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Nota do Organizador: Depoimento publicado em Arte

em Revista v. 2, n. 3, março 1980, p. 77-82.

Depoimento de Cartos Estevam Martins*

canções de Carlos Lyra, chamava-se A prédio cercada de arquibancadas. Como as


mais-valia vai acabar, seu Edgar. A peça músicas da peça, feitas por Carlos Lyra,
era didática e tinha a intenção de explicar eram muito boas, muito engraçadas, o
como funcionava o mecanismo da mais- pessoal que já havia assistido acabava
valia. Minha ligação com o pessoal do voltando uma segunda vez e ficavam
teatro de Arena começou nesse momento. circulando entre a platéia e a varanda,
Isto aconteceu em fins de 61, mais conversando entre si, constituindo uma
Poderíamos começar contando a origem
precisamente em agosto de 1961, logo após espécie de público constante, que
do CPC: o CPC originou-se de uma
a queda do Jânio. Eu, na ocasião, trabalhava freqüentava o local todas as noites. Estas
discussão dentro do teatro de Arena, quando
no ISEB, (instituição aliás muito mal pessoas que estavam ali eram na verdade
de uma temporada no Rio de Janeiro em que
compreendida aqui em S. Paulo). A idéia Leon Hirszman, Arnaldo Jabor, Carlos
se encenavam peças como Eles não usam
central da peça era esta: quatro operários Diegues, Carlos Lyra, Joel Barcelos,
Black-tie e Chapetuba F.C .. Parte do grupo
trabalhavam juntos em uma unidade fabril Armando Costa, e assim por diante, isto é,
se sentia insatisfeito com o tipo de público
qualquer, um deles tem um ataque cardíaco rapazes e moças que queriam fazer cinema,
que as peças atraíam. Segundo eles, o Arena
e agonizante faz um pedido a seus três pintura, música, teatro. Quando foi chegando
não passava de um teatro classe média,
colegas: que saíssem pelo mundo para o fim da temporada do espetáculo de
convencional, fazendo o que o TBC também
descobrir aquilo que ele havia tentado Vianinha, Leon Hirszman e eu chegamos a
fazia, e o importante naquele momento era
descobrir a vida inteira - de onde vinha o conclusão que havia um número enorme de
conseguir uma comunicação direta com as
lucro. Cada um dos companheiros fez um pessoas, supostamente bem dotadas para as
massas populares, através de um teatro feito
caminho diferente, mas só o terceiro acaba artes, em uma perspectiva nova e
diretamente para o povo. Com a briga, o
descobrindo de onde vem o lucro, ou seja, a entusiasmada, e que se não houvesse alguma
grosso do Arena voltou para S. Paulo e
produção da mais-valia. A peça então organização que canalizasse aquele
alguns, Vianinha, Chico de Assis e mais um
pretendia explicar didaticamente o processo. potencial, tudo se perderia com o fim da
ou dois permaneceram no Rio. Sua primeira
Acontece que o Vianinha e o Chico de temporada. A única coisa que nos ocorreu,
iniciativa foi montar uma peça improvisada,
Assis não sabiam direito qual a melhor por incrível que pareça, foi dar continuidade
só para ter alguma coisa pela qual começar -
maneira de explicar de onde vinha o lucro e ao agrupamento montando um curso de
um texto de Vianinha montado na faculdade
foram procurar alguém no ISEB para uma filosofia. Convidamos então um professor do
de Arquitetura. Era um texto musicado com
explicação ao mesmo tempo científica e Rio, chamado José Américo Peçanha, que foi
didática; assim nasceu minha associação aposentado em 1968, e que na época era uma
* Transcrição resumida (realizada por Vera Cintia com eles. A peça foi montada e aconteceu espécie de filósofo das multidões. Cada aula
Alvarez) de depoimento concedido por Carlos um fenômeno interessantíssimo. O teatro da ou palestra sua era assistida por centenas de
Estevam Martins – 1º presidente do CPC - ao CEAC,
em 23 de outubro de 1978. faculdade de Arquitetura do Rio funcionava pessoas, não só estudantes, mas
em um prédio antigo, colonial, avarandado profissionais, professores, artistas, inclusive
e a peça era encenada na parte central do gente que já era ou se tornou famosa. Pelo
fato então de ser um curso dado pelo José
Américo, o número de alunos chegou a departamentos, que depois se dividiram em ofereça possibilidade de comunicação direta
duzentos, o que causou problema de espaço. subsetores, etc… sem violentar os usos e costumes populares.
Procuramos então a UNE e foi-nos cedido Vejam o que aconteceu com o Apesar de termos feito algumas
um auditório. Durante o desenrolar do curso, departamento de teatro. Este departamento era incursões interessantes junto aos
começou a surgir a idéia de fazer algo constituído, inicialmente, por um grupo de trabalhadores, o CPC acabou mesmo
realmente novo. Uma influência importante intérpretes e atores dirigidos por Vianinha. O conquistando o público estudantil. A UNE,
para isso foi a de Paulo Freire, que propósito inicial era aquele de que já falamos: como todo mundo sabe, não tinha uma
freqüentava o ISEB e ali fez algumas mudar de um público de classe média para um vinculação direta com a massa dos
conferências divulgando o trabalho do MCP. público popular. Encontramos aí várias estudantes, poucos estudantes sabiam o que
Ocorreu-nos que poderíamos fazer algo dificuldades; tínhamos a ilusão na época de era a UNE. A direção da entidade percebeu
parecido com o MCP, que já estava que poderíamos entrar facilmente em contato então que teria seu acesso facilitado junto às
repercutindo positivamente em Pernambuco. com o povo, mas a decepção foi terrível. suas bases via CPC. O CPC fazia peças
No nosso caso, no entanto, a coisa teria que Tivemos duas surpresas desagradáveis. A especiais para a abertura de cada congresso,
ser diferente, já que o MCP era um aparelho primeira delas foi a descoberta de que, na além disso participamos de várias UNE-
de Estado, um órgão da Secretaria de periferia, a polícia era mais ativa do que em volantes, corremos o Brasil todo com a
Educação da Prefeitura de Recife. Nós, no Copacabana. Fizemos várias tentativas, mas, UNE, levados pela UNE e levando a UNE à
Rio, tínhamos que criar alguma coisa que muitas vezes, fomos interrompidos pela massa estudantil. Só não fizemos esse
fosse como uma entidade privada e contar - polícia de Lacerda, que invadia o local da trabalho em S. Paulo, isto por causa da
ao contrário do MCP que foi inicialmente apresentação ou impedia nossos espetáculos nossa origem como dissidência do Arena.
montado via mobilização de professores por outros meios. A segunda surpresa foi a Embora mantivéssemos boas relações com
primários - com pessoal de outro tipo: ausência do operário nos locais onde o grupo, nunca penetramos em S. Paulo,
basicamente pessoas que queriam ser supúnhamos que ele deveria estar: os justamente pa ra manter em bons termos
artistas. Nós tínhamos duas diferenças sindicatos. Montamos muitos espetáculos em estas relações. Houve uma iniciativa do
essenciais com relação ao MCP: em sindicatos mas não aparecia ninguém para Caio Graco e do Guarnieri de introduzir o
primeiro lugar, não tínhamos nenhuma assisti-los. É interessante observar que coisas CPC em S. Paulo, mas não foi bem
ligação com o Estado e, em segundo lugar, o como estas nunca são mencionadas pelos sucedida; a hegemonia do Arena no cenário
grosso do pessoal estava ligado às artes, intelectuais e pelas novas gerações que artístico paulista era marcante e o CPC tinha
coisa que não ocorria no MCP. O MCP só fizeram a famosa "crítica do populismo". uma proposta que colidia com a do Arena.
posteriormente desenvolveu o setor de teatro Assim, a dificuldade não estava em montar Foi nessa época que a UNE conseguiu
que acabou revelando o José Wilker, que era espetáculos que pudessem ser levados à tirar a famosa greve do 1/3. As necessidades
uma das pessoas ativas dentro do MCP. O massa: a dificuldade estava em entrar em políticas da UNE, desta forma, conduziram-
MCP fez um trabalho excelente com relação contato com o povo, uma vez que não nos a um contato estreito com o público
a alfabetização e outros bons trabalhos existiam estruturas de conexão entre o grosso estudantil. Nas condições da época era um
baseados na utilização do rádio, do teatro e da população e os grupos culturais politizados trabalho muitíssimo importante porque, na
das associações populares, mas fracassaram que queriam sair fora dos circuitos elitistas. realidade, o corpo estudantil era
incrivelmente com as praças de cultura. Não existia uma sociedade civil desenvolvida tremendamente despolitizado, tanto no que
Como o MCP era vinculado à Prefeitura, o bastante para oferecer associações ou se refere às questões fundamentais da
tinha acesso às praças urbanas que eram organizações populares que fossem vividas e sociedade brasileira, quanto no que diz
então transformadas em praças de cultura; freqüentadas pela população. A partir dessas respeito ao próprio movimento estudantil.
foram três ou quatro e um gasto enorme de decepções, desenvolvemos aquilo que viria a Uma experiência estética interessante
verba, sem que os locais realmente atraíssem ser chamado "Teatro de Rua". João das Neves
foi a do teatro camponês, quando se
gente. Seus melhores resultados foram e Carlos Vereza, seus idealizadores, saíam às desenvolveram as ligas camponesas do
obtidos junto aos clubes de bairro, clubes de ruas e, com os recursos que o local oferecia, Julião no Rio de Janeiro. Joel Barcelos,
damas, de xadrez, a montagem de cursos de montavam cinco, seis pequenos esquetes por
grande ator popular, liderou a equipe que se
corte e costura, enfim, coisas bastante dia, subindo em árvores, subindo em postes,
locomovia para o Estado do Rio. Os
atomizadas, envolvendo pequenos grupos e na Central do Brasil, em portas de fábrica, primeiros espetáculos que foram feitos na
resultando num trabalho muito fragmentado, etc… Com base nos bons resultados deste tipo área rural foram fracassos lamentáveis.
embora rico em termos de comunicação real de esquema é que surgiu a idéia da carreta. O
Diante disso, Joel Barcelos teve a feliz
com a vida cotidiana da população. departamento de arquitetura surgiu com dois
inspiração de rejeitar os textos prontos e
Voltando ao CPC. Com base na relação objetivos: bolar a carreta e conseguir recursos exteriores à realidade do local, sugerindo
que mantínhamos com a UNE, pedimos um junto ao Serviço Nacional de Teatro para que o grupo chegasse ao local da
lugar qualquer para que começássemos a transformar o auditório da UNE em um teatro.
apresentação uns dias antes e se dedicasse a
nos reunir. A UNE nos cedeu uma Em pouco tempo, o auditório, que não tinha
estudar os problemas e os tipos humanos
saletazinha que ficava no fundo de um acústica nenhuma, foi transformado em um mais característicos do local; cada ator
auditório, com cerca de dez metros teatro para valer: palco, som, maquinaria elegia um tipo, e o grupo montava um texto
quadrados. Havendo uma variedade muito perfeita, camarins, etc… tudo feito para
em que aparecessem estes tipos com os
grande de interesses por parte do pessoal funcionar a contento. A outra tarefa do
nomes ligeiramente alterados, e os
que compunha o grupo inicial do CPC, departamento de arquitetura foi a carreta; ela problemas que a população do local
organizamos vários departamentos. Criamos tinha todos os recursos de som e iluminação e enfrentava. Isso funcionou otimamente.
inicialmente o de teatro, que foi um dos era transportada por jipe até o local da
Outra atividade interessante desenvolvida
mais importantes, e, logo em seguida, os apresentação; o teatro de rua começou a
pelo CPC foi a literatura de cordel. Dessa
departamentos de cinema, música, artes operar com base nesta carreta. Uma coisa que experiência participaram Félix de Athayde,
plásticas, mais tarde o de alfabetização de nós tentamos mas não conseguimos fazer, a que trabalha atualmente no Pasquim, e
adultos, e, finalmente, acabamos criando o terceira ambição do departamento de
Ferreira Gullar (este, aliás, foi uma das
departamento de arquitetura para resolver arquitetura, era fazer um circo, na esperança
grandes conquistas do CPC pois, antes de
problemas como a construção do teatro do de que o circo se transformasse num lugar existirmos, ele escrevia no Jornal do Brasil
CPC e da carreta para apresentações privilegiado de encontro com o povo. Um dos e estava ligado ao movimento concretista,
itinerantes. empecilhos foi a polícia, o outro foi a penúria
mas, finalmente, acabou sendo meu sucessor
Tínhamos também o departamento de de recursos. A idéia do circo é viável inclusive
como presidente do CPC, quando acabou
literatura, que trabalhava com literatura de hoje, a tentativa de criar um espaço que
meu mandato). A idéia básica era aquela a
cordel. Abrimos o leque em vários que tínhamos chegado através dos nossos
primeiros contatos com platéias populares, a enquanto fui presidente, foi a idéia de que o atrás do MCP. Este funcionamento em
de que se deveria colocar conteúdos CPC devia funcionar em termos termos de empresa possibilitou a criação da
políticos dentro de formas de cultura empresariais. Um grupo de teatro argentino, PRODAC, que era uma subsidiária do CPC,
popular, e a literatura de cordel era uma com o qual tivemos contato antes mesmo da para a distribuição de livros e discos através
delas. Outra coisa que pretendíamos fazer criação do CPC, nos ensinou uma coisa de uma rede informal instalada por nós pelo
era montar uma Universidade Popular; muito importante: o nosso público, que iria Brasil afora. Tal era a eficácia da PRODAC,
chegamos a projetar seu primeiro curso, usufruir de nossa criação cultural, é que que a Editora Civilização Brasileira chegou
que, tinha como base o curso de filosofia deveria pagar por ela, pois só assim a querer colocar seus livros através dela.
que originara o CPC. O curso era tiraríamos, como de fato tiramos, o Estado Fazendo as contas, a PRODAC chegou a
constituído de cinco matérias: História, da jogada e não ficaríamos, como os vender mais discos que a Elizeth Cardoso e
Política, Economia, Filosofia e Sociologia. sindicatos, atrelados ao Estado pelo umbigo isto sem entrar em nenhuma loja de discos.
As aulas eram bastante simples e seriam da dependência econômica. Naquela época Isto foi principalmente facilitado por nosso
distribuídas através dos sindicatos, visando não se dava a importância que se dá hoje ao propósito de criar CPCs em todos os
recolher em resposta críticas e questões que conceito de sociedade civil (jamais ouvi lugares: não só em outras capitais, como
seriam discutidas em aulas subseqüentes. quem quer que seja criticar o MCP pelo fato dentro da própria Guanabara (criamos sete
Mas isso não foi possível realizar nos curtos dele fazer parte de uma Secretaria de CPCs na Guanabara), e foi através desses
dois anos e pouco de vida do CPC. No Educação). Mesmo assim, intuitivamente, outros CPCs que conseguimos uma ligação
departamento de cinema conseguimos ou, quem sabe, forçado pelas circunstâncias, mais efetiva com a classe operária, como o
produzir quatro filmes, que depois foram o CPC constituiu-se como órgão da CPC do Sindicato dos Metalúrgicos de
juntados no longa-metragem Cinco vezes sociedade civil, foi criado por ela e Santo André em S. P., no qual os operários
favela, com Carlos Diegues, Leon sustentado por ela o tempo todo. Daí a produziam seus próprios textos, adaptações,
Hirszman, Miguel Borja e Marcos Farias. A importância da tese que sempre defendi de etc… Nós do Rio acabamos assumindo o
produção de cinema era feita sem recurso funcionarmos como empresa, sem fins papel de abastecedores de outros CPCs. É

financeiro nenhum, sem Embrafilme e sem lucrativos, é claro; mas como empresa. Em como se constituíssemos o CPC-mãe, donde
coisa nenhuma. Um dos aspectos mais alguns momentos, o CPC chegou a ter de vertiam idéias e temas que os outros CPCs
sensacionais do CPC foi justamente este, o 300 a 400 pessoas envolvidas ativamente no aproveitavam para dar início a seus
entusiasmo com que se realizavam as seu trabalho, fazendo, portanto, parte do trabalhos. Hoje em dia há muita gente que
coisas, em qualquer setor, sem nenhum Centro, embora nem todas fizessem parte da acusa o CPC de ter sido autoritário e
recurso financeiro. O setor de música folha de pagamentos. Havia pessoas que populista. A prática que acabei de
promovia feiras lítero-musicais, que eram largavam seus empregos para dar tempo mencionar, a política que tínhamos de criar
feiras de livros previamente escolhidos por integral dedicado ao CPC; estas pessoas outros CPCs por todo o Brasil e dentro da
nós, mais a nossa própria produção e naturalmente ganhavam no CPC o mínimo Guanabara, deveria fazer esta gente pensar
armávamos um palco para o show musical. para sobreviver e continuar o trabalho. Para duas vezes. Que autoritarismo é esse que sai
Através dessa feira foram lançados vários poder pagá-las era necessário cobrar pelo pelo país afora criando e apoiando o
compositores populares como Zé Kéti, que fazíamos. Tivemos discussões sérias funcionamento de entidades congêneres,
Nelson Cavaquinho, Cartola. Estes artistas com candidatos populares que queriam que cada uma das quais seguindo seus próprios
eram desconhecidos e o CPC os descobriu ajudássemos nas campanhas políticas caminhos e fazendo o que bem entendia, de
nos morros, trazendo-os para as feiras. Por gratuitamente. Quando estive em Recife acordo com suas próprias concepções a
causa do sucesso destas promoções lítero- para fazer a avaliação do MCP, fiquei respeito do trabalho de cultura popular? E
musicais conseguimos a adesão de Vinícius assustado ao ver a desproporção de que populismo é esse que fez tudo o que
de Moraes, que participou destes shows e recursos; o MCP tinha seguramente umas sabia num esforço penosíssimo para criar
compôs o hino da UNE. 30 vezes mais recursos que o CPC, e se CPCs nas organizações de massa como os
Um problema que discutimos com formos comparar o trabalho de um e de sindicatos por exemplo, CPCs que eram
freqüência era o de saber se o CPC devia outro, verificamos que o CPC, com uma dirigidos e desenvolvidos pelos próprios
funcionar como um movimento social, ou produção efetiva muito grande, não ficou
como uma empresa. O que prevaleceu,
trabalhadores? Não só tínhamos essa decorrente da idéia de que era necessário Daí o pavor das patrulhas ideológicas que
política, como a praticávamos para valer. A aumentar as fileiras, politizando as pessoas marca, até hoje, a vida de alguns. Mas, para
prova disto é que fundamos, logo no a toque de caixa, para engrossar e enraizar o a maioria, isto era normal. Eu, por exemplo,
princípio, um departamento chamado de movimento pela transformação estrutural da lembro-me de que nem liguei, não achei
Relações Externas, exclusivamente sociedade brasileira. É preciso sacrificar o nada de mais. Tínhamos apenas perdido
encarregado desse trabalho, que era artístico? Claro que sim, porque as classes uma parada para a direção da UNE. E nós,
conduzido sob o lema "crescei-vos e populares vão chegar ao poder logo, logo. A que perdemos simplesmente, partimos para
multiplicai-vos". Recordo-me, inclusive, que avaliação de conjuntura levava à conclusão outra. Nós não dávamos nenhum valor
cheguei a destituir de suas funções, mediante de que havia um ascenso do movimento de especial aos textos, à autoria, à
aprovação da Assembléia Geral do CPC, um massas e que tudo só dependeria do esforço subjetividade. Quer dizer, um autor
dos chefes deste departamento (hoje pessoa que empregássemos para multiplicar essas qualquer, vendo sua peça impugnada,
famosa no mundo cultural brasileiro), pelo forças sociais em ascensão. Enfrentamos o vetada, censurada, iria tentar montá-la de
fato de considerarmos que ele não estava MAC - Movimento Anti-Comunista, que qualquer jeito. Nós simplesmente
dando tudo o que podia dar para a criação de um dia chegou a metralhar nossa equipe de esquecíamos o incidente. Só fui reencontrar
um número cada vez maior de CPCs. As cinema, e a polícia o tempo todo, mas a esse texto porque o Fernando Peixoto tinha,
pessoas que atacam o CPC, como também o sensação permanecia, daí esta paixão e esta por acaso, uma cópia. Era muito fácil
ISEB, fazem suas crítica quase sempre com dedicação ao trabalho. No caso do teatro, a esquecer os percalços, porque havia uma
base na leitura desse ou daquele texto que, gente fazia uma peça com uma rapidez facilidade enorme em criar, em fazer as
acreditam, seria equivalente à história da espantosa, peças que fizeram sucesso como coisas novas, uma atrás da outra. A
instituição criticada. Este método me parece o Auto dos 99%, que chegou a deslocar o explicação disto só pode estar na vibração
muito precário, simplesmente porque a vida maxilar de um espectador de tanto rir, em contagiante que o CPC propiciava. É difícil
não é igual aos textos e, no caso daquelas Alagoas. Fizemos este texto em uma explicar o que acontecia, mas era realmente
instituições, das quais participei, a vida foi semana, cinco pessoas sentaram e fizeram o uma coisa sensacional. Música, por
incrivelmente diferente dos textos. trabalho: Vianinha, Armando Costa, Marco exemplo, o sujeito começava a fazer uma
Outro lado interessante com relação ao Aurélio, eu e mais outro, e a montagem do musiquinha, entrava um outro fazia um
CPC é o que podemos chamar de efeito espetáculo foi feita não antes, mas durante, retoque qualquer, entrava outro que remexia
boomerang do CPC com relação ao ISEB. O isto mesmo, durante as sucessivas mais um pouquinho; o primeiro, que havia
CPC começa sob o impacto da presença do apresentações da peça. No caso do Auto dos bolado o início, refazia sua inspiração e, de
ISEB. Isso num primeiro momento mas, 99% havia uma UNE-volante marcada e repente, estava pronta a música. Em
com o tempo, a ligação se inverteu: o CPC tínhamos feito duas peças: Brasil, versão seguida, a gente cantava uma vez num show
passa a influenciar o ISEB. O ISEB muda, brasileira, do Vianinha, sobre a luta e logo a platéia estava cantando junto, eram
pelo menos em parte, sua linha de trabalho; operária e a aliança com a burguesia coisas que tinham capacidade de promover
se antes seu público é um público de elite, nacional, e O formiguinha, de Arnaldo identificação. O fantástico é isto, a enorme
após o surgimento do CPC o ISEB lança Jabor, sobre as lutas camponesas e o variedade de coisas realizadas num tempo
duas coleções voltadas para o público problema agrário. Quando a UNE-volante tão pequeno. Nós fizemos, por exemplo,
popular: os Cadernos Brasileiros, estava pronta para sair, lembramos que vários folhetins de cordel, pegamos o jeitão
produzidos pelo ISEB e editados pelo Ênio estava faltando uma peça sobre o daquilo e fomos fazendo. Outro exemplo:
Silveira, e a História Nova, feito por gente movimento estudantil. Aí surgiu o Auto dos havia um rapazinho que dormia lá na UNE
ligada ao CPC e por Nelson Werneck Sodré, 99%. A primeira apresentação foi feita em em um quartinho. Era um secundarista. Ele
onde se pretendia contar a história do Brasil Curitiba, sem nada ensaiado, distribuímos começou mexendo com mimeógrafo, dali
a partir do ponto de vista das classes os papéis entre os atores e fizemos só a passou a mexer com a parte de eletricidade
populares e através de uma linguagem leitura da peça, e já na leitura vimos que a dos nossos espetáculos e, rapidamente, se
popular. Estas publicações tiveram enorme peça ia colar. E, de fato, no Brasil todo, transformou num expert de luz e som;
sucesso, tanto as sim que os autores foram mesmo com a montagem sendo improvisada quando acabou o CPC ele foi trabalhar
presos ou se exilaram em 64. aos poucos, a peça funcionou às mil numa companhia de teatro como eletricista
Para avaliar os resultados do CPC, maravilhas. A efervescência que havia no profissional.
devemos primeiro examinar alguns dados. CPC foi fantástica. Eu próprio, que nunca A avaliação do CPC também tem que
Primeiramente, com relação à produção, é tinha feito nada em termos de teatro, redigi levar em conta o fato de que o CPC não era
interessante observar como foi possível, dois textos; um deles era uma peça em três um partido político. O nosso objetivo era
dispondo de um tempo tão curto, criar uma atos com 40 personagens e música de Sérgio motivar, predispor, criar atitudes favoráveis
produção tão grande. A explicação para isto Ricardo, um negócio maluco. Foi inclusive à participação política das pessoas. Os
está na vontade, na disposição para fazer e uma peça profética. Era sobre o movimento avaliadores da importância do trabalho do
na crença nos resultados. A análise de estudantil, e terminava com um golpe de CPC eram os partidos e os partidos
conjuntura está relacionada com este Estado e a UNE cercada e incendiada. Uma adoravam o CPC. Disputavam inclusive o
entusiasmo. A queda de Jânio foi das idéias básicas da peça era que, numa poder lá dentro, não havia ninguém dentro
fundamental para o surgimento do clima que situação difícil como esta do golpe de do CPC que não estivesse sob o assédio dos
originou o CPC, todo aquele fervor só tinha Estado, as bases tenderiam a passar por partidos. A UNE, quando percebeu o que
uma justificação: a idéia de que íamos cima das direções estabelecidas, no caso do significava o CPC em termos de introdução
chegar lá, e muito rapidamente. Com a movimento estudantil, a diretoria da UNE a um trabalho posterior de organização, que
renúncia de Jânio, armou-se um golpe de seria ultrapassada se não fosse aliás não cabia ao CPC desempenhar,
direita para impedir a posse de Jango e suficientemente agressiva. A peça foi facilitou tudo para o CPC. O CPC não iria
instalar uma ditadura de direita, e todos os montada numa produção caríssima, com organizar ninguém, o máximo que fazíamos
que depois viriam a fazer parte do CPC músicas de Sérgio Ricardo, direção de era organizar outros CPCs; o trabalho de
participaram da luta pela legalidade, junto Arnaldo Jabor, com 40 personagens e com organização política corria por conta dos
com Brizola, o III Exército, a UNE, a CGT, Helena Ignez e Joel Barcelos nos dois partidos, dos sindicatos, das ligas, dos
os sindicatos, o movimento camponês, etc… principais papéis. No dia do ensaio geral, diretórios, etc. Os partidos chegaram
Durante esse período, até 1964, tínhamos a com tudo pronto, a direção da UNE assistiu inclusive a programar nossa atividade, nós
perfeita sensação de que as classes populares à peça e proibiu sua encenação, censurou a trabalhávamos a pedido, não precisávamos
haviam vencido, uma sensação que há 14 peça. Para a geração AI-5 o grande censor programar nada; o que nós não tínhamos era
anos está enterrada. O CPC surge daí, foi o Armando Falcão. A nossa geração capacidade de atender a todas as
conheceu a censura feita e aplicada pela solicitações. Vinha a solicitação de fazer
própria vanguarda do movimento estudantil. alguma coisa em algum lugar e, se a gente
pudesse, a gente ia. Quer dizer, ou se fazia pedagogia política, se ligar à gente, sua mulher, Helena Ignez
Essa rede da PRODAC, por exemplo, usando a arte para produzir conscientização trabalhou em várias peças nossas, ela era
no fundo ela foi dinamizada pelos partidos e política, ou então nada feito, voltava-se para membro efetivo do CPC, mas Glauber, que
pelas organizações de massa. Assim, o o teatro de elite, a música, a literatura, o sonhava ser um grande cineasta, não podia
principal critério para avaliar o nosso cinema de elite. Esta tensão percorreu toda aceitar aquela camisa de força, uma
trabalho era o volume de pedidos que a história do CPC e teve momentos muito atividade que, se tivesse algum mérito, seria
recebíamos; a percepção dos lucros políticos, dramáticos. Vianinha, por exemplo, era uma educacional e político e nunca artístico. O
no caso, era fundamental para que nos pessoa extremamente talentosa, muito bem objetivo era educar, educar via utilização
solicitassem. Mas a nossa intenção inicial dotado como dramaturgo e era obrigado a das artes.
não era essa; o que aconteceu foi por conta fazer coisas tão simples que fazia dúzias por As discussões sobre as intenções e as
da vida - o que nós pretendíamos ser era uma dia. Não havia exigências em termos de finalidades do CPC têm gerado ultimamente
companhia de teatro. Uma companhia de criação estética, e a filosofia dominante no vários equívocos. Há pouco tempo dei um
teatro diferente, para o povo, como se isto CPC era essa: a forma não interessava depoimento na PUC e fui interpelado por
fosse possível. E tivemos que ir descobrindo enquanto expressão do artista. O que alguém que acusava o CPC de ter sido um
o caminho sozinhos: inicialmente, pensamos interessava era o conteúdo e a forma movimento feito de cima para baixo, uma
que o povo estivesse nos sindicatos, enquanto comunicação com o público, com atividade paternalista, que vinha com uma
fracassamos; partimos para o trabalho de o nosso público. Uma vez, fomos com a mensagem pronta para enfiar na cabeça da
rua, que nos tornou conhecidos rapidamente, carreta para o Largo do Machado, massa. Esse tipo de crítica revela uma
e foi aí então que não precisamos mais nos estávamos fazendo um espetáculo em um incapacidade muito grande para entender o
preocupar com o que tínhamos que fazer. dos lados da praça, enquanto que no outro que de fato foi o CPC. Não é uma análise,
Vinham os pedidos e nós só precisávamos havia um sanfoneiro e um sujeito tocando mas apenas a manifestação ideológica de
atendê-los na pressuposição de que quem pandeiro. Apesar de todo nosso uma vontade que deseja cortar seus laços
estava fazendo o pedido tinha a intenção de equipamento de som e luz, o sanfoneiro e o com o passado. Infelizmente, as pessoas tem
fazer um trabalho político que a nossa pandeirista juntavam mais gente que nós. essa reação infantil de não quererem assumir
atuação iria potencializar. A convicção de Saímos dali para fazer uma reunião de o peso de seu próprio passado, querem fazer
cada um que trabalhava no CPC era de que o avaliação e saiu uma pauleira fenomenal. de conta que as correntes políticas a que
que se fazia era de uma utilidade enorme e Lembro-me de que pus aos berros: "Não é pertencem hoje não existiram antes e não
que cada um era absolutamente possível, isto é um fracasso total e fizeram (com outros nomes e outras
indispensável à marcha da História; não completo, eu vou sair com os sanfoneiros e pessoas) coisas que representam uma
havia nenhuma dúvida, nenhuma hesitação. vocês ficam aqui, vocês pretendem se herança, uma tradição que elas tem que
O problema que havia era o da carreira comunicar com a massa e estão levando receber com respeito e continuar com
artística dos que eram mais talentosos. Havia uma linguagem que não está passando". Foi criatividade, transformando-a de acordo
falta de espaço para a criação artística daí que surgiu esta concepção do CPC de com as novas condições – objetivas e
propriamente dita. Aqueles que tinham que deveríamos usar as formas populares e subjetivas – que passaram a existir. Em vez
talento, e continuaram depois o trabalho rechear estas formas com o melhor de se comportarem de uma maneira adulta e
artístico, mantinham a ilusão, e eu alimentei conteúdo ideológico possível. Isso deixava madura, aceitando suas responsabilidades
esta ilusão, de que era possível fazer arte ali o pessoal que era artista com mágoa. O históricas, as pessoas que começaram a
dentro. Eu dizia que o problema estava na Glauber Rocha, por exemplo, não conseguiu fazer política recentemente preferem tomar
falta de talento deles, em não terem ainda essa atitude infantil de ruptura absoluta com
descoberto um jeito de fazer alguma coisa o passado, como se elas fossem fazer agora
que fosse popular e, ao mesmo tempo, com algo de inteiramente novo, algo que nunca
valor artístico. Eu sempre defendi esta existiu na face da terra e que, por isso, vai
posição lá - "Dá para fazer, é que vocês não dar certo. "Vocês estavam errados e nós
descobriram ainda como, vamos lá, vamos estamos certos", isso é o que nos dizem.
descobrir". Mas eu estava careca de saber Mas como sabem que estão certos? Esta é a
que não ia dar nunca. Que a tendência era pergunta que nos leva ao fundo da questão.
cada vez mais baixar o nível, e eu lutei para Cada geração opera dentro de um
que cada vez mais se baixasse o nível, não determinado horizonte histórico. As pessoas
do conteúdo, mas da forma. Plagiávamos, acham que estão agindo acertadamente
por exemplo. Para um artista isto é de quando sentem que estão pensando no
chorar, o artista não admite plagiar o limite, quando vêem que não há ninguém
trabalho do outro e, no entanto, nós fazendo mais ou melhor do que elas. Foi
plagiávamos. Outro exemplo: o Chico de isso que aconteceu conosco. Quando hoje
Assis queria aplicar técnicas de Brecht e eu alguém me diz que se estivesse lá no CPC
disse: "Nada de Brecht por aqui". Quer não teria agido da mesma forma como nós
dizer, nós tínhamos tanta auto-confiança que agimos, acho isso um absurdo, ou melhor
vinha alguém falar de Brecht, no caso um dizendo, uma arbitrariedade, uma violência.
teatrólogo, e nós dizíamos que Brecht não Por que simplesmente não havia ninguém
entendia nada daquilo que estávamos propondo fazer outra coisa maior ou melhor
fazendo, que não queríamos efeitos de e, se houvesse, não há nenhuma dúvida de
distanciamento, mas o máximo de que nós faríamos essa outra coisa maior ou
aproximação possível. É importante melhor, pois era disto que estávamos a fim.
sublinhar este conflito interno que percorreu O que é preciso entender é isso: nós
a história do CPC. As pessoas faziam parte estávamos atuando no limite do nosso tempo
do CPC porque eram artistas ou porque histórico. Ainda que mal comparando, é essa
queriam fazer uma carreira artística e a situação que Marx invoca para explicar a
entraram na aventura do CPC porque sobrevivência das obras clássicas da
achavam que era possível ser artista e, ao literatura. Por que os teatrólogos gregos,
mesmo tempo, fazer arte para o povo. As Shakespeare, Balzac, etc., continuaram
pessoas que não tinham pretensões artísticas, válidos para além do seu tempo, não
como era meu caso, perceberam rapidamente sucumbiram ao desaparecimento das
que isto era um barco furado. condições que deram origem às suas obras?
Por isso, porque exploraram as
possibilidades da sua época até o limite e não era nem isso o que o CPC fazia. Não social, onde além do mais temos que levar
assim alcançaram a máxima plenitude que eram as suas próprias idéias que o CPC em conta a intervenção permanente dos
é possível para o ser humano, um ser apresentava ao público, pela simples razão ideólogos das classes dominantes,
finito que não vive na eternidade, mas de que não as tinha. Vejam, por exemplo, disseminando inverdades por quantas
dentro dos limites de cada época histórica. como foram escritas as primeiras aulas juntas têm? O CPC tinha em vista dar
Já que estou falando sobre isso, gostaria que chegamos a preparar para aquele uma contribuição para que o homem do
de dar um exemplo mais terra a terra. Os projeto da Universidade Popular. Não povo pudesse superar as inúmeras
que acusam o CPC de ter sido populista e foram os membros do CPC que as dificuldades, as enormes desvantagens
coisas no gênero apontam o fato de que escreveram. O que nós fizemos foi que ele enfrenta para adquirir uma
nós não criticávamos o Brizola, o Julião, o procurar os economistas, os sociólogos, os consciência adequada da sua real situação
Arraes etc. Mas eu pergunto o seguinte: historiadores, etc. que eram considerados no mundo em que vive e trabalha.
existe algum movimento social hoje que os melhores, os mais competentes que Basicamente, nós éramos pessoas de
se dedique a ir às praças públicas para existiam naquela época no Rio, e pedimos classe média, a maioria de classe média
atacar o Lula, para dizer que o Lula é um a eles que fizessem o programa do curso e baixa. As camadas e classes sociais que
bandido, que está traindo as massas redigissem a primeira aula de cada existiam acima de nós (a classe média
populares, que está ofuscando a matéria. E foi isso que eles fizeram. alta, a burguesia, os lati fundiários e assim
consciência de classe dos trabalhadores? Depois então pegamos aqueles textos e os por diante) não nos interessavam. O nosso
Não existe. Não existe e nem pode existir. reescrevemos para colocar aquelas idéias e público eletivo era o que estava abaixo de
Mas daqui a quinze anos, se vocês forem informações numa linguagem popular. nós. Objetivamente, portanto, tudo que
chamados para um debate onde terão que Quer dizer, a nossa intenção não era a de fizéssemos teria que ser necessariamente
explicar o que foi o Centro de Estudos de dar o "nosso recado", mas o da ciência. de cima para baixo. Nunca pensamos em
Arte Contemporânea, talvez aconteça com Por outro lado, eu não tenho dúvidas de adotar o maquiavelismo ou a hipocrisia de
vocês o mesmo que aconteceu comigo: que esse método funciona pois, depois de entrar em contato com a população,
alguém vai pedir a palavra para dizer que 64, uma das coisas que fiz para ganhar a fazendo de conta que não tínhamos nossas
vocês não fizeram o que tinham que ter vida foi escrever um livro sobre Freud, próprias posições, que não apoiávamos
feito e para acusá-los de nunca terem utilizando a nossa tecnologia do CPC. O determinadas idéias ou concepções.
atacado o Lula. Daqui a quinze anos todos livro já ultrapassou a vigésima edição. Um Queríamos fazer e fizemos um trabalho
terão esquecido o fato de que hoje ano depois que o livro saiu, fui procurado educativo, que abrisse possibilidades de
ninguém pode fazer política junto às por uma moça que trabalhava na Editora transformar a realidade. Não tínhamos
massas populares com base numa Forense (a Rosa Maria Muraro), que nenhuma dúvida de que estávamos
semelhante postura. queria me contratar para escrever para a trabalhando pelos interesses mais
Dizem que o CPC atuava de cima sua empresa, por que, ao chegar tarde da profundos e históricos das classes
para baixo, que levava uma mensagem noite em casa, ela encontrou sua populares. Entendíamos, com uma aguda
pronta. Para começar, acontece que fomos empregada sentada na cozinha lendo, já consciência (isso está na letra de uma de
nós quem instituímos, no Brasil, a prática para lá da metade, esse livro sobre Freud. nossas músicas), que éramos pessoas
de jamais apresentar um espetáculo – As pessoas que hoje acusam o CPC socialmente privilegiadas; tínhamos tido
fosse do que fosse, teatro, música, cinema, de paternalismo fariam melhor se acesso à compreensão de uma porção de
artes plásticas – sem que a apresentação pensassem um pouco sobre o seu próprio coisas e achávamos que o nosso dever era
do espetáculo fosse sucedida por um maternalismo. Elas acham que o o de tentar transmitir isso àqueles que não
debate com o público a respeito das trabalhador ou o homem do povo já tem tiverem as mesmas condições e
idéias, informações e teses apresentadas todas as idéias corretas no fundo da sua oportunidades que tivemos. Sabíamos,
aos espectadores. Nunca, em tempo cabeça, sendo preciso apenas ajudá-lo a também, muitíssimo bem que a nossa
algum, nos interessou falar ao público e ir botar para fora ou tomar consciência atuação "de cima para baixo", por causa
embora; o que acima de tudo nos daquilo que ele já sabe, daquilo que já lhe do seu conteúdo e da sua finalidade,
interessava era que o público reagisse, foi ensinado por suas próprias destinava-se a produzir atuações de baixo
falasse, criticasse, tomasse posições. A experiências de vida. Essa é a concepção para cima. Mas, o principal para nós não
participação popular era o objetivo, a de Sócrates, que Platão desenvolveu sob a eram as intervenções de baixo para cima
finalidade, a razão de ser do CPC. forma da teoria da reminiscência. Esse que as nossas atividades pudessem
Evidentemente, nós levávamos ao público maternalismo não leva em conta uma série suscitar no plano cultural. O principal
determinadas idéias e informações. Se de coisas. Por exemplo: embora tivesse para nós eram as intervenções de baixo
isso é ser paternalista, então todos os todos os dias a experiência de ver a terra para cima nos planos econômico, social e
autores que li e que abriram a minha girando em torno do sol, a humanidade político. Se não fosse para isso, por que
cabeça também foram paternalistas pensou durante séculos e séculos que o sol diabo fomos fazer justamente o CPC e
comigo e eu muito lhes agradeço. girava em torno da terra. Ou seja, se as não uma empresa qualquer - de teatro, de
Qualquer pessoa que tenha alguma coisa a aparências fossem iguais à essência das cinema, de publicações - uma empresa
dizer aos outros não faz mais do que a sua coisas, não teríamos necessidade da qualquer que nos desse dinheiro e a
obrigação quando tenta se comunicar. Não ciência e dos cientistas. Este exemplo oportunidade de fazer arte pela arte,
vejo como chamar isso de paternalismo. refere-se ao mundo físico: e no mundo protegidos pelo direito à liberdade que é
Em segundo lugar, é preciso lembrar que concedido aos criadores no campo da
estética?

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