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- Ciência Hoje
ANTROPOLOGIA É CIÊNCIA?
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o começo de dezembro de 2010, um artigo publicado no The New York Times com o mesmo título acima desencadeava uma polêmica internacional. O
xto foi escrito a partir da constatação de que um documento programático da prestigiosa Associação Antropológica Americana (AAA) deixava de
encionar a categoria ‘ciência’ entre os objetivos da associação e levantava diversas dúvidas sobre o sentido dessa decisão, umas mais políticas, outr
ais epistemológicas.
posterior declaração oficial da associação de que não tinha havido uma intenção específica para a controversa ausência não amainou a celeuma.
questão que aí se apresenta não é específica da antropologia, nem do conjunto das ciências humanas, mas abrange todo o empreendimento em que
onstruiu a ambição de um conhecimento objetivo, não mediado e sistematicamente controlado sobre a chamada ‘realidade’.
hoje permanece mais vivo do que nunca, alimentado pelo crescente poderio da tecnologia derivada das ciências naturais e pela ambição de uma
utonomização ilimitada da experiência humana em relação às condições originárias da espécie.
corre, porém, que, desde muito cedo, levantou-se no Ocidente uma dúvida e reação a esse projeto. Essa reação, que se pode englobar sob a rubrica d
ma filosofia romântica, ponderava que a experiência humana era muito mais complexa e mediada do que a da simples matéria, mesmo que não se
onsiderasse necessário recorrer a concepções de cunho religioso, sobrenatural ou extraordinário.
mediação pela percepção subjetiva se impunha como limitação constante à ambição de um conhecimento puramente objetivo e também como cond
ara uma verdadeira e profunda compreensão das condições e do sentido da presença humana no mundo.
antropologia, desde o seu início, apresenta os sinais dessa tensão de modo paradigmático, já
ue compõe um leque amplo de investimentos de conhecimento e compreensão, influenciados As ciências humanas nasceram como
elas diversas correntes filosóficas da modernidade, e em confronto com os mais variados resultado datensa imbricação entre o empen
stemas simbólicos alternativos. iluminista e a pulsão romântica
sse leque sempre abrangeu desde propostas mais ‘positivistas’ (que valorizavam o cientificismo), como as que se acredita serem características do
ociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) ou do cientista social britânico Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), até propostas mais ‘interpretativas’,
mbólicas, como as do sociólogo e economista político alemão Max Weber (1864-1920), do antropólogo britânico Edward Evans-Pritchard (1902-1973), d
ntropólogo estadunidense Clifford Geertz (1926-2006) ou, mais recentemente, as do antropólogo estadunidense Marshall Sahlins (1930-).
as a tensão está presente no interior de cada corrente, de cada obra. O antropólogo polaco-britânico Bronislaw Malinowski (1884-1942) tanto pode se
onsiderado um defensor de uma visão materialista, objetivista da tarefa antropológica, como o fundador do grande marco da metodologia compreens
trabalho de campo’, em que a mediação subjetiva não é um obstáculo, mas a condição mesma do saber antropológico.
filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883), o antropólogo germano-americano Franz Boas (1858-1942), o antropólogo francês Claude Lévi-Str
908-2009), o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), todos os grandes inspiradores da reflexão antropológica apresentam sinais de uma disposi
e esclarecimento objetivo entrelaçados com a consciência e explicitação das condições de significação em que a ação e o pensamento humanos se
ualizam.
enciono aqui apenas os clássicos, mas a tensão continua a articular todos os grandes pensadores contemporâneos, tanto mais porque as condições
uais de atividade dos antropólogos vêm favorecendo a adoção de perspectivas mais ‘românticas’, em face dos efeitos destrutivos do projeto iluminis
ue se alastram por todo o planeta.
https://cienciahoje.org.br/coluna/antropologia-e-ciencia/ 1/3
26/04/2022 20:17 Antropologia é ciência? - Ciência Hoje
antropologia se construiu pelo diálogo com a alteridade cultural, por meio de uma complexa trama de hipóteses, modelos e interpretações que tem
iteradamente reforçado a desconfiança da máquina de achatamento do mundo implicado pela via iluminista, ‘reducionista’, ‘epifenomenista’,
esenvolvimentista.
acionalidade X subjetividade
assim, apenas mais um movimento dessa tensão constitutiva o fato de a AAA descrever sua tarefa como a de ‘promover a compreensão pública da
umanidade’.
locução é muito interessante. O verbo em inglês é ‘to advance’, absolutamente característico do projeto iluminista – e, portanto, científico. Seu objeto
nderstanding’, que traduz normalmente em inglês a grande categoria romântica da ‘compreensão’ (Weber é particularmente conhecido pelo seu ‘méto
ompreensivo’ – o Verstehen alemão).
os complementos retornam ao argumento iluminista, sublinhando que deve ser algo ‘público’, a serviço de uma ‘humanidade’ – categorias igualmente
onstituídas no horizonte de afirmação da racionalidade moderna.
ão há, portanto, muito com o que se preocupar. A antropologia continuará a ser uma ‘ciência’ e um ‘saber’, estratégia de conhecimento e meio de
ompreensão. Manter essa tensão nunca foi fácil e continuará não sendo; como um grave desafio para cada antropólogo e para toda a comunidade do
ssim se consideram.
guns, como os “critical anthropologists” citados na denúncia do programa da AAA feita pelo NYT,
esejarão que a disciplina seja menos objetivista em nome da assunção da defesa dos interesses A antropologia continuará a ser uma ‘ciência’
e seus interlocutores mais frágeis ou subordinados. Outros, como os “pós-modernos”, desejarão um ‘saber’, estratégia de conhecimento e me
ue seja menos objetivista em nome do caráter radicalmente dialogal, interconstruído, de que de compreensão
as afinal, ainda assim, todos estarão de algum modo respondendo à demanda de um ‘avanço’, de uma iluminação, mesmo que paradoxal. Ninguém
opugna um encerramento da tarefa de conhecer ou compreender. E talvez a característica mais profunda da ciência seja essa, a de não se resignar
já sabido, de desconfiar das convenções vigentes e sempre ambicionar mais luz.
preocupação deve ser ainda menor porque os cientistas ditos “hard” há muito vêm se questionando sobre diversas facetas do projeto iluminista que
onstituiu e que os sustenta fundamentalmente.
ais ou menos próximos de fórmulas ‘românticas’, físicos, biólogos, médicos, matemáticos inquirem-se também sobre o que quer dizer ‘ciência’, ‘maté
ealidade’, sem que precisem banir essas intrigantes categorias dos programas de suas sociedades. O reconhecimento da mediação subjetiva, seja no
ano da própria produção do conhecimento, seja no das implicações sociais do conhecimento científico, tende a se generalizar em todas as áreas.
e a preocupação não deve ser grande, o interesse de compreender a presente polêmica é enorme, no entanto. Porque, mesmo que reitere um movime
e longo alcance histórico, emerge de uma forma específica neste tempo específico – e é assim sintoma dos agenciamentos de significação que hoje
ercam. Uma questão de sentido, certamente; mas não apenas da antropologia.
useu Nacional
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