Você está na página 1de 12

DOI: 10.5102/ucs.v14i1.

3629
A colonização da microbiota intestinal e
sua influência na saúde do hospedeiro*

Colonization of the intestinal microbiota


and its influence on health host

Ludmilla Araújo da Paixão1 Resumo


Fabíola Fernandes dos Santos Castro2 A microbiota intestinal tornou-se uma fonte de estudo
extremamente importante para o conhecimento e tratamento de
determinadas patologias. O trato gastrointestinal é um órgão estéreo
ao nascimento, adquirindo microrganismos logo após o parto. Dentre
suas principais funções, destacam-se a imuno-modulação, contribuição
nutricional e resistência à colonização por bactérias patogênicas.
Sofre alterações por fatores externos e internos como meio ambiente,
antibicoterápicos, alimentação, sistema imunológico, genético, probióticos
e prebióticos. Novos tratamentos têm surgido de maneira promissora para
o combate de determinadas doenças entéricas, como o transplante de
fezes que, apesar de ser recente, apresenta ótimos resultados. O Trabalho
tem como objetivo relatar a colonização da microbiota intestinal e sua
influência na saúde do hospedeiro. Foi realizada uma revisão bibliográfica
narrativa, com artigos publicados entres os anos de 1999 a 2015.
Palavras-chave: Microbiota intestinal Gastrointestinal. Colonização
bacteriana. Probióticos. Prebióticos. Transplante de fezes.

Abstract
The intestinal microbiota has become an extremely important study
source for knowledge and treatment of some pathology. Gastrointestinal
tract is a sterile organ at birth, acquiring microbes immediately after
child-birth. Between its functions, it can point out: immunomodulation,
nutritional contribution and resistance to colonization by pathogenic
bacteria. It is altered by external and internal factors such as environment,
antibicotherapic, nutrition, immune system, genetics, probiotics and
prebiotics. New treatments have been a promised way to combat some
enteric diseases, how for example, transplanting stool, which despite being
*
Recebido em: 03/10/2015.
recent, it shows great results. The work aims to report the colonization of
Aprovado em: 03/04/2016.
1
Graduada em Biomedicina pelo Centro Uni- the intestinal microbiota and its influence on the health of the host. It
versitário de Brasília. Brasília (DF) – Brasil. conducted a literature narrative review with papers published between
E-mail: ludmillaaraujopaixao@gmail.com.
2
EBiomédica. Pós graduada em microbiologia the years 1999 to 2015.
aplicada ao laboratório clínico. Mestre em Ci- Keywords: Intestinal tract. Gastrointestinal. Bacterial colonization. Pro-
ências da Saúde pela Universidade de Brasília biotics. Prebiotics. Transplant faeces.
– UnB. Professora de Biomedicina no Centro
Universitário de Brasília. Brasília (DF) – Brasil.
E-mail: fabiola.castro@uniceub.br.
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

1 Introdução não são digeridos no intestino delgado, mas são metabo-


lizados no intestino grosso. Tem capacidade para modi-
O termo microbiota intestinal refere-se a uma va- ficar a composição da microbiota colônica, de forma que
riedade de micro-organismos vivos principalmente bac- as bactérias benéficas tornam-se a maioria predominante
térias anaeróbias, que colonizam o intestino logo após (ALVES et al., 2008).
o nascimento. É constituído por microbiota nativa e de A microbiota intestinal é um ecossistema que age
transição temporária, sendo considerado como um dos de forma simultânea e mútua com as células do hospe-
ecossistemas mais complexos, com cerca de 1.000 bac- deiro por um processo de simbiose, no qual nenhum dos
térias distintas. Seu estabelecimento é influenciado por dois é prejudicado. O equilíbrio pode ser mantido por
múltiplos fatores e chega ao ápice por volta dos dois anos meio de uma alimentação sistemática rica em probióticos
de idade (GUARNER, 2007; BARBOSA et al., 2010). e prebióticos (SAAD, 2006).
A primeira fonte de microrganismos para a colo- A aderência de alguns micro-organismos na pare-
nização do trato gastrointestinal (TGI) é o parto, prin- de do intestino é um importante elemento que controla a
cipalmente o normal, por ter contato direto com a mi- composição das comunidades epiteliais e do lúmen. Cer-
crobiota fecal da mãe. Seguido então pelo ambiente e tas bactérias apresentam estruturas de adesão diferentes
amamentação. Esta por sua vez sofre grande influência na sua superfície, citadas como adesinas, as quais possibi-
pelo uso de leite humano ou leite industrializado (PEN- litam o reconhecimento nos eritrócitos da mucosa, sendo
NA; NICOLI, 2001). possível dessa forma, a adesão da bactéria na parede do
A colonização do TGI infantil completa é de ex- intestino e possibilitando a sua multiplicação (BARBOSA
trema importância para a saúde do bebê e posteriormente et al., 2010).
para o adulto, a sua instalação e manutenção pode reduzir Os antibióticos em excesso ou administrados de
a proliferação e disseminação de bactérias multirresisten- forma incorreta induzem a uma seleção natural, diversas
tes. As bactérias entéricas apresentam funções favoráveis enfermidades diarreicas são causadas por essa assimetria
ao hospedeiro como as antibacterianas, imunomodula- bacteriana no intestino. Desse modo, o trabalho tem por
ção e metabólicos nutricionais (BRANDT; SAMPAIO; objetivo relatar e explanar a colonização da microbiota
MIUKI, 2006; WALL et al., 2009). intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro, desde
As principais bactérias que compõe a microbio- a formação da microbiota normal à colonização por ce-
ta entérica são benéficas e/ou probióticas e as nocivas. pas patogênicas, incluindo a associação com probióticos
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

Como exemplo de probióticas, temos as Bifidobactérias e prebióticos.


e Lactobacilos (Bacteroides spp., Bifidobacterium spp.,
Lactobacillus spp., e para as nocivas podem ser citadas 2 Metodologia
a Enterobacteriaceae e Clostridium spp. São encontrados
também na microbita entérica a Eubacterium spp., Fu- O referente trabalho é uma revisão bibliográfica
sonbacterium spp., Peptostreptococcus spp., Ruminococcus narrativa a respeito da colonização da microbiota intesti-
(SANTOS; VARAVALHO, 2011). nal. Segundo Cordeiro (2007, p. 428):
Probióticos são descritos como micro-organismos A revisão da literatura narrativa ou tradicional,
vivos que, ao serem administrados em quantidades ade- quando comparada à revisão sistemática, apre-
senta uma temática mais aberta. Dificilmente
quadas, oferecem vantagens para a saúde do hospedei- parte de uma questão específica bem definida,
ro e a ação desses produtos deve ser demonstrada para não exigindo um protocolo rígido para sua con-
fecção e a busca de fontes não é pré-determina-
cada cepa. Entre seus efeitos, destacam-se normalização
da e específica, sendo, frequentemente, menos
da microbiota, diminuição da permeabilidade intestinal, abrangente. A seleção dos artigos é arbitrária,
proteção contra invasores patogênicos, auxílio nos rees- provendo o autor de informações sujeitas a viés
de seleção, com grande interferência da percep-
tabelecimentos pós antibicoterápicos e estimulação do ção subjetiva.
sistema imunológico (WALL et al., 2009; SANTOS; VA- A pesquisa foi realizada em bases de dados de re-
RAVALHO, 2011). ferência, SciELO, PubMed, MEDLINE e CDC utilizan-
Prebióticos são ingredientes alimentares utiliza- do as palavras chaves: microbiota intestinal, microbiota
86 dos no crescimento dos micro-organismos no intestino,
A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro

gastrointestinal, colonização bacteriana, transplante de as funções mencionadas acima. Sua composição definiti-
fezes, prebióticos e probióticos. Foram coletados artigos va é obtida em torno dos dois anos de idade mantendo-se
em português, espanhol e inglês, publicados entre os anos estável pelo resto da vida (TANNOCK, 1999).
1999 e 2015. O desenvolvimento e estabelecimento da micro-
biota intestinal é um mecanismo complexo que recebe
3 Desenvolvimento influência de fatores externos relacionados ao hospedeiro
como o tipo de parto, aleitamento materno ou artificial,
3.1 Microbiota intestinal contaminação ambiental, uso de antimicrobianos, sis-
A microbiota intestinal é considerada um ecossis- tema imune e características genéticas. Esses elementos
tema essencialmente bacteriano que reside normalmen- podem facilitar ou dificultar a instalação do ecossistema
te nos intestinos do homem, exerce o papel de proteção, (PENNA; NICOLI, 2001; BRANDT; SAMPAIO; MIUKI,
impedindo o estabelecimento de bactérias patogênicas 2006).
que geralmente são ocasionadas pelo desequilíbrio da A colonização bacteriana no TGI é realizada por
microbiota. Algumas doenças como a diarreia e a colite meio de sítios de adesão específicos, que são determi-
pseudomembranosa são provenientes dessa assimetria nados geneticamente e podem sofrer interferências ou
bacteriana (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; BAR- causar alterações nos receptores de células da mucosa.
BOSA et al., 2010). As espécies que se encaixam nesse contexto colonizam de
O intestino é considerado um ambiente com am- forma permanente o intestino e tornam-se a microbiota
plo número de espécies de bactérias distintas. São encon- natural do TGI. A permanência das bactérias no intesti-
tradas em toda região gastrointestinal, entretanto, no es- no depende dessa ligação, o que exige uma especificida-
tômago e no intestino delgado encontram-se em menores de e possibilita a colonização do hospedeiro (BRANDT;
quantidades devido ao contato e ação bactericida do suco SAMPAIO; MIUKI, 2006; ANDRADE, 2010).
gástrico. No íleo, há uma área de transição e o colón apre- A mãe é a primeira fonte de micro-organismo das
senta condições favoráveis para o crescimento bacteriano crianças. Sendo assim, os bebês de parto normal entram
devido à escassez de secreções intestinais e abrangente em contato com bactérias mais rápido do que crianças
fonte de nutrição (GUARNER, 2007). de parto cesáreo, visto que, no parto vaginal tem contato
Existe uma relação de aspecto benéfico entre direto com a microbiota fecal materna por meio do ca-
hospedeiro e microbiota no intestino, sendo fundamen- nal de parto. Em contrapartida, no parto cesáreo, a fonte

Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016


tal o equilíbrio que favoreça as duas partes. As bactérias inicial de contaminação é o meio ambiente, retardando
que integram o trato gastrointestinal são em sua maio- assim o estabelecimento da microbiota, sendo mais co-
ria anaeróbicas, destacando-se os gêneros bacteroides, mum a colonização por bactérias anaeróbia - Bacteroides
Bifidobacterium, Eubacterium, Clostridium, Peptococ- e Clostridium (GROUND et al., 1999; ANDRADE, 2010).
cus, Peptostreptococcus, Ruminococcus e Fusobacterium Os recém nascidos amamentados enriquecem
(GUARNER; MALAGELADA JUNIOR, 2003). a microbiota comensal com bifidobactérias e induzem
A microbiota intestinal tem várias funções que a inibição de bactérias patogênicas por meio de fatores
são significantes e bem estabelecidas, sendo importantes imunológicos encontrados no leite materno. Entretanto,
as de proteção anti-infecciosa que fornecem resistência crianças alimentadas com leites artificiais apresentam
à colonização por micro-organismos exógenos; a imu- uma microbiota mais diversificada com bacteroides, en-
no-modulação, que possibilita uma ativação das defesas terobactérias, enterococcus e Clostridium sp. (HARM-
imunológicas e, por fim, a contribuição nutricional resul- SEN et al., 2000).
tante das interações locais e dos metabólitos produzidos A contaminação ambiental varia conforme as nor-
oferecendo fontes energéticas e de vitaminas (PENNA; mas de higienização estabelecidas e seguidas de cada re-
NICOLI, 2001). gião, nos países desenvolvidos foi relatado uma redução
A instalação da microbiota ocorre logo após o na carga de bactérias, resultando em uma alteração no
nascimento. Os neonatos são estéreis, totalmente livres de padrão da colonização intestinal. Isso pode ser justificado
bactérias, sendo necessário a imediata colonização pelos pelas práticas rigorosas de higiene ao nascimento e nos
micro-organismo não patogênicos e que desempenham hábitos de vida da população. Por sua vez, crianças nasci- 87
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

das em países pobres estão mais expostas à contaminação a integridade da mucosa), salivação, secreção de imuno-
ambiental e aos riscos de uma colonização não saudável globulina IgA, produção de ácido graxo, descamação da
(ANDRADE, 2010). mucosa e motilidade gastrointestinal (BARBOSA et al.,
2010).
3.2 Funções da Microbiota Intestinal 3.2.2 Função nutricional
Muitas são as funções desempenhadas e estabele- A atividade de algumas bactérias intestinais sobre
cidas pelo sistema gastrointestinal, a alta atividade meta- uma categoria de nutrientes permite um melhor desem-
bólica e endócrina do TGI são importantes exemplos que penho intestinal. Esse processo acontece normalmente
têm influência sobre a saúde e o bem estar do ser huma- com substratos que não foram digeridos e chegam ao
no. As bactérias que colonizam o TGI são determinantes lúmen do cólon, especialmente os carboidratos, que são
na manutenção da homeostase do hospedeiro. (BERDA- fermentados e formam ácidos absorvidos pela mucosa.
NI; ROSSI, 2009) Esse mecanismo é denominado salvamento energético e
Entres as principais funções da comunidade bac- forma os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) tais como
teriana destacam-se a antibacteriana/proteção, imuno- o buritato e propionato, que são a principal fonte nutriti-
moduladora, nutricional e metabólica. Ao longo do TGI, va dos colonócitos e apresentam efeito trófico no epitélio
bactérias fazem a barreira de proteção natural, alocadas do intestino (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006).
no intestino por sítios de ligação determinados pela ge- Os AGCC são dependentes de substratos disponí-
nética (WALL et al., 2009). veis e estão em maiores concentrações do lado direito do
3.2.1 Funções antibacterianas, resistência a coloni- cólon. Dentre os substratos mais comuns, podemos citar
zação ou de proteção o amido que é butirogênico. Os butiratos atuam como fa-
As bactérias autóctones, denominadas TGI, exer- tores tróficos para as células dos tecidos intactos e dimi-
cem a função de proteção e impedem a adesão de micror- nuem as chances de câncer do cólon. Estudos apontam,
ganismo não benéficos, formando, assim, uma barreira. também, os efeitos dos butiratos sobre os mediadores de
Essa barreira mecânica acontece pela ocupação dos sítios inflamação, pela capacidade de inibir a expressão das ci-
de adesão celulares da mucosa com microbiota autóctone tocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-6 e IL-1β) por meio
(BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006). da inibição da ativação do fator nuclear κB (NF- κB)
O principal mecanismo desempenhado pela mi- (BERDANI; ROSSI, 2009).
crobiota bacteriana é a resistência à colonização, mais A ação metabólica da microbiota intestinal é po-
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

comum no lúmen e nas superfícies da mucosa pela pro- tencialmente similar à desempenhada pelo fígado. A mi-
dução de componentes da microbiota de metabólitos tó- crobiota do TGI sintetiza vitamina K e vitamina do com-
xicos, como ácidos graxos de cadeia curta e de substâncias plexo B que são úteis e importantes para o metabolismo
antimicrobianas como bacteriocinas. Nesse sentido, as do indivíduo. Essas vitaminas são produzidas pelas bacté-
competições por nutrientes são importantes para regular rias Propionibacterium, Fusobacterium, Bifidobacterium,
as populações de componentes como a E. coli. (BRANDT; Lactobacilos, Clostridium, Enterobacterium, Veillonella,
SAMPAIO; MIUKI, 2006; BARBOSA et al., 2010). Enterococcus e Estreptococcus e são sintetizadas no cólon
A homeostase entre as bactérias residentes da intestinal (BARBOSA et al., 2010).
microbiota oferece estabilidade para a população micro- 3.2.3 Função imunomoduladora
biana do TGI. O efeito barreira deve-se à facilidade que No período neonatal, a instalação da microbiota
determinadas bactérias têm de burlar as substâncias an- está associado com o tecido linfoide intestinal. O estabe-
timicrobianas, que bloqueiam a proliferação de bactérias lecimento desse sistema imunológico local com ação con-
patogênicas e se destacarem na competição por nutrien- junta ao estímulo da microbiota ativa o sistema imune. O
tes e espaço ecológico, ganhando, dessa forma, maior es- tecido linfoide reconhece as espécies e antígenos que são
tabilidade na mucosa intestinal (GUARNER, 2007). benéficas ao hospedeiro, procedendo, assim, uma respos-
Deve-se ressaltar que a resistência a coloniza- ta de tolerância imunológica. Cerca de 80% de todas as
ção não é causada unicamente pela microbiota intesti- células imunológicas ativas do corpo humano estão lo-
nal, outros fatores podem influenciar essas funções, por calizadas no TGI (WALL et al., 2009; ANDRADE, 2010).
88 exemplo, os fatores anatômicos e fisiológicos (incluindo A ativação do sistema imunológico ocorre por
A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro

meio da modulação antigênica que mantém o sistema síntese de proteínas pró-inflamatórias, normalmente são
imune intestinal pronto para ter resposta ágil e de manei- citocinas e enzimas que geram mediadores inflamatórios
ra pertinente a uma invasão por bactérias não benéficas. (GUARNER, 2007).
A microbiota normal influencia minimizando a resposta O intestino preserva um sistema imune extensi-
para certos antígenos, estimulando células repressoras, vo e altamente ativo. O GALT apresenta células M, que
levando a imunoestimulação contra bactérias não benéfi- cobrem as placas de Peyer e realizam o transporte de
ca e a imunoaceitação da própria microbiota (BARBOSA bactérias e antígenos do lúmen intestinal para o tecido
et al., 2010). linfoide. Antígenos no lúmen podem ser absorvidos por
As células epiteliais da mucosa intestinal são as células epiteliais intestinais, células interdigitais da lâ-
grandes responsáveis pelo reconhecimento inicial do sis- mina própria e células M, ilustrado na figura 1 (PEREZ,
tema imunológico, o contato direto com a luz intestinal é 2012; BINNS, 2014).
primordial para que ocorra esse processo. A ativação dos
Figura 1 - Ambiente imunológico intestinal
mecanismos de defesa é dependente da rápida detecção
de risco por meio dos receptores inatos que identificam
componentes estruturais com características de fungos,
leveduras e bactérias (QUARNER, 2007).
A microbiota natural do TGI realiza o papel de
barreira fisiológica, que é composta pelo epitélio da mu-
cosa do intestino, localizado entre a luz intestinal e o es-
paço peritoneal. As partes integrantes da barreira corres-
pondem ao epitélio mucoso, o sistema imune local, Placa
Peyer, lâmina própria, barreira linfoepitelial e a circula-
ção hemato-linfática (DOUGLAS; CISTERNA, 2004).
O tecido linfoide ligado ao intestino (GALT) é di- Fonte: Adaptada de CAMPOS, 2010.

vidido em duas estruturas funcionais, a Placa de Peyer


(PP), local de contato luminal do antígeno com o sistema Após reconhecimento e ativação do mecanismo
imune e por linfócitos intraepiteliais/lâmina própria que de defesa, a imunoglobulina IgA secrotora neutraliza as
estão distribuídos aleatoriamente. A PP é revestida por bactérias impedindo que se aderem à parede da mucosa

Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016


células M responsáveis pela captura e transporte do lú- intestinal, segue então a ação dos macrófagos e neutrófi-
men e por células T que acionam os linfócitos B imaturo los que as fagocitam. Os anticorpos são coadjuvantes na
IgM a trocar o isótopo por IgA (CHAPEL et al., 2003). destruição das bactérias e em determinados momentos
Os anticorpos IgA presentes na mucosa do in- ligam-se a toxinas por elas produzidas, para neutralizar
testino estão ligados a um grande números de antígenos os efeitos desses produtos (MACHADO et al., 2004).
bacterianos, virais e fúngicos. É resistente à proteólise
intraluminal e não ativa o sistema complemento da res- 3.3 Desequilíbrio da microbiota bacteriana
posta inflamatória, o que o torna ideal para proteção e O desequilíbrio da microbiota pode levar a perda
prevenção das mucosas. A resposta imune inicial começa de efeitos imunes normais reguladores na mucosa do in-
nas PP ou nos linfonodos mesentéricos e as bactérias são testino, sendo associada a um número de doenças infla-
encontradas nas placas pelas células dendríticas (CAM- matórias e imuno-mediata. Obter uma homeostase ade-
POS, 2010). quada durante o momento de colonização do GTI é um
A atividade do sistema imune acontece no meio dos principais elementos para a modulação do sistema
intracelular pelas proteínas com domínio de ligação a imune adequada e indução da tolerância imunológica.
nucleotídeos e oligomerização (NOD) encontradas no ci- O não funcionamento desse sistema é a grande causa de
tosol e no meio extracelular pelo receptores Toll Like da doenças autoimunes ou atópicas (SATOKARI et al., 2014;
membrana. A ativação dos sensores é feita por meio da FRANCINO, 2014).
invasão de bactérias que geram sinais e acionam o núcleo A disbiose apresenta um agravante quando as-
celular, ativando a expressão de genes responsáveis pela sociada com outros distúrbios, como aumento da per- 89
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

meabilidade intestinal, a constipação intestinal. Em uma bactérias que são mais agressivas ao hospedeiro (JER-
microbiota anormal, a quebra dos peptídeos e reabsorção NBERG et al., 2010).
de toxinas do lúmen intestinal, ocorrem de maneira ina-
dequada, induzindo o surgimento de patologias pelo não 3.4 Efeito do uso indiscriminado de antibióticos
funcionamento das funções da microbiota intestinal Um dos grandes problemas para o tratamento em
(ALMEIDA et al., 2009). ambiente hospitalar é a infecção causada por bactérias re-
Em seres humanos considerados saudáveis, sistentes aos antibióticos mais potentes que estão dispo-
nota-se uma microbiota estável. Os agentes patogê- níveis no mercado. Isso tem gerado uma preocupação por
nicos quando adquiridos são rapidamente eliminados ser a causa de infecções hospitalares por bactérias com
devido à presença da microbiota comensal, composto alto poder de disseminação e difícil tratamento. Acome-
em sua maioria por bactérias anaeróbicas. No entan- te, principalmente, pacientes com sistema imune abalado
to, ao obter uma quantidade significativa de bactérias em unidade de terapia intensiva (UTI) (CARLET, 2012;
patogênicas como a Salmonella spp., Vibrio ou Estafi- SANTOS; VARAVALHO, 2011).
lococcus, podem induzir uma desordem na microbio- O mecanismo de resistência teve seu início
ta natural, burlando assim os mecanismos de defesa e com a Klebsiella pneumoniae seguida pela Escherichia
gerar sintomas clínicos. Outro importante fator que coli. Antigamente, as infecções como pielonefrite e
também influencia nessa alteração da microbiota é o peritonite eram tratadas com drogas associadas à car-
uso de antibióticos (CARLET, 2012). bapenens, uma classe de antibióticos que era reser-
Fatores internos também são grandes causa- vada para infecções graves acometidas em pacientes
dores da alteração da microbiota intestinal. Caso não na UTI. No entanto, com a resistência antimicrobia-
ocorra uma interação simbiótica entre os micro-or- na, essa droga não tem mais efeitos, sendo necessário
ganismos, o epitélio e os tecidos linfoides intestinais, utilizar drogas com alta toxicidade como a colistina
não ocorrerá as constantes modulações da imunida- (CARLET, 2012).
de adaptativa no ambiente microbiano, levando, as- Determinados tratamentos com antibióticos
sim, ao desenvolvimento de patologias ao hospedeiro permanecem com seus efeitos por longos períodos no
(GUARNER, 2007). corpo humano, isso gera uma pressão para a seleção
Um dos fatores que tem importante contribui- de bactérias. Estudos realizados em culturas e exames
ção para o desequilíbrio da microbiota intestinal é a moleculares têm mostrado alterações na microbiota
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

má digestão, em que o estômago produz ácido sufi- após antibiocoterápicos, destacando as comunidades
ciente para extinguir as bactérias patogênicas ingeri- bacterianas mais sensíveis que são destruídas com a
das na maioria das vezes com alimentos. Além disso, medicação e os que sobrevivem e se destacam como
outros fatores que também têm importância clínica resistentes (JERNBERG et al., 2010). A ilustração des-
são o abuso do laxante, o consumo excessivo de ali- se fenômeno pode ser observada na figura 2.
mentos crus, exposição com frequência a toxinas am- Os antibióticos atuam impedindo o crescimento
bientais, disponibilidade de material fermentável e o ou causando a morte das bactérias sensíveis, com isso,
estado imunológico do hospedeiro (ALMEIDA et al., ocorre a extensão e a persistência dos antibióticos so-
2009). bre a microbiota intestinal, o que gera, por sua vez, a
O efeito de alguns antibióticos permanece por seleção de bactérias Multi Drogas Resistentes (MDR),
longos períodos, produzindo uma seleção dos micro- como por exemplo as enterobractérias multi-droga re-
-organismos, proporcionando a perda da microbiota sistente (MDRE), que são resistentes aos antibióticos
comensal e a propagação de bactérias mais adaptadas. betalactâmico, fluoroquinolonas, aminoglicosídeos
Esse efeito do antibiótico depende do modo de ação entre outros (RUPPÉ; ANDREMONT, 2013).
do medicamento e o grau de resistência das bactérias. Evidências indicam, portanto, que o uso de
Tratamentos por longos períodos a base de antibióti- antibióticos precoce interfere negativamente sobre a
cos promovem a seleção de bactérias que contêm ge- saúde imunológica do hospedeiro. Dessa forma, fo-
nes de alta resistência a antibióticos, o que leva uma ram detectados aumentos nos casos de enterecolite
90 maior preocupação a respeito da propagação dessas necrosante em indivíduos que foram expostos a an-
A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro

tibióticos em longos prazos, como os recém nascidos à colonização intestinal, o que possibilita a presença de
e as crianças cujas mães fizeram uso de antibióticos necrose. Crianças prematuras por apresentarem ausência
para durante a gravidez (FRANCINO, 2014). da microbiota comensal induzem às muitas bactérias pa-
togênicas presentes na unidade de tratamento intensivo
Figura 2 - Ilustração da seleção antibacteriana
(UTI) causarem a EN (ANDRADE, 2009).
Atopia: é uma tendência hereditária a desenvolver
patologias alérgicas há evidências de que a microbiota co-
mensal seria um dos elementos impeditivos e fundamen-
tais para o desenvolvimento da tolerância imunológica. A
atopia tem maior comprovação clínica e experimental do
impacto da microbiota no desenrolar da doença. Crianças
que não apresentaram atopia tinham, quando recém-nas-
cidas, maior quantidade de Clostridium sp. e menor de
Bifidobacterium (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006).
A atopia privilegia reações de hipersensibilidade
mediadas por IgE, em resposta a antígenos comuns na ali-
mentação e no ambiente intra e extracelular. É considerada
como umas das manifestações da tríade atópica (dermatite
atópica, asma e rinite alérgica). Caracterizada como doen-
ça inflamatória cutânea crônica, de origem genética apre-
senta-se com  recorrentes eczemas associados a prurido,
Fonte: MD. Saúde, 2011
acometendo superfície cutânea geneticamente alterada,
induzindo, por fenômenos imunológicos, a presença de
3.5 Patologias associadas com alterações da micro-
inflamação (LEITE, R.; LEITE, A.; COSTA, 2007).
biota intestinal.
Doenças inflamatórias intestinais (DII): acredi-
A assimetria da microbiota pode induzir o desen-
ta-se que as DII são desencadeadas por anormalidades
volvimento da enteroclite necrosante. Desse modo, ocor-
imunológicas celulares, ou seja, da reatividade anormal
re as gastroenterites e enterites pseudomembranosas. A
dos linfócitos T da mucosa gastrointestinal a uma mi-

Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016


longo período a alteração da composição da microbiota
crobiota normal não patogênica, porém, a origem da
causada tanto pela redução das bactérias benéficas como
patologia continua desconhecida. São caracterizadas por
das potencialmente patogênicas pode estar associada
inflamação intestinal crônica não infecciosa e manifes-
com a doença inflamatória do intestino e atopia (SAAD,
tam-se clinicamente por diarreia, dor abdominal, perda
2006; ANDRADE, 2009).
ponderal e náuseas. Ocorrem principalmente na doença
Enterocolite necrosantte (EN): um das mais pre-
de Crohn e na retocolite ulcerativa inespecífica (SIMÕES
valentes nas causas de morbidade e mortalidade em re-
et al., 2003).
cém-nascido de baixo peso ao nascer. Apresenta origem
Existem evidências de que o surgimento dessa pa-
multifatorial e é ocasionada pela imaturidade intestinal e
tologia ainda é indefinido, estudos apontam que sua etio-
imunológica, infecção, hipóxia e pela composição altera-
patogênia é de origem multifatorial, com cooperação de
da da microbiota intestinal. As bactérias do intestino tem
fatores genéticos, ambientais, microbiota intestinal e res-
apresentado forte influência na etiologia da EN, apresen-
posta imune. Em relação aos fatores genéticos e ambien-
tando, em sua maioria, baixa contagem da microbiota co-
tais, ainda não estão bem definidos e não são sensíveis
mensal, entre elas a Bifidobacterium (PEREZ; MENEZES;
às manipulações terapêuticas. Dessa forma, a microbiota
D’ACÂMPORA, 2014; FRANCINO, 2014).
intestinal e a resposta imune passam a ser as duas catego-
O retardo na instalação da microbiota normal do
rias utilizadas para tratamentos (BURGOS et al., 2008).
intestino beneficia a enterite pela falta de bactérias prote-
toras e reduzido desenvolvimento do sistema imunitário
3.6 Relação dos fatores probióticos e prebióticos
local e sistêmico. Dessa forma, existe pouca resistência 91
Muitos estudos afirmam que os micro-organismo
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

habituais do intestino (comensais) não são apenas habi- rhamnosus e Lactobacillus salivarius. As bifidobactérias
tantes passivos do TGI, mas se relacionam e interagem expulsam bactérias putrefativas, causadoras de problemas
com o hospedeiro de maneira bastante eficaz. São, na ver- intestinais e indisposições gástricas, ao mesmo tempo em
dade, moduladores dos efeitos de bactérias nocivas e au- que restabeleciam-se como seres predominantes no intes-
xiliam nas funções exercidas pela microbiota no intestino tino (SAAD, 2006; SANTOS; VARAVALHO, 2011).
(SAAD, 2006). Tão importante quanto o probiótico é o prebió-
Os probióticos e prebióticos apresentam caracte- tico, cuja definição é de um ingrediente fermentado que
rísticas funcionais que colaboram com a melhoria da mi- provoca mudanças na formação e/ou atividade da micro-
crobiota intestinal do cólon e o equilíbrio da manutenção biota gastrointestinal, oferecendo assim, benefícios sobre
da saúde. Na década de 80, os japoneses empregaram o a saúde do hospedeiro. Os prebióticos são carboidratos
termo de alimento funcional para esses alimentos, sendo não digeríveis que afetam e influenciam favoravelmente
descritos como alimentos utilizados como parte de uma o hospedeiro, estimulando seletivamente a proliferação e
dieta normal e que demonstram benefícios fisiológicos e/ funções de bactérias não patogênicas no cólon (ALVES,
ou reduzem o risco de doenças crônicas (RAIZEL et al., 2008; WANG; DONAVAM, 2014).
2011.). Pesquisas indicam que os prebióticos promovem o
Probióticos são definidos pela Organização Mun- crescimento de microrganismos comensais como Biffido-
dial da Saúde como “micro-organismos vivos que, quan- bacterium e Lactobacillus, melhoram a motilidade intesti-
do administrados em quantidades adequadas conferem nal e o esvaziamento gástrico. São encontrados em vários
um efeito benéfico à saúde do hospedeiro”. Têm por sua tipos de alimentos, dentre eles, leite materno e fórmulas
vez, a tendência de agir mutuamente com as bactérias co- infantis industrializadas. Sua constituição é basicamente
mensais quando administrados em quantidades adequa- de carboidratos de tamanhos diferentes, que podem va-
das (SAAD, 2006; WALL et al., 2009; CARLET, 2012). riar em mono, dissacarídeo, oligossacarídeos, até grandes
Os probióticos são caracterizados e indicados polissacarídeos (GRITZAND; BHANDARI, 2014).
para preservar e reestabelecer a homeostase do intestino. Resistência às enzimas salivares, pancreáticas e ao
A ação dos probióticos sobre o TGI inclui fatores como ácido estomacal são algumas das características neces-
efeitos antagônicos, competição e efeitos imunológicos. sárias para um prebióticos, não podem sofrer hidrólise
São utilizadas em sua maioria bactérias ácido-láticas e enzimática ou ser absorvidos no intestino delgado. De-
bifidobactérias, podendo ser úteis também certos fungos vem ser metabolizados no colón, por bactérias benéfica.
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

e leveduras principalmente a Saccharomyces boulardii Dentre as principais substâncias prebióticas, temos a lac-
(SAAD, 2006; CARLET, 2012). tulose, lactiol, xilitol, inulina e alguns oligossacarídeos
É plausível constatar o grande papel da utilização não digeríveis (ex.: frutooligossacarídeo – FOS) (ALVES
de probióticos no controle e regeneração da microbiota. et al., 2008).
Foi comprovada a eficiência dos probióticos na preven- Os prebióticos têm a capacidade de inibir a multi-
ção e tratamento de diarreia associada aos antibióticos, plicação de patógenos, oferecendo benefícios a saúde do
principalmente após longa exposição. Os bons resulta- hospedeiro. Atuam com maior frequência no intestino
dos de tratamentos feitos com probióticos proporcionam grosso e estimulam o crescimento dos grupos endógenos
uma diminuição na duração da diarreia aguda e na per- da microbiota intestinal, como as bifidobactérias e os lac-
manência no hospital (ANDRADE, 2010; SANTOS; VA- tobacilos (BADARÓ et al., 2008).
RAVALHO, 2011). O êxito dos prebióticos depende essencialmente
As principais bactérias introduzidas nos alimen- da sua não hidrolização pelas enzimas digestivas, possi-
tos funcionais probióticos são dos gêneros Lactobacillus e bilitando assim, atingir o intestino grosso intacto, lugar
Bifidobacterium, em menor quantidade Enterococcus fae- que ocorrerá a sua fermentação e digestão. Sua função
cium. Entre as Bifidobacterium temos a B. bifidun, B. bre- principal é estimular o crescimento e/ou ativar o metabo-
ve, B. infantis, B. lactis, B. animalis, B. longum e B.thermo- lismo de bactérias não-patogênicas no TGI. Atuam, por
philum. Dentre os Lactobacillus: Lactobacillus acidophilus, sua vez, bloqueando sítios de aderência, imobilizando e
Lactobacillus helveticus, Lactobacillus casei – subsp. Para- reduzindo a capacidade de fixação de algumas bactérias
92 casei e tolerans, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus patogênicas no intestino (BRITO et al., 2014).
A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro

A classificação dos prebióticos se baseia em fibras cientes com prisão de ventre, febre e diarreia. O TMF foi
solúveis, insolúveis ou mista, podendo ser fermentáveis utilizado também na Segunda Guerra Mundial, os solda-
ou não-fermentáveis. As fibras prebióticas de maiores dos alemães na África confirmaram e eficiência da prática
importâncias são a inulina e a FOS, sintetizado a partir consumindo fezes quentes e frescas de camelo para trata-
da hidrólise da inulina pela enzima inulase. Os dois são mento de disenteria (PERLMUTTER; LOBERG, 2015).
frutanos (polissacarídeos e oligossacarídeos de origem O TMF se baseia na recuperação e/ou fortaleci-
vegetal), fibras insolúveis e fermentados não digeridos mento da microbiota intestinal, por meio da ingestão de
por enzimas digestivas e sua diferença está no grau de po- microrganismo vivos, aplicados em quantidades suficien-
limerização, ou seja, no número de monossacarídeos que tes e que oferecem benefícios ao hospedeiro. Esse trata-
compõe a molécula (RAIZEL et al., 2011). mento tem como efeito a diminuição quase totalmente
Os probióticos e prebióticos agem diretamente in- das diarreias e nos sintomas da infecção (LEITE, 2015).
terligados e essa simetria gera os produtos simbióticos. O A seleção do doador é feita preferencialmente pelo
consumo desses nutrientes eleva a ação benéfica de cada cônjuge ou parentesco próximo, caso não encontre com-
um deles, devido ao estímulo de cepas probióticas conhe- patibilidade, faz a escolha por um doador não-aparenta-
cidas que levam à escolha dos pares simbióticos substra- do. Os critérios para escolha consistem em pesquisa por
to-microrganismo ideais para o TGI. São encontrados em patógenos em sangue, fezes e questionário no protocolo
diferentes alimentos, sendo probióticos encontrados em de triagem que apresentam informações de comporta-
iogurtes, produtos lácteos fermentados e suplementos ali- mentos de alto risco, realização de tatuagem ou piercing
mentares e os prebióticos encontrados na cebola, chicória, recentes, uso de drogas ilícitas, múltiplos parceiros se-
alho, alcachofra, cereais, aspargos, beterraba, banana, trigo xuais, pessoas com recente viagens recentes para áreas
entre outros (BADARÓ et al., 2008; RAIZEL et al., 2011). com alto risco de infecções entéricas ou incidência de
bactérias resistentes (KAPEL et al., 2014).
3.7 Transplante de Microbiota Fecal Estudos têm revelado os efeitos dinâmicos do
O Transplante de Microbiota Fecal (TMF) é defi- TMF em outras patologias tais como a doença inflamató-
nido como o método pelo qual bactérias comensais, per- ria do intestino, a síndrome do intestino irritável, obesi-
tencentes ao TGI de pessoas saudáveis, são inseridas em dade e diabetes tipo II. Contudo, não há relatos randomi-
pacientes com infecções bacterianas no intestino, por in- zados publicados em artigos que certifiquem essa terapia
termédio de tubos nasogástricos ou colonoscopia ilustra- para as situações clínicas citadas (SINGH et al., 2014).

Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016


dos na figura 3. Com o objetivo de restaurar a microbiota
Figura 3 - Método utilizado para realização do TMF
natural, essa terapia é mais indicada em infecções persis-
tentes, em especial as causadas por Clostridium difficile
(VYAS; AEKKA; VYAS, 2015).
O primeiro relato de TMF publicado oficialmente
apareceu na revista Surgery em 1958, em que descrevia
quatro pacientes que apresentaram melhoras dos sinto-
mas com 48 horas após o transplante. A taxa de cura em
todo o mundo chega a 93%, evidenciando assim como
um tratamento seguro e eficaz para infecções recorrentes
de C. difficile grave (RAY; SMITH; BREAUX, 2014).
Embora relatada formalmente apenas na década
de 60, as referências ao procedimento foram descritas,
pela primeira vez, no século IV na literatura chinesa,
na obra de Gen Hong. A qual ele descrevia a aplicação
de uma suspensão de fezes humanas por via oral para o
tratamento de diarreia grave ou intoxicação alimentar. Li
Shinzen, no século XVI, relatou a administração de fezes
Fonte: Adaptada de Leite, 2015.
desidratadas e fermentadas de bebês para terapia de pa- 93
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

Apesar de todos os benefícios do TMF, ainda ALVES, C. et al. Probióticos, prebióticos e simbiótico: ar-
existe uma grande preocupação quanto aos resultados e tigo de revisão. Saúde e Ambiente em Revista. Duque de
consequências desse procedimento. A falta de dados e Caxias, v. 3, n. 1, p. 16-33, jan./jun. 2008.
informações a longo prazo, a não padronização e a falta
de consenso sobre o protocolo a ser seguido, a periculo- ANDRADE, A. Microflora intestinal: uma barreira imu-
sidade de transmitir outros tipos de patógenos, são itens nológica desconhecida. 2009/2010. Dissertação (Mestra-
que ainda necessitam para se ter uma maior tranquilida- do Integrado em Medicina) - Instituto de Ciências Bio-
de e aceitação para tal procedimento (MOAYYEDI et al., médicas Abel Salazar na Universidade do Porto, Porto,
2014). 2009/2010.

BADARÓ, A. et al. Alimentos probióticos: aplicações como


4 Considerações Finais
promotores da saúde humana: parte 1. Revista Digital de
Nutrição, Ipatinga, v. 2, n. 3, p. 1-26, ago./jun. 2008.
A microbiota intestinal, apesar de pouco estuda-
da, tem mostrado grande influência na saúde e doença do BARBOSA, F. et al. Microbiota indígena do trato gastrin-
hospedeiro. Dessa forma, tem grande importância a sua testinal. Revista de Biologia e Ciência da Terra, Aracaju,
estabilização e manutenção completa desde a infância até v. 10, n. 1, p. 78-93, jan./jun. 2010.
a vida adulta, com o intuito de sofrer menos interferência
dos fatores internos e externos que desencadeiam altera- BERDANI, R.; ROSSI, E. Microbiota intestinal e probi-
ções da microbiota e levam a determinadas patologias. óticos: implicações sobre o câncer de cólon. Jornal Por-
Muitas são as funções realizadas pelo trato gastrointesti- tuguês de Gastrenterologia, Lisboa, v. 15, p. 19-28, jan./
nal (TGI), que estão ligadas à nutrição, ao sistema-imu- fev. 2009.
ne por meio da barreira imunológica e à antimicrobiana
pelo mecanismo de defesa. Falha nessas funções podem BINNS, N. Probiótico, prebióticos e a microbiota intes-
ser as causadoras de doenças relacionadas com o TGI. tinal. Bruxelas: Ilse Europa, 2014.
Entre as terapias utilizadas para essas doenças, in-
BRANDT, K.; SAMPAIO, M.; MIUKI, C. Importance of
cluem a alimentação rica em prebióticos e probióticos e o
the intestinal microflora. Pediatria, São Paulo, v. 28, n. 2,
uso de antibiótico de maneira correta. O transplante que
p. 117-127, ago./set. 2006.
ainda está em fase experimental, porém, tem sido des-
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

crito como um método promissor e eficaz, especialmen- BRITO, J. et al. Probiótico, prebiótico e simbiótico na ali-
te para pacientes com infecção por Clostridium difficile, mentação de não-ruminantes. Revista Eletrônica Nutri-
percebe-se, então, a necessidade de maiores pesquisas e me, Viçosa, v. 11, n. 1, p. 3070-3084, jan./fev. 2014.
estudos desse tratamento para que tenha a padronização
da técnica. BURGOS, M. et al. Doenças inflamatórias intestinais: o
As bactérias são vistas muitas vezes apenas como que há de novo na terapia nutricional? Revista Brasileira
patogênicas, no entanto, por meio deste estudo. Nota- de Nutrição Clínica, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 184-189,
-se que também são essenciais à vida e à saúde humana. maio 2008.
Portanto, deve existir uma simbiose e/ou simetria entre
o hospedeiro e as bactérias, uma espécie de mutualismo, CAMPOS, I. A. Avaliação da atividade imunomodu-
a qual ambos se beneficiem em prol da saúde do hospe- ladora de Zymonas mobilus UFPEDA 202. 2010. 83 f.
deiro. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação
em Biotecnologia Industrial da Universidade Federal de
Referências Pernambuco, Recife, 2010.

ALMEIDA, L. et al. Disbiose intestinal. Revista Brasilei- CARLET, J. The gut is the epicenter of antibiotic resistance.
ra de Nutrição Clínica. São Paulo, v. 24, n. 1, p. 58-65, Journal Antimicrobial Resistance & Infection Control, Par-
jan. 2009. is, v. 1, n. 1, p. 1-7, nov. 2012. doi: 10.1186/2047-2994-1-39.

94
A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro

CHAPEL, H. et al. Imunologia para o clínico. 4. ed. Rio LEITE, R.; LEITE, A. A. C.; COSTA, I. M. C. Dermati-
de Janeiro: Revinter, 2003. te atópica: uma doença cutânea ou uma doença sistêmi-
ca? A procura da resposta na história da dermatologia.
DOUGLAS, C. R.; CISTERNAS, J. R. Fisiologia clínica Anais Brasileiros de Dermatologia, Rio de janeiro,
do sistema digestório. São Paulo: Tecmed, 2004. v. 82, n. 1, p. 71-78, jan./feb. 2007. doi: 10.1590/S0365-
05962007000100010.
FRANCINO, M. P. Early development of the gut microbi-
ota and imune health. Pathogens, Basel, v. 3, n. 3, p. 769- LI, M.; WANG, M.; DONAVAN, S. M. Early development
790, set. 2014. doi:  10.3390/pathogens3030769. of the gut microbiome and immune-mediated childhood
disorders. Seminars in Reproductive Medicine, New
GRITZ, E. C.; BHANDARI, V. The human neonatal
York, v. 32, n. 1, p. 74-86, jan. 2014. doi: 10.1055/s-0033-
gut microbiome: a brief review. Fronties in Pediatric,
1361825.
Lausanne, v. 3, n. 17, p. 1-12, mar. 2015. doi: 10.3389/
fped.2015.00017. MACHADO, P. et al. Mecanismo de resposta imune às
infecções. Anais Brasileiros de Dermatologia, Rio de Ja-
GROLUND, H. et al. Fecal microflora infants born by differ-
neiro, v. 79, n. 6, p. 647-664, nov./dez. 2004. doi: 10.1590/
ent methods of delivery: permanent changes in intestinal flora
S0365-05962004000600002.
after cesarean delivery. Journal of Pediatric Gastroenterolo-
gy and Nutrition, Philadelphia, v. 28, n. 1, p. 19-25, jan. 1999. MD. SAÚDE. Antibióticos: tipos, resistência e indi-
cação. 2011. Disponível em: <http://www.mdsaude.
GUARNER, F. Papel de la flora intestinal en la salud y em
com/2011/02/antibioticos.html>. Acesso em: 25 abr.
la enfermedad. Nutrición Hospitalaria, Madrid, v. 22, n.
2015.
2, p. 14-19, maio 2007.
MOAYYEDI, P. et al. Canadian association of gastroen-
GUARNER, F.; MALAGELADA JUNIOR, R. Gut flora in
terology position statement: fecal microbiota transplant
health and disease. Lancet, London, v. 8, n. 361, p. 512-
therapy. Canadian Journal of Gastroenterology and
519, feb. 2003. doi: 10.1016/S0140-6736(03)12489-0.
Hepatology, Cairo, v. 28, n. 2, p. 66-68, fev. 2014. doi:
HARMSE, B. et al. Analysis of intestinal flora develop- 10.1155/2014/346590.
ment in breast-fed and formula-fed infants by using mo-

Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016


PENNA, F.; NICOLI, J. Influence of colostrum on nor-
lecular identification and detection methods. Journal of
mal bacterial colonization of the neonatal gastroin-
Pediatric Gastroenterology and Nutrition, Philadel-
testinal tract. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 77,
phia, v. 30, n. 1, p. 61-67, jan. 2000.
n. 4, p. 251-252, jul./ago. 2001. doi: 10.1590/S0021-
JERNBERG, C. et al. Long-term impacts of antibiotic ex- 75572001000400002.
posure on the human intestinal microbiota. Microbiol-
PEREZ, D. P. Avaliação do uso de Lactococcus lactes
ogy, Washington, v. 156, n. 11, p. 3216-3223, nov. 2010.
produtores ou não da proteína do choque térmico 65
doi: 10.1099/mic.0.040618-0.
como estratégia imunomodulatória em camundongos
KAPEL, N. et al. Practical implementation of fecal com alergia alimentar experimental à ovalbumina.
transplantation. Clinical Microbiology and Infec- 2012. 109 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-
tion, London, v. 20, n. 11, p. 1098-1105, nov. 2014. doi: -Graduação em Biologia Celular da Universidade Federal
10.1111/1469-0691.12796. de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.

LEITE, D. Transplante fecal: restaurando nosso PEREZ, H. J.; MENEZES, M. E.; D’ACÂMPORA, A. J.
ecossistema interno. Disponível em: <http://www. Microbiota intestinal: estado da arte. Acta Gastroente-
microbiologia.ufrj.br/informativo/novidades-sobre- rológica Latinoamericana, Buenos Aires, v. 44, n. 3, p.
-microbiologia/448-transplante-fecal-restaurando-nos- 265-272, out. 2014.
so-ecossistema-interno>. Acesso em: 04 maio 2015.
95
Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro

PERLMUTTER, D.; LOBERG, K. Amigos da mente: nu- SATOKARI, R. et al. Fecal transplation Treatment of
trientes e bactérias que vão curar e proteger seu cérebro. antibiotic-induced, noninfectious colitis and long-
São Paulo: Paralela, 2015. term microbiota follow-up. Case Reports in Medicine,
New York, v. 2014, n. 913867, p. 1-7, nov. 2014. doi:
RAIZEL, R. et al. Efeitos de probióticos, prebióticos e 10.1155/2014/913867.
simbióticos para o organismo humano. Revista Ciências
& Saúde, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 66-74, jul./dez. 2011. SIMÕES, M. et al. Opções terapêuticas para doenças in-
flamatórias intestinais: revisão. Revista Brasileira de Co-
RAY, A.; SMITH, R.; BREAUX, J. Fecal microbiota for loproctologia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 171-182, jul./
Clostridium difficile infection: the ochsner experience. set. 2003.
The Ochsner Jornal, Easton, v. 14, n. 4, p. 538-544, win-
ter 2014. SINGH, R. et al. The potential beneficial role of faecal
microbiota transplantation in diseases other than Clos-
RUPPÉR, E.; ANDREMONT, A. Causes, consequences, tridium difficile infection. Clinical microbiology and
and perspectives in the variations of intestinal density of infection, England, v. 20, n. 1, p. 1119-1126, nov. 2014.
colonization of multidrug-resistant enterobacteria. Fron- doi: 10.1111/1469-0691.12799.
tiers Microbiology, Lausanne, v. 4, p. 1-10, may 2013.
doi:  10.3389/fmicb.2013.00129. TANNOCK, G. The normal microflora: an introduc-
tion. In: TANNOCK, G. (Ed.). Medical importance of
SAAD, S. Probióticos e prebióticos: o estado da arte. Re- the normal microflora. Netherlands: Kluwer Academic
vista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, Tocantins, Publishers, 1999. p. 1-23.
v. 42, n. 1, p. 1-16, jan./mar. 2006. doi: 10.1590/S1516-
93322006000100002.  VYAS, D.; AEKKA, A.; VYAS, A. Fecal transplant policy
and legislation. World Journal of Gastroenterogy, Bei-
SANTOS, R.; VARAVALHO, M. A importância de probi- jing, v. 21, n. 1, p. 6-11, jan. 2015. doi:  10.3748/wjg.v21.
ótico para o controle e/ou reestruturação da microbiota i1.6.
intestinal. Revista Científica do ITPAC, São Paulo, v. 4,
n. 1, p. 40-49, jan. 2011. WALL, R. et al. Role of gut microbiota in early infant de-
velopment. Clinical Medicine: Pediatrics, Auckland, v. 3,
Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016

p. 45-54, mar. 2009.

96

Você também pode gostar