossível. É inviável tornar ao status quo ante quando, por
exemplo, o nome de alguém foi manchado perante seu seio social, quando se causam lesões físicas e
estéticas com sequelas irreversíveis, quando se perde um cargo ou função em razão de um ilícito,
quando se perde um ente querido. Diante de tais situações, a única via pela qual se pode ao menos
minorar os efeitos do dano é por meio da reparação pecuniária.

Como bem se sabe, para o arbitramento do valor da indenização, deve-se levar em

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
PODER JUDICIÁRIO 6
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

conta, de um lado, o reconforto do postulante e, de outro, a necessidade de se impor uma sanção,


dotada de capacidade inibidora, para o demandado. Nesse sentido, a lição da renomada Professora
MARIA HELENA DINIZ: “a reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e de satisfação
compensatória” (in Curso de Direito Civil Brasileiro, 7° vol., 6a Ed., Editora Saraiva, São Paulo).

Assim, para a fixação dos danos morais, além do dano, também se deve levar em
conta a situação econômica das partes, a fim de não dar causa ao enriquecimento ilícito, mas gerar um
efeito preventivo, com o condão de evitar que novas situações desse tipo ocorram, e também
considerando o porte financeiro daquele que indenizará, não se podendo fixar o valor de indenização
em quantia irrisória, sob pena de não vir a surtir o efeito repressivo que se pretende, qual seja, fazer
com que o agente perceba, eficazmente, as conseqüências de seu ato ilícito.

Nesse aspecto, deve ser levada em consideração as peculiaridades do caso, as regras


de experiência do julgador e os balizamentos doutrinários. E a fim de se buscar parâmetros para a
fixação, é de grande relevância a análise da atual jurisprudência sobre o tema, mormente deste
Tribunal Bandeirante e do Superior Tribunal de Justiça. Destaco, dentre os diversos julgados deste
último Tribunal da Cidadania alguns de seus arestos, por meio dos quais é possível verificar que a
indenização não deve ser fixada nem em quantia absurda, tampouco em quantia irrisória. Veja-se:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A


INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
INSCRIÇÃO INDEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO DE R$ 73.272,00
(SETENTA E TRÊS MIL, DUZENTOS E SETENTA E DOIS REAIS) PARA R$
25.000,00 (VINTE E CINCO MIL REAIS). SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA AFASTADA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte admite a revisão do quantum
arbitrado a título de indenização por danos morais, quando o valor fixado nas
instâncias ordinárias se revelar ínfimo ou exorbitante, caso em que, afastada a
incidência da Súmula 7/STJ, o Superior Tribunal de Justiça intervém para estabelecer
o montante condizente com os parâmetros adotados pela respectiva jurisprudência e
com as peculiaridades delineadas no acórdão recorrido, como ocorreu na hipótese
vertente. 2. A decisão agravada, ao reduzir a verba indenizatória de R$ 73.272,00 para
R$ 25.000,00 pela reparação moral decorrente da inscrição indevida do nome da
autora/agravante em cadastros de restrição ao crédito, adequou a quantia fixada nos
juízos ordinários aos patamares estabelecidos por este Pretório em casos
assemelhados e às peculiaridades da espécie, motivo pelo qual deve ser mantida
pelos próprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg
no Ag 1145425 / SP Min. RAUL ARAÚJO 4ª Turma Dje 24/02/2011).

Não discrepa a jurisprudência deste Sodalício. Destaco, ainda, um julgado deste


Tribunal Paulista que bem ilustra os critérios de fixação por danos morais, ressalvando-se que o valor
da indenização deve ser apurado em cada caso concreto, de acordo com suas peculiaridades. Veja-se
a ementa do acórdão proferido quando do julgamento da apelação 0093480-62.2005.8.26.0000, cuja

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
PODER JUDICIÁRIO 7
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado - 20ª Câmara

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000
VOTO 2476 YF

relatoria coube ao iminente colega Desembargador FRANCISCO LOUREIRO:

“DANO MORAL Ação de indenização por danos morais - Indevida negativação de


nome junto a banco de dados de proteção ao crédito Danos morais in re ipsa
decorrentes da ofensa ao bom nome e conceito social da vítima Critérios de fixação
dos danos morais Fixação da indenização em R$ 10.000,00, valor que bem cumpre as
funções compensatória e exemplar, em face das circunstâncias do caso concreto Ação
procedente Recurso provido.”

Diante de toda a exposição sobre o tema, entendo ter se configurado ofensa aos
direitos da personalidade apta a autorizar a condenação dos ofensores ao pagamento de indenização
pelos danos morais sofridos.

No caso destes autos, não se deve levar em conta a existência de outro débito, mas,
sim a situação vexatória e humilhante do agravamento da restrição de crédito em razão de duplicata
intempestiva e com o valor equivocado, diverso daquele pretendido entre as partes.

Desse modo, fixo a indenização pelos danos morais sofridos em quantia equivalente a
R$ 6.000,00 (seis mil reais) que deverão ser pagos de forma solidária pelas requeridas. Ainda, referida
quantia deverá ser corrigida pela Tabela do TJSP a contar da data de seu arbitramento, nos termos do
enunciado da Súmula 362 do STJ, bem como acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao
mês, a contar da citação.

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto, para julgar procedente o


pedido inicial, declarando inexigível a duplicata apontada, condenando as rés ao pagamento solidário
de R$6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais, corrigidos nos termos supra, além das custas,
despesas processuais e honorários, arbitrados em 15% do valor da condenação.

MARIA LÚCIA PIZZOTTI

Relatora

APELAÇÃO Nº 9261435-57.2008.8.26.0000

Você também pode gostar