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FURTADO, Celso. Mito do Desenvolvimento Econômico — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
Afonso Vieira
Cristiano Queiroz Vilanova
Introdução
Na década de 1970 na esteira da discussão sobre desenvolvimento e seu impacto sobre o meio
ambiente, particularizado pelas discussões do relatório do clube de Roma, “Limits to Growth” (1972),
Celso Furtado publica no Brasil em 1974, o livro O mito do desenvolvimento econômico, pela editora
Paz e Terra. Esse livro foi fruto de uma série de quatro 4 ensaios realizados anteriormente a publicação
do livro, quando Furtado se encontrava na Universidade de Washington e Cambridge. As ideias
sugeridas nesses ensaios já eram discutidas em toda sua obra anterior, pois Furtado foi provavelmente
um dos mais ilustre da geração de pensadores sobre o tema do desenvolvimento brasileiro.
O livro “O mito do desenvolvimento econômico”, constata e considera – análise do caso
brasileiro - o desenvolvimento como um mito, pois para Furtado, era praticamente impossível atender os
padrões de consumo, os benefícios dos povos atualmente desenvolvidos e estendê-los ao resto da
humanidade, tendo como consequência a manutenção das desigualdades entre os povos. Ele reconstrói
assim uma teoria sobre o subdesenvolvimento.
Furtado diz que a substituição de importações cria um sistema industrial em miniatura, aumento
da taxa de exploração visando o consumo moderno e gerando concentração de renda para acumular
capital e acompanhar o padrão de consumo mais diversificado. Isso gera resultados negativos no balanço
de pagamento. O autor comenta que por detrás desses sintomas não é difícil perceber uma causa mais
profunda: “a incompatibilidade do projeto de desenvolvimento dos grupos dirigentes, visando reproduzir
dinamicamente os padrões de consumo dos países cêntricos e o grau de acumulação de capital alcançado
pelo país” (p.81).
Furtado conclui esse capítulo realçando que o subdesenvolvimento deve ser entendido como um
processo, como um conjunto de forças em interação que são capazes de se reproduzir-se no tempo.
Nesse capítulo Furtado demonstra que, no caso brasileiro, que um país pode avançar no processo
de industrialização sem abandonar as características do subdesenvolvimento como subemprego,
desigualdades sociais, assimetrias produtivas rurais verso urbanas, etc.
E para isso o autor relaciona desenvolvimento e modernização investigando por que a difusão
mundial do progresso técnico e os decorrentes incrementos da produtividade não tenderam a liquidar o
subdesenvolvimento. Demonstra que na política de desenvolvimento orientada para satisfazer os altos
níveis de consumo de uma pequena minoria população, tende a agravar as desigualdades sociais e elevar
o custo social de um sistema econômico. E o processo de modernização pode acontecer sem o
desenvolvimento econômico. Há produtos básicos para consumo de massa versus produtos mais
sofisticados para uma demanda restrita, pois os produtos de massa exigem indústrias mais simples sem
muitos encadeamentos, e os produtos mais sofisticados orientam a verdadeira industrialização.
Para ele o aumento da renda de uma comunidade pode resultar de três processos diferentes:
Desenvolvimento econômico que é o acumulo de capital e adoção de processos produtivos eficientes; a
exploração de recursos naturais não renováveis; e a realocação de recursos visando uma especialização
no sistema de divisão internacional do trabalho.
Por fim, para Furtado a característica mais significativa do modelo brasileiro foi a de excluir a
massa da população dos benefícios da acumulação e do progresso técnico (p.112).
Nesse capítulo o autor faz uma crítica à economia positiva que não consegue ver o estado
dinâmico da sociedade, que isola uma decisão de um conjunto repleto de sentido e usa modelos estáticos
e automáticos. Na Análise Macroeconômica explica-se o comportamento de um sistema econômico
nacional baseado na observação do processo social e na criação de hipóteses globais pelos agentes que
controlam o centro do poder. Análise de como os meios tornam-se consequências dos fins. Furtado
postula que o avanço na ciência depende do papel dos que estudam os problemas sociais e não se pode
apenas olhar para os centros do poder que nem sempre representam a coletividade.
Falando sobre investimento o autor refuta a hipótese que “em toda política de desenvolvimento,
qualquer que seja o sistema, um alto nível de investimento sempre será essencial” (p.116), pois em
certas situações pode-se haver diminuição do consumo ou transferência do consumo presente para o
futuro sem investimento. O autor dá um exemplo: no caso o objetivo seja produzir mais bem-estar social
e que na definição de bem-estar se concorde em dar a mais alta prioridade à melhoria da dieta infantil, a
fim de obter melhores condições eugênicas para o conjunto da população. Esse objetivo pode ser muito
mais rapidamente alcançado reduzindo o consumo supérfluo das minorias privilegiadas (modificando a
distribuição do bem-estar) do que aumentando o investimento. (p.117).
Sobre o conceito do PIB, Furtado comenta que este ignora o custo para a coletividade, ou seja, a
destruição dos recursos naturais não renováveis, destruição do solo a poluição das águas etc. Há um
desgaste Humano quando a taxa de crescimento do PIB são acompanhados de baixos salários afetando a
subsistência fisiológica. Basta concentrar a renda para aumentar privilégios e o consumo supérfluo em
termos relativos) para elevar o PIB e as indústrias de bens duráveis são as que mais se beneficiam de
economias de escala.
Conclusão
O que Furtado constata nessa obra, parece ser visível aos olhos de todos atualmente com relação
à distribuição de renda e à desigualdade social. O desenvolvimento aqui se torna ilusório e um mito, pois
em sua análise, Furtado comenta que dezenove entre os vinte países subdesenvolvidos estudados são
excluídos dos benéficos de crescimento, não obstante o processo de industrialização dos mesmos. Torna-
se um mito quando pretende ser como que um caminho que conduz a todos à “Idade de ouro ou anos
dourados1”, e conhece contradição diante da própria natureza do fenômeno do subdesenvolvimento, que
advém da acumulação e expansão capitalista que provoca quase sempre a formação de economias
dualistas. Portanto, para Furtado este desenvolvimento, dentro do modelo de produção capitalista se
configura como um mito, inalcançável, e que se transforma num sistema que homogeniza a cultura,
agrega custos sociais, pois não distribui renda, e custos ecológicos crescentes, pois destrói os recursos
naturais. Em outros escritos, Furtado relata que o desenvolvimento não deve ser jogado fora, mas
repensado de baixo para cima, onde os protagonistas, “as massas” do “terceiro mundo” deveriam mudar
e repensar o seu destino, a partir do critério cultural dentro da discussão de desenvolvimento.
Desenvolvimento endógeno que possibilita a capacidade de autonomia no processo de elaboração, pelos
Estados, do seu próprio desenvolvimento, e que, no entender de Furtado, serve para impedir a
continuidade do processo de subdesenvolvimento e superá-lo. Apesar de suas contribuições a obra tem
que ser contextualizada, pois não considerou na época a questão da tecnologia na produtividade, como o
boom de investimentos observado posteriormente. Todavia a pressão sobre o planeta (produção e
consumo) tem sido mais forte do que a possibilidade de resolução desse impasse engendrada pelo
avanço científico e tecnológico. O diagnóstico de furtado sobre o Mito do Desenvolvimento Econômico
ainda é válido para esses tempos.
1A década de 50, conhecida como o começo dos “anos dourados”, pode ser justificada como os grandes crescimentos
econômicos industriais que aconteceram e foi marcada por grandes transformações. O período denominado “Anos Dourados”
é dividido em duas fases: antes e depois dos anos de 1970. Essa divisão ocorre porque em 1970 tiveram crises econômicas
(crise do petróleo, da superprodução e do modelo fordista). Depois de 1973 a Era de Ouro nunca voltará como antes, sempre
viverá em crise.