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Anais do II Seminário Nacional

Movimentos Sociais, Participação e Democracia


25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil
Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS
ISSN 1982-4602

DO LIXO À CIDADANIA – CATADORES: DE PROBLEMA SOCIAL À QUESTÃO


SÓCIO-AMBIENTAL
Sonia Maria Dias (Doutoranda em Sociologia – UFMG
e-mail: soninha1962@yahoo.com.br)

INTRODUÇÃO

Quais são as possibilidades existentes de transformação do lixo? Quais as respostas que a cidade
pode dar aos sonhos de conquista da cidadania plena daqueles que vivem dos resquícios, das sobras
do nosso consumismo voraz? Essas são questões que nos últimos anos vêm ocupando o centro dos
debates em torno do tema lixo e cidadania.

Estimativas do Banco Mundial apontam que cerca de 2% da população das cidades da Ásia e da
América Latina sobrevivem da catação. A atividade de catação, ilustra uma área que vem sendo
paulatinamente explorada, que é o potencial gerador de renda de programas de reciclagem. Nos
países do chamado terceiro mundo, a reciclagem ainda se sustenta mais no trabalho informal desse
segmento do que na consciência ecológica – ainda incipiente – da população. A complexidade e
intensidade do processo de catação varia de país para país, de local para local, mas, em geral, as
condições de trabalho desumanas, a super- exploração dos intermediários da reciclagem, o
preconceito da população local e a falta de incentivo e de apoio do poder público são alguns dos
elementos comuns em quase todos os lugares onde esta atividade está presente. Além disso, os
chamados processos de modernização do setor de resíduos sólidos têm significado, via de regra,
privatizações o que, conseqüentemente, implica em extinção das oportunidades de trabalho para o
setor informal, como registra a literatura especializada (Birkbeck, 1978; Furedy, 1984).

No entanto, as últimas décadas vêm presenciando, em várias partes do mundo, um processo de


organização do segmento de trabalhadores informais da reciclagem em cooperativas ou associações,
que, em muitos casos, vêm se engajando em diversos projetos de reciclagem em parceria com
administrações locais. No Brasil, várias cooperativas de catadores foram fundadas nos últimos anos,
como por exemplo a Coopamare de São Paulo. Em Minas Gerais, o surgimento da Associação dos

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Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte – a ASMARE1 -, em


1990, trouxe à cena “novos sujeitos sociais” que problematizaram a postura histórica em relação aos
catadores como sujeito incapaz de intervir nas ações que lhe diz respeito, ou seja como sujeito
portador apenas de mazelas e deficiências. A implementação de uma política de resíduos sólidos de
forte cunho cidadão, a partir de 1993, através do Projeto de Coleta Seletiva de Belo Horizonte em
Parceria com a ASMARE pela Superintendência de Limpeza Urbana – SLU- contribuiu na
atribuição de “status semi- público”2 à este segmento empenhado na construção de uma identidade
coletiva enquanto agentes ambientais.3 Belo Horizonte também foi pioneira na incorporação dos
carroceiros do entulho da construção civil, através do Programa de Correção Ambiental, da SLU,
que implantou duas estações de reciclagem de entulho e várias estações de recebimento de
pequenos volumes de entulho onde os carroceiros que trabalham no recolhimento desse resíduo
podem fazer a correta deposição do mesmo4.

Esses projetos funcionam como modelos demonstrativos das possibilidades integrativas a partir da
gestão de resíduos sólidos e vêm inspirando não somente a organização de várias
associações/cooperativas dos trabalhadores informais da reciclagem no Estado de Minas Gerais e no
resto do Brasil, como tem também criado um clima de maior sensibilidade das administrações
municipais para a importância da criação de alternativas de incorporação do segmento de
trabalhadores informais do lixo. As lições aprendidas a partir da parceria ASMARE/SLU, por
exemplo, foi uma das fontes de inspiração para a constituição do Programa Lixo & Cidadania,
criado por iniciativa do UNICEF, em 1998. Tal programa deu origem ao Fórum Nacional Lixo &
Cidadania.

1
A partir de um trabalho sócio-pedagógico desenvolvido pela Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte no
final da década de 80.
2
Me remeto à análise de Offe das três dimensões de análise das organizações de interesse, quais sejam: (...)1. o nível da
vontade, da consciência, do sentimento de identidade coletiva e dos valores dos membros que constituem o grupo de
interesse; 2. o nível da “estrutura de oportunidade” sócio-econômica da sociedade dentro da qual um grupo de
interesse emerge e atua; 3. as formas e as práticas institucionais que são proporcionadas ao grupo de interesse pelo
sistema político e que conferem um status particular à sua base de operação (1989:224).
3
Para uma análise da parceria poder público e ASMARE ver: (1) DIAS, S.M. et all. Coalisões para a mudança: avanços
e limites do Projeto de Coleta Seletiva de Belo Horizonte em Parceria com a Associação dos Catadores de Papel. In:
FERNANDES, E. & RUGANI, J.M. CIDADE, MEMÓRIA E LEGISLAÇÃO: a preservação do patrimônio na
perspectiva do direito urbanístico. Belo Horizonte: IAB-MG, 2002. ; (2) DIAS, S.M. & ANDRADE, H.S. Street
Scavengers: Partners in the Selective Collection of Inorganic Materials in Belo Horizonte City. In: International
Directory of Solid Waste Management 1998/9. The ISWA Yearbook. London: James & James, 1998.
4
Para maiores informações sobre o trabalho realizado com os carroceiros ver a publicação do Programa Gestão Pública
e Cidadania: “Histórias de um Brasil que funciona”, publicado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas, Ciclo de Premiação 2000.

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O presente trabalho tem como objetivo fazer um esforço de compreensão do Fórum Lixo &
Cidadania enquanto uma inovação institucional no campo da produção de políticas públicas de
resíduos sólidos urbanos, procurando apontar alguns elementos para uma agenda de pesquisa que
procure identificar se tal instância tem contribuído de forma efetiva para a formulação e
implementação de políticas públicas de caráter inclusivo. Procurarei traçar o percurso que permitiu
que a questão da catação de materiais recicláveis (catação de lixo, como era antes referida tal
atividade) se associasse à temática da cidadania e apontarei algumas questões exploratórias sobre os
Fóruns Lixo & Cidadania.
1. DO LIXO À CIDADANIA

Lixo e cidadania! É nesse território que se insere o meu objeto de pesquisa. Tradicionalmente um
campo adstrito a engenheiros e administradores, a gestão dos resíduos sólidos esteve sempre
confinada aos seus aspectos meramente tecnológicos e administrativos. Que percurso foi esse que
permitiu que: nas últimas duas décadas o lixo se associasse à cidadania? Que possibilitou que
associações/cooperativas de catadores fossem alçadas à condição de “agentes ambientais” e que
canais de formulação de políticas públicas de resíduos sólidos – na perspectiva de uma composição
socio-governamental - fossem criados - os chamados Fóruns Lixo & Cidadania? De problema
social5 o fenômeno da catação passou a ser considerado como uma questão sócio-ambiental
inserindo-se no âmbito da política, à medida que passou a ser objeto de políticas públicas em nível
nacional, estadual e municipal. É necessário traçar, primeiramente, mesmo que sucintamente, o
cenário da gestão dos resíduos sólidos para se entender o surgimento e o significado dessa nova
concepção de gestão do lixo.

No setor de resíduos sólidos, tanto no cenário internacional quanto nacional, o que sempre
predominou foi uma abordagem tecnicista e administrativa da gestão do lixo, com forte
preponderância de uma visão higienista como eixo norteador das ações. Esse monopólio de
engenheiros e administradores, onde o que impera é o tratamento da questão do lixo no seu mero
aspecto tecnológico, tem significado que processos de modernização no setor têm sido entendidos,
geralmente, como mecanização e privatizações e, conseqüentemente, mais exclusão.

5
Enquanto problema a catação era vista, em geral, como caso de polícia, no sentido de que a atividade sempre foi
vítima de “operações limpeza” de erradicação dos catadores dos seus locais de trabalho. Para uma reconstituição das
“operações limpeza” em Belo Horizonte ver Dias (2002).

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No Brasil, a inexistência de uma legislação de caráter mais abrangente que regulamente as questões
conexas ao saneamento ambiental6, de uma maneira geral, ou à gestão e manejo de resíduos sólidos,
em particular adiciona uma complexidade ainda maior ao quadro. É fato que a regulação federal no
campo dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos nunca foi expressiva. No âmbito
estadual a mesma situação se repete. Na esfera municipal, o arcabouço legal de suporte aos serviços
de limpeza urbana também sempre foi extremamente precário ou quase inexistente. De uma
maneira geral, os dispositivos legais existentes circunscrevem-se a alguns poucos artigos do Código
Municipal de Posturas (instrumento legal este geralmente ultrapassado), quase sempre apenas
reafirmando preceitos "higienistas" de caráter geral a respeito do tema, ao invés de estabelecer
claramente critérios, direitos e deveres de ambas as partes (poder público e munícipes) relativos à
prestação dos serviços de limpeza urbana (Velloso, 2005).

O referencial jurídico na escala municipal é ainda mais incipiente quando se trata de regulamentar a
participação de catadores de recicláveis ou outros grupos, tais como os carroceiros da construção
civil. Alguns municípios apresentam alguns avanços 7 sob o ponto de vista da legislação mas, via de
regra, onde há alguma menção à coleta seletiva nas Leis Orgânicas, essas se limitam a repetir alguns
preceitos de ordem geral referentes à questão do manejo diferenciado de resíduos recicláveis já
expressos na Constituição Federal de 1988, porém sem a necessária regulamentação capaz de
assegurar eficácia como observam vários pesquisadores (Dias, 2002; Velloso, 2005).

Sob o ponto de vista dos investimentos financeiros do Governo Federal no setor, estes sempre
foram inexpressivos, não obstante o grave cenário de degradação sócio-ambiental. A pesquisa
realizada pelo UNICEF, em 1998, estimou que cerca de 45.000 crianças em todo o Brasil
trabalhavam na catação de lixo, sendo que 30% delas sem escola.8 Sob o ponto de vista do
reconhecimento público pelo serviço prestado, diversas pesquisas de campo retratam a forma como

6
Os serviços de saneamento básico são atualmente prestados através de uma grande variedade de arranjos
institucionais, onde convivem prestadores estaduais, municipais e privados e onde os serviços são prestados em
diferentes níveis de qualidade e de regulação. Tal situação deriva em parte do Plano Nacional de Saneamento –
PLANASA – cujo modelo entrou em colapso nos anos 80. Há que se ressaltar que o PLANASA ocupou-se somente do
esgotamento sanitário e do abastecimento de água.
7
A título ilustrativo no caso do município de Belo Horizonte, os instrumentos legais disponíveis são: (1) Lei Orgânica
de BH (1990), no capítulo III, que trata do saneamento básico, no art. 151, inciso VII que tem o seguinte texto:“A coleta
e a comercialização dos materiais recicláveis serão feitos preferencialmente por meio de cooperativas de trabalho.” (2)
Lei 8052/2000 que dispondo sobre a alteração na estrutura da Superintendência de Limpeza Urbana criou o
Departamento de Mobilização, atribuindo legalmente à referida autarquia, o exercício da atividade pedagógica
educacional, de fomento e assessoria técnica à cooperativas parceiras .
8
Fonte: site do Fórum Nacional Lixo & Cidadania: www.lixoecidadania.org.br

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tradicionalmente as municipalidades e a população tratavam os catadores, a saber como inimigos da


limpeza, como “ladrões” do lixo, marginal, vadio (Dias, 2002; Burzstyn, 2000).

Mas o lixo começou a incomodar e algumas conquistas se fizeram notar. Desde 1998 diversos
programas do Governo Federal, paulatinamente, passaram a condicionar o repasse de recursos aos
municípios à: erradicação dos lixões; elaboração de Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Urbanos (com especial atenção ao componente social); apoio à organização dos catadores e parceria
com os mesmos na coleta seletiva e quando necessário Assinatura de Termos de Ajustamento de
Conduta (TAC) pelas prefeituras; adoção dos princípios e conceitos do Programa “Lixo e
Cidadania” criado em 1998 pelo UNICEF 9, entre outros.

Alguns avanços recentes nos dispositivos legais relativos ao setor de saneamento, já em vigor ou
ainda em forma de projetos de lei, têm incidência sobre a dimensão do lixo e da cidadania. A gestão
associada de serviços públicos, por exemplo, prevista pela Lei nº11.107 – 2005 contém dispositivo
que apresenta possibilidades de celebração de convênios com cooperativas de catadores.

O anteprojeto de lei de iniciativa do Poder Executivo10 que tramitava há anos no Congresso


Nacional foi recentemente sancionado pelo Presidente Lula e "institui as diretrizes para os serviços
públicos de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico – PNS", estabelecendo
diversos requisitos de caráter geral extremamente importantes, destacando-se entre eles o
estabelecimento de diretrizes para os serviços de manejo dos resíduos sólidos referentes à inserção
social de catadores de materiais recicláveis, bem como oferece o anteparo legal à celebração de
convênios e contratos com associações e cooperativas de catadores. Essa política representa um
avanço histórico em termos do reconhecimento do direito ao trabalho aos catadores de recicláveis, à
medida que as diretrizes oferecem os elementos legais necessários que podem dar anteparo à
legislações estaduais e municipais especificas de incorporação de catadores em projetos de coleta
seletiva. E mais, o catador passou também a ter representação no Comitê Interministerial de

9
Tal Programa prevê a criação dos Fóruns Lixo & Cidadania, cuja gênese será desenvolvida um pouco mais adiante no
texto.
10
Elaborado originalmente por uma equipe técnica especialmente constituída para essa finalidade em 2004: Grupo de
Trabalho Interministerial de Saneamento Ambiental.

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Inclusão Social de Catadores de Lixo criado pelo Governo Federal em 11 de setembro de 200311
através do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis. Nos últimos anos, recursos de
diversos programas federais passaram a ser colocados no setor de resíduos sólidos e, em especial,
em programas de capacitação de catadores.

O que aconteceu? Que processos estão por trás de todas essas mudanças que permitiram que um
segmento social adstrito ao mercado informal adquirisse “status semi-público”? E que a gestão dos
resíduos sólidos ganhasse uma dimensão participativa?

De um lado temos o processo sócio-organizativo desse segmento social, tradicionalmente avesso à


organização – os catadores de papel, trabalhadores de rua do setor de reciclagem e cuja trajetória
de vida da maior parte de seus integrantes remetia-se ao viver na rua12. De outro, temos todo o
processo de surgimento, no Brasil, de novas formas de participação política e de experiências de
que buscam resignificar a participação política para além do direito de votar e de ser votado, nos
quais os fóruns lixo e cidadania se inserem . Vejamos como isso se deu.

2. O PROCESSO ORGANIZATIVO DOS CATADORES

A literatura disponível nos oferece pouca ajuda em relação ao entendimento da possibilidade de


constituição de sujeitos sociais a partir da rua. Lefebvre, em a Revolução Urbana, embora
reconhecendo em seus argumentos “a favor da rua” que na ...rua, e por esse espaço, um grupo (a
própria cidade) se manifesta, aparece, apropria-se dos lugares, realiza um tempo-espaço
apropriado, também nos adverte que a mesma ...não permite a constituição de um grupo, de um
“sujeito”, mas se povoa de um amontoado de seres em busca (1999:30).

No entanto, várias experiências de organização desse segmento de trabalhadores de rua vem se


constituindo em vários locais no Brasil (tendo mesmo sido constituído, em 2001, o Movimento

11
O Decreto s/nº de 11 de setembro de 2003 cria o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo,
com as finalidades de: implementar o projeto interministerial "Lixo e Cidadania: Combate à Fome Associado à Inclusão
de Catadores e à Erradicação de Lixões".
12
Tal característica vem mudando nos últimos anos em decorrência da complexificação da questão do desemprego.
Várias associações/cooperativas têm sido compostas quase que exclusivamente por pessoas desempregadas.

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Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis), principalmente a partir da visibilidade adquirida


pela experiência de organização dos catadores de Belo Horizonte cuja parceria com a
Administração Municipal, desde 1993, ajudou a evidenciar as possibilidades de intervenção nas
políticas públicas de resíduos sólidos13. A criação da ASMARE se deu a partir da intervenção sócio-
pedagógica da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte.

O fortalecimento da ASMARE se deu num cenário dominado, na década de 1990, pela visibilidade
adquirida pelo socio-ambientalismo, da democratização do poder local e das novas formas de
participação política, ao mesmo tempo, que pela agudização dos problemas daqueles que vitimados
pelo crescente desemprego fazem da rua o seu local de moradia, em função do avanço das
chamadas políticas neo-liberais. Há que se ressaltar que o socio-ambientalismo tem exercido um
forte apelo aglutinador: no caso em questão, os catadores têm explorado bem a conexão entre meio
ambiente e justiça social. A luta dos catadores de Belo Horizonte pelo direito ao trabalho com os
recicláveis (sem serem objeto de intervenções policiais, como era o caso até a década de 1990)
ganhou respaldo a partir da maior publicização da noção de desenvolvimento sustentável. Assim, a
catação sai da qualificação de um problema e ganha status de questão sócio-ambiental, o que vem
conferindo uma maior legitimidade às demandas colocadas pelo movimento dos catadores de
recicláveis em Belo Horizonte e no resto do país.

3. A GÊNESE DO FÓRUM LIXO & CIDADANIA

O trabalho desenvolvido pelo UNICEF com a questão do lixo, desde 1992, no nordeste e norte do
país, conjugado com a experiência de uma oficial de projetos contratada para avaliar esses projetos
plantou as bases para a constituição, em 1998, do Fórum Nacional Lixo & Cidadania que agregava,
inicialmente, 19 entidades14. Essas entidades se organizaram em torno de um Programa denominado
“Programa Lixo & Cidadania cujos principais objetivos são: a erradicação do trabalho infantil nos
lixões, a redução da mortalidade infantil, a geração de emprego e renda para as famílias que

13
A parceria da SLU com a ASMARE potencializou o crescimento da mesma, através do fornecimento de infra-
estrutura de suporte operacional, do aporte de recursos financeiros e técnicos que deram conteúdo prático à luta da
associação pela afirmação do catador enquanto profissional da coleta seletiva da cidade e enquanto sujeito de direitos,
com positivos reflexos sócio-econômicos. Para os limites e avanços dessa parceria ver Dias (2002).
14
O Fórum Nacional agrega atualmente 56 entidades. Para citar apenas algumas: Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária- ABES, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais –ABONG, o Compromisso
Empresarial para a Reciclagem -CEMPRE, o BNDES, a CNBB, o IBAMA, a CEF, o MEC, a FUNASA, Instituto
Pólis, OPAS, SEDU/SEPURB, UNICEF.

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sobrevivem da reciclagem de resíduos sólidos, a erradicação dos lixões e a recuperação das áreas
degradadas por esses vazadouros a céu aberto.

A abordagem à questão do gerenciamento de resíduos sólidos tendo como foco a situação


vivenciada pelas crianças e adolescentes e conduzida, inicialmente, por uma instituição de grande
credibilidade como a UNICEF proporcionou a ambiência favorável para a constituição do Fórum
Nacional Lixo & Cidadania cujas ações têm como pressuposto básico a convicção de que a situação
de degradação ambiental e humana presente nos municípios brasileiros só poderá ser enfrentada a
partir de uma abordagem participativa do gerenciamento de resíduos sólidos e como resultado de
um esforço conjunto nos mais diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal – e de
vários setores da sociedade – ONGs, empresas, associações profissionais e outros segmentos.

Uma das estratégias adotadas pelo Fórum foi o fortalecimento de associações e cooperativas de
catadores e a ASMARE foi a referência natural nesse início. Assim é, que foi com recursos do
Programa Lixo & Cidadania do UNICEF, que técnicos da Pastoral de Rua em conjunto com a
ASMARE iniciaram um trabalho piloto de consultoria nos municípios de Brumadinho e Ibirité,
Região Metropolitana de Belo Horizonte, tendo como objetivo a erradicação do trabalho infantil e a
remediação dos lixões a partir da organização dos catadores, tendo o município de Brumadinho se
constituído no primeiro Fórum Municipal Lixo & Cidadania no Brasil.

O Fórum Lixo & Cidadania15 – seja no âmbito nacional, estadual ou municipal – é constituído de
representantes de diversos segmentos da sociedade civil, dos governos e da iniciativa privada - e
atua nos sentidos propositivo, de articulação de apoios e do monitoramento de programas de gestão
integrada de resíduos sólidos na perspectiva da inclusão dos catadores. Esses fóruns vêm se
apresentando enquanto uma “rede sócio-governamental” 16 que congrega associações profissionais
da área de saneamento ambiental, associações/cooperativas de catadores, técnicos sociais de
ONGs, e de entidades da Igreja Católica e técnicos de agências governamentais em torno da
problemática do lixo e da inclusão social de catadores. Como compete aos municípios o

15
Há cerca de 21 fóruns estaduais instalados e dezenas de fóruns municipais por todo o país. (Dados de 2003. Fonte:
ONG Água e Vida: www.aguaevida.org.br ).
16
A partir da abordagem de Moura ( apud Ilse Scherer-Warren, 1995), enquanto possibilidade de interação entre os
atores do mundo da vida (ou da sociedade civil) e do mundo sistêmico (atores do sistema político/estatal).

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gerenciamento dos resíduos sólidos, cabe aos Fóruns Municipais Lixo & Cidadania, portanto, a
implementação das ações apontadas pelo Programa Lixo & Cidadania.

O papel desempenhado pela ASMARE, enquanto projeto demonstrativo da possibilidade de uma


política pública integrativa dos catadores na área de resíduos sólidos, tem sido de grande
importância tanto no processo de consolidação do Movimento Nacional de Catadores, quanto na
disseminação dos Fóruns Municipais Lixo & Cidadania17 , particularmente no estado de Minas
Gerais. E vale dizer que as lideranças do Movimento Nacional têm consciência do papel que o
Fórum Lixo & Cidadania – nas esferas nacional, estadual e/ou municipal- desempenha não só em
relação às possibilidades de aporte de recursos financeiros, mas também em relação à sua função de
monitoramento social quanto à manutenção e/ou ampliação de conquistas do movimento
organizativo dos catadores.

Identifica-se, assim, que tem havido uma relação de complementaridade entre o processo sócio-
organizativo dos catadores e o surgimento dessas novas instâncias de formulação de políticas
públicas, onde o movimento organizado dos catadores contribui para catalisar o processo de criação
de Fóruns Lixo & Cidadania enquanto, por outro lado, a existência e o bom funcionamento desses
Fóruns potencializa a possibilidade de ampliação de conquistas a esse segmento e de fortalecimento
do movimento social de catadores de recicláveis.

Mas quais são as potencialidades e os constrangimentos desse processo de institucionalização da


gestão do lixo associada à cidadania? Que cidadania é essa que vem das ruas? Uma cidadania para
todos? Em que medida esses novos canais de participação têm sido instrumentos efetivos de
formulação de políticas públicas de resíduos sólidos capazes de efetivamente mudar o cenário de
degradação ambiental e social?

A literatura sobre os novos canais de participação – conselhos gestores, orçamentos participativos,


comitês – já é relativamente extensa18. A literatura acadêmica sobre a experiência dos Fóruns Lixo

17
Através de uma entidade parceira - o INSEA -, o modelo de organização de catadores combinado com o estímulo à
estruturação de fóruns municipais Lixo & Cidadania tem sido aplicado em três capitais brasileiras – Porto Velho,
Fortaleza e João Pessoa – a partir de recursos viabilizados pela Fundação Banco do Brasil através de seu programa de
disseminação de tecnologias sociais que tem a ASMARE como um dos seus projeto demonstrativos.
18
Avritzer (2002); Tatagiba (2002).

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& Cidadania, contudo, ainda é muito esparsa 19. O que se tem em maior profusão são alguns
documentos técnicos20 produzidos no âmbito das instituições que integram o Fórum. Essa
experiência vem demandando, conseqüentemente, um acompanhamento mais sistemático no
sentido de se ter uma agenda de pesquisa voltada para a investigação sobre os seus avanços e
limites, reconstituindo a sua gênese e a sua dinâmica de funcionamento, avaliando em que medida
os mesmos se apresentam enquanto um efetivo canal de formulação e implementação de uma gestão
integrada e participativa dos resíduos sólidos e qual a sua contribuição para o alargamento da
cidadania. E esse é o objetivo do meu projeto de pesquisa. O recorte adotado será a articulação do
Fórum Lixo & Cidadania no âmbito do estado de Minas Gerais e mais, concretamente, num estudo
de caso múltiplo de Fóruns Municipais Lixo & Cidadania do Estado de Minas Gerais. Explicitando
ainda mais, a questão que se coloca é se os Fóruns Lixo & Cidadania, em nível municipal, têm se
traduzido em políticas públicas de resíduos sólidos que realmente têm se traduzido em melhoria do
cenário de degradação ambiental em relação ao lixo e em inclusão social de setores em
vulnerabilidade social.

4. UMA AGENDA DE PESQUISA SOBRE O FÓRUM LIXO & CIDADANIA

Como foi exposto anteriormente, a associação do lixo à temática da cidadania não se deu de uma
forma aleatória ou espontaneísta. Tal mudança se deu num contexto que, como vimos, se situa num
momento onde houve a convergência de processos de mobilização social dos catadores de
recicláveis com todo um quadro de experimentações participativas no país. Uma pergunta poderia
ser feita: qual o caráter de institucionalização dos Fóruns Lixo & Cidadania?

Embora não tenha sua existência definida em lei o Fórum Lixo & Cidadania tem adquirido
crescente legitimidade enquanto um arranjo institucional propositivo de políticas públicas para o
setor de resíduos sólidos, justamente pela dimensão interativa de seu surgimento e funcionamento,
onde se congregam atores tão diversos quanto associações de catadores, técnicos sociais de ONGs
de assessoria, técnicos de órgão governamentais, entre outros.

19
Dos poucos exemplos disponíveis, ver Boeira, S. L. & Silva, W.C. Capital Social e Resíduos Sólidos: Organizações e
Multissetorialismo em Florianópolis – SC. In: CAYAPA Revista Venezolana de Economia Social. Ano 4, n° 7, Junio
2004.
20
Disponíveis em sites da ONG Água e Vida (secretária executiva do Fórum Nacional Lixo & Cidadania), do próprio
Fórum Nacional, do CREA-MG e de agências como o UNICEF, entre outras.

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Mesmo sem existência legal, ou normativa, do ponto de vista oficial, o Fórum Nacional "Lixo &
Cidadania" publicou uma série de documentos de referência elaborados conjuntamente com equipes
técnicas do Governo Federal estabelecendo diretrizes de ação que vêm sendo progressivamente
incorporadas aos procedimentos adotados pelo Governo Federal e pela maioria dos Governos
Estaduais, no que diz respeito à concessão de financiamentos e/ou ao licenciamento ambiental de
empreendimentos relativos ao manejo de resíduos sólidos urbanos. 21

Há inegavelmente uma nova tendência hoje no setor de resíduos sólidos em relação à produção de
políticas públicas de caráter inclusivo, embora, deva-se ressaltar que tal tendência está longe ainda
de se consolidar e de se materializar em experiências duradouras e sustentáveis. Há um grande
investimento de energia por parte de vários espaços institucionais, tanto do campo da sociedade
civil quanto do governo, na criação e fortalecimento dos Fóruns Lixo & Cidadania e estes têm
contribuído na extensão do direito ao trabalho – uma das bandeiras de luta dos catadores –
influenciando diretrizes e projetos de lei como já exposto acima. E a ação dos Fóruns tem se
concentrado na importância da criação de um marco regulatório para o setor de resíduos sólidos,
mas um marco que tenha como pressuposto a inclusão social dos catadores.

Em que pese a ausência de um marco legal que regulamente a existência do Fórum Lixo &
Cidadania creio, portanto, ser possível falarmos da existência de um processo de criação de uma
nova institucionalidade no setor de resíduos sólidos.

Embora o Fórum Lixo & Cidadania não tenha sua existência assegurada em lei, o mesmo adquiriu,
como exposto anteriormente, uma legitimidade enquanto canal propositivo de políticas de resíduos
sólidos, constituindo-se os seus princípios num padrão de regras norteadoras de diversas agências
governamentais na área do saneamento, ou seja, há um conjunto de regras que foram consensadas e
que têm sido seguidas pelos agentes. 22 O Fórum Lixo & Cidadania constitui-se, portanto, numa
inovação institucional no setor.

21
Entre eles o Manual do Promotor Público- Criança no Lixo Nunca Mais, o Manual de Financiamentos etc.
22
Toma-se aqui como referência a definição que Rothstein dá para o que ela chama de “ procedimento padrão de
operação” – regras que foram consensadas e seguidas pelos agentes. A vantagem dessa definição de regras, segundo ela,
é que enquanto “cultura” e “norma social” são excluídas da definição, regras que são políticas (no sentido de que elas
foram estabelecidas tanto por um acordo explícito ou tácito) são incluídas, independentemente de terem sido escritas ou
não, ou decididas de acordo com um procedimento formal (1996:146).

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No âmbito nacional, o Fórum Lixo & Cidadania tem conseguido trazer impactos significativos. Mas
qual é a capacidade real de suas articulações, em nível municipal, para influenciar a elaboração,
implementação e monitoramento da gestão integrada, participativa de resíduos sólidos? Essa é a
questão chave que me coloco. Outras questões se articulam a esta no tratamento da temática:

- Quais os avanços e limites dessa nova instância de participação?

- Que elementos potencializam ou constrangem a capacidade do Fórum em influenciar as


políticas do setor em direção à uma perspectiva inclusiva?

- Que atores participam dessa instância? Qual o caráter de inclusão efetiva dos catadores de
recicláveis nos próprios fóruns e nos programas de resíduos sólidos implementados sob a
sua chancela? A participação desse ator é simbólica ou real? Como (e se) outros grupos em
situação de vulnerabilidade social que sobrevivem do lixo 23 participam nesses Fóruns?

- Que cidadania é essa que vem das ruas? Qual a natureza da relação estabelecida entre essas
instâncias e o movimento organizativo dos catadores?

Vale salientar que as experiências de organização de catadores assumem contornos distintos nas
várias regiões do país, em função tanto da dificuldade de conquista de apoio e parceria com os
governos locais, e/ou quanto à dificuldade que as associações/cooperativas encontram em equilibrar
a energia dispensada ao processo sócio-organizativo e às ações de publicização da causa (ações de
mobilização internas e externas), com a necessidade de se fortalecerem enquanto empreendimento
econômico num mercado da reciclagem cada vez mais competitivo, onde o interesse especulativo
de grupos ligados ao setor de saneamento pressionam pela privatização do setor de resíduos sólidos.
Tal conflito entre os princípios da solidariedade, que anima o associativismo, com os princípios
digamos do mercado, ou seja as associações enquanto empreendimentos, diz respeito à existência
de duas lógicas distintas que operam, simultaneamente, no interior dessas experiências de
associativismo dos catadores colocando, consequentemente, determinados impasses que
mereceriam uma análise mais cuidadosa no campo da sociologia do trabalho. Por enquanto,
permanecemos aqui apenas no registro de tal tensão. Registre-se, apenas por hora o fato de que tal
tensão tem se refletido na dinâmica de funcionamento dos Fóruns Lixo & Cidadania, à medida que
em muitos deles os catadores propriamente dito têm se emiscuido de participar das reuniões, muitas

23
Como os carroceiros que trabalham com o recolhimento do entulho da construção civil, por exemplo.

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vezes sob a alegação de um cotidiano de trabalho pesado, o que tem levado a situações onde quem
fala por eles são as suas entidades de assessoria. O que coloca questões importantes quanto à
qualidade da participação que se dá no interior dessas instâncias.

Gostaria de argumentar que o Fórum Lixo & Cidadania constitui-se numa inovação institucional
que vem permitindo ampliar o aporte de recursos de fundos públicos e privados para a organização
e/ou fortalecimento de organizações de catadores, para a implementação de projetos de coleta
seletiva na perspectiva da inclusão social e na erradicação e remediação dos lixões, mas, ainda,
apresenta muitos limites24 no sentido de se constituir num mecanismo eficaz no sentido de assegurar
a implementação e/ou monitoramento da gestão integrada e participativa de resíduos sólidos. Os
fóruns que mais têm avançado são aqueles onde há uma convergência da vontade política da
administração pública com a capacidade organizativo-mobilizatória dos catadores.

Creio que um desafio que se coloca à rede de entidades que se organizam em torno da temática lixo
& cidadania, seria o de avançar na constituição de Conselhos de Resíduos Sólidos, numa
estruturação, onde aos fóruns lixo & cidadania caberia o papel de ser o espaço da formulação de
consensos dentro do movimento e aos conselhos, o lugar do embate, da disputa.

Numa primeira elaboração tentativa em torno da possível existência de um conselho de resíduos


sólidos, creio que alguns elementos seriam fundamentais, tais como: (a) inserir a formulação de
políticas num contexto mais amplo que os resíduos sólidos urbanos, no sentido de abranger as
políticas urbana, de desenvolvimento, de educação e de assistência social; (b) seria importante
assegurar uma representação mais plural nesses conselhos tais como, donos de depósitos de
reciclagem (que abrigam um enorme contingente de catadores, que explorados pelos intermediários
precisam também ser contemplados nas políticas públicas); associações/cooperativas de carroceiros
do entulho da construção civil, além, é claro, dos representantes de governos e de representantes das
entidades do setor de saneamento ambiental, organizações de catadores e de ONGs de assessoria;
(c) privilegiar os aspectos de inclusão social no desenho das políticas de resíduos sólidos, não

24
Os integrantes dos Fóruns não têm o mesmo grau de comprometimento, há uma baixa capacidade executiva, os
diagnósticos da situação atual dos resíduos sólidos são frágeis, falta qualificação para a participação, entre outros
limites, muitos deles semelhantes aos encontrados em outros canais de participação como os conselhos, por exemplo.

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somente dos catadores das associações/cooperativas, como também, dos catadores não associados e
de outros segmentos em vulnerabilidade social que vivem do lixo; (c) assegurar a mobilização
social e a educação ambiental como eixo estratégico das políticas.

Essas reflexões são apenas apontamentos iniciais que exigem, ainda, um aprofundamento posterior
mas que sinalizam meus “insights” iniciais de como compreender o fenômeno da participação
política - no seio do Fórum Lixo & Cidadania - e como esta participação se reflete ou não na
produção de políticas de resíduos sólidos inclusivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que me propus a fazer nesse trabalho foi a partir da explicitação do pano de fundo de como
historicamente tem se dado o gerenciamento do setor de resíduos sólidos, tentar caracterizar o
Fórum Lixo & Cidadania enquanto uma inovação institucional no campo das políticas públicas de
resíduos sólidos. À guisa de conclusão vale destacar o papel que os novos arranjos participativos, de
uma maneira geral, têm em termos de conferir maior elasticidade à participação política no sentido
desta ir além do espaço de representação dos direitos políticos no parlamento e nas assembléias. No
entanto, como enfatizado por vários autores é necessário fazer uma imersão nessa diversidade de
arranjos existentes, que têm em sua composição atores tão múltiplos quanto, no caso em questão, os
catadores de recicláveis. A especificidade de tal segmento social e a natureza dos seus arranjos
associativos – muitos deles se colocando no campo do que vem sendo chamado de “economia
solidária”25 - colocam vários problemas. Trata-se da institucionalização de uma atividade informal
que congrega, paradoxalmente, elementos tanto de uma “pré-modernidade”26 quanto de apelos
“modernos” de uma ação que contribui para a preservação do meio ambiente. Ou seja, essa
interface da pesquisa sobre novos canais de participação política com o processo organizativo dos
catadores irá requerer muitos refinamentos posteriores.

25
Um campo também problemático em que pese os esforços recentes de construção de um status teórico consistente.
26
com relações de remuneração de não-assalariamento, uma fluidez no código de regras que orientam a prática
associativa com forte predomínio dos aspectos de envolvimento afetivo etc.

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O Fórum Lixo & Cidadania constitui-se num espaço que conta com a participação de diversas
organizações que oferecem subsídios de caráter técnico e financeiro que vem permitindo qualificar
a intervenção política dos catadores de recicláveis, ao mesmo tempo em que contribui para a
universalização de um direito da população como um todo – o de viver num ambiente saudável, o
de ter acesso à coleta seletiva de lixo, de ter os lixões de suas cidades erradicados e remediados.
Avaliar os avanços e limites desse novo canal é contribuir para a produção de cidades que tragam
para dentro os que foram deixados do lado “de fora” da modernidade, isso quer dizer não só os
catadores, mas os pobres de uma maneira geral.

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