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FRITZ MÜLLER E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DA

INTELECTUALIDADE CATARINENSE DO SÉC. XIX

Ana Maria Ludwig Moraes


Blumenau, 15 de abril de 2022

Fritz Müller é conhecido como naturalista e colaborador de Charles Darwin, antes de

quaisquer outras facetas. Seu legado científico até a atualidade é pesquisado. Mas ficam

em segundo plano suas ações como sujeito político e é o que trabalhamos ao longo de

mais de uma década.

Um dos primeiros textos que tive em mãos sobre Fritz Müller foi de Evaldo Pauli, sobre a

influência do naturalista na intelectualidade catarinense. Depois vieram outros autores,

igualmente importantes e desafiadores, que lançaram indícios de que valia a pena buscar

saber mais sobre o colaborador de Darwin.

O ponto de partida era o Liceu Provincial. O novelo a ser desenrolado.

Para fins de recorte temporal, fazemos uso da década de 1850, como um marco de onde

surgiram profundas, rápidas e sucessivas mudanças que ocorreram na sociedade

desterrense. Estas foram postas em marcha pela mola propulsora do econômico-

financeiro que permitiu a formação de um contingente populacional que desejava mais

do que sobreviver. Havia espaço para uma elite intelectual. Assim surgiu a criação da

biblioteca pública, a instalação do ensino secundário público, teatro, associações


culturais, profissionais e recreativas; a consolidação e diversificação da imprensa, espaço

para a germinação de novas ideias, perspectivas e anseios1.

A Província de SC entre 1850-1859 estava sob a presidência de João José Coutinho, um

carioca que havia frequentado a Faculdade de Direito de São Paulo, a qual recebera os

ares reformadores da Universidade de Coimbra, onde eram valorizadas as ideias

iluministas do período pombalino através do ensino das ciências naturais e do rigor

científico. Coutinho promoveu, na segunda metade dos anos de 1850, ruptura no sistema

de ensino secundário que ficara a cargo dos padres jesuítas por uma década a partir de

1845. Em 1857 Coutinho fundou o Lyceo Provincial, com uma proposta laica de ensino,

empregando, logo de início, quatro professores luteranos.

Para implementar seu projeto, ninguém melhor do que um cientista alemão, vindo

recentemente da Europa: Coutinho nutria por Fritz Müller uma grande admiração e

respeito.

Na Colônia Blumenau, Müller trocara o microscópio pelo machado e sua presença

representava ao mesmo tempo uma bênção e um risco. Tanto ele trazia conhecimento e

ações em prol do empreendimento de Hermann Blumenau, quanto seu ateísmo

propalado e ideias liberais o inquietavam. Seu espírito contestador e vanguardista atraía

os mais jovens e assustava os mais conservadores.

Quando Coutinho consultou Hermann Blumenau sobre a possibilidade de convidar o

naturalista para integrar seu projeto de reformas no ensino, este não colocou objeções,

1Mendes, L. e Amaral, A. Virgílio Várzea, escritor naturalista. ESTUDOS LITERÁRIOS - N. 27 – 2014.1. Disponível em:
< https://www.researchgate.net/publication/280985499_Virgilio_Varzea_escritor_naturalista> acesso em 15 abr
2022
pois também tinha claro que um grande talento se desperdiçava ao dedicar tanto tempo

à lavoura e também que muito podia contribuir para o desenvolvimento da Província.

Müller, por sua vez, vislumbrou o mar tropical transbordante de vida para suas pesquisas!

O Liceo Provincial representou a chegada do novo, que coloca em xeque o que estava

bem consolidado. A ausência dos religiosos no ensino público, fomentou

questionamentos até então desconhecidos e como era de esperar, surgiram os contra e

os a favor. estabelecidos (nós, contra o liceu) e os outsiders (eles ou os outros, a favor).

Os primeiros representados por famílias descendentes de portugueses e católicas,

segundo Cancelier Dias2, “(...) famílias de prestígio, estabelecidas na Ilha desde o século

XVIII, como (...) [os] Costa, Livramento e Luz.” Ainda segundo este autor, a manutenção

do Liceu, por outro lado, era defendida “por pessoas que, em sua maioria, provinham de

outras localidades da Ilha, de outras províncias, e mesmo de outros países. Havia,

certamente, pessoas que eram de Desterro, mas que não pertenciam ao grupo

dominante local.”

De certa forma podemos afirmar que nada mais foi como antes. Se devido ou não 'a

influência dos outsiders na formação dos jovens cidadãos, a leva de nascidos nos anos

de 1860, estes agitaram as letras e o pensamento da Desterro que espiava o século XX.

O tempo e o andar dos acontecimentos políticos e religiosos, principalmente, deram aos

intelectuais catarinenses a sua própria marcha, não houve nem a presença de um herói

2Dias, Thiago Cancelier. QUESTAO RELIGIOSA CATARINENSE AS DISPUTAS PELO DIREITO DE INSTRUIR 1843/1864.
Disponível em
https://www.researchgate.net/publication/323317138_QUESTAO_RELIGIOSA_CATARINENSE_AS_DISPUTAS_PELO
_DIREITO_DE_INSTRUIR_1843-1864 acesso 12 mar 2022
civilizador, tampouco apenas um fator, pois as transformações ocorridas em uma

sociedade são multifatoriais.

Mas afinal, o que influenciara o pensamento e as práticas de Fritz Müller? No que fora

formado? Em que ambiente?

Fritz Müller possuía uma considerável bagagem teórica de filosofia, política e claro, era

um cientista e pesquisador irretocável.

Os anos de estudos em Berlim, na primeira metade de 1840, uma das épocas mais

desafiadoras e borbulhantes do conhecimento, FM foi permeável ao pensamento

vanguardista de sua época. Leitor de jovens hegelianos como Bruno Bauer (filósofo,

teólogo e historiador alemão), Karl Marx, Ludwig Fauerbach (conhecido pelo ateísmo

humanista e pela influência que teve sobre Marx), Max Stirner (filósofo alemão tido como

precursor do niilismo, da teoria psicanalítica, do pós-modernismo e do anarquismo) ...

fazia parte do grupo dos Amigos Protestantes - um grupo protestante racionalista com

foco na Alemanha central, que pregava uma teologia iluminista. Também ajudou a fundar

em Greifswald uma Kränzchen (originário dos Amigos Protestantes), que eram

associações de estudantes surgidas nas universidades alemãs no século XIX, porém

oriundas de movimentos estudantis do século XVIII. Entre outras, também esteve

envolvido na fundação de uma organização com moldes de cooperativa cujo objetivo era

auxiliar os estudantes menos favorecidos economicamente. Brevemente, isto era o que

movia Fritz Müller. E como jovem na faixa dos vinte anos... era um rebelde, um ativista

político, um anarquista. Em suas cartas aos familiares e amigos, expunha seus temores,
crenças e decepções ao perceber que havia um grande hiato entre a teoria e a prática,

entre o mundo das ideias e o mundo real.3

Após contextualizar Desterro e o Liceu e situar FM, faltam os personagens que fizeram o

recorte que se deseja, qual seja, quem foram os alunos que estiveram ligados a Fritz

Müller. As informações até então eram vagas, apenas alusões, sem objetividade, embora

estivessem disponíveis para pesquisas em jornais de época.

Um primeiro passo na direção de encontrar respostas foi o livro de presenças da

Biblioteca Pública de SC, onde estavam registrados os nomes dos frequentadores com

datas e fontes de leituras. Era possível então saber quem estivera com FM naquele local

e período: 1º semestre de 1867, e que se supõe tenham interagido. Depois, encontramos

nos jornais da época, O Cruzeiro do Sul (1859), O Catharinense (1860), O Argos (1861),

O Despertador (1863 e 1864), referências aos alunos que participaram de eventos

culturais e que prestaram exames no Liceu Provincial e em quais matérias.

E foi surpreendente o legado que se apurou e a partir das relações entre as pessoas

ligadas diretamente a FM como alunos ou, indiretamente (familiares de seus ex-alunos).

O que se pôde perceber é que havia uma similaridade entre estes pensamentos e os

discursos proferidos por Fritz Müller.

Nas fontes consultadas elencamos 64 nomes e destes, selecionamos 32 que

desempenharam atividades como jornalistas, políticos, professores, militares de alta

patente, juízes e promotores, que consideramos formadoras de opinião ou decisivas na

condução de políticas públicas de Santa Catarina. Os demais 32 foram funcionários

3Möller, A. FRITZ MÜLLER, WERKE, BRIEFE UND LEBEN. Volume 3. Gustav Fischer. Jena, 1921. Disponível em <
https://archive.org/details/fritzmllerwer00ml/page/26/mode/2up?q=marx> Acesso em 15 abr 2022
públicos, principalmente ligados ao Tesouro do Estado, militares, bancários, e, ainda

destes, seis faleceram jovens ou foram militares mortos em combate.

É conveniente frisar que figuras como Horácio Nunes Pires, João da Cruz e Sousa,

Juvêncio de Araújo Figueiredo, Manoel dos Santos Lostada, Oscar Rosas Ribeiro de

Almeida e Virgílio dos Reis Várzea, embora não tenham sido diretamente alunos de FM,

o contato com seu pensamento se deu principalmente através de Francisco Luiz da Gama

Rosa, que foi, este sim, seu aluno, ou por familiares, como Horácio Nunes Pires e Oscar

Rosas.

FIGURAS PÚBLICAS SÉCULO XIX - DESTERRO SC


CONTATO DIRETO OU INDIRETO COM FRITZ MÜLLER
LICEU PROVINCIAL - 1857-1864
BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO SANTA CATARINA - 1º SEMESTRE 1867

Nº DATA NOME ONDE OCUPAÇÃO VÍNCULO


Deputado
Boaventura da
1 1863/1864 Liceu Assembleia Matemática
Silva Vinhas
Legislativa Provincial
Militar alta
Candido patente/Lutou guerra Irmão de Antônio
1860/1861
2 Leopoldo Liceu do Justiniano Esteves
/1863
Esteves Paraguay/condecora Junior
do
Domingos Lydio
3 1861/1863 Liceu Matemática
do Livramento Político/comerciante
Eduardo Nunes BPSC/Lic Professor/Jornalista/
4 1867/1863 Matemática
Pires eu escritor
Eliseu Jornalista e político
5 1867 Guilherme da BPSC (fundador partido
Silva federalista)
Comerciante/
Político/militar ferido
Estevão Pinto da em combate entrou
6 1861 Liceu Matemática
Luz para reserva em
1868(irmão Elesbão
Pinto da Luz)
Fernando Político e
7 1863 Liceu Matemática
Hackradt Junior comerciante
Francisco Promotor público e
8 1863 Liceu Matemática
Antônio Ferraz delegado
Francisco Luiz
1867/1863 BPSC/Lic
9 da Gama Rosa Médico, jornalista, Matemática
/1864 eu
(1851-1918) escritor, político
Francisco
1867/1863 BPSC/Lic
10 Paulino da Costa Militar/deputado Matemática
/1864 eu
Albuquerque assembleia provincial
Francisco da Político, comerciante
11 1860 Liceu
Silva Ramos e militar

Francisco Xavier Comerciante,


12 Liceu político, delegado de Matemática
Callado
polícia
Matemática/autor
Genuíno
da proposta
13 1863 Firmino Vidal de Liceu Advogado, professor,
jornalista e mudança de nome
Capistrano
desembargador Desterro-Fpolis
Gustavo
Henrique Nunes BPSC/Lic
14 1867/1863 Matemática
Pires (1848- eu Professor/poeta/escr
1881) itor/militar
Henrique Carlos Professor/promotor
15 1863 Liceu Matemática
Watson público
Horácio Nunes jornalista, poeta, Filho Amphiloquio
16 Pires dramaturgo e Nunes Pires
(1855/1919) romancista
João da Cruz e
Jornalista, escritor
17 Souza (1861- Gama Rosa
e poeta
1898)
João José da Professor/jornalista/
18 1867 Rosa Ribeiro de BPSC político/pai Oscar
Almeida Rosas
Ministro do Superior
João Justino de
19 1859 Liceu Tribunal Militar, Matemática
Proença
militar, poeta
Joaquim de Agrimensor/Diretor
Souza Corcoroca da Colônia de
1860/1861
20 (morreu Liceu Angelina/Juiz Matemática
/1863
afogado no Comissário São
Itajaí) Francisco e Itajaí.
José Candido de
21 1859 Lacerda Liceu Médico, político e Matemática
Coutinho poeta
José Ferreira de Político/promotor e
22 1860 Argos 1860 ed 646
Mello Juiz de direito
1860/1861 José Ramos da Liceu/BP Político, jornalista e
23 Matemática
/1863 Silva Junior SC professor
Juvêncio de autodidata - ver
Araújo Correio da Manhã
24 Poeta simbolista ver
Figueiredo 2073/amigo de CS e
(1865-1927) GR
Juvêncio Jornalista, poeta,
BPSC/Lic
25 1867/1863 Martins da industrial e
eu
Costa funcionário público
Leonel Comerciante e
26 1863/1864 Heleodoro da Liceu político (irmão de Matemática
Luz Hercílio Luz)
Bacharel
Direito/Secretário de
Governo da
Manoel Ferreira
27 1860 Liceu Província/Delegado
de Mello
de Instrução Pública
da Corte/Juiz de
direito
Manoel dos
Jornalista, político,
28 Santos Lostada Gama Rosa
poeta e militar
(1860-1823)
Filho de João José da
Oscar Rosas
Rosa Ribeiro de
Ribeiro de Político, jornalista,
29 Almeida (professor
Almeida(1864- escritor e poeta
colega de Fritz
1925)
Müller)
Farmacêutico,
Raulino Adolfo
30 1864 Liceu comerciante, Matemática
Horn
jornalista e militar
Rodolpho T.
Riegel (pai BPSC/Lic
31 1867/1863
cônsul Rodolfo eu Bancário/abolicionist
Riegel) a
Virgílio dos Reis
32 Várzea (1863- Jornalista,poeta e Gama Rosa
1941) escritor

Grupo Ideia
6
Nova
11 Político
Professor,
8 jornalista e
escritor
4 Outros

Uma relação que sempre despertou curiosidade e questionamentos, do tipo foi-não-foi-

aluno, é a que vincula FM a Cruz e Sousa. E a conclusão, até se encontrar — ou não —,

uma prova irrefutável é... pode ter sido. Tudo começa com uma carta onde FM em 1860
menciona ao seu irmão Hermann que tinha um aluno negro muito inteligente4. O poeta

nasceu em 1861. Portanto, não era. Mas o naturalista esteve vinculado à Província como

professor até 1874. Após o fechamento do Liceu (1864), quando ainda não havia

retornado para Blumenau, anunciava no jornal “O Despertador” (ed. 317 de 26/01/1866;

ed. 422 01/01/1867), aulas de matemática e Ribeiro de Almeida, lecionava francês. Sabe-

se que Cruz e Sousa tinha uma relação próxima com Ribeiro de Almeida, por conta das

aulas de francês, aproximando-o inclusive da família do professor. Lançando ainda mais

dúvidas sobre esta questão, Virgílio Várzea em artigo para o Correio da Manhã (RJ) de

10 de março de 1907 (ed. 2066), diz textualmente: “[CS] fizera com brilho o curso de

humanidades no Atheneu Provincial onde o insigne naturalista Fritz Müller, (...) lhe

chamava afetuosa e carinhosamente de seu ‘discípulo amado’”.

Então vemos que até o momento não possuímos nenhuma informação concreta sobre

esta interação.

Aluno de Fritz Müller na década de 1860, foi Francisco Luiz da Gama Rosa, presidente

da província entre 1883-84, intelectual, vanguardista, propagador das correntes de

pensamento europeias. Absorveu quando ainda jovem estudante, as ideias liberais e

evolucionistas de Fritz Müller, quando este trabalhava na elaboração do seu livro “Für

Darwin”, no qual comprovava a teoria da evolução das espécies através dos crustáceos

4Möller, A. Fritz Müller, Werke, Briefe und Leben. Volume 2. Gustav Fischer. Jena, 1921. Disponível em <
https://archive.org/details/fritzmllerwerkeb2919mlle/page/n41/mode/2up?q=1860&view=theater>
colhidos na Praia de Fora. Segundo Evaldo Pauli5 afirma, o pensamento de Fritz Müller

está presente de forma clara na produção deste aluno.

Encontramos sobre esta afirmação algo interessante: Fritz Müller em 1848, em uma carta

a sua irmã, cita Julius Fröbel, com cujas ideias sobre o casamento concorda, uma

discussão em voga à época sobre a dicotomia representada entre ser um sacramento ou

uma questão de estado, de saúde pública. Gama Rosa explora este assunto em três

oportunidades: na dissertação de sua conclusão do curso de medicina, em 1876 (Dos

casamentos sob o ponto de vista higiênico), no mesmo ano publica o livro Higiene do

Casamento, e em 1887, Biologia e sociologia do casamento. Entre a publicação de um

livro e outro passaram-se onze anos e a posição acerca do assunto muda radicalmente,

apoiado nas novas visões de mundo, principalmente à luz das teorias spencerianas

(darwinistas), apresentadas em 18876. Basicamente a questão é sobre a “tensão entre o

princípio da livre discussão e o princípio da maioria”. 7

A admiração de GR por Fritz Müller é manifestada em artigo da Revista Catarinense 8 em

1914, onde afirma ter sido seu aluno entre os anos de 1862 a 1865 e que

5 Pauli, E. SENTIDO CATARINENSE E BRASILEIRO DE " F R I T Z M Ü L L E R Tese apresentada e aprovada, no VIII Congresso
Interamericano de Filosofia, reunido em Brasília, em 29 de novembro de 1972, e impressa nos respectivos Anais,
reimpressa em 1973, pela Fundação Casa Dr. Blumenau.

6 VERONA, Elisa Maria. O casamento, “uma instituição útil e necessária” Apud GAMA ROZA, F. L. Higiene do
casamento. Rio de Janeiro: Tipografia de G. Leuzinger, 1876. p. 225.
7 ALMEIDA, Andreia Alves. SISTEMA DE POLÍTICA SOCIAL EM JULIUS FRÖBEL: TENSÃO ENTRE O PRINCÍPIO

DA LIVRE DISCUSSÃO E O PRINCÍPIO DA MAIORIA. Disponível em <


https://revistas.uniube.br/index.php/ddc/article/view/17> Acesso em 15 mar 2022.
8Rosa, G. Fritz Müller. Revista Catharinense. Ano III, nº 3. Laguna SC, março 1914. Disponível em
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=892416&pesq=&pagfis=878> Acesso em 15 abr 2022
“Quando, ao alvorecer do moderno evangelho, famosos scientistas conservadores, em

todo o mundo, forcejavam por manter o velho edificio theologico da natureza creada,

partia do Brazil efficaz auxílio, propiciando a victoria da verdade.” [sic]

De fato, os estudos de FM com crustáceos marinhos comprovaram que a teoria

darwiniana de evolução das espécies por seleção natural estava correta. Deixara de ser,

naquele segmento, uma teoria. Por isso, na época em que Müller publicou seu trabalho

“Für Darwin”, o cientista enfrentava inúmeras críticas. A partir dali, estabeleceu-se entre

os dois pesquisadores da natureza uma troca de correspondências, hoje sabida em

número de cento e dez, até a morte de Darwin em 1882.

Gama Rosa já respeitava FM mesmo antes da relação deste com Charles Darwin, o que

somente ocorreu em 1865. Acreditamos que eram as ideias vanguardistas de Müller que

atraíam Rosa, deixando uma descrição muito agradável do naturalista:

“Fritz Müller, apezar de apparencias abstractas e reservadas, era vivassissimo espirito,

sempre a par, não só dos progressos scientificos, como de todos os successos

occorridos no mundo, e muito especialmente no Brazil, acompanhando-os detidamente,

em prolongadas leituras de jornaes da Allemanha e nas do nosso invencível decano, o

jornal do Commercio” [sic]. 9

Gama Rosa quando retornou a Desterro, já formado médico, no início da década de

1880, encontrou uma leva de jovens nascidos na década de 1860, ansiosos por divulgar

suas ideias e provocar mudanças na capital que ainda respirava os ares românticos. Esta

turma, formada por Virgílio Várzea, Cruz e Souza e Santos Lostada, já publicava em

9 Idem
jornais não especializados, até que em 1881 aventuraram-se a fundar o jornal “Colombo,

periódico crítico e literário”.

A esta geração nascida nos anos de 1860, concebida num ambiente de contestação,

faltava-lhes a pedra de toque trazida por Gama Rosa, que possivelmente por sua

liderança e facilidade de articulação, proporcionou as condições necessárias para que

aqueles jovens desejosos de mudanças organizassem suas ideias, atualizando-as e

formatando-as de maneira a se fortalecer e agregar novos membros. 10

Este grupo ficou conhecido por alguns como “Grupo Ideia Nova” e “Grupo de Desterro”.

Virgílio Várzea publicou no jornal Tribuna Popular (1885-1892), um histórico minucioso

deste movimento e de seus integrantes, posteriormente reeditados no jornal Correio da

Manhã (RJ) no ano de 1907, em cinco edições aos domingos, iniciando pelo número 2045

finalizando no 2087.

Fritz Müller, por sua trajetória de vida militante e revolucionária de costumes, estava

habituado a levantar bandeiras e a propagar suas verdades para quem desejasse ou não

ouvir. Por sua própria índole não se furtava aos enfrentamentos.

É notório que parcela considerável - para a época - de alunos de Fritz Müller, como

Francisco Luiz da Gama Rosa, ou alunos de seus alunos ou colegas como João José da

Rosa Ribeiro de Almeida, pai de Oscar Rosas e professor de Cruz e Souza, Amphilóquio Nunes

Pires, pai de Horácio, Eduardo e Gustavo Nunes Pires, entre outros que podemos conferir na

listagem que preparamos e compartilhamos, foram homens de opiniões firmes, jornalistas,

políticos, professores, escritores, etc. Suas ideologias e filosofias de vida, ideias de

10Souza, L. A. Um mundo em agonia: a geração de 1870 em Desterro. Revista História e Cultura, Franca-SP, v.3,
n.1, p.172-188, 2014. ISSN: 2238-6270.
modernidade, evolucionismo, progresso, materialismo e ciência, eram abolicionistas e

favoráveis à república, podem ser encontradas em seus artigos, poesias, discursos e

trajetórias de vida.

Mesmo aqueles que não compartilhavam visões de mundo, como Eduardo Nunes Pires,

que se tornou franco crítico do grupo Ideia Nova, não deixou de defender suas posições

e ser combativo.

Fritz Müller não foi um herói civilizador, mas como Gama Rosa, por sua personalidade única e

destemida, vasta cultura e conhecimento técnico e científico, era digno de admiração e respeito.

Em seu tempo e meio em que vivia, um modelo, um líder fonte de inspiração.

Blumenau, 15 de abril de 2022.

Hanatenah@gmail.com

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