Você está na página 1de 4

Considerações sobre a 3ª Via

Sem pretender esgotar o assunto ou fazer uma análise compreensiva e aprofundada sobre a
chamada 3ª Via nas próximas eleições gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos do
perfil econômico e social desta vertente política. Espero, de alguma forma, contribuir um
pouco para ajudar na definição de estratégias para o campo progressista a partir desta análise
muito sumária.

Em primeiro lugar a questão de nomenclatura é muito imprecisa, pois a 3ª Via pode ser muitas
cosias dependendo do ângulo que se esteja olhando. Esta definição se torna ainda mais
complexa tendo em vista o alto grau de personalismo que marca a nossa vida política, com as
heranças coronelistas sendo ainda muito fortes nos municípios e estados menores, nos quais
há pouca diferenciação política em um sentido estrito, prevalecendo as disputas entre facções
pessoais.

Para dar um sentido mais significativo ao termo uma das alternativas possíveis é buscar uma
maior identidade com interesses econômicos. Esta abordagem exclui uma boa aprte daquilo
que vem sendo classificado como 3ª Via mas, por outro lado, permite identificar um
aglomerado mais consistente de atores que tendem a se mover em um mesmo sentido e com
uma mesma estratégia.

Por mais limitada e contestável que possa ser esta classificação, mas considerando que mesmo
sendo precária é uma categoria que contribuiu para a análise, chamo de 3ª. Via o segmento
mais moderno e internacionalizado da economia, em especial em seus segmentos industrial e
financeiro, visto que o segmento primário e terciário (com a exceção mencionada do
financeiro) teriam maior afinidade de interesses com a via mais a direita representada pro
Bolsonaro.

Grosso modo, esta 3ª Via nas eleições passadas esteve envolvida na tentativa de viabilizar a
candidatura de Alckmin pelo PSDB nas eleições passadas – e, em menor escala, de Amôedo –
mas acabou por abraçar Bolsonaro na reta final frente à impossibilidade de viabilizar uma
candidatura mais próxima do centro e estável.

A falta de um maior interesse em viabilizar uma candidatura da 3ª Via nestas eleições – que é
visível pela disputa só entre egos e não de projetos político-econômicos, mobilizando apenas
facções políticas rivais e não segmentos econômicos – merece ser vista com muita atenção. A
proposição fundamental, então, é que a “3ª Via Econômica” perdeu o interesse na “3ª Via
Política”.

A motivação desta perda de interesse residiria no fato da maior parte da agenda da 3ª Via
Econômica já ter sido obtida nos governos Temer e Bolsonaro – reforma trabalhista,
desregulamentações setoriais, tetos de gasto e Reforma da Previdência assegurando maior
superávit para pagamento de juros, garantia de alta lucratividade para a Petrobras,
principalmente. As tentativas de avançar nas pautas de interesse do capital “moderno”
poderia levar a uma elevação da tensão social gerando instabilidade e colocando em risco os
resultados obtidos, portanto seria mais conveniente para os cálculos estratégicos, no qual este
capital se especializa, aguardar momento mais propício.

É evidente que este capital não hesita em adotar estratégias mais aventureiras quando o risco
pdoe ser compensado – Líbia, Bolívia e Etiópia/Eritréia estão aí para demonstrar isto – porém a
adoção destas estratégias extremas não é resultado de impulsos mas de cálculos. Assim seria
perfeitamente razoável avaliar que no Brasil já se chegou a um ponto ótimo, no qual os
esforços de apertar mais o cinto colocaria em risoc os bons resultados já alcançados.

O movimento das eleições de 2018 demonstraram que este segmento “moderno” do Capital
torceram o nariz a Bolsonaro, mas acabaram por abraça-lo na medida em que se tornou a
única opção viável para continuar a implementação do programa iniciado durante o governo
Temer. Mas no decorrer destes anos, uma vez alcançados alguns dos objetivos tem buscado se
afastar de um regime de popularidade e ineficiência crescentes.

Em particular, na medida em que o apoio pular decai e o regime se volta cada vez mais para o
apoio de uma visão crescentemente fundamentalista a contradição com os setores modernos
do mercado se torna mais evidente. Não só o mercado descobriu, em geral muito antes
inclusive das forças políticas, o potencial das diversidades como elemento capaz de agregar
valor a seus produtos através da diversificação – em especial quando da “desmassificação”
permitida pelo avanço industrial – como da possibilidade de fidelizar clientes com uma
abordagem inclusiva como política. A própria aceitação unânime da inclusão do
“culturalmente diverso” à definição de Sustentável expressa esta aceitação e este
compromisso.

Assim o comprometimento político do regime com uma visão fundamentalista e altamente


discriminatória se torna um obstáculo sério ao endosso dele por parte destes segmentos mais
modernos da economia. Embora esta visão encontre sustentação ideológica nas visões da
classe média baixa – fenômeno que é uma discussão à parte i - como no comércio varejista, a
tendência é se retrair cada vez mais nos segmentos de expressão econômica, até pela
competição e pela maior participação dos segmentos excluídos no conjunto do mercado.

Adicionalmente, uma das preocupações centrais do capital moderno diz respeito à ampliação
do Capital Humano – visto o caráter cada vez menos competitivo das atividades baseadas no
uso intensivo de mão de obra barata – garantindo uma oferta suficiente de mão de obra
qualificada, com baixo custo, para suprir as novas necessidades. Esta necessidade se contrapõe
diretamente à destruição da educação pública e à tentativa de impor nela uma base
anticientífica, fatal para esta formação profissional. Um exemplo desta contradição
transparece, por exemplo, no debate sobre o Fundeb, na qual as instituições ligadas ao capital
moderno (por exemplo Fundação Lehman) se alinharam com os defensores da educação
pública contra a posição do governo e dos fundamentalistas (cujo foco era capturar recursos
públicos).

Ser capaz de compreender estas contradições para minar o suporte de uma eventual reeleição
de Bolsonaro – o qual fatalmente evoluirá para um acirramento das tendências mais
fascistóides e obscurantistas – e ao mesmo tempo evitar o comprometimento ainda maior das
finanças públicas e da economia nacional com estes interesses do grande capital internacional
é um desafio significativo. Encontrar este ponto de equilíbrio, preferencialmente sendo capaz
de voltar atrás em alguns dos pontos mais perversos das reformas, não será fácil, porque se
tem do outro lado uma ameaça fascista contra a qual não se pode titubear.

A ausência de alguma solução de compromisso pode fazer com que um segmento com
expressividade econômica mas incapaz de constituir uma força política – como mostraram as
eleições de 2018 – acabe pendendo para a solução mais fácil de apoiar a opção extremista,
como fez em 2018. Ceder demais, por sua vez, pode fazer com que a agenda “reformista” do
grande capital avance sem ampliar a tensão social, ou seja, com uma governo popular as
implementando contando com sua capacidade de reduzir a mobilização dos movimentos
sociais – repetindo a reforma da previdência do primeiro governo Lula.
i
Pontos parcialmente analisados nestes outros textos deste blog:
https://poderdapalavrasite.wordpress.com/2016/04/19/sindrome-de-coriolano/

Você também pode gostar