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Sumário

1. CAPA
2. FOLHA DE ROSTO
3. SUMÁRIO
4. CAPÍTULO 1
5. CAPÍTULO 2
6. CAPÍTULO 3
7. CAPÍTULO 4
8. CAPÍTULO 5
9. CAPÍTULO 6
10. CAPÍTULO 7
11. CAPÍTULO 8
12. CAPÍTULO 9
13. CAPÍTULO 10
14. CAPÍTULO 11
15. CAPÍTULO 12
16. CAPÍTULO 13
17. CAPÍTULO 14
18. CAPÍTULO 15
19. CAPÍTULO 16
20. CAPÍTULO 17
21. CAPÍTULO 18
22. CAPÍTULO 19
23. CAPÍTULO 20
24. CAPÍTULO 21
25. CAPÍTULO 22
26. CAPÍTULO 23
27. CAPÍTULO 24
28. CAPÍTULO 25
29. CAPÍTULO 26
30. CAPÍTULO 27
31. CAPÍTULO 28
32. CAPÍTULO 29
33. CAPÍTULO 30
34. CAPÍTULO 31
35. CAPÍTULO 32
36. CAPÍTULO 33 (BÔNUS)
37. CAPÍTULO BÔNUS
38. CAPÍTULO BÔNUS
39. NOTAS
CAPÍTULO 1
New York City, New York.
Sábado, 3:00 PM.
Molly Hill
Encaro com atenção meu reflexo no espelho à minha frente, me
sentindo completamente radiante ao voltar a vestir meu uniforme
social de trabalho. Essa sim sou eu. Passo a mão no meu cabelo
contido com bastante spray fixador num coque alinhado, tendo a
leve impressão de que um fio acabara de ficar em pé. Tenho que
estar impecável, principalmente hoje que é meu primeiro dia depois
do meu afastamento por conta de uma contusão no tornozelo, onde
a recuperação perdurou por quase dois tediosos meses. Minha
maquiagem é suave, porém realça com graciosidade o tom dos
meus olhos verdes, e eu logo sorrio orgulhosa do meu trabalho que
durou só alguns poucos minutos.
Olho de relance para o relógio prata em meu pulso e falta apenas
uma hora para a minha apresentação, então constato que é hora de
partir rumo ao aeroporto, rumo ao meu voo de retorno. Eu não
poderia estar mais feliz. Desço a escadinha de três degraus meio
desajeitada tentando equilibrar minha mala — que está um pouco
mais pesada do que o usual, ou talvez eu tenha perdido o costume
mesmo — e minha bolsa de mão que mais parece uma outra mala
de tanta coisa que levo. Melhor ter e não precisar do que precisar e
não ter, esse sempre vai ser meu lema desde o dia em que rasguei
por acidente minha meia-calça a caminho de uma entrevista e fui
enxotada de lá sem dó e nem piedade. Ao chegar no meu carro e
finalmente me livrar da mala ao colocá-la no porta-malas, me
pergunto de novo, pela milésima vez, qual a necessidade de uma
escada de acesso do elevador ao estacionamento, e mais uma vez
chego a conclusão nenhuma. Vai entender esses arquitetos nova-
iorquinos!
— Bom dia, senhores! — cumprimento animada a tripulação que
conversa despreocupadamente ao fundo do pequeno D.O.1 do
hangar privativo do aeroporto, duas figuras que eu reconheço ser o
comandante James e outro rapaz que deve estar no lugar do nosso
copiloto por algum motivo que estou prestes a descobrir, estava
ansiosa para ser calorosamente recepcionada pela minha equipe
depois de tantos dias longe deles.
— Olha só quem está de volta! — James Watson abre um sorriso
genuíno e vem até mim para um abraço. — O tornozelo está 100%,
filha? — pergunta carinhosamente, me dando uma ajudinha com as
minhas coisas.
— Quem vê até pensa que sentiu minha falta assim... — digo em
tom de brincadeira, arrancando-lhe uma gargalhada.
O comandante James é um coroa já na casa dos cinquenta e
pouco, super alto astral e que parece não perder seu espírito jovial
nem mesmo diante da fadiga que enfrentamos em alguns momentos
que derrubam até a mim que sou mais nova. Desde que entrei na
empresa e formei sua tripulação, ele me chama de filha e me trata
como tal, é acolhedor e nostálgico.
— Mas é dramática! — ele me caçoa. Em resposta, mostro
minha língua. — Molly, quero que conheça o Patrick Jones... — se
dirige pela primeira vez ao jovem que está ao seu lado, que assim
que ouve seu nome, dá um passo à frente para falar comigo.
— Muito prazer, senhorita. — o rapaz de olhos claros marcantes
estende a mão para mim, acompanhado de um sorriso de canto a
canto.
— Prazer em conhecê-lo. — aceito seu cumprimento formal.
— Ele é o nosso novo copiloto.
— Ah, que legal! Ainda bem que estamos livres do mau humor
do George. — levanto as mãos para o céu agradecendo por essa
notícia.
— E você acha que quem que pediu sua realocação? — James
arqueou uma das sobrancelhas, se mostrando vitorioso.
— Por Deus, não assuste o Patrick em seu primeiro dia de
trabalho, James!
— Não sei mesmo o que você está insinuando, filha. — se faz de
desentendido e todos nós caímos no riso, cientes de sua descarada
participação na realocação do porre do copiloto anterior. E já se foi
tarde!
Depois de matarmos um pouquinho a saudade e engatarmos
numa conversa bastante descontraída, começamos então o briefing2
pré-voo, discutindo todos os aspectos meteorológicos da viagem
que seria de quase seis horas de voo, New York para Los Angeles.
— Sim, senhor. — nosso novo copiloto responde, anotando
algumas informações em seu caderninho.
— Ah, e mais uma coisa... esse aviso é diretamente pra você,
Molly. — o olho atentamente, esperando ser algum comunicado
relacionado ao serviço de bordo ou procedimento de segurança. —
Nosso cliente hoje é o Sr. Henrick Sawyer...
— O grande Henrick Sawyer, CEO da Sawyer Enterprises
Holdings? — Patrick atropela o James com um semblante surpreso
no rosto e eu me sinto uma alienígena por ser a única que nunca
ouviu falar nesse homem.
— Ele mesmo. — concorda curto e grosso, o que me faz
estranhar, pois nunca o vi falar desse jeito.
— Dizem que ele é osso duro de roer, o próprio diabo em
pessoa. — acrescenta e eu penso que ele está a exagerar na sua
descrição.
— Se incomoda em nos dar licença, Patrick? — James pede.
— Sem problemas. Espero lá fora. — assente um tanto quanto
desconfiado e confuso.
Assim que Patrick passa pelo portão de vidro, uma estranha
curiosidade se apossa de mim. Afinal, quem é esse cara para fazer
o James agir de tal maneira?
— Está me assustando, James...
— O que eu vou dizer é simples, Molly, até porque conheço a
mulher que és e os princípios que carrega.
— Diga então. — o pressiono a continuar sem mais delongas.
— A fama do Sr. Sawyer não é das melhores, já tive o desprazer
de pilotar pra ele e ver de perto como ele age.
— O que quer dizer com isso?
— Que ele é um tremendo cafajeste, então é certo que ele vai se
comportar como tal e ser indelicado com você. — continua.
— Não se preocupe, sou vacinada contra esse tipo de humano.
— sorrio e ele continua a me encarar sério como se estivéssemos
discutindo o futuro dos Estados Unidos da América.
— Ele é muito persuasivo e no fim sempre consegue o que quer,
levar as mulheres pra cama, mas não só isso... depois com toda sua
influência faz com que elas sejam afastadas do cargo, pra que
outras venham. É sujo! E eu não quero perder mais uma colega de
trabalho, não uma que considero como filha.
— Fique tranquilo, um homem desses não tem nenhum ponto
comigo e jamais terá.
— Seja firme, mas não seja ríspida. Vamos ver como ele reage a
uma negativa vinda de alguém tão deslumbrante como você.
Enquanto James reforça quão cuidadosa eu deveria ser com
esse homem, penso “mas por que diabos eu iria cair nas graças de
alguém tão babaca como esse tal Henrick Sawyer?”. Faça-me o
favor! Muito provavelmente ele seja aquele tipo de velho asqueroso
e repugnante que no mínimo só consegue a atenção de mulheres
interessadas no seu dinheiro porque realmente querer sua
companhia deve ser algo muito inoportuno. Poxa, Sr. Sawyer! Tem
mesmo que infernizar a vida de suas contratantes para conseguir
sexo? Você deve ser muito desprezível mesmo, a ponto de fazer
com que as comissárias se sujeitem a isso por puro medo de
possivelmente perder o emprego. As palavras do comandante
Watson não me abalam, mas me ajudam a me preparar e manter
uma postura ainda mais profissional. Vamos ver se sobrevivo a sua
arte de persuasão e dou umas boas risadas depois.
— Deslumbrante? Hmm, se queria um gancho pra me elogiar
não precisava de toda essa história mirabolante, James. Não
mesmo. — tento descontrair um pouquinho e então, para minha
sorte, ele não toca mais no assunto.
Dentro de uns trinta minutos mais ou menos, somos conduzidos
em direção ao jatinho que vamos voar e é aí que meu queixo vai ao
chão e minha boca se abre em um perfeito “O” quando avisto um
Cessna Citation Latitude novinho mais à frente à nossa espera.
Uma coisa é certa: pelo visto Sr. Henrick Sawyer é um velho de
muito bom gosto mesmo. Isso eu infelizmente não posso negar.
Me esforçando ao máximo para fingir costume, uma vez que eu
não pagaria de aviadora louca tirando uma selfie com essa máquina
— e que bela máquina! —, entro na aeronave e começo meu
serviço.
Cheque pré-voo: OK
Verificação da presença de todos os equipamentos de
emergência e sobrevivência: OK
Ranso pré-apresentação do cliente: OK também
É, acho que da minha parte está tudo em conformidade com os
padrões de segurança.
Conforme vou arrumando a área dos drinks, escuto uma
estranha movimentação de carros no exterior do jato e logo tenho
por meio de James a confirmação de que sim, nosso cliente havia
chegado. Desço a escada juntamente com Patrick e James para
recepcioná-lo lá embaixo e me deparo com três carros pretos
idênticos, creio que para despistar e evitar incidentes, sequestro ou
algo do tipo. O Sr. Sawyer é mesmo um velho muito importante ao
que parece.
Bem, chegara a hora de conhecer o velhote e passar uma boa
impressão.
Junto as minhas mãos na famosa posição de estar segurando
um pombo — como brincam e ousam os comissários a dizer — e
mantenho meu corpo deveras ereto à espera. Os seguranças se
espalham, mas uns quatro permanecem bem perto do carro do meio
e quando enfim um deles abre a porta me dando uma perfeita visão
do seu patrão, quase perco as estribeiras e desmunheco com o pé
direito prestes a ter uma segunda contusão no tornozelo. Mas que
merda! Que puta homem bonito! Ele não tem nada de velho, aliás,
velha aqui é só minha ideia ridícula de atribuir certa idade a todo
empresário muito bem-sucedido. Henrick Sawyer é a prova viva de
que se é possível administrar um império mesmo sendo tão jovem.
Meu corpo reage instintivamente, sinto um friozinho na barriga ao
me deparar com aqueles olhos azuis, aquela imensidão azul que
sequer me olhou de volta. Engulo em seco num misto de
nervosismo e fascínio, nem nos meus melhores sonhos eu poderia
imaginar que alguém com tal descrição e fama negativa tivesse
essa aparência.
— Boa tarde! — ele saúda o comandante James e o copiloto
Patrick com um aperto de mãos, sua voz é rouca e forte,
inconfundível.
Quando o Sr. Sawyer por fim chega perto de mim, me olha dos
pés a cabeça com os olhos carregados de malícia e eu quase tenho
um infarto, ainda admirada com o excesso de sua beleza.
Molly, foco! O cara é uma espécie rara de Deus grego, mas ainda
assim um babaca. Não seja imbecil de se deixar levar e ceder aos
caprichos dele. — minha mente adverte e eu volto depressa à
realidade.
— Seja bem-vindo, Sr. Sawyer! — digo educada e é nesse
momento que sinto que se tivesse um buraco do meu lado, eu me
enfiaria sem sombra de dúvidas, porque ele apenas me ignorou e
seguiu reto em direção à aeronave.
Tudo bem, você fez a sua parte. Esse homem que é muito
arrogante e prepotente, e muito mal educado também. — repito para
mim mesma.
É, se nosso contato for assim cheio de desprezo e patadas...
essas ٦ horas de voo se parecerão uma eternidade!
CAPÍTULO 2
Molly Hill
Entro na aeronave pronta para iniciar minha mais nova jornada,
seguida por James e Patrick que rapidamente se acomodam em
seus devidos lugares. Olho de soslaio Henrick que está com sua
atenção voltada para o celular em suas mãos e ele parece não notar
que eu estou perigosamente a observá-lo, ainda bem. Seu
assistente está sentado de frente para ele, de costas para mim, mas
posso ver perfeitamente seu perfil encarando despreocupadamente
a janela ao seu lado e eu agradeço internamente por sua
tranquilidade, não tendo que acalmá-lo para voar. Há pessoas que
têm tanto medo de altura ou de lugares confinados que
simplesmente passam mal e isso me requer uma atenção mais
detalhada, sendo até um pouco cansativo já que ninguém supera
um medo com a rapidez de um voo, por longo que seja. Entretanto,
ao varrer meus olhos minuciosamente por todo o espaço, percebo
um dos seguranças, que está sentado ao lado do Henrick, suando
frio, uma pilha de nervos, posso sentir seu medo de voar de longe,
até porque fui treinada para isso. Me apresso em ir até ele e tento
fazê-lo acreditar que não há perigo, nem 1%, bem como distraí-lo.
— Gostaria de ler um jornal? — forço o olhar mais seguro que
tenho para que ele foque apenas em mim e nas minhas palavras,
mas de tão nervoso que está, mal entende o que ouve. — É a
primeira vez que faz uma viagem de avião? — insisto, tentando
puxar conversa, e ele confirma. — Fique tranquilo, a tripulação está
qualificada e capacitada pra garantir a sua segurança e conforto
durante todo o voo. Gostaria de um copo d’água? — ele aceita com
um semblante ainda meio relutante e eu vou até a galley3 preparar
seu copo de água.
O tempo em que coloco pedras de gelo no copo e o encho com
água mineral não dura mais que dois minutos, mas parecem longos
e incômodos já que o olhar de Henrick agora pesa sobre mim. No
caminho de volta até o homem, Henrick abre a boca para falar
alguma coisa e logo desiste, e eu ignoro, imaginando vir uma
gracinha indecente. Entrego a água e também um fone de ouvido
para o segurança, o orientando a sintonizar numa estação com
músicas relaxantes. Feito isso, pergunto se está mais calmo e me
alegro com sua resposta positiva. Quando penso que Henrick havia
desistido do que ia dizer, sou pega de surpresa por ele, ou nem tão
de surpresa assim, a soltar seu deboche.
— No próximo voo acho que vou fingir que tenho medo também,
será uma delícia ser paparicado por você. — Sr. Sawyer me fita
descaradamente semicerrando aqueles lindos olhos azuis, tento me
manter firme na resposta.
— Só estou fazendo meu trabalho, não tem paparico nenhum. —
respondo ácida e na lata.
— Molly, pode vir aqui por favor? — James me chama num tom
mais elevado, devido à porta estar aberta o barulho dos motores de
um outro avião que está decolando soa bem mais alto.
— Sim, senhor. — me adianto em dizer que o ouvi e que já estou
indo. — E quanto a você... — chamo a atenção do segurança. —
Tão logo o avião decole, você ficará encantado com a vista que terá
através da janela. O sol já, já estará a se pôr, é um espetáculo visto
lá de cima! — ele me devolve um sorriso, me tendo satisfeita.
— Pôr do sol nenhum barra a vista que temos de você circulando
por aqui com essa saia tão justa. — ele volta a me provocar, com
um risinho preso no canto da boca.
Respirando fundo e contando de um até dez, me contento em
manter meu desaforo trancado a sete chaves dentro da minha boca,
afinal de contas, mesmo sendo um puta homem insolente, continua
sendo meu chefe por hoje. Paciência pra que te quero!
Sem precisar de esforço, aciono uma pequena alavanca
fechando a porta da aeronave e vou até o James. Ele me pede para
checar se os flaps4 foram acionados e eu me dou conta que só me
chamou mesmo para me tirar do meio da rodinha já que esse é o
tipo de informação que aparece no painel do cockpit5 e não precisa
que alguém vá dar uma olhada. Dou um sorriso agradecida e ele me
lança um piscar de olho. A decolagem aconteceu sem nenhum
problema, não sentimos sequer um balanço, parecia um pássaro
levantando voo com toda sua habilidade, projetado exatamente para
isso. Fiz o serviço de bordo, que é bem diferente de um em um
avião comercial, com toda a minha excelência. Realmente nasci
para isso, não há dúvidas. Henrick passou a me ignorar, e a essa
altura eu já não sabia se isso era um sinal bom ou ruim, mas era de
se ajoelhar e agradecer não receber mais nenhum de seus
comentários desnecessários que me deixavam constrangida. Ao
nosso lado direito, o céu ganhava sua majestosa cor amarelada
meio rosada e alaranjada por conta do sol que já estava a se pôr,
sorrio plenamente sentindo uma paz imensa transbordando de
dentro de mim. Não importa quantos voos eu faça, sempre vou ficar
encantada com o plano de fundo. E é fitando a janela que me pego
sentimental lembrando dos meus pais que também eram aviadores,
meu pai piloto privado e minha mãe comissária de voo privado, com
toda certeza eles deveriam ficar tão encantados quanto eu e devem
estar muito orgulhosos de mim por seguir seus passos onde quer
que estejam.
O segurança embalou num sono profundo e perdeu toda a vista,
mas não o culpo, se dormir fora sua melhor forma de lidar com o
nervosismo, então que assim fosse. Mais algumas horas cortando
os céus e finalmente sou chamada por Henrick, não sou capaz de
descrever o quanto eu ansiei por isso desde que cortou papo
comigo. Era insano o quão contraditório estavam meus
pensamentos com relação a ele, uma hora eu queria o jogar de lá
de cima, noutra eu queria tê-lo mais perto para que eu pudesse
olhar cuidadosamente seus traços finos e fantasiar algumas coisas.
Essas seis horinhas de voo estavam sendo de longe as mais
interessantes, se é que assim posso representar. Sem pestanejar,
me desfaço do sinto que me prende a uma das poltronas perto do
cockpit e vou prontamente atendê-lo.
— Em que posso ajudar, senhor?
— Prepare um Whisky pra mim. — pede no seu habitual tom de
arrogância. — Puro. — acrescenta.
— Gostaria de aconselhá-lo a não tomar essa bebida pura. —
me atrevo a dizer. — Estamos a 35 mil pés, o efeito dessa simples
dose de Whisky vai triplicar por conta da pressão barométrica aqui
dentro e o baixo nível de oxigênio em seu sangue.
— Como ousa avaliar uma ordem minha? — franze o cenho, me
olhando fixamente com uma expressão tal como se eu fosse uma
mosquinha e ele estivesse prestes a me esmagar. — Eu sou alguém
que viaja com frequência e pra sua informação, sei bem como as
coisas se comportam a essa altura.
— É parte do procedimento de segurança alertá-lo.
— Não seja insolente, senhorita Hill, e faça o que eu mandar sem
contestar. — rosna, pensei que sua cara fosse derreter com tanto
fogo que saia por suas narinas.
— Sim, senhor. — respondo a contragosto com um sorriso tão
falso que até uma nota de três dólares perderia se comparado a ele.
Por que ele fazia questão de continuar agindo como um merda,
como se na vida nunca fosse precisar de alguém? Como se fosse
tão superior que nós meros mortais deveríamos ter vergonha de nos
dirigirmos a ele? Eu tenho pena da sua soberba. Se ele não sofreu
até agora, um dia sofrerá, como castigo, tenho certeza, só para
aprender a tratar as pessoas como semelhantes. Torço de verdade
para que ele nunca passe por uma situação humilhante a ponto de
ter que pedir a ajuda de alguém e essa pessoa se negar, mas que
ele aprenderia e merece, merece. Fingindo que nada daquilo me
afetou, caminho de volta a galley e preparo sua bebida, pondo dois
dedos de água às escondidas. Não quero vê-lo bêbado. Se sóbrio já
era um diabo, imagina com alto teor de álcool no sangue. Quis
colocar um pouquinho de veneno? Sim, mas apenas balancei a
cabeça, sorrindo do meu devaneio e o entreguei aquela porcaria.
Fecho a porta que divide a cabine de passageiros da parte
dianteira do jato e sento na minha poltrona que é bem atrás da do
copiloto, bufando, a ponto de explodir de raiva.
— Você bem que tem razão, Patrick. — assumo, pegando em
seu ombro.
— A respeito de quê? — ele vira para mim confuso.
— A respeito de tudo o que ouviu sobre Henrick Sawyer. Se
brincar, até o diabo deve ser mais gente boa do que ele. — debocho
e ele, assim como o James, cai na risada.
— E então, Molly... há quanto tempo trabalha com o comandante
Watson? — resolve puxar papo comigo pela primeira vez desde que
decolamos.
— Sabe que pode me chamar pelo primeiro nome, não sabe?
Trabalharemos tantas horas juntos que dispensa formalidades. —
Patrick assente.
Acho admirável isso no James de não querer nenhuma barreira
entre seus colegas de trabalho, independente do cargo, afinal,
fazemos parte de um time e temos que trabalhar em conjunto, todo
mundo precisa de todo mundo. Mas já conheci muitos outros
comandantes que se acham os maiorais, que só pisam no chão
porque não têm outra escolha, e eu fico puramente feliz quando
lembro que não tenho que trabalhar com nenhum outro, apenas com
ele que já convivo há algum tempo.
— Há bastante tempo, Patrick. — volto a sua pergunta. — Ele
praticamente trocou minhas fraldas na aviação.
— Que responsabilidade, não? — brinca.
— A responsabilidade é tamanha que se eu falhar numa
conversão de pés pra flight level6 a essa altura do campeonato, ele
desiste de mim de vez.
— Claro, eu quase arranquei os cabelos pra fazer com que você
entendesse, é inaceitável que você erre. — me ameaça e eu mostro
a língua em resposta.
— Já programaram o que vão fazer essa noite? — Patrick muda
de assunto.
— Não vamos voltar pra casa hoje? — franzo a testa perplexa,
me dirigindo ao comandante.
— O senhor Sawyer só voltará pra NY amanhã de noite, ou seja,
nós também.
— Era só o que me faltava! — reviro os olhos, fula da vida.
Aterrissamos em Los Angeles por volta das 10:00 PM, não houve
nenhum vento intenso que pudesse atrapalhar o pouso, apesar dos
alertas da torre de controle. Após a aprovação do comandante,
imediatamente abri a porta do jato e fiquei ao lado esperando para
me despedir dos passageiros. O segurança foi o primeiro a dar o
fora, devia se sentir muito mais seguro com seus pés cravados ao
chão, mas antes me agradeceu pelo meu posicionamento e eu senti
que meu trabalho tinha sido muito bem executado e tinha valido a
pena. Seu assistente veio logo atrás, deu um pequeno espaço para
que seu chefe autoritário passasse na frente, porém Henrick indicou
que o mesmo descesse, e ele assim o fez. Patrick estava ao meu
lado quando Henrick caminhou até a saída, James o esperava ao pé
da escada.
— Fez um ótimo trabalho, Jones! — parabeniza o Patrick que
recebe o elogio com um sorriso besta no rosto. É impressão minha
ou o tempo que o senhor Sawyer passou me ignorando de repente
lhe serviu para adquirir o bom senso de reconhecer o trabalho dos
outros? — E você... – fixa seu olhar em mim com seu clássico
risinho debochado nos lábios. — Nos vemos em breve. – diz por fim,
me deixando com um par de interrogação na testa. Aquilo fora uma
ameaça?
— Parece que ele adquiriu um novo hobby... te deixar puta da
vida.
— Ele só é do tipo que não está feliz a não ser que todo mundo
em volta dele esteja em pânico ou com medo, eu sou só mais uma
de suas vítimas de tortura. — brinco.
— Espero que você nunca mais tenha que voar com ele, meus
ouvidos agradeceriam.
— Que rabugento! — faço cara de sentida. — Não queira
terminar como o pobre George... — finjo ameaçá-lo, ele entende a
zombaria e põe a mão no peito como se fosse ter um ataque e eu
gargalho da falsa cena. É, acho que formamos uma equipe sadia.
Entro no quarto do hotel, que fora reservado para a tripulação, e
me desfaço do meu uniforme e sapatos que apertam meus pés,
jogando as peças em cima da cama vazia. Meu corpo está mole,
exausto da viagem, imploram por uma bela noite de sono. No
entanto, minha mente não me deixa em paz e não para de pensar
no Henrick. Desde o aeroporto não consigo tirar as palavras dele da
cabeça, só torço para que ele não dê uma de azedo com o ego
ferido e mexa os pauzinhos para que eu seja demitida, é a última
coisa que quero na vida. Pego uma toalha e vou em direção ao
banho com certa pressa, almejando que a imagem de olhos azuis
da cor do mar não invada mais o meu pensamento e não me falhe a
respiração.
Mal sabia eu que essa era só a pequena ponta do iceberg do que
estava por vir...
CAPÍTULO 3
Molly Hill
Ouço batidas pesadas na porta enquanto estou no banheiro a
passar um lip balm nos meus lábios ressecados do ar seco do
avião, franzo o cenho pensando em quem seria a essa hora da
noite, nem os funcionários do hotel nos incomodariam às 10:00 PM.
Visto um roupão felpudo e vou ver quem é. Assim que abro a porta,
me surpreendo, me deparo com Patrick encostado na parede todo
informal numa calça jeans branca e uma camisa de botão azul
piscina florida aberta até a metade. Azul é a nova tendência do
momento e eu não fui avisada? Argh.
— Não posso crer no que os meus olhos estão vendo. — ele
revira os olhos, parecendo incrédulo.
— O que foi? É alguma simulação de incêndio e eu fui a única
que não ouvi e ficou pra trás? — respondo com certa ironia.
— Estamos em Los Angeles, Molly! — abriu os braços
sorridente. — Não vá me dizer que passou pela sua cabeça passar
essa noite aqui dormindo?
— Qual é, Patrick! Eu estou um caco!
— Nós vamos pra uma casa noturna e não aceito não como
resposta.
— Eu realmente não estou afim. — declaro, sendo verdadeira.
— Você vai dar meia volta, pôr um belo decote e melhorar essa
cara. — diz, me empurrando porta adentro. — Eu espero.
— Mas que diabos deu em você?
— Tic-tac, está perdendo tempo... — me avisa, sentando em
uma das poltronas perto da sacada, com um sorriso traquino no
rosto.
— Está bem! — ergo os braços em sinal de rendição, vendo que
ele não iria me deixar em paz mesmo. — Que mal há? — dei de
ombros.
Pensando bem, estou mesmo precisando dar uma sacudida na
minha vida tão monótona, Patrick caiu de paraquedas aqui. Seria
bom para mim beber, dançar e jogar no lixo o pensamento em um
certo senhor engomadinho. Em menos de um minuto meu sono foi
pelo ralo e eu já estava bem animadinha até, empolgada com uma
noite diferente. Uma curiosidade sobre o mundo da aviação é que
os laços com os demais da tripulação se estreitam em menos de um
voo e todo mundo já sai do avião bastante entrosados porque são
nossa companhia durante boa parte do tempo, então é
compreensível que Patrick em seu primeiro dia já se mostre
enturmado.
Corri para o banheiro, vesti uma roupa digna de noitada que eu
sempre tinha na mala em caso de uma possível mudança de planos
e fiz uma make compatível, sendo apressada pelo Patrick, a todo
segundo que se passava ele dizia que íamos acabar chegando na
hora que a boate fecharia as portas. Exagerado!
— Já que me fez cair da cama, eu espero que me leve pra um
lugar que valha a pena! — apareço no quarto, mostrando meu
visual.
— Caralho! Gata, você não é um A3807, mas é tão bonita
quanto. — dá uma cantada barata, arrancando de mim uma
gargalhada sincera.
Chegamos na tal boate que o Patrick conhecia e adentramos o
lugar que já estava lotado, pedindo logo uma bebida para esquentar
a noite. Tomei um Dry Martini de uma só vez, goela abaixo, e fui
para o meio da pista de dança quando Light do San Holo ecoou pelo
lugar, arrastando o Patrick que me olhava um tanto assustado. Para
quem não queria nem levantar da cama, minha animação se
mostrara subitamente crescente, indo para um nível muito alto. Me
remexo sentindo as batidas viciantes da música tomar conta do meu
corpo, e percebo um leve desfoque quando olho em volta por conta
da bebida e da mudança brusca de movimentos, mas não dou a
mínima, tudo que quero é deixar que o meu hit preferido possua
minha alma. Patrick se coloca atrás de mim, segurando meus
quadris, dançando perfeitamente sincronizado comigo. Encosto meu
corpo no seu e rebolo pouco me importando se soa provocativo ou
não, talvez o álcool revelasse meu lado puramente instintivo. Ele
parece não se incomodar, está aproveitando o momento tanto
quanto eu, envolvido no que a mescla de tudo ali nos ocasiona, as
luzes, a escolha de música, a temperatura alta e o contato físico dos
mais próximos. Elevo minhas mãos para cima e Patrick dedilha as
laterais do meu corpo como se fosse um instrumento musical,
imediatamente fecho meus olhos totalmente entregue. Quando
resolvo abri-los, me deparo com quem eu de longe esperava
encontrar, ainda mais num local como esse. Meu pesadelo...
Henrick Sawyer.
De início penso estar sendo enganada pela minha própria
imaginação, mas quando forço o olhar para tentar vê-lo com mais
clareza, ele dá as costas e sobe as escadas em direção à área vip,
ao seu provável camarote e eu tenho total certeza de que é ele,
conheceria esse perfil a quilômetros. Lá em cima ele fala alguma
coisa com seu assistente, que sai apressadamente, e toma um gole
da bebida do copo em suas mãos, voltando seu olhar para mim,
mesmo com a distância posso ver seu maxilar travado e sua cara
fechada.
Caio em mim que estou o observando até demais e então volto a
me divertir como se ele não estivesse lá, ainda que me suba uma
onda estranha de nervosismo pela espinha uma vez que estou
expondo um lado que especificamente ele não deveria conhecer e
inevitavelmente está conhecendo. Sinto alguém me cutucar e
quando olho pro lado fico surpresa com seu assistente próximo a
mim.
— Venho em nome do Sr. Sawyer, senhorita Hill. Ele exige que
você vá até ele... — fala mais alto para que eu possa ouvir.
— Ah, ele exige? Está aqui a minha resposta pra ele. — fito mais
uma vez o Henrick que nos assiste com atenção e me viro sem
pensar muito, me jogando nos braços do Patrick, selando nossos
lábios.
Quem ele acha que é para exigir que eu pare o que estou
fazendo para ir até ele? Tecnicamente não sou mais sua funcionária
com os pés fora da aeronave, logo não sou obrigada a obedecê-lo,
e eu não o farei.
— Wow! — ele exclama surpreso, mas não em tom de
reclamação.
— Isso é um obrigada por me arrastar até aqui e fazer dessa
noite bem interessante. — digo sorrindo sapeca, sem mencionar o
que de fato tão interessante estava acontecendo, já que ele não viu
o Henrick e nem iria gostar de saber que foi usado para que eu
implicasse com o senhor sem noção por pura pirraça.
Continuei dançando, me dando o luxo de esquecer toda e
qualquer preocupação ou lembrança triste que viesse em minha
mente. O Patrick me trouxe três doses de um líquido azul que
desceu queimando na minha garganta e daí em diante, o chão
parecia ter sumido. Eu estava leve e mil vezes mais solta. Havia
perdido totalmente o costume de beber, por isso me vi so fucking
high8 em tão poucos drinks. Avisei ao Patrick que ia ao banheiro e
caminhei depressa, sentindo minhas pernas trocarem. Essa era a
deixa para eu não seguir em frente com o álcool. Algumas meninas
retocavam a maquiagem no espelho enquanto eu esfregava minhas
mãos molhadas na nuca para amenizar o calor repentino. Por sorte
não me veio nenhuma ânsia de vômito como pensei que viria, mas
saí do banheiro sentindo minha cabeça ficar tonta com tal força que
acabei esbarrando em alguém, ou melhor, no Henrick. Puta merda!
Esse homem está me seguindo?
— Deveria ter recusado a segunda dose já que você é fraca pra
bebida e não aguenta nem uma terceira. — fala num tom
intimidador, me segurando firme.
— Vai me dizer que estava contando quantas bebidas entrou ou
saiu da minha boca? – debocho.
— Só por garantia, imagina só que perigo pegar um avião com
uma agente de segurança que não se aguenta nem em pé.
— Se eu bebi é porque sei que o álcool perderá o efeito a tempo
da minha apresentação. — rosno. — E por que que eu tô me
explicando se a minha vida não te interessa?! — bufo, batendo o pé
irritada.
— Chega a ser cômico o quanto você se esforça pra fingir que as
minhas investidas não surtem efeito em você. — ironiza, dando um
sorrisinho de canto devasso ao me fitar com seus olhos azuis
penetrantes.
Ele está certo. E nessa situação constrangedora que nos
metemos, ele me tem completamente vulnerável em seus braços
fortes, se eu não fizer alguma coisa para fugir dali, irá por água
abaixo toda a armadura que pus em volta de mim para repelir o
quanto seus encantos no fundo me atingiram e em tão pouco tempo.
Eu ia acabar cedendo. Não sei se sinto raiva por ter bebido ao ponto
de ter que ir no banheiro me recompor e acabar encontrando ele ou
se fico feliz por isso ter me proporcionado uma bela de uma tontura
e estar tudo girando na minha cabeça de repente me indicando um
desmaio, meu passe livre para cair fora dessa saia justa.
— Você tem um irmão gêmeo? — sorrio besta da dupla imagem
que se forma em minha frente, não restando dúvida que a minha
sobriedade tinha vazado.
— Como é? — ele levanta a sobrancelha, confuso.
— Acho que vou desmaiar, tá tudo ficando escuro...
— Agora? — sinto suas mãos apertarem o abraço quando meu
corpo amolece. — Merda! — é a última coisa que ouço.
***
Desperto com o barulho ensurdecedor do meu celular que toca
desesperadamente em cima da mesinha ao lado da minha cama e
desligo puta da vida, o jogando do outro lado do quarto sem pena.
Quem colocou essa droga para despertar às 9h da manhã quando
eu virei a noite na farra? Espera! Como eu vim parar aqui? Nem me
lembro de ter voltado para o hotel. Mas também como lembraria se
não me recordo nem sequer do que aconteceu essa madrugada?
Meus olhos estão pesados e minha cabeça parece que vai explodir,
isso que dá beber o que se não conhece em excesso. Levanto com
muito custo e pego meu celular, que por um milagre não trincou,
checando o lembrete do alarme que dizia “café da manhã”. Deduzo
o óbvio, que eu tenha colocado esse recado para não perder o café
da manhã do hotel junto com a tripulação, então forço meus pés
para dentro do banheiro e tomo um banho rápido, esperando que
uma água fria na cara melhore meu semblante, mas de nada
adianta, sou obrigada a pôr um óculos escuro que cobria boa parte
do meu rosto para estar no mínimo apresentável.
— A noite de vocês foi boa, huh? — comandante Watson diz
quando me aproximo da mesa com minha bandeja, bebericando do
seu café.
— Bom dia pra você também, James. — deposito um beijo
carinhoso em sua cabeça. – Como sabe que eu também fui? –
sento, tirando finalmente os óculos.
— Sua cara acabada não nega. — provoca, me fazendo revirar
os olhos. — E quanto ao Patrick... bem, acordei às três da manhã
com ele batendo na porta e dando piti no corredor dizendo que eu
roubei a cueca verde dele da sorte.
— Meu Deus! — não consigo controlar uma crise de riso.
— Agora vê se eu aguento uma coisa dessas... fui sentenciado a
trocar meu sono pra cuidar daquele marmanjo. Hoje à noite ele me
paga, não toca um dedo sequer no manche.9 — resmunga ranzinza.
— Eu não lembro de absolutamente nada que aconteceu ontem,
nem de como consegui chegar na cama. — falo calmamente,
saboreando meu prato nada saudável de ovos com bacon.
— Deveria ter tomado mais cuidado, esbarrar com o Sr. Sawyer
no corredor nesse estado causaria estragos... pelo o que bem
conheço dele, tiraria proveito da situação.
— Ele tá hospedado nesse hotel? — arregalo os olhos, quase
cuspindo fora meu suco.
— Esse é o melhor hotel de Los Angeles, onde acha que ele se
hospedaria?
Ele mal termina de falar e o Henrick aparece no salão, vestido
numa camisa branca de gola V que deixa alguns pelos do peitoral à
mostra e um jeans de lavagem escura, completamente informal,
mas tão estiloso e imponente como se estivesse usando um terno
Armani sob medida. Seu cabelo está majestosamente arrumado e
seu perfume inebriante, mesmo que com a distância as notas não
tenham chegado ao meu nariz com a força esperada. Sua
expressão é inteiramente relaxada tal como se já soubesse que
exalava charme e tinha todos os olhares ali fixados nele. Ok, talvez
ele realmente saiba disso. Meu coração acelerou
consideravelmente, não esperava encontrá-lo fora do meu serviço,
muito menos em tais circunstâncias. Que homem hot, jesus! Antes
que eu babe e passe vergonha, seus olhos vêm de encontro aos
meus e eu engulo seco quando vejo que ele mudou seus passos e
está a caminhar em direção à minha mesa.
— O que houve, Molly? Parece que viu um fantasma.
Logo avisto o Patrick, que entra em meu campo de visão
passando por entre algumas mesas próximas para vir até nós, e
posso jurar que Henrick fechou a cara e se direcionou para o lado
oposto do salão quando o viu, me deixando mais aliviada para
mentir para o James sobre minha reação.
— Nada, é só o Patrick mesmo que tá mil vezes pior do que eu.
— respondo o que por um lado é verdade.
— Bom dia, minha amada crew! — sorri aberto, com olheiras
mais profundas que o meu interesse numa certa pessoa.
— Ihhh, depois do elogio vem sempre o golpe... — ironizo.
— Só estou feliz, não posso estar feliz? — diz num tom de voz
maroto, beijando as costas da minha mão.
— Da próxima vez vá cantar sua felicidade bem longe do meu
quarto, seu puto. — James demonstra insatisfação, mas dá para ver
claramente que daqui a poucos minutos essa história será
esquecida.
— Me desculpa, comandante, mas não é todo dia que eu tenho a
sorte de beijar uma comissária tão tão como a senhorita Hill. — me
encara com um sorriso sugestivo nos lábios, me pegando de
surpresa com sua declaração.
— Se eu não lembro, eu não fiz. — me defendo.
— Só não entendi por que que você deu chá de sumiço depois
que disse que ia no banheiro e depois me mandou uma mensagem
sem pé nem cabeça pedindo pra eu não me preocupar que você já
estava no hotel... como chegou aqui sozinha?
Boa pergunta!
— Patrick, nem eu mesma sei como cheguei aqui sã e salva. —
respondo um tanto pensativa, não era do meu feitio me arriscar
assim, voltar bêbada e ainda mais sozinha.
— Pelo menos você saiu a tempo de não esbarrar com Henrick
Sawyer.
Enjoo
Banheiro
Tontura
Henrick Sawyer
Escuridão
Juntei as peças que faltavam para completar o quebra-cabeça e
consegui ter uma visão da noite passada em flashbacks. Como
pude esquecer justamente disso? Merda! E se ele é o cafajeste que
dizem por aí, quem me garante que não tocou em mim? Preciso tirar
essa história a limpo, e urgente.
— Ele estava lá? — finjo não saber de nada.
— O vi de relance depois que você saiu.
— Hum. — murmurei. — Que sorte a minha então não ter tido a
má sorte de encontrá-lo. — o lanço um sorriso chocho. — Agora se
me dão licença, preciso resolver uma coisinha... — me levanto e
saio da mesa antes que eu possa receber algum protesto.
Vou rapidamente em direção à piscina e dou uma boa olhada em
360° ao redor a fim de achar quem eu procurava e claro que não
tenho nenhuma dificuldade em encontrá-lo, aquele porte atlético não
é uma coisa de se passar despercebido, muito menos um rostinho
perfeito esculpido a mão num belo de um Ray-Ban que casa com
todo o resto. Henrick está a falar no celular, mas termina a ligação
no mesmo minuto que avanço meus passos até ele. Sinto um frio na
barriga quando ele percebe minha presença e levanta a cabeça me
olhando sem esboçar expressão alguma.
— Tá aí uma coisa inédita... você vindo até mim por livre e
espontânea vontade. — seu timbre grave me desestabiliza. —
Senhorita Hill, você é mesmo uma caixinha de surpresas.
Com toda a certeza do mundo que digo que esse cara pode fazer
até a narração de um meme que ainda assim vai parecer sensual e
me tirar dos eixos.
— Me desculpe, Sr. Sawyer, mas o senhor é a última pessoa que
passaria pela minha cabeça pra ter um diálogo. — não meço minhas
palavras.
— Seu ultraje tem minha atenção, sou todo ouvidos. — ele tira os
óculos escuro e o coloca em cima da mesa, juntando as mãos em
cima do colo formando um triângulo como se estivesse numa
reunião de negócios, me encarando com um olhar indecifrável.
Suas palavras soam debochadas e eu tenho a leve impressão de
que a minha afronta foi o ápice dos motivos pela qual serei demitida
hoje, mas já que os ventos não estão soprando ao meu favor desde
o voo e eu estou na sua lista negra por não corresponder seu flerte,
que eu seja demitida com um pouco de dignidade, por uma
justificativa mais decente.
— Sobre ontem à noite... — eu começo, mas logo me lembro que
minha roupa permanecia intacta quando acordei, o que me diz que
Henrick Sawyer nesse aspecto talvez não seja o crápula que
pintam, então volto atrás com minha suspeita e o agradeço por ter
tido uma pontinha de consideração em me ajudar a chegar no hotel.
— Obrigada. — falo, ainda um pouco relutante.
Henrick riu pelo nariz e ficou de pé, cerca de pouquíssimos
centímetros distante de mim, não quebrando o contato visual.
Poucos minutos, mas o suficiente para eu me pegar fitando agora
seus lábios rosados que foram coincidentemente umedecidos
naquele curto período de tempo os tornando deveras convidativos.
Instantaneamente fechei meus olhos quando ele aproximou seu
rosto do meu, pensei que ele fosse me beijar e por incrível que
pareça, presa a aquele momento, ansiei por esse contato, no
entanto, ele saiu de perto de mim e se retirou, me deixando com seu
cheiro maravilhoso e com uma feição confusa e boba na cara.
Não posso acreditar que me deixei levar e o fiz ter a certeza do
contrário de tudo o que eu estive tentando passar nessas últimas
horas... que eu estava completamente, perdidamente e tão
rapidamente de alguma forma encantada por Henrick Sawyer.
CAPÍTULO 4
Molly Hill
— Parece que você falhou no que tinha pra resolver... — dou um
pulo com a voz do James em tom de incredulidade bem ao meu
lado.
— Não é o que você está pensando, James. — tento me explicar,
mas que raios de desculpa seria convincente diante daquela cena
que ele acabou de assistir?
— Não estou aqui pra te julgar, minha querida, até porque o Sr.
Sawyer pode ser bem persuasivo. Só te peço cuidado. Não entre na
jogada dele, você vai sempre sair perdendo. — me alerta, dando
duas batidinhas em meu ombro, antes de sair.
O aviso do James serviu para me abrir os olhos de que eu havia
lutado e nadado muito ao longo da minha carreira profissional para
agora morrer na praia por algo tão evitável. Eu tinha que manter
distância do Henrick, até porque nossa breve conversa, mais do que
nunca, só me mostrou que ele pode ser capaz de sugar o restinho
de autocontrole que o ser feminino presume ter, e que seu ato de
gentileza, tal como um bom player, fora nada mais nada menos que
em troca de algo posterior. Ele me fazia perder a total noção e eu,
definitivamente, não pretendia deixá-lo atingir seu objetivo. Subo
para o meu quarto e ao encarar o céu azul através da janela, decido
que ficar fitando o teto não seria nada proveitoso, então saio para
dar uma volta pela cidade. Afinal, quem em sã consciência fica
trancado dentro de um quarto, rodeado de quatro paredes em plena
Los Angeles? Queria passar um tempo sozinha e realmente era
muito boa nisso, passeios disfrutando apenas da minha companhia
fazia parte da minha rotina e eu curtia bastante.
Bato perna no shopping e faço algumas comprinhas, que me
distraem um pouco, até passar por uma lojinha de souvenirs que
opto por entrar. Meus olhos sem demora se fixam nos mais variados
charms de vários pontos turísticos de Los Angeles e eu sou
remetida a dez anos atrás quando a minha mãe me contara
empolgada que esse se tornara o seu lugar preferido no mundo,
pois foi onde conheceu o meu pai, compondo pela primeira vez a
mesma tripulação que ela. Uma lágrima rola pelo meu rosto, Los
Angeles não possuía mais suas cores vibrantes desde que eles
foram tirados brutalmente da minha vida. Meu coração pesa dentro
do peito. Lidar com a ausência deles era uma parte complicada da
minha vida, mesmo depois de quatro anos, uma hora eu estava
bem, não mentalmente, mas fisicamente bem, noutra eu
desmoronava e o meu sorriso parecia que não brotaria nunca mais.
A única coisa que ainda me dá forças para lutar contra essas
recaídas e me acalma em partes, é saber que os responsáveis pela
queda do jatinho que meus pais trabalhavam naquele dia estão
atrás das grades, impossibilitado de interromper mais sonhos e
destruir mais famílias. O sentimento de injustiça me levaria de volta
para o buraco e me enterraria lá para sempre. Trabalhar para
empresários envolvidos em coisas erradas infelizmente tinha seu
preço hoje em dia, sua vida.
O céu escureceu sobre minha cabeça e eu não pude notar de
imediato, shoppings têm essa técnica manjada de criar uma
atmosfera diferente, como uma bolha, nos deixando inertes ao que
acontece lá fora, desse modo, passamos mais tempo dentro dele
sendo invisivelmente aliciados a usufruir mais e nem damos conta
do passar do tempo. O horário da minha apresentação estava
próximo, faltavam exatas duas horas. Merda! Eu tinha que correr. Se
eu esperasse um taxi ou pedisse um Uber, correria o risco de me
atrasar ainda mais, então na dúvida preferi ir a pé até o hotel, que
não ficava muito longe, totalizando uns quinze minutos de
caminhada. Quando cheguei, em nove minutos, com sorte, corri
para o meu quarto. Tomo um banho rápido, me visto devidamente,
faço uma maquiagem em tempo record de meia hora e jogo,
literalmente jogo todas as minhas coisas espalhadas pelo quarto
para dentro da mala, não me importando com a desorganização.
Melhor uma roupa amassada do que uma chamada da empresa.
Desço apressada até o hall e encontro o restante da tripulação já
se acomodando dentro da van, coloco minha mala no local indicado
para bagagens e é quando me sento e o sangue esfria de toda essa
correria que lembro que havia esquecido o celular em cima do
balcão do banheiro. A pressa é mesmo inimiga dos
descoordenados, e dos desmemoriados. Peço ao James que não
deixe irem sem mim e me esgueiro para dentro do único elevador
com as portas abertas no térreo, me imprensando entre as
superfícies de aço agora prestes a se fecharem. Consigo entrar a
tempo, mas meu corpo se choca violentamente em alguém e eu
logo reconheço o toque, no minuto em que suas mãos me seguram
firme, impedindo minha queda, de novo. Henrick Sawyer, a
personificação dos meus problemas.
— É impressão minha ou você não perde uma oportunidade de
se jogar em meus braços? — ele diz num misto de irritação ou
ironia, não consigo definir.
— Me desculpe.
Gostaria de dar a ele uma resposta desaforada, que estava na
ponta da língua, mas depois da vergonha que passei mais cedo e o
conselho do James, me desculpar sem ao menos estar errada é
tudo que sou capaz de fazer diante dos seus olhos enigmáticos que
me analisam como se fossem adentrar minha alma, ou talvez minha
saia, se eu permitir. Passo as mãos ajeitando meu uniforme,
evitando fazer contato visual e tentando suavizar todo o incômodo
que sinto em estarmos apenas nós dois num espaço tão
relativamente reduzido, mas a situação só piora, ele fixa seus olhos
em meu corpo de uma maneira suja e pretenciosa. Por que que eu
deixei para vestir meu blazer dentro da van mesmo? Argh. Eu
deveria cogitar que nunca se sabe que tipo de sem-vergonha, digo,
Henrick Sawyer, a gente vai encontrar por aí. E que espécie de tara
ridícula era essa que ele tinha por comissárias? O que ele mais
deveria ter era mulheres o cercando, então para que misturar
trabalho com diversão e ser insensível a ponto de estragar com as
nossas carreiras que custaram tanto para se consolidarem e não
que a gente ganhou de bandeja como a dele?
Ele é convencido, o que por um lado é justificável, com uma
beleza dessas até eu seria, mas esse seu jogo nojento de levá-las
para cama e depois descartar para que outras venham e manter
esse ciclo vicioso era culpa delas mesmas porque se não
compactuassem com isso, uma hora ou outra ele iria parar. Mas na
real quem sou eu para julgar se estava sentindo na pele o poder de
persuasão dele? Eu era uma fraca, absolutamente, acho que todas
nós éramos quando se tratava desse homem, ou estava sozinha a
tanto tempo que uma carência reprimida estava se revelando sem o
meu consentimento, das duas uma. No entanto, eu estava bastante
decidida a provar o meu valor e não ceder a suas investidas, nem
que isso custasse o meu emprego, não que eu fosse melhor ou
coisa do tipo, mas eu sabia que merecia ser tocada por alguém que
pelo menos validasse meus sentimentos e gostasse
verdadeiramente de mim, no mínimo.
Olho para cima sentindo minhas mãos suarem frio, o visor do
elevador indicava dois andares, o nono e o trigésimo, o meu e o
dele, nunca torci tanto para uma pessoa entrar num elevador e
atrasar meu trajeto como hoje, por mais que eu já estivesse bem
atrasada. Quando as portas se abrem no meu andar, escapulo para
fora num impulso. Por um breve segundo esqueci até o que ia fazer
ali. Meus passos são meio desembestados em direção ao quarto ao
relembrar a cara do James lá embaixo, ele simplesmente odeia
atrasos e vai me repreender com certeza, e eu odeio perder minha
razão. Avanço minhas mãos para segurar a maçaneta da porta e
antes que eu o faça, sou puxada num solavanco e prensada contra
a parede. Esse homem num tinha que ter subido, produção? Que
perseguição!
— Vai continuar bancando a puritana? Esse lance realmente não
cola comigo.
Com sua proximidade repentina e excepcionalmente tentadora,
sinto dificuldade até de respirar, como se meus pulmões tivessem
desaprendido a fazer as trocas gasosas e me trazer oxigênio. Ele
segura meu pulso com uma força excessiva e meu olhar intercala
assustado entre ele e meu braço que fisga de um jeito ruim e bom
ao mesmo tempo, sei que ficará uma marca ali, mas não ligo. Sua
outra mão me encurrala na parede, não me dando brecha para sair
de seu enlace, deixando nossos corpos quase que colados.
— Entenda uma coisa Sr. Sawyer... — decido o enfrentar,
juntando todas as minhas forças para repelir seus olhos
irresistivelmente azuis e cheios de mistérios a me encarar tal como
um leão faminto espia sua presa. — Não querer me envolver com
você não é bancar a madre de Calcutá, mas sim um fato crucial do
nosso século que parece que você perdeu... mulheres escolhem pra
quem elas querem abrir suas pernas, e eu não escolhi você.
Ele me olha furioso com o maxilar travado e desconta sua raiva
em meu pulso que a essa hora deve estar quase que sem
circulação. Se eu o denunciar por assédio, será que ele vai sofrer
alguma punição e eu tenho finalmente a chance de me livrar desse
encosto? Mas é claro que não, Molly! — Penso. Homens como o Sr.
Sawyer compram o mundo e jamais sofrerão represália. Então me
contento em insultá-lo, o fazer ouvir o que ninguém nunca teve a
coragem de dizer. Que se dane! Já me considero na rua mesmo,
pelo menos sou demitida de cabeça erguida, alma lavada e nós na
garganta desfeitos.
— Um dia você vai me abrir muito mais do que as suas pernas,
senhorita Hill. — sua voz rouca sussurra em meu ouvido, deixando
minhas pernas bambas.
Permaneço encostada na parede inerte a tudo em minha volta,
ainda tentando assimilar o que acabara de acontecer e me
esforçando para lembrar até como se mexe. Que espécie de homem
é esse que parece que cria um campo magnético ao redor de todos
que tem contato? Não pensei que ele fosse chegar a tanto para me
fazer repensar sobre minha sentença de rejeitá-lo a qualquer custo.
Acordei do transe com o Patrick me sacudindo preocupado e foi aí
que eu me dei conta de que havia demorado demais para descer e
nem fiz o que vim fazer, que num lapso de memória me lembro.
Digo que tive uma queda de pressão e ele não me contrapõe,
apenas me ajuda a me recompor novamente. Pego meu celular e
então a gente desce, minha cara não está uma das melhores e
James repara, mas não toca no assunto. Por fim seguimos para o
aeroporto em completo silêncio.
Encarar o Henrick depois do que aconteceu foi um tanto
constrangedor, mas considerando que eu não o veria mais já que
seria demitida, liguei um tremendo foda-se, me referindo a ele
apenas quando necessário. O voo prosseguiu tranquilo, sem
gracinhas da sua parte dado que ele resolveu fingir que eu não
existia, me pedindo apenas uma água ao logo de toda viagem.
Quando chegamos em New York parecia que eu tinha corrido uma
maratona devido aos últimos acontecimentos, mas estranhamente
ao pôr meus pés dentro de casa senti falta de olhos azuis me
tirando do sério. Sentei no sofá e me livrei do salto que apertava os
meus dedos e tirei minha meia calça preta esperando e talvez
temendo, e muito, abrir o notebook e receber um comunicado da
companhia que eu sabia bem qual era. Mas antes que eu possa
checar meus e-mails, meu celular toca e o visor denuncia Olivia,
minha melhor amiga.
§ Ligação §
— A que devo a honra da sua ligação, dona Olivia?
— Nem vem com deboche, Molly, demorei pra ligar porque um
filho da puta sem vergonha bateu no meu carro e teve a audácia de
dizer que a culpa era minha, acredita? Tô que nem doida tentando
resolver esse B.O. — diz de uma vez, esbaforida.
— A julgar pelo jeito que você dirige... — começo, querendo
irritá-la.
A maneira com que Olivia dirigia era peculiar, mas não um perigo
real em si para as outras pessoas, uma freada brusca aqui uma
estancada ali, bem, segundo quem aprovou ela na prova prática de
direção.
— Não ouse terminar essa frase. — a ouvi bufar do outro lado da
linha, dei uma gargalhada.
— Também tô com um calo no meu sapato, um passageiro com
o rei na barriga acostumado a comer todas as comissárias que
trabalha pra ele. — mudo de assunto, desabafando.
— Ele é gato? — percebo seu entusiasmo.
— Olivia! — a repreendo.
— Que é? Você devia era aproveitar as oportunidades que a vida
te dá, isso sim.
— Pelo o que fui alertada, ele pega e depois dá um jeito de
desligá-la da companhia pra que outras venham e fique nesse
rodízio. É ridículo e completamente nojento! — meu sangue ferve só
de lembrar.
— Se você não deu bola, então pra que essa raiva toda?
— Justamente por não saber ouvir um não que aquele soberbo
de merda vai me demitir. – explico.
— Ué, se você vai ser despedida de todo jeito, por que caralhos
não pegou o cara? Você fugiu do assunto, então pelo visto é gato.
— podia jurar que ela estava dando de ombros.
— Meu Deus do céu, Olivia, pra você é tudo questão de tirar
proveito das coisas... o cara não vale o Macallan10 que toma. — me
revolto.
— Mas deve ser bom de cama, com certeza ia te colocar um
sorriso no rosto por algumas horas. Como dizem... ego enorme,
orgasmo equivalente.
— Quem que diz um absurdo desses?
— Euzinha, citação minha.
— Eu já deveria saber. — reviro os olhos.
— Bom, amanhã logo cedo tenho uma reunião com um cliente
novo... ele disse por e-mail que quer pintar o quarto de preto, quem
em perfeito juízo pinta o quarto de preto? – ela resmunga.
— Você implica até com o que os seus clientes pedem... Deus
me livre! Eu que não contrataria uma arquiteta chata dessas.
— Vai se ferrar, Molly! Vou indo nessa... quando você tiver uma
folga, eu passo aí. Aliás, me avisa se for demitida que é pra eu ir aí
qualquer dia. — tira sarro.
— Você vai ser a primeira a saber que é pra vir aqui enxugar
minhas lágrimas.
— Ihhh, nem sou paga pra essas frescurites. — diz toda ogra,
mas no fundo sei que sempre que preciso posso contar com minha
grande amiga que desarma sua armadura quando eu estou em
apuros. — Se cuida, Laurota. Te amo.
§§
Esse era um dos muitos apelidos que a Olivia costumava me dar,
segundo ela eu sou a cópia fiel da personagem Laura Cameron do
seriado americano Pan Am, em termos de personalidade é claro, a
que é tão indecisa que só se dá conta de que não quer casar e sim
voar a caminho do altar. Olivia diz que eu faria o mesmo, e ainda
largaria quem fosse por um avião. Ela tem completa razão. Nossa
amizade cresceu junto comigo eu costumo dizer, minha mãe
contratou seus serviços quando eu tinha 17 anos assim que decidiu
ampliar a nossa casa antiga e eu e a Olivia discutimos feio no
projeto porque ela não concordava com a cor que eu havia sugerido
para a sala de estar. Não sei que profissional em sã consciência
briga com o cliente pelas escolhas dele, muito menos quem ainda
faz negócio com ela, mas eu a amo desde que quase saímos no
tapa. Pouco mais velha que eu, nos damos bem ignorando a
discrepância que é nossas opiniões sobre praticamente tudo.
Procuro pelo meu notebook na mala e vou logo abrindo minha
caixa de entrada, um tanto nervosa, mas é um e-mail de cunho
totalmente oposto do que eu estava esperando que faz meus olhos
se arregalarem e me deixa profundamente desconcertada com as
mãos trêmulas, tenho certeza que se estivesse em pé teria caído
dura no chão. Era nada mais nada menos que um comunicado da
companhia dando a notícia de uma parceria com a empresa do
Henrick, um contrato de exclusividade da nossa tripulação para com
ele.
E eu achando que as coisas não teriam como ficar pior...
CAPÍTULO 5
Molly Hill
Nossa tripulação estar à disposição do Henrick agora 24 horas, 7
dias na semana era simplesmente a representação perfeita do
inferno, não só porque o cliente em questão era ele, mas também
porque voaríamos muito menos do que realmente gostaríamos.
Tento olhar positiva para o fato do meu sonho não ter sido
interrompido com uma demissão súbita, mas não consigo, a outra
dúzia de milhares de contras fazem minha cabeça dar voltas. Quero
xingá-lo de todos os nomes feios possíveis e dizê-lo uns belos
desaforos, porém o restinho de equilíbrio mental que ainda possuo
me lembra que não posso porque ele é meu chefe a partir do dia
que essa merda de contrato foi assinado, ou seja, provavelmente
hoje. Mando uma mensagem para a Olivia a mantendo informada
dessa bagunça e ela, como sempre, leva na esportiva e responde
que eu pelo menos terei um colírio para a vista mais frequentemente
do que eu talvez merecesse. Às vezes eu odeio seu bom humor.
Aproveitei que o James estava online e lhe mandei inúmeras
mensagens desabafando sobre nossa mais nova profissão, a de ser
escrava do Sr. Dono do Mundo, ele já esperava por isso, disse que
conhecendo um pouco do humor — ou ausência dele — do Henrick
não era de quem estava puto e iria me demitir, mas sim de quem
estava puto e faria de tudo para me fazer pagar pelas minhas
escolhas, ou seja, infernizar minha vida. Então das duas uma, ou eu
ficaria com ele assim como água mole em pedra dura tanto bate até
que fura ou eu continuaria o rejeitando e a nossa convivência seria
insuportável. Prefiro ficar com a segunda opção.
Passado uns três dias em casa mofando de perna pra cima, sem
ter nada mais interessante para fazer já que até a Olivia precisou se
ausentar da cidade a trabalho, voltei a minha programação normal.
Nosso voo seria para Seattle e fora anunciado de última hora, Sr.
Riquinho pelo visto gostava de bancar o “foda-se sua vida social, só
esteja à minha disposição e faça sempre o que eu pedir, vulgo
mandar”, até se virar nos 30 para se arrumar, arrumar mala e estar
no aeroporto em menos de uma hora, por exemplo. Já falei que
odeio esse homem? Ah, já. Inúmeras vezes. Mas não posso ignorar
a empolgação em minhas entranhas com a notícia, ansiosa para
revê-lo. Que contraditório.
Não ter desfeito minha mala por completo foi a melhor decisão
que tomei na vida, a base que me acompanhava em qualquer
viagem que fosse permanecia lá, tinha tirado apenas as roupas
sujas, precisando agora só colocar roupas limpas porque as demais
coisas já estavam lá, é, preguiça às vezes ajuda. Consegui ficar
pronta em exatos trinta e cinco minutos, nem sei como, mas em
menos de uma hora eu já caminhava pelo longo saguão do
aeroporto internacional John F. Kennedy em direção ao D.O. Estive
em Seattle várias vezes graças a minha profissão e não era
novidade alguma o Q desse briefing, as mesmas informações, os
mesmos alertas de tempo fechado para essa época do ano, então
fiz pouco caso. A verdade é que eu estava um pouco fora do ar com
uma certa inquietude para dar de cara com o meu mais novo patrão
e usar o meu melhor sorriso. Se ele acha que vai ser fácil infernizar
minha vida, está muito enganado porque eu estou dedicada a não
dar o braço a torcer.
Não demorou muito para que o Henrick chegasse em companhia
da sua típica cara de quem acordou com a pá virada, não
cumprimentando sequer o James. Verifiquei rapidamente a posição
das poltronas ocupadas por ele e sua equipe e os cintos se estavam
devidamente afivelados e então fui para o cockpit para a
procedência da decolagem. Quis passar o mínimo de tempo que eu
pudesse na cabine de passageiros, evitando cutucar a onça com a
vara curta já que ele entendia minha presença como um sinal verde
para encher o meu saco, mas como nem tudo na vida é como a
gente quer, tive que ir lá muito mais vezes do que eu gostaria, para
servir o jantar e ajudar um dos seguranças que tinha problemas com
o sistema de tv que misteriosamente resolveu dar pau numa hora
muito inconveniente.
Faltando apenas duas horas para o tempo estimado de chegada,
eu já descansava tranquila na minha poltrona conversando lorota
com o Patrick e o James achando que lá trás não precisariam mais
do meu serviço uma vez que eu tinha recolhido os pratos e
organizado tudo, então aproveitei para ir no banheiro traseiro, único
na aeronave, passando pelo Henrick e os demais que mexiam no
celular sem se importarem com mais nada. Engraçado como
ocupam posições diferentes, possuem classes sociais diferentes,
um até se considera o dono do mundo, mas todos eles têm o
mesmo vício em tecnologia em comum. Balanço a cabeça rindo
baixinho comigo mesma, se a inteligência artificial não dominar o
mundo, eu não sei mesmo mais o que pode dominar. Sr. Sawyer,
talvez. — Meu pensamento fala mais alto e eu sorrio de lado, mais
uma vez. Que pena seria.
Retoco o batom vermelho, que nem precisa tanto assim de
ajuste, só para não perder o costume e avivá-lo mais um pouco, e
saio do banheiro prestes a refazer meu caminho de volta sem
cerimônia, mas mal ponho o pé fora do cubículo que sou pega de
surpresa com uma parede vestida num terno a trompar em mim e
derramar um líquido gelado sobre meu corpo que somente pelo
cheiro forte e insuportável deduzo que é Whisky. Seu silêncio estava
bom demais para ser verdade, é claro que ele não me concederia
essa benção por mais de horas e tentaria me sacanear. Respiro
fundo, engolindo tudo o que eu gostaria de disparar em sua direção
e o lanço um sorrisinho forçadíssimo em resposta ao seu pedido de
desculpa mais fajuto do que a frase “eu faço isso em prol das
pessoas” sair de livre e espontânea vontade da boca de um político
desonesto.
— Eu juro que não foi essa a minha intenção, mas até que eu te
fiz um favor, não é? — ele ergue a sobrancelha, me olhando de
cima a baixo. — Esse seu decote ficou bem melhor agora. — seu
olhar queima como fogo sobre mim.
Minha blusa branca está completamente transparente deixando
visível minha lingerie vinho, atraindo sua atenção e suas piadas
imaturas sem dificuldade, minha vontade é de socá-lo por fazer isso
justo quando não trouxe uma peça reserva. Por que meu uniforme
tinha que ser branco, mesmo? Inferno! E a julgar pelo fato de que
todos ali são homens e o único ser do sexo feminino sou eu, me
senti numa completa saia justa, o que não seria exatamente um
problema se os homens desse mundo não nascessem sendo
ensinados e alienados por uma sociedade machista e ridícula a
sexualizarem praticamente tudo ligado ao corpo feminino. Minhas
bochechas ardem de vergonha e tudo que sou capaz de fazer é
quase correr para colocar meu blazer e pensar mil maneiras de
fazer um pacto com tio Satan para tirar esse homem da minha
frente. Acidente ou não, coincidência ou não, querendo ou não, ele
se divertia me colocando em situações desfavoráveis e eu,
definitivamente, não pretendia deixar barato. Não mais.
Pelo menos o restante do trajeto ele me deixou em paz, claro, já
havia atingido seu objetivo mesmo. Seattle nos esperava do mesmo
jeito tal como eu conhecera, cinza e chuvosa, o que de forma
alguma a fazia perder sua beleza. Paisagens naturais são lindas,
mas o que me enche os olhos são os arranha-céus e suas luzes
quase que hipnotizantes, talvez eu nunca saiba o porquê, mas é por
isso que tenho grande apreço por essa cidade. A caminho do hotel
passamos pela Space Needle, a torre futurista de Seattle, iluminada
com as cores da bandeira norte-americana, balanço a cabeça
esboçando um risinho faceiro, esse país é contraditório na maioria
das coisas que prega, mas o patriotismo é quase que como um
símbolo enraizado na nossa alma que, pelo menos, não passa em
branco, pelo menos isso — penso. Um dos pontos turísticos que
não posso deixar de visitar sempre que viajo, logo combino com o
Patrick de jantarmos e depois irmos lá, James zoa dizendo que
somos o mais novo casal vinte e não pretende ir para não ficar de
vela, mas não se prolonga em sua brincadeira, porque está claro
para mim e principalmente para o Patrick, que quis deixar claro mais
cedo que nossa curtição na boate havia sido apenas efeito do
álcool, que nosso beijo fora apenas uma eventualidade.
— Vou antes pra o restaurante fazer nossas reservas, se importa
em ir sozinha e me encontrar lá, Molly? — Patrick se certifica de me
deixar avisada que vai se organizar e sair primeiro e eu assinto, não
vendo problema algum em caminhar algumas quadras sozinha.
Subo para o meu quarto, tomo um banho e me visto para um
passeio casual. Pelos ventos serem extremamente gelados em
Seattle a essa hora da noite, não esqueço de uma jaqueta reserva
para admirar toda a cidade em 360º de cima da Seattle Needle sem
mais reclamações. Assim que ponho meus pés fora do hall do hotel,
me encolho e vejo que vou ter que usá-la mais rápido do que
gostaria, então a coloco e volto a caminhar pela calçada nem tanto
movimentada fazendo o percurso até a esquina. No cruzamento o
sinal fica verde e eu paro para esperar, olhando minhas unhas sem
muito entusiasmo, quando tomo de repente um segundo banho,
mas de água empoçada, de um carro que passa em alta velocidade.
— Filho da mãe sem pai! — praguejo.
Não acredito que minha noite furou por causa de um idiota que
não respeita o simples fato de que é impossível pisar no acelerador
e não molhar alguém num dia chuvoso com centenas de poças de
água na rua. Arghhhhh. Minha vontade é de sair correndo atrás do
carro e cometer um crime de combo. Que merda! Ligo para o Patrick
enquanto estou voltando para o hotel e conto o que aconteceu,
avisando que não daria tempo de arrumar o estrago e ir para lá, e
sinceramente, nem tinha mais clima para sair para canto nenhum
depois desse infame.
— Eu posso cancelar a reserva e ir praí, se você quiser. —
propõe solícito, mas nego.
— Não estrague sua noite por minha causa, Patrick, eu estou
bem. — o tranquilizo. — Além do mais que eu posso pedir qualquer
coisa lá pelo hotel mesmo, nem se preocupe.
— Tudo bem, te vejo amanhã, Molly. — se despede.
Sei que daqui que eu tome um banho e desça, o jantar já terá
sido servido e tirado, então me contento em pedir algo rápido e não
muito saudável para que entreguem no hotel mesmo, mas como a
vontade de comer reduziu para zero, decido ir no hall e pegar um
suco numa daquelas máquinas de comida só para o meu estômago
não ficar no vermelho. Antes que eu possa fazer meu pedido, ouço
a voz do Henrick se fazer presente e eu pulo num susto, não
acreditando que ele estava ali, só podia ser brincadeira.
— São seus planos pra essa noite, senhorita Hill? — debocha. —
Porcarias e Netflix? É mesmo a sua cara.
— Sua vida não é interessante o bastante, senhor Sawyer, pra
você ter que vir cuidar da minha? — o encaro, sem muito ânimo em
ter que estender uma conversa com ele.
— O jantar está sendo posto pra mim, faço questão da sua
companhia já que teve seu jantar de hoje à noite arruinado.
— Como é que é? Espera! Era você? — o encaro atônita.
— Que pena ter estragado sua noite com o pilotinho boa pinta. —
sustenta seu olhar autoritário que me dá nos nervos. — Na minha
mesa em vinte minutos, senhorita Hill. Não é um pedido, é uma
ordem.
E então ele sai, cheio de si, como se não tivesse acontecido
absolutamente nada. Se ele acha que vou obedecer acuada, está
muito enganado. É guerra que ele quer, é guerra que ele vai ter. Se
ele não me demitir pelo que estou prestes a fazer, certamente não o
fará mais. No calor da exaltação não espero nem dois minutos para
ir até o seu encontro, vou pisando firme no chão pronta para contra-
atacar. Assim que entro no restaurante, logo avisto Henrick
cumprimentar três homens engravatados que ao que parece
chegaram de surpresa ali, pois o mesmo os convida para se juntar a
ele com um semblante de enfezado. Olho para a garrafa de café ao
meu lado e não pondero, checo se não está muito quente, sentindo
que só está morno, e vou até eles.
— Seu café, senhor Sawyer. — digo e rapidamente viro a garrafa
em seu colo, mais precisamente nos seus países baixos, o pegando
desprevenido. — Meu Deus! — enceno minha melhor feição de
chocada. — Me perdoe meu descuido. O senhor está bem? —
pergunto, mas tudo o que quero fazer é sorrir da sua cara de quem
vai me engolir viva, com água para descer melhor. — Vou buscar
ajuda. — minto.
Finjo que vou em direção à cozinha, mas como os funcionários
— que provavelmente observavam a cena de longe — passam por
mim afobados tal como se fossem acudir o presidente, constato que
é hora de me retirar, que ele teria os cuidados necessários. Tenho
certeza que ele não se queimou ou se machucou, até porque eu não
seria louca de provocar isso, mas que o fiz passar vergonha na
frente dos seus amiguinhos... ah, eu fiz. E me vinguei.
No outro dia, acordei cedo e me programei para finalmente ir
andar por Seattle já que não foi possível na noite anterior, mas meus
planos foram por água abaixo quando recebi uma mensagem do
James avisando que o Henrick decidiu voltar para New York de
última hora. Me arrumei bufando de raiva, tive que correr atrás da
minha blusa do uniforme que um dos funcionários do hotel tinha
pego para fazer a lavagem e não me entregou a tempo porque para
todos os efeitos não iríamos voar de manhã. Tem como esse
homem ser mais pain in the ass?11 Taqueopariu! Por sorte ela já
estava lavada e passada.
— O que será que deu nele? O cara tá uma fera! — Patrick
cochicha.
— Derrubei café morno nele na frente de um bando de
executivos babacas como ele. — dou de ombros e os dois homens
em minha frente arregalam os olhos, me olhando como se eu
tivesse dito um absurdo.
— Quando vai ter fim essa briga de gato e rato de vocês? — é a
vez de James palpitar.
— Quando ele finalmente crescer e parar de bancar o idiota sem
causa, ou seja, nunca.
— Ou você ser demitida. — me alerta. — Tenha mais jogo de
cintura, filha.
— Ou você pode dar a César o que é de César. — Patrick
zomba.
— Te mando pra um lugar bem legal agora ou depois, Patrick? —
reviro os olhos.
***
Tão logo chegamos e a Olivia, por uma graça divina, me liga
para que fôssemos jantar juntas, salvando meu péssimo fim de
semana. Não hesitei, estava morrendo de saudades da minha
melhor amiga.
§ Ligação §
— Como assim você tá saindo com o cara que bateu no seu
carro? Vocês não se odiaram à primeira vista? — quase cuspo fora
a água que estava bebendo com essa notícia rápida e inesperada.
— Mas ele era um gato, amiga! Além do mais que não existe
raiva que não possa ser resolvida na cama. — posso ouvir ela sorrir
empolgada do outro lado.
— Você não tem jeito, Olivia Morris!
— Ele vai levar um amigo, quem sabe você não simpatiza com o
cara e tira o atraso.
— Isso é um jantar casual ou a oportunidade perfeita pra você
jogar alguém pra cima de mim? — alfineto.
— Uma coisa não exclui a outra, gatinha. — ela não dá a mínima
para a minha chamada. — Te vejo mais tarde, beijo.
— Até, Olivia, beijo.
§§
Essa Olivia deve ter um parafuso a menos, só pode! — digo para
mim mesma. No horário marcado, passo pontualmente pela porta de
vidro da entrada, dou meu nome ao maitre e ele me conduz até uma
mesa no canto um pouco mais reservado, onde já avisto a Olivia
esbanjando sorrisos a conversar — ou talvez comer com os olhos —
o homem ao seu lado, que é muito bonito por sinal. Pele escura,
olhos expressivos, barba bem feita, lábios carnudos e um peitoral
sarado que é visível até por meio da camisa social preta que veste.
Agora entendo perfeitamente a mudança da água pro vinho de
opinião da Olivia sobre o cara. Ele possuía uma beleza exótica,
impossível de se passar despercebida.
— Molly! – Olivia percebe de imediato minha presença se
aproximando, por incrível que pareça. — Não morre tão cedo!
Estávamos falando sobre você agorinha.
— Espero que bem. — sorrio de lado, não muito familiarizada
com o homem em minha frente.
— O que eu poderia falar mal de você, amiga? — me recebe
com um abraço. — Esse é o Connor Thompson, o cara que
esqueceu que beijinho é em qualquer lugar, menos na traseira do
meu carro. — ela se diverte com a afirmação.
— Molly Hill. — digo, aceitando o aperto de mãos do tal Connor.
— Nem amassou nem nada, exagerada. — ele parece ter o
mesmo alto astral e bom humor da Olivia. — Sua amiga é uma
figura, senhorita Hill!
— Sei disso, e já estou meio que acostumada. — o lanço um
sorriso divertido, enquanto sento à mesa. — E me chame de Molly,
por favor.
— Sim, senhora, Molly. A propósito, a Olivia me falava que você
e o meu amigo iriam se dar muito bem já que são sérios e
reservados.
— Fora que ele é tipo “meu Deus, a temperatura subiu nesse
recinto!”, com todo respeito, Connor.
— Como é que é, Olivia? — dou uma gargalhada com essa
descrição. — Sinceramente, só você mesmo! E onde está então
esse homem tão espetacular?
— Ele foi ao toilet, mas já vol... ah! Aí está ele. — Connor diz.
Me viro curiosa para conhecer essa tal beldade em forma de
amigo, mas quase caio da cadeira de tão chocada com quem me
deparo. Henrick Sawyer. Ah, não!
— Você? — dissemos uníssonos.
CAPÍTULO 6
Molly Hill
— Vocês já se conhecem? — Olivia me encara surpresa,
erguendo uma das sobrancelhas de maneira sugestiva.
— Ele é o meu chefe. — é tudo o que sou capaz de dizer.
— O gostoso insuportável? — minha amiga fala num impulso,
arregalo os olhos morta de vergonha, procurando com os olhos a
porta de saída mais próxima para me evacuar daquele restaurante.
— Olivia! — dou um gritinho histérico em repreensão, mas ela
parece apenas se divertir acompanhada do Connor que tem um
sorriso preso nos lábios, olho para o Henrick e lá está ele com
aquela expressão extremamente egocêntrica de «te peguei! Mais
cedo ou mais tarde minhas suspeitas do seu real estado por mim se
confirmariam.» — Sabe de uma coisa? Eu vou embora, já te aturo
no meu ambiente de trabalho, não tenho obrigação de te aturar aqui
fora. — me levanto para me retirar e a Olivia finalmente percebe o
grau de incômodo que há entre nós dois dividindo o mesmo
ambiente e imediatamente para de rir, pedindo desculpas pela
brincadeira sem graça.
— Não seja tão irredutível, senhorita Hill. Prometo não me dirigir
a palavra a você, se é o que deseja. — diz como quem não tivesse
feito absolutamente nada. — Além do mais que seria muita falta de
educação sua e eu tenho certeza que a senhorita não é assim, a
prova disso é que te contratei.
— Por causa disso que me contratou? Foi mesmo? Não me diga!
— debocho.
— Acalmem os ânimos, crianças! — Olivia força um sorriso
amarelo, já deve prever o desastre que esse jantar pode se tornar.
— Chamamos vocês aqui porque temos uma revelação muito
importante pra fazer. — ela olha para o Connor, o abraçando de lado
amorosamente (eu disse amorosamente?), mas parece ainda um
pouco receosa com a minha reação.
— É o que agora, você tá grávida? Era só o que me faltava! —
minha voz sai numa mistura de descrença e chacota, não
demonstrando um pingo de interesse seja lá no que ela queria
revelar. — Obrigada! — agradeço o garçom ter finalmente enchido
minha taça de vinho e a viro completamente sem pensar duas
vezes, sentindo o líquido esquentar minha garganta.
— Vamos nos casar! Não é o máximo?!
Assim que o som das suas palavras chega até os meus ouvidos,
me engasgo com o vinho e praticamente cuspo fora o pouco de
líquido que sobrou em minha boca, tossindo consecutivamente.
Conhecendo a fundo a Olivia e sua loucura, eu podia esperar
qualquer coisa, mas nem em sonho eu poderia imaginá-la se
casando com um estranho que conheceu há menos de um mês,
isso explica suas “viagens” repentinas a trabalho ultimamente, na
verdade isso explica muita coisa, inclusive minha reação que
acabou por chamar atenção de todos no restaurante que me
olhavam espantados, assim como o mais novo casal em minha
frente e o Sr. Dono do mundo ao meu lado que a julgar pela sua
expressão indiferente no rosto, no mínimo, já deveria saber.
— Meu Deus, amiga! Você está bem? — ela corre até mim e
afaga minhas costas esperando uma resposta, enquanto passo o
guardanapo de pano limpando minha boca, me recompondo, ou
pelo menos tentando.
— Eu estou bem. — limpo a garganta antes de prosseguir.
— Graças a Deus, Molly, ufa, você me assustou!
— “Casar”, Olivia? — dou ênfase ao verbo. — Você mal o
conhece! — exclamo alterada, por um minuto pareço sua amiga
mais madura, uma adulta realmente sensata. — Me desculpa,
Connor, tenho certeza que você é um cara legal... — tento amenizar
o peso do meu sermão, mas ele não diz nada, apenas balança a
cabeça como quem diz que eu devo continuar que ele não vai se
importar para o que eu falar, obviamente, tão insano quanto sua
noiva. — Mas casar é coisa séria!
— Menos, senhorita Hill, você está exagerando. — ele abre a
boca, e é claro que para falar sandice, dando de ombros, me
encarando tal como se eu fosse uma maluca, alguém que não
devesse ser levada a sério. — Em que mundo careta que você vive
que não pode ver ninguém se divertindo de verdade à sua volta? —
me alfineta.
— Num mundo em que eu me preocupo com a minha melhor
amiga e não quero ver nenhum filho da puta soberbo como você
brincando com o coração dela simplesmente por achar que tem o
direito, seu merda. — rosno que nem um cão raivoso, perdendo
toda a postura e quase vou com a minha mão na sua cara perfeita.
— Ei, calma! — Olivia e Connor se colocam entre mim e o
Henrick, evitando que eu surte novamente e desconte finalmente
toda a minha ira naquele patife. — Já chamamos atenção demais,
não acham? — ela sorri de lado e pela primeira vez na vida a vejo
nervosa, olhando sem jeito todos em volta.
— Vou ao banheiro, preciso de ar. — digo por fim, me
levantando.
— Se quer ar, então sugiro que vá lá fora, não a um ambiente
fechado com... — mal o deixo terminar de falar.
— E eu sugiro que você vá pra puta que pariu, Sr. Sawyer, o que
acha? — jogo com força o guardanapo em cima dele e saio pisando
firme até o toilet, soltando fogo pelo nariz, prestes a ter um colapso.
Coloco minha pequena bolsa em cima da pia e me apoio nela,
quase me debruçando sobre, apertando os olhos na tentativa de
conter a sensação desagradável do meu sangue que queima nas
veias. Respiro fundo uma, duas, três vezes.
— Molly, o que deu em você? — a escuto preocupada atrás de
mim.
— Me desculpa, Olivia. Nada disso é sobre você, é sobre aquele
puto do Henrick, ele me tira do sério. — solto outro gritinho histérico.
— Estou vendo! — continua a me encarar assustada, cruzando
os braços.
— Olivia, você ficou louca? Casar com um cara que conheceu há
só algumas semanas? — mudo o foco do assunto, mas não tem
jeito, ela volta a falar do Sr. Dono do mundo.
— Nananinanão, vamos falar sobre você, amiga, e esse pedaço
de Superman que tá lá fora. — ergue sugestivamente a sobrancelha
com um sorrisinho malicioso nos lábios. — Vamos, desembucha!
— Não tenho nada pra dizer, Olivia, só que ele é um idiota que
não sabe levar um não e agora vive pegando no pé.
— Ihhh, eu não sei não, hein, acho que esse pé de guerra de
vocês é tesão acumulado. — ela se encosta no balcão, me fitando
maleficamente.
— Ah, Olivia, não me enche! — bufo. — Nem tudo na vida se
resume a sexo, tá? Além do mais que em hipótese alguma eu me
vejo trocando meia dúzia de palavras civilizadas com aquele
soberbo, quiçá dividir a mesma cama. — fecho a cara com a ideia,
se bem que não seria nada mal imaginar o Sr. Sawyer sem camisa,
me perco em meus devaneios ao pintar, sem querer, em minha
mente aquele Deus grego com uma toalha amarrada na cintura e o
peitoral todo descoberto.
— Te aconselho a começar a fazer terapia então, amiga, pra
aprender a ficar a pelo menos dois passos do bonitão no dia do meu
casamento sem que vocês se atraquem lá em cima do altar e
estraguem o meu dia.
— Como é? — arregalo os olhos sem entender nada.
— Você como minha melhor amiga é óbvio que seria escolhida
como madrinha do meu casamento, certo? — afina a voz, alisando
uma mecha do meu cabelo enquanto me olha sapeca através do
espelho, já sei que quer me ganhar e vem bomba por aí, só espero
que não seja a merda que estou pensando. — E o Connor escolheu
o melhor amigo dele, vulgo Henrick Gostosão Sawyer.
— Porra, Olivia! Tanto cara no mundo e você me vem gostar logo
do amigo do meu chefe? — ando de um lado para o outro em sinal
de tensão, estou sendo praticamente empurrada para um beco sem
saída, não tem como dizer não para ela.
— Isso não é um não, é?
— Que sacrifício a gente não faz pelos amigos, não é?
— Aiii, amiga, muito obrigada! — abre um sorriso de orelha a
orelha me abraçando apertado. — Isso significa muito pra mim, eu
te amo!
— Isso tudo é uma tremenda loucura, mas eu vou te apoiar,
doidinha. — bagunço seus cabelos como ela sempre costuma fazer
comigo quando tenta, tenta, ser fofa. — Mas se esse tal de
Thompson te magoar, eu mesma me encarrego de acabar com esse
cretino, estamos entendidas?
— Sim, senhora, comissária Hill. — ela me abraça mais uma vez,
visivelmente feliz.
Voltamos a mesa e o jantar prosseguiu sem mais interferências
da minha parte, Henrick de fato não se dirigiu mais a palavra a mim,
suas palavras eram sempre direcionadas ao Connor e até a Olivia,
menos a mim, uma espécie de graça alcançada. Me mantive mais
calada que o normal, apenas ouvindo tudo que falavam com
atenção para no caso de resolverem me incluírem na conversa,
acho que entenderam meu silêncio como um sinal para não puxar
papo, e por certo era mesmo, não queria participar de nenhum
assunto relacionado a esse casamento, pelo menos não hoje, só de
pensar em mim e no Sr. Riquinho sendo padrinhos juntos me dá
calafrios.
Ao decorrer do jantar, invento uma desculpa qualquer para me
ausentar e então me despeço da minha amiga e do Connor e saio
antes de todos eles, indo em direção ao estacionamento em busca
do meu carro. A noite está fria, o céu lindamente estrelado e a lua
enfeitando todo o espaço com a sua presença como num quadro
pintado à mão, paro por um instante para apreciar aquela vista e
sou surpreendida com uma estrela cadente a cruzar o céu e sumir
no horizonte com rapidez. Fecho os olhos e uma lembrança boa
vem em minha mente, de quando eu tinha mais ou menos uns cinco
anos e queria muito ter um gatinho de estimação, um belo dia eu e
meus pais estávamos chegando em casa e ao descer do carro, essa
mesma cena se repetiu, meu pai pediu que eu fechasse os olhos e
fizesse um pedido com bastante fé que a estrelinha iria realizar meu
desejo, quando entrei em casa, uma gatinha Ragdoll com um
laçarote rosa me esperava cheia de amor para dar e receber, essas
memórias foram tudo que restara deles, meu coração aperta.
— Com saudades de casa, senhorita Hill? — a voz rouca
denuncia Henrick Sawyer de palco do que acabara de acontecer,
sua pergunta é inocente, mas fazem meu ser se contorcer de
tristeza e lágrimas pesadas rolam com presteza pelo meu rosto sem
dó e nem piedade, eu bem que gostaria de poder voltar para casa e
encontrar meus pais lá à minha espera, infelizmente nunca mais
será possível.
Olho para ele ressentida e corro, literalmente corro para longe,
só quero sumir, fugir de todas essas emoções que tomam conta de
mim tão cruelmente. Corro com todo fôlego que me sobra e
atordoada me perco entre as ruas da minha própria cidade, não
reconhecendo ou enxergando um palmo à minha frente. Vou
escorregando até o chão, soluçando de tanto chorar, fazia tempo
que esse lado tenebroso da perda dos meus pais não me
assombrava desse jeito, a ponto de eu por um momento esquecer
até quem sou. Vozes masculinas me tiram do transe e eu percebo
que eu me pus numa baita furada, dois homens visivelmente
alterados por álcool caminham até mim com um sorriso e semblante
malvado no rosto que me causam pânico de imediato. Procuro uma
saída, mas não encontro, o beco não tem saída e está escuro, e não
há nada que eu possa usar para me defender. Quero gritar, porém a
voz não vem, continuo estagnada onde estou. Sei perfeitamente o
que tentarão fazer comigo, suas feições macabras já evidenciam
suas intenções. Em outras circunstâncias eu iria lutar, me debater,
espernear, gritar, mas sinto que não tenho forças para nada, a
fragilidade me atinge e meu choro se intensifica, tudo que faço é
esconder meu rosto e me encolher que nem uma criança
amedrontada.
Quando pensei que as mãos imundas daqueles caras tocariam
minha pele, ouço um rosnado e um barulho do que parecia ser uma
pessoa socando outra, xingamentos e grunhidos. Levanto o olhar e
me deparo com uma cena que eu achava que fosse impossível,
Henrick fazendo algo de útil na vida, ele distribuía socos com muita
violência em ambos que mal se sustentavam em pé e nem tentavam
revidar. Sr. Sawyer estava irreconhecível, o ódio e descontrole era
visível, e eu não entendia de onde ele tinha surgido ou o porquê que
ele resolvera me ajudar, não consegui dizer ou fazer nada, apenas
encarava tudo estatelada, os homens tinham muito sangue no rosto,
estavam bastante machucados, um ao que indicava havia
desmaiado, o outro estava prestes, mas os esmurros continuavam.
— Senhor, já chega. — um homem de terno aparece e olha para
aquele cenário calmamente, como se duas mortes anunciadas em
sua frente fosse completamente normal, e a julgar pela resposta do
Henrick fica claro que o homem trabalha para ele e já está
habituado a esse tipo de coisa.
— Quero os dois presos ou mortos, dê seu jeito. — decreta com
autoridade, passando as costas da mão ensanguentada no rosto,
ficando um pequeno rastro no canto da sua boca. — Você tá bem?
Esses merdas tocaram em você? — franze a testa num misto de
raiva e aflição se aproximando de mim, se aproximando até demais.
— Não, eu estou bem. — fito seus olhos azuis, intercalando, sem
ter intenção, com os seus lábios rosados.
— Vem, você deve estar congelando. — ele me abraça de lado,
me conduzindo até seu carro, esfregando suas mãos grandes em
meus braços a fim de provocar um atrito com a minha pele e me
esquentar.
Ninguém merece! Um momento de fragilidade pode mesmo
estragar tudo, deixa a gente vulnerável, deixa a gente cega por
alguns segundos, de modo que até meu ódio por ele foi deixado de
lado, só conseguia pensar que nenhum pedido de agradecimento
nesse mundo seria suficientemente suficiente para descrever a
gratidão que eu estava sentindo. Nunca fiquei tão feliz em ver
Henrick Sawyer.
CAPÍTULO 7
Molly Hill
Entramos no carro e só aí me dou conta do quão frio está lá fora,
pelo contraste com o ambiente quentinho. O segurança de Henrick o
entrega lenços umedecidos e ele rapidamente limpa suas mãos se
livrando do sangue que continha ali, mas o pequeno rastro que
estava em seu rosto passa despercebido, então sem pensar muito,
tomo a única atitude cabível, pego o lenço das suas mãos e eu
mesma higienizo o local. Ele me encara surpreso e continua com
seu olhar fixo no meu até eu terminar e me afastar aparentando
estar sem graça, logo que percebe o incômodo que se forma, ele
pigarreia e desvia o olhar, o que era uma novidade, pois se fosse
antes ele com certeza não perderia a chance de piorar a situação.
Eu detestava o Henrick e toda sua prepotência, mas uma coisa era
certa, ele ter me livrado de um gigante perigo mais do que iminente,
me forçava a considerar como um sinal de trégua, pelo menos por
hoje.
O caminho inteiro é feito em silêncio por nós dois, em momento
algum ele pergunta sequer meu endereço, mas com presteza,
curiosamente, chegamos ao meu prédio. Me assusta imaginar o
oceano que esse homem pode saber sobre a minha vida, enquanto
eu não sei nem ao menos uma gota sobre a dele, apenas sua
descarada cafajestagem, que me leva a cogitar a ideia de que ele
pode estar a fazer essa gentileza para se colocar numa posição um
pouco mais favorável e se aproveitar disso, ou talvez só estava
mesmo no lugar certo e na hora certa, sem mais. Henrick Sawyer é
mesmo difícil de decifrar, ou talvez seja eu que esteja misturando as
coisas e sendo uma completa mal agradecida, ou talvez os dois.
Desço do carro e ele me acompanha, caminhando até a porta de
vidro do hall de entrada comigo. O agradeço ainda meio sem jeito e
sem saber o que dizer na intenção de me despedir, mas ele também
não o faz, apenas insiste em ir comigo até a porta do meu
apartamento e eu não me oponho.
— Obrigada mesmo, Sr. Sawyer, eu vou ficar bem. — o lanço um
risinho de lado depois de destrancar a porta, o encarando mais uma
vez envergonhada.
— Tem certeza? — assenti, mas não com a firmeza que eu
gostaria. — Não quer que eu entre e fique um pouco com você? —
continua, seus olhos azuis me fitam curiosos e suas mãos voltam a
afagar a lateral dos meus braços.
Henrick não dá mesmo um ponto sem nó. Esse gesto que aos
outros olhos poderia ser interpretado como de cuidado, naquele
instante e sob todas as circunstâncias da nossa interação, é
facilmente interpretado por mim como encenação, parte do seu
teatro para que eu ceda e dê passagem para ele entrar, e então a
realidade me atinge rapidamente.
— Não precisa. — respondo ácida e séria, me desvencilhando
dele que ergue uma das sobrancelhas sem entender minha abrupta
reação. — Já disse que estou bem.
— Tudo bem então. — dá de ombros. — Mas chega de Sr., por
favor.
— Por que acha que pode me pedir isso? — pergunto num tom
arredio. — Só porque me ajudou se sente no direito de achar que
temos alguma intimidade? Eu deveria ter sacado que Henrick
Sawyer jamais agiria de modo cortês sem que pudesse tirar proveito
disso. — digo sorrindo pelo nariz em sinônimo de deboche.
— Seremos padrinhos no casamento dos nossos amigos, achei
que por conta disso não houvesse necessidade de formalidade fora
do seu ambiente de trabalho. — se apossa novamente da sua
postura autoritária, fechando a cara para o meu lado, nem parece o
Henrick de antes. — Somente por isto.
— Pois pensou errado! — bato o pé irritada. — Você é um
tremend... — sou interrompida.
— Eu teria feito esse favor pra qualquer pessoa, não tem nada
de especial nisso, você não é especial pra mim a ponto de valer um
esforço meu que não seja puramente obrigação, senhorita Hill. —
seu tom de voz engrossa e ele passa a me olhar com desprezo. —
Acho que chegou a hora de cair em si que nem tudo que diz
respeito a mim é sobre você.
Henrick sai me deixando sozinha e atônita, fitando o lugar vazio
em minha frente antes ocupado por ele. Não pensei que suas
palavras pudessem me devastar em questão de segundos, nem que
ele pudesse ser tão duro comigo, ainda que eu tivesse o alfinetado
primeiro, mas acho que no fundo eu mereço ter ouvido o que ouvi,
de má vontade ou não, no fim das contas ele me salvou e eu fui
uma cretina não reconhecendo isso.
— Nada como um dia após o outro! — sentada na
espreguiçadeira próxima a uma das várias piscinas do resort
luxuoso que tivemos a sorte de ficarmos hospedados junto com
nosso chefe insuportável, jogo a cabeça para trás, fazendo o sol
quente bater em meu rosto com força.
— Nada como um dia nas Filipinas, isso sim! — Patrick levanta a
taça de gin comtemplando aquela belezura de mar em nossa frente.
— Como pode alguém vir pra esse paraíso e não se libertar desse
terno um dia sequer? — foca seu olhar no lado de dentro do
restaurante, que por entre as paredes de vidro dá para ver
perfeitamente Henrick Sawyer se sentando em uma das mesas
juntamente com mais cinco engravatados.
— Acho que como piloto, você tá se saindo melhor como uma
velha futriqueira, meu filho. — comandante Watson zomba, nos
arrancando uma risada.
Passamos a tarde toda torrando no sol, já estava satisfeita com o
meu bronze que se formou sem que sequer precisasse da ajudinha
de algum óleo. O céu está numa mistura exuberante da cor rosa e
laranja e o sol já está quase a se pôr, o que me encoraja a ir dar
uma volta para assistir a esse espetáculo sozinha absorta em meus
pensamentos, aviso ao Patrick e ao James que vou dar um
mergulho na piscina e depois andar um pouco pela praia a fim de
passar o tempo e me retiro. Vejo de longe o Sr. Sawyer dando
alguma ordem para seu segurança pessoal, que gesticula como
quem discorda da coordenada que lhe foi dada, e aproveito que seu
rosto se vira na direção que estou para ficar de costas e tirar minha
canga ingenuamente, o dando uma bela visão do meu traseiro. Não
sei por que quero chamar sua atenção, mas após três dias sendo
profundamente ignorada, só quero testar se sua raiva vinga ou se é
só pura implicância e orgulho, o que também de fato não muda
muita coisa na minha vida, mas vou em frente. O pedaço fino de
pano vai ao chão e eu posso jurar que foi em câmera lenta, então
mergulho na piscina, voltando a superfície somente do outro lado da
borda, olho para trás em busca do Henrick e percebo que fiz papel
de trouxa, nem ele, nem seu segurança estão mais lá, capaz dele
nem ter visto. Suspiro frustrada e recolho minhas coisas, indo
caminhar ao redor do resort.
Ando o que chuto ter sido meia hora e enfim decido parar quando
a lua já se faz presente no céu iluminando a água. Deixo minha
canga, meus óculos de sol e o meu celular perto de uma árvore e
vou até o mar, mas não entro, a água está agitada e arriscada, o
que me desanima. Volto para onde deixei minhas coisas e sento na
areia ouvindo apenas o doce barulho das ondas se quebrando.
Ouço um bipe no meu celular e quando vou olhar, a tela escurece
indicando que a bateria havia morrido, mas não ligo, continuo
admirando a paisagem em minha frente e desfrutando do silêncio,
até sentir uma presença ao meu lado e de imediato identificar quem,
seu perfume era inconfundível.
— Descobriu meu lugar favorito da ilha. — seu timbre rouco por
pouco não amolece minhas pernas.
— Se eu soubesse que te encontraria aqui, teria feito o caminho
oposto. — digo arisca, me levantando para ir embora.
— Não faça essa desfeita, Molly. — ele segura minha mão
impedindo que eu conclua meu objetivo de sumir dali enquanto
estrago psicológico nenhum tinha sido feito, mas simplesmente não
consigo me mover quando escuto meu primeiro nome sair da sua
boca pela primeira vez, meu corpo estremece em resposta. — Não
depois de ter me provocado daquele jeito lá na piscina.
Então ele viu! Não digo nada, me sento novamente e procuro
não olhar para o lado, era perigoso e tentador demais e agora eu
estava acanhada por motivos óbvios. Boa parte do tempo eu queria
matar o Sr. Sawyer e fazer ele engolir sua arrogância e canalhice,
mas estar tão próxima assim dele sempre me tira dos eixos e faz eu
perder os sentidos, ainda mais me deparando com ele a usar
apenas uma bermuda. Seu peitoral desnudo fazia jus ao destaque
que aparentava estando coberto, era proporcional ao seu tamanho e
combinava com os pelos que cobria todo ele. Ele era um completo
idiota, mas um idiota lindo!
— O que eu falei que foi gatilho pra te deixar daquele jeito? —
ele quebra o silêncio. Viro a cabeça e o encaro franzindo o cenho,
sem entender o rumo dessa conversa. — No estacionamento do
restaurante...
— Perdi meus pais há alguns anos. — fixo meu olhar no mar,
endurecendo a voz, por incrível que pareça me senti à vontade para
tocar nesse assunto com ele. — Você perguntar se sinto saudade
de casa é um convite a me lembrar que infelizmente não tenho mais
uma.
— Não falei por mal.
— Eu sei, tá tudo bem. — dou um sorrisinho amarelo.
Não sou capaz de mudar o foco da minha visão quando aquela
imensidão azul me olha de uma maneira aparentemente bondosa,
não há vestígios de luxúria em seus olhos, ele apenas me olha firme
tal como se quisesse me acolher pelo segredo que contei e, por um
instante, eu vejo verdade naquele homem. Sem perceber, meu rosto
se aproxima mais do seu e eu posso sentir sua respiração quente
tocar minha pele, inerte a aquele momento, anseio por um beijo seu
mais do que tudo no mundo. Seus olhos azuis cor do mar descem
para a minha boca e ele parece refletir entre ir em frente ou não.
Achando que ele chegaria a uma conclusão positiva, fecho meus
olhos e espero que seus lábios rosados toquem os meus, mas o
contato não vem. Abro os olhos e vejo Henrick Sawyer caminhar
para longe de mim. Ele poderia ter se aproveitado da minha
fragilidade para mais uma de suas investidas, mas não o faz, o que
me faz pensar que ou ele está jogando comigo ou realmente, no
fundo, não é completamente o homem tosco que parece ser.
Depois de ter levado um toco do meu chefe, volto para o resort
um tanto confusa e cabisbaixa. Coloco meu celular para carregar e
assim que ele liga, uma mensagem do Patrick toma conta de todo
visor, um convite ou talvez uma intimação para irmos a uma boate
de renome nas dependências do lugar. Não estou muito no clima,
mas se eu ficar enfurnada no quarto, não vou conseguir tirar aquele
homem da minha cabeça de jeito nenhum, então opto por ir.
Começo pela maquiagem, enquanto estou enrolada num roupão
sentindo o vento gélido entrar pelo janelão e quase mudando de
ideia por isso, minhas cobertas me parecem mais atraente. Antes
que eu finalize a produção com o batom, escuto batidas na porta e
não preciso ser nenhum gênio para saber que é o meu amigo,
adiantado como sempre.
— Pensei que já estivesse pronta. — ele entra e não demora a
passar os olhos nas opções de looks que deixei em cima da cama
extra.
— Minha bateria morreu e eu só vi sua mensagem agora pouco,
mas já estou quase pronta, Patrick. — minha voz sai estúpida até
mesmo sem pretensão.
— Ihhh, que bicho te mordeu, linda?
— Só estou cansada, deve ter sido a exposição solar. — explico,
tentando melhorar meu humor, vestígios ainda de Sr. Sawyer.
— Está bem então. — se senta na cama, não prolongando o
assunto. — Vá com a saia preta justa e a blusa rosa de alça.
— Tem certeza? — pego a peça e a examino, uma combinação
perfeita de ceda com renda.
— Confia em mim. O Henrick Sawyer mesmo iria adorar. —
provoca.
— Então vou substituir por uma burca, é melhor. — descontraio
para que ele não perceba o incômodo que apenas o nome desse
homem pronunciado me causa, embora todo mundo saiba.
— Para, boba, até parece que ele apareceria por lá e se divertiria
como meros mortais, ele não sabe o que é isso. Deve estar é
fodendo alguma vadia nesse exato momento e eu bem que queria
ser essa pobre coitada. — se abana divertido, dando risada.
Sorrio da insinuação e brincadeira do Patrick, mas no fundo me
contorço de repulsa, estranhamente sinto um embrulho no
estômago só de imaginar o Sr. Sawyer com alguma mulher. Estando
devidamente pronta, vamos até a tal boate, que fica um pouco
distante dos nossos quartos, com o auxílio de um carrinho elétrico,
do contrário gastaríamos as solas dos nossos sapatos até
finalmente chegar lá, e nem eu queria caminhar esse tanto de salto
alto. Como era esperado, em menos de quinze minutos meu amigo
some e eu me pergunto “por que caramba eu vim com ele, se foi o
mesmo que vir sozinha?”. Quando não sou eu que esbarro num tal
de Henrick Sawyer e sumo, é ele quem resolve dar um perdido, aff!
E lá estou eu pensando nesse cretino de novo. Por que esse
homem insiste em habitar meus pensamentos sem consentimento?
Ninguém merece! Bufo revirando os olhos, ainda alheia a tudo ao
meu redor. Ou eu bebo para dar uma animada e vou para a pista me
distrair ou eu volto para o quarto e fico na merda, das duas uma.
Peço uma Piña Colada durante os minutos que me pego no
impasse de ir ou não. Observo as pessoas frenéticas ao meu redor
e decido me dar uma chance quando a playlist dali parece ter sido
repentinamente modificada para me prender, uma após outra, duas
músicas do meu agrado. Tomo duas doses de vodka pura e me
atiço ainda mais quando escuto o toque inicial de Forever –
CHVRCHES completar a sequência. Apesar da escuridão e poucas
luzes coloridas, vejo Patrick ao fundo entrar num corredor estreito
que dá acesso para onde não faço ideia, acompanhado de uma
mulher, agora é certeza que não o vejo mais essa noite, vou ter que
ir curtir sozinha mesmo. Já animada, com a ajuda do álcool, corro
para o meio da pista, procurando ficar rodeada de muita gente,
dançar sentindo o calor humano de toda aquela gente que estava
tão transtornada como eu — ou talvez tão bêbados quanto — era
empolgante.
Me sinto leve, álcool e seu poder de dar uma falsa ilusão de
leveza e felicidade, como se todos os problemas do mundo
pudessem ser solucionados num passe de mágica. Um corpo se
encaixa ao meu por trás e me acompanha no ritmo da música, colo
mais a ele se é que é possível. Uma de suas mãos me enlaça e
repousa em minha barriga, é grande e máscula, sem pensar duas
vezes ponho as minhas em cima da sua e jogo minha cabeça para
trás gozando do contato. Posso sentir seu perfume que me é
familiar, mas não consigo associar de imediato, também não dou
importância. Não seria sensato estar agindo com tanta intimidade
com um completo desconhecido, mas é como se eu tivesse presa,
não sou capaz de quebrar esse contato.
— Savor the taste, Savor the pain, I don’t expect you to release
me... — o homem canta próximo ao meu ouvido, sua voz é grave e
excitante, seu hálito quente arrepia minha pele da cabeça aos pés.
Dou um sorrisinho de canto indecente quando sinto seu volume
em minhas costas.
— And you will never see my side, And I will always think I’m
right, But I always regret the night I told you I would hate you ‘til
forever... forever, forever, forever... — canto alto toda alegre o meu
refrão predileto e me viro lentamente para ver o rosto do gostoso
desconhecido, tendo plena certeza que fará jus ao resto, e faz,
porém não é quem eu esperava me deparar. A letra da música
nunca fez tanto sentido!
Encaro Henrick assustada e mais uma vez, tal como todas as
vezes que esse homem está por perto, as palavras simplesmente
somem. Se ele não estivesse a me segurar, eu juro que poderia
derreter e ir ao chão. Sem dizer nada, ele me puxa até um canto
afastado e escuro, onde poucas pessoas circulam, não tenho tempo
sequer de reagir ou discordar e fugir dali, minhas pernas por um
motivo obscuro não me obedecem, estão paralisadas, e eu não sei
nem ao menos o resultado de A + B de tão desnorteada que me
encontro. Seus olhos me analisam e por instante eu penso que ele
vai dar para trás novamente e antes que isso aconteça e eu me
frustre, já que é o que quero, avanço o sinal juntando nossos lábios,
não passa de um selinho demorado. Percebendo que não obtive
sinal verde para aprofundar o beijo, me afasto rapidamente o
olhando espantada como quem havia feito algo errado, e de certo
modo eu tinha mesmo. Contudo, em questão de segundos, antes
que o bom senso me atingisse, ele me prensa contra a parede,
iniciando um beijo lascivo, repleto de vontade de ambas as partes.
Embrenho minhas mãos em seus cabelos macios, ficando na ponta
dos pés, sentindo pela primeira vez o gosto delicioso daquele
homem. Clichê, mas até seu hálito tem um sabor irresistível. Seus
braços robustos me agarram não deixando passar despercebido
nem um centímetro do meu corpo que parece minúsculo ao lado
dele. A vontade de beija-lo tem sido tamanha ultimamente que tendo
bebido ou não, eu teria correspondido com a mesma intensidade.
Ele cessa o beijo e junta sua testa a minha, parece tentar
recuperar seu fôlego. Minha situação não é diferente, meu peito
sobe e desce euforicamente, por pouco meu coração não sai pela
boca. Finalmente crio coragem para olha-lo e espero sua palavra,
não sei o que pensar, nem o que dizer. Quando acho que ele vai
falar alguma coisa, ele fecha os olhos com força e balança a cabeça
negativamente, dando indícios de que talvez se arrependera do que
acabou de fazer e sai. Tenho vontade de ir atrás dele, mas a vida
real me alcança, talvez ele esteja certo, isso nunca deveria ter
acontecido em hipótese alguma, esse beijo foi um declínio de todos
os muros que tentei levantar entre nós dois. Ainda que eu tenha
gostado do beijo, Henrick jamais corresponderia as minhas
expectativas de um relacionamento sério, ele jamais se encaixaria
no molde que eu idealizo, ele não é homem para mim, foi apenas
mais um beijo bobo para a sua lista infindável de mulheres fracas
que se afeiçoou ao seu charme e rostinho bonito. Agora de uma vez
por todas eu precisava enfiar isso na mente e me afastar dele
emocionalmente, antes que minha vulnerabilidade dê espaço a
outro evento e, a partir deste, eu perca o meu emprego como todas
as outras, porque hoje eu tive a prova de que é só isso que se pode
esperar dele.
CAPÍTULO 8
Molly Hill
Nosso voo de volta a Nova Iorque foi tranquilo, Henrick agiu de
maneira profissional com toda a tripulação, inclusive comigo, e me
dirigia a palavra apenas em situações convenientes e
imprescindíveis como o serviço de bordo em si. Não esperei que ele
fosse tocar no assunto da noite anterior, até porque não era do seu
feitio uma conversa convencional sem pretensão ou interesse
algum, ficou mais do que claro que aquilo gerou um arrependimento
nele que não teria sentido ele mesmo tocar nesse ponto, ou quem
sabe despertou uma sensação de desestimulo por alcançar o que
tanto desejou, afinal, é característico do ser humano querer o difícil,
o que é menos acessível, para no fim das contas aquilo que tanto se
almejou naturalmente perder a graça, ainda que ele não tenha
atingido realmente o que queria. Me blindar dele não seria tarefa
fácil, principalmente quando nós dois trabalhamos juntos e
paralelamente somos escalados para sermos padrinhos no
casamento dos nossos melhores amigos, evidenciando que
teríamos muito mais contato físico do que talvez eu gostaria e
precisaria. E é por isso que me pego respirando fundo várias e
várias vezes enquanto dirijo em direção a loja de vestidos de noiva
para fazer a primeira prova do meu, sabendo que eu teria que fazer
uso do restinho da minha paciência para olhar para a cara dele e, o
principal, não aparentar para a Olivia que mais do que raivosa, eu
estava triste por ter me encantado pelo cara errado que se
aproveitou da minha fraqueza quando foi oportuno e depois seguiu
vivendo sossegado como se nada tivesse acontecido. Não queria
ser uma cretina e estragar sua empolgação em alguma troca de
farpas com ele, Olivia estava muito feliz com a sua decisão, por ela
essa cerimônia já teria sido marcada para ontem, e embora eu não
concordasse com a rapidez e afobamento para juntarem as
escovas, não podia negar que amava vê-la tão animada como
nunca antes.
Chego ao local indicado na mensagem de texto que recebi da
minha amiga e estaciono o meu carro ao lado de um Rolls-Royce
Phantom, que pela imponência e alto valor já denunciava ser do
Henrick. Ele já havia chegado. Solto o ar de forma pesada e resolvo
dar as caras do lado de dentro do estabelecimento, pela escolha do
local refinado era notório que o Connor também tinha alguns
milhões na sua conta, mas diferente do seu amigo, soberba passava
bem longe do seu dicionário, o que do meu ponto de vista já era um
número positivo a seu favor. Assim que entro, ela logo vem me
receber.
— Ainda bem que você chegou, Molly! — me abraça
calorosamente. — Preciso de uma opinião feminina aqui.
— Onde está o Connor? — pergunto, fingindo que não estou
vendo o Henrick que assiste a tudo atentamente, mas com um
semblante de tédio, claramente a Olivia já consumiu seu juízo com
suas perguntas que não terminam nunca.
— Já deve estar chegando. Vem, vamos dar uma olhada nas
opções! — me puxa até o outro lado da loja.
Olivia e eu ficamos um bom tempo checando combinações de
vestidos e cores que fossem do seu agrado, ela queria que o vestido
da madrinha tivesse uma mescla elegante de rosé e branco, então
pegamos alguns com essa proposta para que eu provasse. Connor
chegou pouco tempo depois, atrasado por causa do trânsito, Nova
Iorque é o único lugar no mundo que se leva trinta minutos para
chegar num lugar que só está a cinco de distância, e ficou fazendo
companhia ao Henrick, conversando sobre o que não era possível
ouvirmos de onde estávamos e nem eu fazia questão, nem sua
noiva que estava muito mais preocupada com os detalhes do
casamento do que com a sua presença. Provei cerca de dois a três
vestidos para que a minha amiga opinasse e finalmente no quarto,
nossas vontades e nossos pontos de vista se assemelharam e ela
simplesmente me arrastou até a ala que os homens estavam
sentados. Meu cunhado falou algo sobre a possibilidade da cor da
gravata do padrinho ser azul ao invés de rosé, pois compunha uma
das cores fortes do logo da sua empresa, e a Olivia se opôs
rapidamente, eu quis dar risada da pequena DR deles, ela sempre
faz uma movimentação gigante para que a sua palavra seja a
última, só que o Connor possuía o mesmo gênio e os dois agora
discutiam como se o motivo inicial fosse absurdo. Esperando eles
terminarem a discussão, sento no único banco disponível naquela
sala, ao lado do Henrick e, para a minha surpresa, ele puxa
conversa.
— Se não sobreviverem até o casamento, por hora já foi
impagável ver o Thomp arriado os 4 pneus por alguma mulher. —
diz, dando um sorriso quase que imperceptível ao encarar o casal
vinte em nossa frente.
Olho para ele por questão de educação, mas esta não é
suficiente para que eu destrinche nenhum mísero diálogo com ele,
permanecendo assim muda. A tempestade no copo d’água de
ambos encerrou tão rápido como começou e os dois agora se
beijavam apaixonados, nada é mesmo tão belo como o início de um
relacionamento, onde nem as diferenças são páreas para o tanto de
sentimento envolvido. Olivia havia encontrado alguém capaz de a
permitir baixar a guarda e isso significava o mundo, ao que parecia
eles tinham mesmo tudo para dar certo, ali eu vi que precisava parar
de me preocupar, ela era adulta e sabia o que estava fazendo, me
fez perceber que talvez no amor ela não fosse tão imprudente
quanto na vida, pois estava se jogando de cabeça num âmbito da
sua vida que nunca o fez antes.
Henrick vestiu o terno e este caiu perfeitamente, não precisava
de ajuste algum, parecia ter sido feito especialmente para ele, tal
como todo o seu guarda-roupa, e a gravata rosé em seu pescoço
combinava perfeitamente com os detalhes do meu vestido, a
escolha da Olivia foi certeira. Me pergunto se em algum momento
da vida esse homem consegue ficar menos atraente, acho que nem
babando ou roncando sobre o seu travesseiro.
— Vocês estão lindos! — bate palminhas, entusiasmada, eu
apenas reviro os olhos.
— Quanto a mim não resta dúvidas. — ele ergue o queixo
olhando com mais atenção o caimento do seu traje no espelho, eu
não sei se quero dar uma gaitada de deboche ou fingir enfiar meu
dedo na garganta como quem pensa “Oh, Céus! Como pode ser tão
metido?” para que a Olivia entenda o recado, porém fico na minha.
— Mas acho que o vestido da senhorita Hill não está adequado. —
complementa e eu já me armo que nem leoa pronta para ataca-lo,
com palavras, é claro.
— Posso saber por que não? — me adianto em tirar satisfação
antes da Olivia que abre a boca para falar algo e se cala, cruzo os
braços o encarando fula da vida.
— Não vejo necessidade de um vestido costas nuas desse jeito,
a não ser que esteja vendo essa cerimônia como uma grande
oportunidade de desencalhar.
— Em primeiro lugar, eu não estou encalhada. — bato o pé. — E
em segundo lugar, eu não estou à procura de ninguém e ainda que
eu estivesse atrás de um relacionamento, muito provável que eu
conseguiria já que não sou um nojo de pessoa, tão detestável como
você. — nos peitamos como duas crianças, brigando por nada, mas
não ligo de parecer ridícula, esse homem me tira do sério.
— Vamos parar os dois, aqui não é lugar pra isso! — Olivia
interfere. — O vestido está sexy e lindo, não tem nada de vulgar,
Henrick, você faça o favor de guardar seu ciúme encubado dentro
da sua boquinha. — ela sai me puxando para onde estávamos
provando os vestidos antes, deixando um Henrick perplexo e sem
palavras nos olhando sério bem como se fosse nos esfolar, eu
também não estava diferente, já que ciúmes era a última coisa que
poderia vir dele, minha amiga estava mesmo sem noção.
— Entendeu agora por que eu odeio esse cara?
— Vocês só estão fugindo do que é óbvio, Molly, paixão
reprimida, escreve o que eu estou dizendo, vocês ainda vão acabar
juntos... — adverte enquanto me ajuda a descer o zíper.
— Não, nem começa. — tento evitar de ter essa conversa, de
novo.
— Certeza que não quer falar sobre o que te aflige? Te conheço
muito bem pra saber que você não está bem, minha amiga.
— Nem aqui e nem hoje, não quero que esse merda me veja
chorando. — seguro uma lágrima que se forma depressa e quer
escapar, devo estar perto dos meus dias para estar mais emotiva do
que o normal, só pode. — Você sabe que eu acabo chorando
quando tenho muita raiva.
— Tudo bem, mas nem ouse mais em ficar cabisbaixa por
qualquer merda que esse príncipe convencido tenha dito, ok? — me
aconselha. — Nem ele, nem homem nenhum merece sua lágrima,
Mollyzinha. — Olivia me abraça apertado antes que eu desabe e
não aguente mais prender o choro, sabe perfeitamente que seus
abraços têm poder de cura.
— Vamos marcar uma tarde das garotas ainda essa semana, tá
bom? Assim nos livramos desses pés no saco por algumas horas e
colocamos as fofocas em dia. — me arrancou uma risada.
— Não tenho nenhum voo escalado essa semana, pelo visto Sr.
Riquinho não deve ter nada importante pra fazer fora de Nova
Iorque.
— Ótimo, é bom que posso marcar o ensaio de votos e cerimônia
na igreja então.
— Vou ter que passar a entrada, essas coisas, com aquele
soberbo?
— Infelizmente. — entorta os lábios. — Quer que eu faça um
chazinho de valeriana pra você horas antes?
— Só você mesmo, Olivia!
Me despeço da minha amiga e do Connor com um abraço e vou
embora, Henrick devia estar dentro da cabine tirando seu terno e
por isso não o vi, e também não fazia questão. Ao chegar em casa,
tomo um banho quente, pois a noite está fria, e coloco um filme de
comédia romântica qualquer para assistir, acompanhada de um
vinho, não sinto fome, mas dou uma beliscada num dos petiscos
que separei. Meu sangue vai esquentando aos poucos e a sensação
de relaxamento toma meu corpo. Recebo uma mensagem no grupo
da tripulação e é o Patrick marcando um almoço para o dia seguinte.
Não pode passar mais nenhum diazinho longe da gente que já
chora de saudade, Patrick? — envio, junto com um emoji de
gargalhadas.
Já pensou?
Vai arrumar o que fazer, desocupado!
Atrapalhando meu Domingo. — James alfineta.
O que posso fazer se já me apeguei a vocês? — Patrick aparece
novamente.
Por mim tudo certo, não tenho nada pra amanhã. — digo.
Vou tirar o dia pra ficar com a minha neta, faz tempo que não a
vejo. Fica pra próxima! — James responde.
Aproveita mesmo essa folguinha que Miranda Priestly nos deu,
vai saber quando ela vai ficar assim boazinha de novo. — brinco,
insinuando que o nosso diabo veste Prada e também Armani.
Kkkkkkkkkkk — James dá risada.
Bem que uma chefa cairia bem, não importando ser esnobe, não
aguento mais olhar pra cara de véi.
Ele não sabe mesmo o perigo que está correndo, não é
comandante Watson? — pergunto.
Como diria vocês jovens...
SÓ OBSERVO!
E me vingo depois, viu Jones? — James entra na zoação, como
sempre, temos plena consciência que as brincadeiras do Patrick não
têm maldade.
#MEDINHO
Hahahahahaha
Até amanhã, Molly!
E você, comandante, aproveite com a bisneta, ops, neta!!
Haja saco pra aturar vocês dois!
Rsrsrs
Até, Patrick!
Minha noite não dura muito, logo caio no sono e vou para a
minha cama. No outro dia, pontualmente às 12 PM eu entro no
restaurante escolhido por Patrick, o procurando pelo olhar, não
demoro para acha-lo, ele está a olhar o seu visual pelo o que
deduzo ser a câmera frontal do seu celular, já que o segura em
mãos, alinhando seus cabelos aparentemente recentemente
molhados.
— Sou assim tão importante ao ponto de você checar o seu visu
duas vezes desde que eu passei por aquela porta, Patrick? —
zombo, exagerando.
— Não, apenas ao ponto de eu checar pelo menos umas cinco
vezes desde que cheguei. — entra na onda, abrindo um sorriso
largo e levantando para me cumprimentar.
— Não me diga! — o abraço. — Como você tá? Pelo visto
puxando ao James já que me chamou pra um almoço e não pra
uma noitada como de costume.
— Não posso te impressionar só te levando pra boates, né, tenho
que apresentar meu lado bom moço.
— Ah, tá explicado. — levo na brincadeira e imagino mesmo que
seja.
Patrick pede nossos pratos, acompanhados de duas taças de
vinho tinto, e eu não contesto, mesmo sabendo que estou a dirigir e
pegarei a estrada, não fará assim tanta diferença, não em solo.
— E aí, me conta as novidades. — pergunta, bebericando da sua
bebida. — Eu sei que a sua vida é muito sem graça sem a minha
presença, mas algo deve se salvar... — sugere, metido.
— A minha amiga vai casar com o melhor amigo do Henrick
Sawyer e adivinha quem são os padrinhos?
— Mentira! — ele quase cospe o vinho fora, iniciando uma crise
de riso. — Você só pode estar de sacanagem!
— Bem que eu queria.
— Você tá muito fodida, Molly. — tira sarro. — Pula pra próxima
encarnação, porque essa... tá de lascar!
— Pois é. — faço careta, mas logo sorrio da minha desgraça e
falta de sorte.
— É por isso que você anda triste pelos cantos?
— Humm... — entorto a boca, pensativa se devo confessar o que
estou sentindo. — Não bem isso. — volto atrás e decido guardar só
para mim.
— Tudo bem se não quiser me contar, mas saiba que eu estou
aqui pra o que precisar. — alisa minha mão pousada sobre a mesa.
— Sei disso. — sorrio de lado. — Mas logo tudo volta ao normal
e a gente sai pra encher a cara e curtir.
— Uma ideia não exclui a outra. — pisca o olho.
Alguns poucos porcentos de esperança se acende em meu
coração, mas imediatamente zera como um placar de jogo quando
avisto meu pesadelo em forma de gente caminhar em direção a
escada que dá acesso à área particular do estabelecimento,
devidamente arrumado para uma reunião ou almoço de negócios,
seus olhos rapidamente correm até os meus, porém o contato não
dura, ele logo vira o rosto e segue como se não me conhecesse, e
eu não esperava que fosse diferente. Não digo nada ao Patrick para
não estragar a nossa conversa, não queria que o nome dele se
tornasse parte. Manhattan ao que parece é do tamanho de um grão
de areia, se fosse em outro lugar talvez eu nem corresse o risco de
esbarrar nesse homem por aí. Mas que raios de cidade que tudo
que é importante se localiza nela mesmo ela sendo um ovo!
Arghhhh.
Nosso almoço corre sossegado, não vejo mais o Henrick e
agradeço por isso já que em poucas horas terei que olhar para a
sua cara, que não posso ser hipócrita de negar que é linda, no
ensaio dos votos da Olivia e do Connor. Me despeço do Patrick na
entrada do restaurante e acidentalmente o beijinho no rosto acaba
virando um beijinho de canto da boca, me desculpo pelo descuido,
mas ele só se diverte, dá risada como se nada tivesse acontecido.
Meio constrangida vou até o meu carro e assim que penso em
seguir o trajeto da igreja, me dou conta que meu combustível está
quase na reserva, pois sempre me esqueço, se deixar vou dirigindo,
dirigindo até o carro parar. Passo em um posto que é um pouco
afastado do centro e finalmente me dirijo, literalmente, até a cidade
vizinha, sabendo que chegarei um tanto atrasada. Num dos sinais
de trânsito, pego o meu celular para ver as mensagens recentes e
me deparo com uma mensagem longa e confusa do Patrick no
grupo dizendo que havia recebido um e-mail para desligamento na
empresa, resumindo, Sr. Sawyer tinha mexido seus pauzinhos para
ele ser demitido, o que não fazia nenhum sentido, até mesmo
porque ele já elogiara o seu trabalho.
O sinal fica verde e eu avanço, apertando o volante com certa
violência ao cogitar que talvez o Henrick tenha visto o carinho que o
Patrick fez em minha mão e tenha entendido errado e, é lógico, por
pura implicância decidira o afastar, aliás, quase acabar com a sua
carreira, afinal, pedir que a empresa o tire da nossa tripulação indica
que ele seria realocado para outra, mas continuaria trabalhando, o
que é ok, mas nesse caso o Sr. Dono do Mundo tinha o feito ser
demitido pela empresa, ficando sem emprego. Não posso acreditar
que ele fez isso para me atingir só porque o Patrick é meu amigo,
esse homem é um nojento desprezível. Não vendo a hora de chegar
lá e tirar satisfação, acelero mais.
Já em frente a igreja, no calor do momento, sem pensar, eu faço
uma coisa que não trará a mínima dor de cabeça para ele, mas não
ligo e o faço mesmo assim, acerto em cheio a lateral do seu Rolls-
Royce novinho, o prejuízo maior com certeza foi para mim, pois o
estado do meu carro fica muito pior, o seu muito provavelmente
deve ser blindado, o que ocasionou apenas um amasso grande na
lataria e um barulho estrondoso, acho que por pouco o meu airbag
não foi acionado com a brusca colisão.
— Mas que porra é essa? — ouço o Connor falar, aparecendo na
calçada junto com a Olivia, alguns funcionários do cerimonial e o
meu alvo indignadíssimo.
— Meu Deus! O que aconteceu, Molly? Você tá bem? — vem até
mim aflita, me enchendo de perguntas enquanto desço do carro. —
Você tá machucada? Perdeu o controle do volante? O que houve?
— ela checa meu rosto e corpo para ver se não tenho nenhum
arranhão.
— Sua licença deveria ser caçada! Não te ensinaram a dirigir na
auto escola, não? — aquele infame me encara com um sorriso
lavado de deboche, mas sei que é um truque para esconder o
quanto ficou puto que seu brinquedinho fora atingido, sua cara mais
amarrada do que já é não nega.
— VOCÊ É UM SER HUMANO NOJENTO, DESPREZÍVEL! EU
TE ODEIO, HENRICK SAWYER! — distribuo socos em seu peitoral,
ele tenta me segurar, mas foi pego de surpreso e eu fui mais rápida,
estou em posição favorável para boa parte dos meus socos atingi-lo.
— Molly! — escuto a Olivia se aproximar, mas não dou ouvidos,
quero terminar meu serviço.
— QUEM VOCÊ PENSA QUE É? VOCÊ É UM MONSTRO! UM
RIQUINHO METIDO DE MERDA QUE ACHA QUE PODE TUDO
SÓ PORQUE HERDOU ALGUNS DÓLARES NA POUPANÇA! —
continuei batendo nele que nem uma louca desvairada, furiosa. —
VOCÊ NÃO TINHA O DIREITO DE DESPEDIR O PATRICK SÓ
PORQUE ELE FOI CAVALHEIRO COMIGO, COISA QUE VOCÊ
NEM DE LONGE É E NUNCA VAI SER, SEU COISO!
— Eu o demiti porque abomino qualquer tipo de relação amorosa
entre os meus funcionários por motivos óbvios, ética. — finalmente
consegue segurar meus pulsos e o faz firmemente, olhando no
fundo dos meus olhos com a testa franzida.
— Calma, gente! — seu amigo tenta apaziguar, mas sua voz está
carregada de diversão, ele visivelmente quer gargalhar com toda
essa cena.
— Molly, fica calma, o que quer que tenha aconteci... — não a
deixo terminar.
— Engraçado que quando eu fiquei com ele da primeira vez você
não fez absolutamente nada, aí agora repentinamente resolve fazer
algo a respeito!
— Da primeira vez? Então tiveram outras? — ergue a
sobrancelha.
— Não e não interessa nem um pouco a você, seu cretino!
— Não vou voltar atrás, Molly! — exclama, demonstrando
chateação. — Não quero envolvimento entre os meus funcionários e
ponto, ele desrespeitou a regra, o que posso fazer?
— Ah, ele desrespeitou a regra? E quem é você pra ditar regras
ou falar de ética se não cumpre nenhuma regra ou tem ética
alguma? Você vive me assediando e só está ressentido porque não
conseguiu o que talvez o Patrick com todo o seu caráter
conseguiria. — o enfrento, jogando umas verdades em sua cara.
— Você não é o centro das atenções, o Jones está fora do meu
time única e exclusivamente por conduta dele e não se fala mais
nisso.
— Se você não trouxer o Patrick pra nossa tripulação de novo,
eu me demito!
Vocifero meu veredito e me retiro, ignorando a todos. Por sorte,
meu carro ainda funciona. Vou para casa, querendo estraçalhar
Henrick Sawyer. Maldita hora que esse homem apareceu no meu
caminho...
CAPÍTULO 9
Molly Hill
Sei perfeitamente que minha atitude foi completamente insana e
poderia me trazer muitos problemas se aquele homem resolvesse
se vingar, mas não ligo, defender os meus me parece de uma
sensibilidade e sensatez imensa que ele nunca sequer vai conseguir
entender, já que todos estão sempre aos seus pés, o endeusando,
jamais se opondo as suas vontades, o fazendo acreditar que em
hipótese alguma ele esteja errado. Patrick prometeu nos deixar a
par de todos os movimentos do RH da empresa, mas até o presente
e fatídico dia, que terei que ensaiar a entrada da cerimônia com
aquele soberbo, ele não falou mais nada, o que indicava que não
tinham voltado atrás com a decisão de demiti-lo, isso fazia meu
sangue ferver três vezes mais, a única razão pela qual não imponho
para Olivia me deixar ir com outro par é que tenho empatia
suficiente para perceber que nós dois juntos ao seu lado importa
muito tanto para ela quanto para o Connor, Henrick pode ser um
nojento comigo, mas pelo menos deve ser um bom amigo para ele.
— DE NOVO! — grita a Olivia de cima do altar para que
passássemos a entrada novamente.
— Você pode desmanchar essa tromba por alguns segundos? —
Henrick alfineta. — Está parecendo uma entrada fúnebre de velório
de novela das seis brasileira.
— Você sabe muito bem meu desdém pra estar aqui com você.
— Também não faço questão pra ser seu par já que tenho outras
opções muito mais interessantes. — diz seco, seu olhar permanece
intacto em algum ponto em sua frente, era como se ele quisesse
evitar qualquer contato visual comigo. — Mas fazer o que se nossos
amigos não escolhem bem seus companheiros...
Abro a boca para retrucar, porém sou interrompida por mais um
grito da Olivia que nos observa de longe.
— MORRERAM AÍ?
— Quanto mais boa vontade você pôr nessa passada, mais
rápido a gente se livra disso. — ele posiciona o braço ao lado do
corpo para que eu entrelace o meu, tal como um cavalheiro em
filmes antigos. — Esqueça quem eu sou por alguns instantes e faça
sua parte direito, a Olivia merece mais do que isso.
Ele pega no meu ponto fraco ao mencionar a minha amiga.
Respiro fundo e concordo que eu não tenho o direito de estragar o
momento dela por uma diferença tão medíocre que pode ser
contornada. Não é tarefa fácil para mim ouvir qualquer desaforo do
Henrick e permanecer calada, não estando fora do serviço, mas de
agora em diante eu precisava treinar meu equilíbrio emocional para
lidar com tudo isso, nossa rixa já tinha tomado proporções absurdas
e a última coisa que eu gostaria era de inconscientemente fazer a
cerimônia da Olivia ser lembrada por um episódio desprezível em
que seus padrinhos se atracaram em cima do altar, seria o fim.
Nunca parti para violência física com absolutamente ninguém,
mesmo tendo diversos motivos para, mas aquele homem conseguia
me tirar do sério apenas com suas piadinhas infames. Se estou
sempre por um fio de arruinar minha carreira, não serei egoísta de
arruinar a única coisa que realmente importa nesse momento, que é
esse dia que ao que tudo indica será mágico para ela, então decido
engolir tudo o que eu queria colocar para fora e prossigo. Entrelaço
nossos braços e relaxo meu semblante, andando calmamente em
direção ao altar onde a moça responsável pelo cerimonial, a Olivia e
o Connor estão.
— Ultimamente tenho respirado esse casamento, não paro um
minuto, eu precisava mesmo desse tempo pra mim com a minha fiel
escudeira. — Olivia expõe a loucura que está sua vida desde que
resolveu pôr uma aliança no dedo.
— Aos nossos girly12 moments de Netflix e porcarias! — ergo a
taça de vinho em minhas mãos, lembrando da vez que o Henrick
proferiu essa frase, ela casa infinitamente bem agora. — Quem
precisa de um par de calças quando se tem uma boa amiga... —
dou um risinho de lado, enquanto ela brinda.
— Concordo em partes. Desde que o meu homem acabou com
meu para-choque traseiro, não consigo pensar em outra coisa mais
a não ser ele. — dá um gole em seu vinho, posso ver o brilho dos
seus olhos incendiar sobre a claridade da tv em nossos rostos.
— É muito bom te ver assim, minha amiga. — a lanço um sorriso
sincero.
— Eu sempre gritei pros quatro cantos que eu era
autossuficiente, que não precisava de homem nenhum na minha
vida, mas por mais que eu me sentisse completa antes, agora eu
me sinto completa do completa, é como se fosse uma soma de
felicidade que só transborda. Está dando pra entender? — ela faz
careta ao se expressar fervorosamente com as mãos dando ênfase
a toda a sua reflexão.
— Está sim.
— Mas e você, Molly... o que está acontecendo? Sei que essa
carinha triste aí tem tudo a ver com o gostoso do Sawyer. É mais do
que uma implicância profissional, não é?
— Muito mais. — admito meio a contragosto. — Eu não consigo
entender, uma hora ele se mostra um cara bacana e noutra ele é um
total rabugento.
— Ele está jogando com você, é perceptível.
— Pra me levar pra cama, eu já entendi, mas eu n...
— Você acha mesmo que aquele homem ia se dar o desfrute de
perder o tempo dele pra te infernizar por tão pouco? Acorda,
querida! Você conseguiu o que nenhuma outra conseguiu, fazer ele
repensar a todo tempo essas atitudes baixas dele.
— Não faz o mínimo de sentido, Olivia. — exclamo um tanto
incrédula. — Eu me recuso a acreditar que ele tenha um pingo de
sentimento, ainda mais por mim.
— Amiga, deixa eu te situar porque eu acho que você ainda não
entendeu. — ela me encara com seu ar de dona da razão. — Você
bateu no seu chefe, sem contar que afronta ele de minuto em
minuto, em serviço ou não. Qual homem aceitaria tudo isso por uma
mera horinha de prazer? Ele pode ter a mulher que ele quiser, sem
esforço algum. Na minha visão de espectadora, ele está
interessado, mas é teimoso demais pra assumir que aquele homem
fodão que ele pinta pras pessoas foi fisgado por uma mulher que
ainda o renegou.
— E como eu faço pra descobrir se ele pode ou não atender
minhas expectativas?
— O Patrick.
— O que tem ele?
— Vai ser o seu álibi. Finja um namorico falso e terá a resposta
que quer, apesar de que ele ter demitido seu amigo só porque viu
vocês mais entrosados já diz horrores...
— Eu não posso fazer isso com o Patrick.
— Não, boba, você conversa com ele e se ele topar você vai em
frente. Sou maluca, mas não tanto. — dá risada.
— Pensando por esse lado...
Resolvo escutar os conselhos da Olivia pela primeira vez. Se o
Henrick realmente valesse a pena, ótimo, se não, bola para frente,
mas eu precisava tentar, estava exausta dessa briga de gato e rato.
Passamos a noite colocando os assuntos em dia, contei tudo que
tinha acontecido na minha última viagem, bem como tudo que tinha
acontecido desde que comecei a trabalhar com ele e a cada coisa
que eu falava ela erguia a sobrancelha convencida como quem diz
“Tá vendo? Eu disse!”, estávamos mesmo precisando de uma noite
entre amigas. Aproveito para enviar uma mensagem no privado para
o Patrick antes que vire o dia, o convidando para um almoço na
minha casa para o dia seguinte, não dá nem dois minutos e ele
responde aceitando.
Eu não sou lá essas coisas na cozinha, mas sei me virar, então
fiz um almoço simples e gostoso e, afinal, o que é que não fica
delicioso na companhia de um bom vinho? Minha casa estava um
brinco, nesses dias de folga minha distração foi colocar tudo em
ordem, arrumar a bagunça por mínima que seja parece que levanta
o astral do ambiente, traz uma energia boa e a gente se sente mais
liberta para fazer outras coisas, como assistir um filme ou fazer
qualquer outro tipo de programa. O interfone toca e eu já sei quem
havia chegado, permito a entrada do Patrick e continuo a mexer o
molho do meu macarrão campestre. Deixei a porta do apartamento
aberto para que eu não precisasse deixar o fogão para abri-la, em
menos de cinco minutos ouço o som da companhia ecoar pelo
cômodo, grito para que ele entre.
— Humm, o cheiro está bom. — ele aparece na cozinha. — Dá
pra sentir lá do corredor.
— Espero que o gosto esteja também. — sorrio, enquanto ele
vem até mim me dar um beijo na bochecha. — O que tem escondido
aí atrás? — franzo o cenho ao me dar conta que ele escondia algo
em uma de suas mãos.
— Achei que seria uma boa, mas agora me sinto meio
deslocado. — Patrick parece estar envergonhado, o que é novidade.
Despejo o molho em cima do macarrão que já se encontrava
numa travessa e acrescento o mix de pimentões, cogumelos,
abobrinhas e camarão, ainda esperando o rapaz em minha frente
falar algo.
— E então Patrick? Que suspense!
— Tr-trouxe essas flores pra você. — finalmente ergue um
buquê, gaguejando um pouco.
— Qual é! Somos amigos, Patrick! Não precisa de vergonha e
você nem é assim. — respondo normalmente, abrindo um sorriso
largo. — Obrigada! Muita gentileza da sua parte. Vou colocar num
vaso.
Percebo sua feição ficar tensa, mas não dou importância, deve
ter sido impressão minha.
— E aí? Aprovado? — pergunto assim que ele põe uma garfada
na boca, me referindo ao macarrão.
— Sim, está delicioso!
Levanto as mãos para o céu depois de sua resposta e começo a
comer, constatando que eu tinha mesmo feito um ótimo trabalho,
meu macarrão estava dos deuses! Conversamos o almoço todo
sobre coisas aleatórias, mas era impossível não entrar no Q da
questão da sua demissão. Explico o que eu achava que poderia ter
provocado a ira de Henrick Sawyer, bem como o conto alguns
acontecimentos recentes, não tudo, o suficiente para contextualizar
e então chego no ponto que eu queria, o propor um relacionamento
falso para que eu possa sanar minhas dúvidas.
— Então eu tive minha carreira arruinada só porque o Sr. Sawyer
acha que estamos juntos?
— Basicamente. — entorto a boca, enxergando finalmente o
gatilho que isso poderia dá-lo, era muito injusto e quase egoísta da
minha parte piorar as coisas só para pôr em prática minhas
fantasias.
— Se ele fez isso apenas porque supôs que estamos juntos, o
que acha que ele não pode fazer se realmente tiver a certeza? Isso
é loucura, Molly, e eu não ganho nada com isso. Muito pelo
contrário, me fodo ainda mais.
— Eu sei. — suspiro. — Mas eu posso reverter a situação.
— Não vejo como.
— Eu disse que ia me demitir caso ele não te contratasse de
novo e é óbvio que ele vai te contratar de novo, porque ele me quer
por perto pra infernizar minha vida.
— E se não o fizer? Ficaremos os dois sem emprego por causa
de bobeira. Me envolver com você vai piorar o meu lado.
— Confia em mim, Patrick, eu vou conseguir. Se não der certo,
eu me ajoelho aos pés daquele cretino e peço pelo seu emprego. —
tento trazer o Patrick para o meu lado, mesmo que eu me sinta
sufocada só de imaginar me humilhando dessa forma para o Sr.
Dono do Mundo.
— Você está mesmo muito confiante de que esse plano vai dar
certo, porque eu posso dizer com toda convicção do mundo que
você jamais abaixaria a cabeça pra o Henrick Sawyer, isso está fora
de questão.
— Namora comigo? Por favorzinho?! — faço uma cara fofa e um
tanto engraçada para descontrair e ele por fim aceita, não muito
animado.
— O que eu não faço por você, Molly? — me lança um sorriso
amarelo.
Ele continua a me olhar meio estranho como se quisesse me
dizer algo, na verdade ele estava assim desde que passou pela
porta, como quem quer revelar alguma coisa, mas deve ter desistido
de me contar, e eu não o cobro, se ele não falou o que quer que
pretendia é porque não se sentiu à vontade.
— Ótimo! — o dou um abraço esmagador. — O casamento da
Olivia vai ser daqui uma semana, você pode ir comigo? É a ocasião
perfeita pra gente se mostrar.
— Por mim tudo bem.
Inusitadamente, a semana inteira não fomos acionados para
voar, então o dia da cerimônia chegou depressa. A Olivia, eu e sua
mãe passamos a tarde no salão, com direito a spa e tudo o que
como familiares da noiva tínhamos direito. No fim da tarde, eu já
estava pronta para ir para a igreja primeiro do que ela. Me olho no
espelho e me sinto satisfeita com o que vejo, o vestido caiu
lindamente no meu corpo, valorizando o colo e as costas, minha
maquiagem é de um preto carregado de modo que acentua a cor
dos meus olhos e chama atenção tanto para ele quanto para os
meus lábios carnudos pintados de um vermelho quase vinho, pedi
também que fizessem um penteado preso com apenas alguns fios
soltos e ele deu um ar sofisticado para toda a produção.
— Você está deslumbrante, Molly! — Olivia me abraça e quase
chora, percebendo que chegada a hora do momento que mudaria
sua vida para sempre. — Sr. Gostosão vai ter um treco quando te
ver. — gargalha e por mais que eu tenha me incomodado com seu
comentário, finjo não me importar.
A igreja escolhida pela Olivia é simplesmente perfeita, seu
interior é todo de ouro e contrasta ainda melhor com a decoração
presente, parece um casamento da realeza. Entro no lugar e não há
muita gente, só amigos próximos e as famílias do casal, cerca de
cento e cinquenta pessoas no máximo. Não demora para os meus
olhos acharem o Henrick que está perto da entrada, provavelmente
aguardando minha chegada para que pudéssemos entrar juntos e a
equipe registrar. Ele está maravilhoso e não é nenhuma surpresa,
seu terno preto justo em seu corpo marca seus braços musculosos
de uma maneira que palavra alguma é suficiente para descrever, faz
qualquer um pensar besteira e esquecer como se respira, seus
cabelos encaracolados estão alinhados e a cintilância dos seus
olhos azuis parece mais avivada, sua postura ereta é sempre
impecável como se estivesse a todo momento frente a frente com a
rainha Elizabeth II para um chá da tarde, elegante e sem falhas.
Antes que eu dê um passo em sua direção, Patrick se coloca em
meu caminho me dando um abraço e inesperadamente um beijo,
que não passa de um mero selinho mais demorado. Olho de soslaio
o Henrick por cima dos ombros do Patrick e seu maxilar enrijece de
imediato com a cena, sua boca contrai e seu cenho franze, sem
acreditar no que vê ou reprovando o que houve, ou talvez as duas
coisas. O fotógrafo esbarra em mim e pergunta se sou a madrinha,
respondo que sim e ele logo pede que eu e o padrinho posemos
para as fotos, fazendo a entrada logo em seguida para que sua
equipe filme. Me desvencilho do meu novo namorado, o mostrando
o seu lugar que deixei reservado e vou até o meu chefe que está
com cara de poucos amigos.
— Então você e o pilotinho boa pinta estão mesmo juntos?
— Sim. — é a única palavra que consegue sair da minha boca,
até minhas mãos estão a tremer, Henrick Sawyer me intimida dos
pés a cabeça.
Ele não fala mais nada, o que por um lado é bom. Entrelaço
nossos braços e sorrio para a câmera para que tirem fotos nossa.
Ao caminhar por aquele longo corredor da igreja, reconheço alguns
rostos ali e aceno discretamente com a cabeça, até finalmente
chegarmos perto do altar e nos afastarmos. Connor faz companhia
aos seus pais que se encontram muito emocionados, cumprimento
eles e o parabenizo de forma rápida. Vejo uma movimentação na
entrada e pelo jeito a Olivia acabara de chegar, rapidamente vou ao
seu encontro. Minha amiga está encantadora, seu vestido branco
tem muitos detalhes em diamantes cravejados a mão e brilham
chamativamente dando graciosidade ao conjunto, o véu é bastante
comprido e tem uma espécie de renda delicada que cobre seu rosto
fazendo um ar misterioso, tipo noiva dos anos 60.
— Você está parecendo uma princesa, amiga! — a abraço,
sentindo meus olhos marejarem. Não pensei que fosse me
emocionar, mas acho que vou chorar horrores essa noite.
— Eu estou tão feliz! Como ele está? Lindo? Nervoso? Já
perguntou por mim? — me atropela de perguntas.
— Calma, uma pergunta por vez. — dou risada. — Ele está lindo
e parece ansioso pra te ver.
— Ahhh, eu vou laçar esse homem e ninguém me segura! — diz
de um jeito engraçado.
— Claramente você já fez isso, Olivia.
— Eu sei. — leva a mão a boca rindo serelepe.
Volto para dentro da igreja e me posiciono do lado do Henrick em
cima do altar, ele nem olha na minha cara. A cerimônia se inicia e a
Olivia entra ao som da sua música preferida, não pensei que The
Killers fosse capaz de substituir uma marcha nupcial a altura, mas
não é que essa louquinha estava certa! Um ar conceitual e moderno
pairava, mas sem abandonar o tradicional, era uma mistura de
ambos na medida certa. Ainda bem que trouxe um lenço, pois
estava a chorar mais do que gostaria.
— Mulher e suas frescuras! — o ranzinza ao meu lado diz,
revirando os olhos, totalmente insensível.
— Você que é um ogro sem feelings.13 — retruco, fungando.
Enfim casados, nos conduzimos ao espaço que seria a festa,
Patrick foi comigo, pois não estava de carro. Assim que a cerimônia
na igreja acabou, Henrick saiu em disparada até o estacionamento,
sequer me deu espaço para falar alguma coisa, não que eu
quisesse, mas não me agradou o fato dele estar usando do seu
ressentimento com relação ao meu novo relacionamento, seja lá por
que, para me evitar, uma pontinha de medo se instalou em meu
peito de que meu plano surtisse como um efeito reboot e eu o
afastasse.
A arrumação por sua vez estava, mais uma vez divina, e os
convidados aparentavam estar tão encantados quanto eu,
observavam cada detalhe com cuidado, inclusive algumas poucas
fotos em tamanho considerável de seu ensaio de fotos de
casamento que saíram um arraso por sinal. Sento na mesa
reservada a família e só aí vejo o Henrick de novo, ele se senta do
lado oposto, de frente para mim, pois a cadeira ao meu lado já
estava ocupada pelo Patrick. Pego um champagne que nos é
servido e tomo num gole só, minha vontade é de sair dali na mesma
intensidade que quero continuar a encarar seus olhos que soltam
raios lazers na minha direção, algo me diz que a noite pode não sair
como eu gostaria.
— Está tudo bem? — Patrick pergunta.
— Estou ótima. — o respondo suscinta.
— Vou pegar um drink pra mim, quer que eu pegue alguma coisa
pra você?
— Não, querido, obrigada. — tento entrar na pele da
personagem que estou a encenar hoje, sorrio agradecida.
Henrick tem suas pernas cruzadas e uma postura um pouco mais
relaxada na cadeira, seu terno está aberto e sem querer eu acabo
percebendo um envelope branco de tamanho médio no bolso de seu
paletó pelo lado de dentro, não consigo presumir o que pode ser,
mas se tratando do homem ocupado e cheio de negócios que o
carrega, não seria estranho se tratar de alguma coisa da sua
empresa ou de trabalho. Ele beberica do seu copo de Whiskey, me
fitando diretamente nos olhos como se me deixar incomodada fosse
muito mais divertido e interessante do que prestar atenção em sua
volta. Desvio meu olhar mostrando que estou extremamente
constrangida, mas ele não parece que vai me deixar em paz, acho
que nem se eu gritasse na sua cara de novo.
Patrick volta e se senta novamente, percebendo a tensão em
meu semblante, ele acaricia meu rosto.
— Você não vai convencer a ninguém desse jeito. — diz em meu
ouvido para que apenas eu escute e nem ninguém possa ler seus
lábios. — Não esqueça que foi ideia sua.
— Tem razão. — o olho, perto e conveniente demais para um
beijo, assim o faço.
Paramos o beijo por ouvir que a Olivia estava a entrar no salão
para dançar uma valsa com o Connor, impressão minha ou não,
mas Patrick faz seu papel incrivelmente bem, até eu por um instante
penso que seu olhar parece apaixonado. Ficamos todos em pé para
assistir, alguns gravam em seus celulares, outros como eu apenas
contempla a cena ao vivo, registrando em nossas memórias.
— Agora, por último, mas não menos importante... — minha
amiga rouba o microfone do cantor da banda e pega a todos de
surpresa, isso não estava ensaiado, não que eu me lembre. — A
dança dos meus lindos padrinhos! — quase tenho um infarto
quando ouço.
Arregalo os olhos e digo que não com a mão, tenho certeza que
minhas bochechas estão mais coradas e não é do blush, é um rubor
a mais, de vergonha. Mas é claro que não adianta tentar negar algo
para a Olivia, ela insiste. Uma luz branca foca em mim e outra no
Henrick.
— Você já é grande pra esse tipo de criancice, Molly. — brota do
meu lado, engulo em seco com sua voz fria e impassível. — É só a
porra de uma dança. — ele toma o conteúdo em seu copo rápido e
me puxa até o meio do salão, minhas pernas costumam obedecer a
ele e facilitar seu trabalho, aliás, ela costuma obedecer a todo
mundo, menos a mim, principalmente em momento como esse.
Ele segura minha cintura firmemente com suas duas grandes
mãos, suspeito que ele não queira dançar uma valsa e sim alguma
outra dança mais próxima, a introdução de The Closer I Get to You –
Versão Edyelle Brandão feat. Élri El (The Voice) chega aos meus
ouvidos e eu tenho a confirmação, Henrick cola nossos corpos e
encosta seu rosto ao meu, não posso simplesmente empurra-lo e
correr para longe, seria desfeita com a Olivia, que inclusive iria ouvir
poucas e boas depois, então fecho os olhos e faço a única coisa
apropriada, embalo ao som da música. Não é uma canção longa,
mas os três minutinhos soam como uma eternidade.
— Gosto dessa versão da música, é brasileira. — sussurra, seu
timbre está mais acentuado, mais rouco.
Abro a boca, mas a voz não sai, não consigo falar nada. Seu
cheiro estupendo entra com força em meu nariz e eu me sinto
extasiada de ter, mesmo sem querer, essa oportunidade de senti-lo
assim tão de perto. Seu corpo alto e largo parece engolir o meu,
inevitável para as minhas mãos curiosas não tatearem suas costas
e lateral me tendo satisfeita, ainda que por cima de suas vestes. Mal
percebo a música terminar, mas apesar disso, continuamos lá,
juntos, nos afastamos apenas para nos olhar.
— Nossa próxima e última viagem será em dois dias, pra o
Brasil.
— Última? — ergo a sobrancelha.
Ele tira o envelope do bolso de dentro do paletó e me entrega,
meus olhos se fixam no papel não entendendo absolutamente nada.
As pessoas em nossa volta não prestam atenção em nós, estão
muito mais preocupadas com a música agitada que começa a tocar,
elas preenchem o salão dançando alegres ao som de Sunset – The
Midnight.
— Fim do acordo de exclusividade. — se eu pudesse chutar um
sentimento que o dominava naquele momento, sendo perceptível
pela sua voz rude e seu rosto sério, seria de ódio ou tristeza, talvez
uma mescla dos dois. — Sua tripulação está livre de mim, incluindo
seu namoradinho.
Ele dá as costas e vai embora se desvencilhando de toda aquela
gente, não olha para trás, apenas em frente. Continuo estatelada
olhando o vazio, chocada demais para tomar uma atitude diferente.
— Agora sim a melhor parte! — Patrick vibra agitado, mas logo
muda a feição quando percebe que estou a agir estranha. —
Aconteceu alguma coisa? Você passou dias ensaiando essa dança,
não tinha como fazer essa desfeita com a sua amiga em cima da
hora, está tudo bem, e você se saiu bem.
Preferi deixar o Patrick pensar que aquilo estava no script, seria
patético ele achar que meu olhar entregue ao momento, ao Henrick,
havia sido verdadeiro e não parte de um teatro.
— O que é esse envelope?
— Algo relacionado a nossa tripulação não trabalhar mais pro
Henrick Sawyer e você ter sido readmitido.
— E você está com essa cara de enterro por causa disso? Não
era tudo o que você mais queria?
— Sim. — me forço a mentir para mim mesma.
— Você conseguiu meu emprego de volta e se livrou do Sawyer,
o plano deu certo! — me sacudiu, empolgado. — Ele não gosta de
você, Molly, não é óbvio? Sua dúvida foi esclarecida. Se gostasse,
te manteria por perto, mas não, tentou de tudo pra te levar pra
cama, não conseguiu e ainda viu que você arrumou alguém, então
te tirou da jogada pra ir pra próxima.
Algo na entonação da voz do Patrick me dizia que ele queria de
alguma forma me alfinetar, fazer eu me sentir mal, ele mais do que
ninguém sabia que eu queria uma positiva do Henrick, não tinha
sentido ele como amigo jogar todas essas coisas na minha cara, ou
talvez o álcool o fez inconscientemente falar algumas verdades
entaladas na sua garganta por mágoa do que houve, seu
afastamento por minha causa.
— Vamos comemorar! — ergue os braços.
Olivia me abraça de lado eufórica e sorridente e não me dá
tempo de me prender ao que aconteceu, decido esquecer pelo
menos por essa noite e aproveitar com meus amigos, é a melhor
coisa a se fazer enquanto não posso resolver nada por agora.
Danço como se não houvesse amanhã e o mundo fosse acabar
hoje.
Henrick Sawyer tinha razão... Brasil seria nosso próximo e,
infelizmente, último destino, antes do mundo simplesmente
desmoronar...
CAPÍTULO 10
Molly Hill
Poderia esperar qualquer coisa de Henrick Sawyer, mas jamais
que ele iria abrir mão de nos ter como sua tripulação tão
rapidamente, sua decisão mostrou para mim que, assim como eu,
ele também já estava cheio de toda essa situação, foi nobre de sua
parte me deixar respirar outros ares e parar com sua implicância
comigo, mas não consigo ficar feliz com essa notícia, não sei que
tipo de sentimentos eu posso desenvolver estando longe dele.
Passo um bom tempo do meu dia anterior a nossa última viagem
relembrando as palavras do Patrick sobre as atitudes dele, eu
estava convencida de que algo tinha despertado em seu coração,
ainda que por mínimo que seja, porém faz sentido pensar por esse
lado de que Henrick tenha concluído que suas investidas não
surtiram o efeito esperado e que agora que engatei um novo
relacionamento seria como uma confirmação de que suas tentativas
não adiantariam.
Fico confusa analisando amadoramente os fatos, não sou tão
boa em sacar as coisas no ar como minha querida amiga, mas
alguma coisa simplesmente não se encaixava, Henrick só ficou
sabendo de mim e do Patrick na noite do casamento e aquele
envelope já estava em sua posse, os tramites da quebra do acordo
já estavam resolvidos e sendo o Sr. Dono do Mundo ou não, esse é
o tipo de coisa que não fica pronto de uma hora para outra, leva
legalmente pelo menos alguns dias para ser solucionado, então sua
decisão fora tomada muito antes, não foi pelo impulso da raiva, ou
ele realmente estava nutrindo um certo interesse por mim que o
fazia ser um pouco mais sensato e menos cafajeste, me afastando
para que assim não me machucasse com suas duras palavras e
incertezas, ou ele tinha virado a página para fazer a fila andar. Eu
precisava entender o que o levou a tomar essa medida drástica.
Balanço a cabeça espantando meus devaneios e vou fazer algo
útil, arrumar minha mala. Nunca tinha visitado a América do Sul,
estava curiosa para sentir o clima e ver de perto se tudo o que
constava em depoimentos e relatos na internet sobre o calor, as
praias, a cultura, a receptiva calorosa dos brasileiros e a comida
fazia jus aos boatos positivos. Duas horas depois, quase finalizando,
procuro pelo meu chapéu de palha customizado com minhas iniciais
que não o uso faz um tempo e é por isso que não o acho, acho que
é a ocasião perfeita para expor ele, mas não lembro onde posso ter
guardado. Abro diversas gavetas e compartimentos do guarda-
roupa meio chateada de ter que revirar e bagunçar tudo, mas não
vou sair de Nova Iorque sem o meu lindo chapéu. Subo em uma
cadeira para me ajudar a alcançar a parte superior, até que na
última divisória, tateando o espaço com as mãos, um livro cai na
minha cabeça, praguejo de raiva. O pego e me dou conta de que
fazia um tempo que eu não o lia, era a minha apostila do curso e
treinamento de comissária de voo, continha informações
importantíssimas ali quanto a primeiros socorros, emergência a
bordo, sobrevivência e muito mais, sinto uma fisgada no coração ao
folheá-lo, espero nunca colocar esse tipo ensinamento em prática,
mas tenho medo de que se um dia eu precisar dessas técnicas e
ações imediatas, eu não consiga a excelência do meu profissional e
trave sem saber o que fazer ou por onde começar. Então, como
estar em dia com esse lado da aviação é imprescindível, decido dar
uma lida, enquanto meu chapéu se esconde de mim.
Na euforia de rever o Henrick, acabo chegando duas horas mais
cedo no aeroporto, então fico a mexer no celular no D.O. enquanto
ninguém aparece. Cerca de meia hora depois, James chega,
seguido do Patrick, meu semblante não está muito animado e eles
logo percebem, os despisto dizendo que estou com dor de cabeça,
não quero que o comandante Watson saiba que caí nos encantos
do nosso chefe, mesmo que me conhecendo bem seja decifrável
minhas reações, por sorte meu namorado falso entende o recado e
não toca no assunto.
— Então vocês estão mesmo namorando, minha filha? — James
pergunta.
— Sim, nem me pergunte como, só aconteceu! — sorrio.
— O Patrick é um bom rapaz, fico feliz por você estar seguindo
sua vida depois de... bem, você sabe, seus pais. — ele pega em
minha mão e a beija carinhosamente.
— Obrigada, James. — o abraço, James é como um avô que eu
nunca tive a oportunidade de conhecer ou conviver, tenho e sempre
vou ter um apreço gigantesco por ele.
Fizemos o briefing que durou mais do que normalmente duraria,
pois estávamos a ir numa rota nunca traçada por nós, Brasil, e
alguns pontos e observações eram muito importantes. Fiz o check
da aeronave, bem como conferi a presença do kit de sobrevivência,
que geralmente passava despercebido por mim, presumindo que
jamais precisaríamos usá-lo, mas dessa vez eu sentia que devia dar
uma atenção especial para esses elementos, não por achar que
seria necessário, mas por perceber que fora muita displicência da
minha parte não incluir a verificação dele na minha checagem.
Patrick e James estavam preparando o cockpit e fazendo as
anotações básicas no diário de bordo, como os cálculos de
combustível, peso, rota e passando todas essas informações para a
torre para que eles pudessem liberar ou não nossa decolagem para
agilizar o processo, já que o Sr. Sawyer não gostava de aguardar
muito tempo em solo.
Henrick chegou juntamente com seus dois seguranças que iriam
conosco e seu assessor, se acomodaram depressa em suas
poltronas e ficaram a conversar sobre a tática de proteção em terras
brasileiras. Fiz o máximo para não atrapalhar, apenas observei a
posição de seus assentos e frisei a importância do uso do cinto
ainda que não tivéssemos levantado voo ainda, não se opuseram,
colocaram o acessório sem relutância, facilitando meu serviço.
Fecho a porta e fico na galley arrumando alguns compartimentos,
até que nossa aeronave é autorizada a decolar.
— Tripulação, preparar para decolagem! — ouço a voz do
comandante ecoar pelo nosso sistema de áudio.
O avião estava taxiando para a posição da cabeceira da pista 4L,
o painel para apertar os cintos se acendeu, olhei rapidamente e
superficialmente para os passageiros para, mais uma vez, ter a
certeza de que obedeciam nossas instruções e então fui finalmente
e tranquilamente para o meu assento, apertando assim o meu cinto.
Seis ou sete horas depois entramos no espaço aéreo brasileiro,
FIR Amazônica14 de responsabilidade do CINDACTA IV15,
sobrevoando a região mais ou menos acima de Manaus, sirvo uma
água para o Henrick a pedido do mesmo, um dos seus seguranças
dorme relaxadamente na poltrona, apesar de estar sem cinto e não
ser 100% seguro já que passamos por algumas turbulências ainda
que leves, não pretendo acorda-lo só para isso, na aviação
executiva algumas medidas são afrouxadas em prol da comodidade
do cliente.
Uma sacudida um pouco mais agressiva nos pega de surpresa,
cambaleio para o lado e me apoio em uma das poltronas mais perto.
Henrick me olha curioso já que minha feição muda, uma vez que
não fora alertado para nós nenhuma turbulência severa. O céu
estava totalmente limpo indicando que poderia ser uma CAT16, mas
a julgar pelo fato de que já passei por uma e não foi exatamente
assim, foi três vezes mais violenta e eu saí com um nariz quebrado,
era provável que não, algo estava anormal. James sai do banheiro
com o mesmo semblante que o meu de incompreensão, era muito
comum voarmos no piloto automático, Patrick já ficara diversas
vezes verificando a ação de automação da aeronave se certificando
de que sairia de acordo com o previsto, enquanto o comandante se
ausentava, mas era a primeira vez que sentíamos um solavanco
desses repentino.
— O que está acontecendo? — Henrick quebra o silêncio.
— Continue com o cinto! — o alerto e caminho ligeira seguindo o
James até o cockpit para saber o que houve.
— O que foi isso, comandante?
— Não sei. — James responde olhando assustado para o painel
em sua frente, péssimo sinal.
— Comandante, perdemos contato com Manaus. — Patrick
avisa.
— Tente todas as frequências. — pede, seu olhar parecia
perdido, de quem procurava uma resposta em qualquer uma
daquelas luzinhas ao nosso redor. — O que houve com o piloto
automático? Como pode ter desativado sozinho? — James pergunta
ao Patrick que o olha amedrontado a segurar firmemente o manche,
tendo o controle do jatinho em mãos, mas ele nada responde.
— Que merda está acontecendo? Senti o solavanco lá do
banheiro. — o outro segurança do Henrick abre a divisão e entra no
cockpit, visivelmente preocupado.
— Volte para o seu lugar e coloque o cinto. — comandante
Watson chama sua atenção. — Molly, faça o mesmo.
— Mas eu tenho que acordar o rapaz que está dormindo...
— Sente-se, Molly. — ordena e eu apenas o obedeço.
Antes que eu travasse a parte torácica do meu cinto, a aeronave
se inclina bruscamente para baixo e um alarme de descida
excessiva é acionado automaticamente. Escuto a voz robotizada
preencher meus ouvidos com “Pull Up” “Sink Rate” e nesse
momento não consigo pensar em outra coisa a não ser que estamos
perdendo altitude rápido demais. O som de vidros caindo ao chão é
estridente, assim como os gritos de lá de trás, as máscaras de
oxigênio caem e eu não tenho forças para pega-la, apenas tento me
segurar na poltrona da frente com medo de que meu cinto do quadril
se abra e eu seja arremessada contra o teto, mesmo que a alta
qualidade dele seja indiscutível. Por sorte, nenhum de nós três sofre
de hipóxia e desmaia, Patrick e agora James ainda tentam a todo
custo estabilizar o avião.
— November, Uno, Sete, Zero, Charlie, Lima.17 MAYDAY!
MAYDAY!18 — Patrick esbraveja os prefixos da aeronave19 e emite
nossa palavra código para emergência.
— Puxa o manche, Patrick! — é a vez do James se desesperar.
— Patrick! Patrick!
Nosso co-piloto desmaia, deixando o James sozinho nessa. Um
filme se passa na minha mente do que os meus pais podem ter
sentido e sofrido no acidente deles e se talvez esse também seja o
meu fim, começo a chorar e gritar aflita. Não quero acreditar que
isso está a acontecer conosco. Fecho os olhos com força quando
vejo através da janela o chão se aproximar cada vez mais e o alerta
de proximidade excessiva do solo e viragem ecoarem quase
uníssonos “Terrain” “Pull up” “Bank angle” “Bank angle”.
— Calma! — James tenta me tranquilizar mesmo em meio ao
caos, puxando o manche para si para que o nariz da aeronave
levantasse.
Abaixo minha cabeça e abraço minhas pernas, preparada para o
impacto, não emocionalmente, mas fisicamente. Ouço o barulho alto
da barriga do avião se chocar com as copas das árvores e sinto a
pancada, depois apenas escuridão. Meus ouvidos produzem um
zumbido como se fosse uma perda parcial de audição, as vozes
estão extremamente abafadas. Minha visão está turva, sei que tem
alguém do meu lado a falar, mas não reconheço quem é. Ponho as
mãos na cabeça ao sentir uma dorzinha chata na testa, quero
levantar, mas simplesmente não consigo.
— Molly! Molly! Precisamos sair! — minha audição volta por
alguns segundos e eu escuto o Patrick, ele destrava meu cinto e me
puxa. — Tem fogo na turbina!
Com muito custo, fico de pé e caminho em direção a claridade.
Não existe mais teto e do meio do avião para a calda está
completamente destruído como se tivesse se partido. Vejo o corpo
do segurança que estava antes a dormir caído próximo a galley com
o rosto desfigurado, só o reconheço por causa da roupa. Me
encosto na parede atrás de mim em choque, levo a mão a boca
amedrontada, tudo parece um pesadelo horrível. Olho para trás e
Patrick está arrastar o corpo do James, não posso identificar de
imediato se ele está vivo ou morto, ele está desacordado. Tomo
coragem e crio forças não sei de onde para correr até o bin que
guarda o kit de sobrevivência e primeiros socorros quando dou de
cara com o Henrick que pelo visto acaba de voltar a consciência, ele
grita para que eu o ajude.
— SAI, MOLLY! NÃO TEMOS TEMPO! — Patrick volta a pedir
agoniado quando me vê, achando que eu já tinha abandonado a
aeronave. — EU VOLTO PRA PEGA-LO.
Não posso deixar que Patrick se arrisque sozinho se estou em
condições físicas de ajudar mais alguém, os dando suporte
paralelamente tínhamos muito mais chances de sair ilesos, sem
precisar voltar e ser surpreendido de repente por uma explosão,
sabíamos bem que num pouso forçado só temos alguns poucos
segundos para evacuar a aeronave antes que ela venha a explodir.
— Calma! Eu vou te tirar daqui. — me aproximo do Henrick, mas
ele não contribui, se debate na poltrona tentando abrir o cinto
freneticamente, o desespero não ajuda.
— ME AJUDA A SAIR DAQUI, MOLLY!
— Henrick! Henrick! — tento chamar sua atenção e então ele,
finalmente, para e me olha nos olhos. — Eu estou aqui e não vou
sair daqui sem você, mas preciso que fique calmo. — seus olhos
azuis me encaram temoroso.
Minhas mãos trêmulas tentam abrir seu cinto, segundos atrás
meu corpo não respondia a nenhum estímulo que meu cérebro
enviava, eu estava estática e mal conseguia lutar pela minha vida,
mas surpreendentemente e repentinamente quando olho o Henrick
clamar por ajuda, um estímulo enorme me move ao seu encontro.
Estudei e me preparei muito para assumir essa profissão, achando
que só queria seguir os passos dos meus pais e me sentir mais
perto deles, mas ali eu vi o que realmente me preenchia o peito,
ajudar o próximo, inconscientemente eu escolhi estar no lugar certo,
eu realmente amava o que eu fazia. O meu instinto humano falou
mais alto.
Quando por fim consigo desafivelar seu cinto, o ajudo a deixar a
aeronave. O som de uma explosão se faz presente e a pressão nos
arremessa para fora. Sinto o chão abaixo de mim e mesmo confusa
por conta do impacto, sinto leveza e felicidade em estar em terra
firme. Tusso um pouco ao tentar me levantar. Henrick geme de dor
segurando a perna, provavelmente deve ter lesionado, mas não tem
sangue e não parece ser nada muito sério, então vou direto para
auxiliar James primeiro.
— James! Está me ouvindo? — falo mais alto.
Ele não esboça reação, continua desacordado. Peço para que
Patrick pegue uma lanterna dentro do kit de sobrevivência.
— Rápido, Patrick!
Patrick me entrega. Abro os olhos do James e direciono a
lanterna, suas pupilas estão dilatadas e não respondem ao estímulo.
Ele está pálido e suas extremidades estão arroxeadas, indicando
sintomas de PCR (parada cardiorrespiratória). Checo seu pulso e
não há sinais.
— Pega o ambu! — digo ao Patrick, me forçando ao máximo a
manter a calma.
Abro suas vias aéreas hiperestendendo seu pescoço e encaixo o
ambu em sua boca assim que recebo do Patrick. Começo a fazer as
manobras de RCP, fazendo trinta compressões torácicas para cada
duas ventilações, Patrick me ajuda apertando o ambu quando
necessário. Após repetir esse ciclo quatro vezes, seu peito volta a
trabalhar e seu pulso volta a pulsar. Quase choro de tanta alegria. O
coloco em decúbito lateral, considerando a possibilidade de vômito
caso ele acorde e só nos resta esperar. Enquanto isso decido fazer
a limpeza da fratura em sua perna que apresenta bastante sangue,
mas antes disso, faço pressão no lugar com uma gaze para parar a
hemorragia, isso fará com que se forme coágulos impedindo a saída
de mais sangue. Algumas gazes ficam encharcadas até a situação
se estabilizar, faço então a limpeza do local e imobilizo a perna dele.
Me sento no chão exausta físico e mentalmente, mas sossegada
por ter feito tudo o que eu deveria ter feito. O sol está quase se
pondo, logo mais o breu se fará presente, talvez o resgate não
chegue nas próximas horas e teremos que improvisar. Peço para
que o Patrick vá buscar galhos secos para que façamos uma
fogueira e vou acionar o Rescue 9920, teoricamente deveria ter sido
a primeira coisa a se fazer após o acidente, mas os primeiros
socorros eram mais urgentes. O radiofarol parece um cilindro de
oxigênio, removo as fitas que seguram a antena, desenrolo a linha
do transmissor e retiro o invólucro inferior, adiciono água até que a
quantidade de líquido cubra os dois orifícios que ficam sob o
receptáculo onde está alojada a bateria, realoco o invólucro inferior
e o coloco sobre uma pequena elevação, mais precisamente uma
das partes que sobraram da aeronave.
Henrick observa a tudo com uma cara de dor, vou até ele para
finalmente o ajudar, mas ele se nega.
— Preciso ver sua perna, Sr. Sawyer.
— Não preciso da sua ajuda. — diz arrogante.
— Quanto antes eu ver, vai ser melhor, posso ajudar em alguma
coisa. — avanço minha mão para tocar sua perna, mas ele a
empurra.
— NÃO ENCOSTE EM MIM! — ele rosna, me encolho me
sentindo mal como se eu tivesse feito algo errado. — Não preciso
que sinta pena.
— Tudo bem. — respondo quase num sussurro. — Você quem
sabe. Se precisar de mim, estou bem ali.
Me levanto e caminho para o lado contrário, fico perto do James
para caso ele acorde. Patrick acende a fogueira, chamo o Henrick
para se juntar a nós uma vez que a temperatura havia caído, mas
ele se recusa; penso ter visto Patrick esboçar raiva em seu rosto
quando olha em direção ao Henrick, mas deve ter sido somente
devaneio meu. Perdemos três passageiros com a queda, seus dois
seguranças e seu assessor e por um milagre estávamos vivos, o
estrago foi gigantesco. Olho meu corpo à procura de algum
machucado e há apenas alguns arranhões e cortes superficiais,
Patrick também, quem estava em pior estado era o James, o
Henrick não dava para saber, alguns arranhões eram visíveis, mas
sua perna ele não me deixara tocar.
Não consigo descansar, a cena do avião caindo continua
passando pela minha mente on repeat, nunca na vida que eu
imaginaria que sofreria um acidente aéreo e que ficaria viva para
contar história. Quando eu era pequena costumava assistir ao
programa “Mayday! Desastres Aéreos” e quase podia mensurar o
que os envolvidos passavam, porém na prática é muito diferente e
conflitante, meu coração dá uma fisgada ao pensar que mesmo
saindo ilesa, eu poderia não ter conseguido salvar o James, ele foi e
é um verdadeiro herói, não se deixou sucumbir ao desespero, lutou
por nós até o momento da colisão, o que seria de nós se ele não
tivesse tentado amenizar os impactos? Havia perdido minha família
num acidente parecido, não suportaria perder o James que era a
única família que me restara, em hipótese alguma eu o deixaria para
trás.
O medo de não sermos encontrados é real, ainda que o sistema
de busca e salvamento seja moderno e eficaz, mas o medo do que
pode não acontecer continua nos assombrando um segundo ou
outro. Tento focar em outras coisas. Patrick está a dormir, James
acorda, toma um pouco de água, mas logo reclama da dor na perna,
o dou um analgésico e ele diz que vai tentar dormir para esquecer a
dor, o deixo descansar. Olho para o Henrick e ele está encolhido
encostado numa árvore próxima, batendo o queixo de frio, quero ir
até ele, mas tenho receio de outra rebordosa. Ou ele é muito
orgulhoso para aceitar a ajuda de alguém ou ele é muito orgulhoso
para aceitar a minha ajuda, talvez as duas coisas. No entanto, não
aguento mais vê-lo nesse estado. Me aproximo dele e constato que
ele está num princípio de hipotermia, sua pele está pálida, tento
movimentar seus braços, mas estão rígidos demais, ele está
tremendo de frio. Pego um galho, enrolo um tecido na ponta e o
molho com pouca quantidade de álcool, passo na fogueira e o
objeto improvisado vira uma tocha. Seguro o galho bem perto dele
para que o calor da chama vá o aquecendo pouco a pouco, já que
ele não me deixa toca-lo, o único jeito que encontro para reverter o
seu quadro é esse.
Abraço as minhas pernas também começando a sentir um pouco
de frio, mas numa intensidade normal, sem tirar de perto dele o
fogo, meu braço está cansado, mas não me entrego. Quando penso
que pegou no sono, me assusto com sua voz me chamando a
atenção.
— Desculpa. — ele se desculpa, mas não é com muito gosto,
claramente é contra sua vontade, dá para ver no seu tom. — Fui um
palermo com você.
— Você não foi, você é. — respondo ácida.
Ele não retruca, apenas fita algum ponto à sua frente, absorto em
seus próprios pensamentos, até finalmente escolher as palavras
certas para prosseguir.
— Esse lance entre vocês é sério?
— Talvez. — dou de ombros, não quero prolongar esse assunto
e acabar sendo pega na mentira por falar algo contraditório.
Ficamos em silêncio um bom tempo, fitando o céu estrelado
sobre nossas cabeças. Como o avião ao que parece foi estabilizado
bem próximo ao solo, ele foi derrubando as árvores a medida que
passava tal como se fizesse um pouso forçado, abrindo assim uma
clareira que era possível enxergar acima de nós.
— Não sei o que é isso que estou sentindo, nunca senti isso
antes. — o encaro, apreensiva do que ele possa revelar. — Me
ajude a descobrir o que é.
— Do que está falando? — meu coração dá cambalhotas já
presumindo do que se tratava essa confissão.
— Não é óbvio?
— Não acho que sejamos compatíveis, você só está a confundir
as coisas e me viraria as costas num passe de mágica. — expresso
minha opinião, ele olha para o chão refletindo o que ouve. — E eu
não quero ter meu coração partido ou ser um brinquedinho pra inflar
seu ego. — acrescento, descrente.
— Quero ser diferente.
— Ninguém muda do dia pra noite.
— Não, mas eu quero mudar... por você.
— Henrick, você deve ter batido a cabeça muito forte e agora
está confuso.
— Quase morri essa tarde com você tendo plena convicção de
que minhas intenções eram imundas e que eu queria você longe de
mim já que não queria me dar o que eu queria. Não vou perder essa
chance de tentar consertar isso. — pela primeira vez vejo Henrick
Sawyer nervoso. — Sua rejeição despertou algo que eu não sabia
que existia dentro de mim.
— Não consigo acreditar em você.
— Me deixe te provar, podemos voltar a estaca zero e nos
conhecermos de novo.
Eu quero me manter firme, não mostrar cair no seu papinho tão
fácil, mas é quase impossível quando seus olhos brilham em minha
direção. Ele aproxima seu rosto de mim, lábios perfeitamente
rosados, olhos hipnotizantes, quando dou por mim já estou perto o
bastante para sentir sua respiração mais pesada do que o normal,
fecho os olhos e espero ansiosa nosso beijo, mas somos
interrompidos pelo Patrick.
— Molly! Meu pé está latejando! — ele urra de dor.
Vou rapidamente ver o seu pé e não encontro nada de diferente.
— Não vejo nada, Patrick.
— Está formigando, devo ter sido picado por algum bicho. — faz
drama.
— Não tem nenhum rastro, nem vermelhidão, nem marcas. —
procuro por algum vestígio de mordida ou picada e não encontro. —
Seu pé deve ter ficado dormente já que estava numa posição só há
algumas horas. Não precisa se preocupar, Patrick, mas pra todos os
efeitos vamos ficar de olho.
— É, deve ser. — ele dá um risinho amarelo, de imediato
entendo que ele fez essa cena para que eu me afastasse do
Henrick.
Ultimamente não tenho entendido as atitudes do Patrick e pelo
visto não iria entender nem tão cedo.
CAPÍTULO 11
Molly Hill
Deveríamos ter levantado um abrigo, pois não sabíamos quanto
tempo podíamos passar no meio daquela mata, mas por essa
primeira e agitada noite só queríamos descansar e esperar otimistas
que o socorro chegasse ao menos no dia seguinte. Não choveu, o
que foi de uma sorte imensa, do contrário, teríamos problemas em
nos aquecer, sem abrigo e sem fogueira.
Fiquei um bom tempo pensando no que o Henrick tinha dito, me
perguntando se era possível que ele estivesse a falar sério, que
quisesse algo comigo, uma parte de mim diz que eu deveria ignorá-
lo porque os efeitos da nossa queda consequentemente podem ter
mexido seriamente com suas emoções e impulsos, já que é comum
quando estamos em uma situação que nos parece sem saída,
tomarmos algumas decisões por impulsividade, decisões que
geralmente em perfeito estado de sanidade não tomaríamos, gera
uma necessidade de que precisamos fazer algo antes que seja
tarde demais, o medo às vezes nos torna corajosos; outra parte de
mim diz que eu deveria dar uma chance a ele, observá-lo, mesmo
que eu dê um passo por vez, que não me entregue totalmente ao
que eu não tenho cem porcento de certeza, o deixando se
aproximar de mim calmamente e cautelosamente.
O sol aparece bem cedo e todos ainda continuam a dormir, faço
um mapa mental de como poderíamos nos dividir, eu e Patrick, para
encontrar mais água, pois a que tinha fora usada para higienização
dos ferimentos, e alguma fruta para comer, mais um dia e nossos
estômagos — antes saciados pelo prato delicioso que saboreamos
no voo — já reclamariam. Para a minha surpresa, escuto o barulho
de um helicóptero se aproximar do local do acidente. Alguns poucos
destroços da nossa aeronave ainda queimam por conta da explosão
e uma nuvem preta de fumaça se espalha acima de nós, mas
estamos suficientemente afastados para não sermos atingidos e
razoavelmente perto para sermos notados. Patrick levanta num pulo
e começa a gritar, balançando os braços de um lado para o outro,
meu corpo reage querendo fazer o mesmo, mas a bolsa do kit de
sobrevivência capta minha atenção e me faz lembrar que nela há
foguetes pirotécnicos que facilitariam na sinalização diurna, então
corro para pegá-lo e acendo, erguendo e segurando em ângulo de
45º a favor do vento para que o rastro de cor alaranjada ficasse
evidente.
— AQUI! — Patrick berra, pulando e se gesticulando
freneticamente.
O helicóptero sobrevoa nossas cabeças e balança lateralmente a
asa, indicando que a mensagem fora recebida e entendida, respiro
mais aliviada com lágrimas de alegria nos olhos.
— O que quer dizer isso? Por que passaram direto? — é a vez
de Henrick questionar.
— Quer dizer que nos viram, vão voltar pra nos resgatar! —
respondo eufórica e, no calor do momento, acabo o abraçando
apertado, ele não retribui, mas também não diz nada.
— Graças a Deus! — comandante Watson demonstra gratidão.
— Minha perna dói como o inferno.
— Vai ficar tudo bem, James. — o lanço um sorriso. — Vão fazer
um trabalho melhor que o meu na sua perna.
— Não seja modesta, Molly! Não sei o que seria de mim sem os
seus primeiros cuidados, você foi excelente!
— Não mais que você, comandante. Você nos salvou. — dou um
beijo em seus cabelos grisalhos, emotiva.
O resgate não demora a chegar, o único problema é a área de
difícil acesso, então os bombeiros tiveram que cortar algumas
árvores ao redor para que o helicóptero pudesse aterrissar e toda
essa movimentação dura cerca de duas a três horas, mas achar
ruim ou reclamar da espera não faz parte do nosso vocabulário, não
sob tais circunstâncias.
Quando a engenharia de asas diagonais que veio nos salvar alça
voo, podemos ver toda a extensão do estrago e tamanho do
acidente lá de cima. Como disseram os profissionais, estarmos
vivos era uma realidade um tanto enigmática para se acreditar.
Infelizmente, tínhamos perdido três passageiros, os três que no
momento do acidente estavam sem cinto, se não fosse por isso,
talvez estivessem entre nós, com ferimentos e fraturas, porém vivos.
Não me culpo por não ter pedido que o colocassem, nem eu, nem
ninguém jamais imaginaria que uma tragédia fosse anunciada. Mas
não havia o que pudéssemos fazer para mudar tal fato.
Somos conduzidos para o hospital. Na frente do mesmo, nos
aguarda um mar de repórteres e jornalistas curiosos, querendo dar
cobertura aos fatos, mas — óbvio — não quisemos comentar a
respeito. Sentada em uma das camas, sou assistida por uma
enfermeira simpática que se utiliza do seu melhor Inglês para falar
comigo, retribuo a gentileza com um sorriso tímido, mas meus olhos
estão mesmo interessados é em olhar o Henrick na cama ao lado,
por ele ser quem é, toda a ala fora fechada para nos atender e,
principalmente, atendê-lo. A enfermeira que mexe em sua perna
checando se há algo errado, provavelmente a pedido dele, já que
antes ele se queixara de dor na perna e não me deixara ver, não
para de tocá-lo e rasgar elogios. Me pergunto em que faculdade ela
aprendeu a ser tão profissional desse jeito, sinto um incômodo em
minhas entranhas, mas não a julgo, se tratando desse homem é
mesmo difícil recolher as mãos e conter os suspiros. Ele procura
algo ou alguém com o olhar no lugar repleto de médicos,
enfermeiras e alguns investigadores do CENIPA21 — que nos fazem
perguntas relacionadas ao momento da queda, principalmente ao
Patrick que era o único que estava no cockpit quando tudo
começou, como comportamento da aeronave, entre outros,
alegando que quanto antes recapitularmos o que houve, mais
chance de não deixarmos passar certos detalhes —, até que duas
orbes azuis encontram as minhas e ele esboça um pequeno risinho
que eu diria que fora de alívio por ter me encontrado. Quero
acreditar que seja isso, mas não posso desconsiderar que possa ter
sido má interpretação minha.
Passamos mais dois dias no Brasil, não porque queríamos, mas
porque tivemos que ajudar na investigação que agora contava
também com funcionários e investigadores da fabricante Cessna.
Henrick suspendera suas atividades e o acordo que firmaria com a
tal empresa sul-americana e a nossa viagem já estava escalada.
Não o vi durante esses dias, creio que porque ele tinha bastante
coisa para resolver, estava entusiasmada para saber como seria
nossa relação de agora em diante, eu precisava de uma distração
para esquecer o terror que passamos se é que não ficaria sequelas
e pavores noturnos. James ganhou uma perna engessada e mesmo
que a pressão de uma viagem de avião pudesse ser desconfortável
para ele por conta disso, ele era o que estava mais agitado para
voltar para casa. Patrick parecia estar bravo ou decepcionado, não
consegui decifra-lo muito bem ou talvez eu estivesse o interpretando
erroneamente e essa bagunça em suas expressões na verdade
fosse a maneira mais fácil que ele encontrara para lidar. Cada qual
com a sua forma de superar tribulações. Mesmo nosso chefe não
estando por perto, ele insistia em me dar um tratamento
diferenciado, com mais carinhos e chamegos, com a desculpa de
que o James precisava nos ver juntos para acreditar na veracidade
do nosso falso relacionamento. Queria pôr um fim nessa farsa, mas
seria complicado demais de explicar para o comandante e nem eu
queria contá-lo a verdade, então teria que aturá-lo por mais um
tempo, não que ele fosse chato ou algo do tipo, mas suas atitudes
recentes não me tinham muito contente.
Voltamos para Nova Iorque como passageiros, o que era uma
novidade. Entrar de novo em um avião nos despertou sensações
diferentes, vou a viagem toda apreensiva, não consigo relaxar de
jeito nenhum, de certa forma todos possuíam um olhar absorto que
contava mais histórias do que talvez alguém estivesse pronto para
ouvir. Não sei se voltaria a trabalhar nem tão cedo, mas após um
espaço curto de tempo eu precisava tentar voltar à ativa, era a única
coisa que eu sabia e queria fazer na minha vida, voar. Fito a janela
ao meu lado pensativa, alheia a tudo quando sinto um peso em
minha mão repousada no apoio da poltrona, conheceria seu toque
mesmo que de olhos fechados.
— Vamos ficar bem. — sorri de lado, eu o acompanho.
Não sei se ele se refere a nós dois ou a todos nós chegarmos sã
e salvos ao nosso destino, mas seu gesto me acalmara. Olho em
volta apreensiva de alguém ter visto, mas James está na poltrona de
costas para mim e o Patrick no banheiro, solto o ar mais suave.
Quando chegamos em casa a recepção não foi diferente, um mar
de jornalistas estava à nossa espera. Por esse motivo, a nova
equipe de segurança do Henrick nos conduz a uma saída mais
discreta e menos usual, mas ao final dela nossas direções são
contrárias e eu não sei como devo agir. Diminuo meus passos para
que Patrick e James fiquem mais a frente, ele que o carregava em
uma cadeira de rodas para evitar esforços em sua perna, numa
determinada bifurcação de longos corredores, Henrick segura meu
braço e eu o encaro surpresa.
— Podemos nos ver mais tarde?
Percebo que seus olhos expressivos gostariam de dizer mais do
que a sua boca fora capaz de falar, ele sustenta um cenho franzido
de quem aguarda intimidado por uma resposta.
— Depois de tudo o que aconteceu, só quero descansar.
Não sei por que quero evitar contato com ele depois dele mesmo
ter insinuado sentir algo por mim, talvez por achar que é audacioso
demais da minha parte me imaginar com um homem como Henrick
Sawyer e toda riqueza que o cerca, simplesmente não somos
compatíveis, nem que quiséssemos.
— Não vou tolerar que fuja de mim. — seu tom arrogante se fez
presente.
— Não sou propriedade sua, Henrick. — digo chateada, estava
demorando para o Sr. “Tenho tudo o que quero na hora que bem
acho prudente” entrar em ação.
— Me desculpe, Molly, meu meio não me ensinou a ser diferente.
Nunca precisei pedir nada.
— E o meu me ensinou a não se curvar pra ninguém. — rebato.
— Não vou fazer o que quer só porque não consegue trabalhar sua
estupidez.
— Molly, você vem? — Patrick me chama num tom de intimação,
apesar de não ter gostado, não contesto, sua intromissão até cai
bem.
O homem à minha frente abre a boca para falar, mas eu ignoro,
me junto ao Patrick e ao James que me esperam há alguns passos,
distantes o bastante para não ouvirem o teor da nossa breve
conversa.
No saguão mais afastado do aeroporto, somos recebidos
calorosamente por nossas respectivas famílias, Olivia corre até mim
assim que põe os olhos em mim.
— Que susto tivemos! Meus Deus, como é bom te ver, Molly! —
me abraça.
— Eu que o diga, mas ainda bem que estamos todos bem, isso
que importa.
— Sim! — minha amiga abre um sorriso relaxado. — O Connor
foi ao encontro do Henrick, ao que parece eles são muito próximos
desde o colegial, como irmãos.
— Certamente é a única pessoa que o atura. — destilo um pouco
de veneno.
— Não é verdade. Os holofotes também o fascinam, mas não
mais do que você. — brinca.
— Ai, ai, Olivia... — maneio a cabeça em sinal de divertimento.
— Mas me conta como foi sua lua de mel... como está sendo seus
primeiros dias de casada?
Mudo de assunto antes que ela prolongue essa nada
conveniente trama. Não nos falamos desde o seu casamento e por
isso tínhamos muita coisa para atualizarmos uma a outra, mas nada
que um café bem passado e uma tarde só nossa não resolvesse.
Depois que passo um bom tempo matando a saudade da Olivia,
sinto meu corpo e mente fadigados, então tomo um banho quente e
vou direto para a cama. No dia posterior, sou acionada a ir até a
empresa assinar alguns papéis da licença que tiraríamos, de pelo
menos quinze dias e ficar a par de uma pequena indenização que
receberíamos mesmo não tendo sofrido nada muito sério, nada
disso fazia diferença para mim, penso que o ser humano não é
como um objeto que possa ser substituído por dinheiro em caso de
perda, é insano e desumano, mas são burocracias e leis que só me
dizem respeito acatá-las sem protesto. Minha maior preocupação é
o que farei nos próximos dias, minha amiga estando ocupada com
sua nova vida, meus companheiros de profissão passando um
tempo com seus entes queridos e eu completamente sozinha.
Ao chegar em casa, não encontro nada de especial, nem a
correspondência chegara para me distrair ou me estressar com
contas a pagar, faço a unha, tiro o excesso da sobrancelha, começo
a ler um livro novo que estava esquecido na minha estante, provo
algumas roupas do guarda-roupa que nunca usei, abro um vinho e
tento me aventurar em algum prato novo, tudo isso e não é nem
cinco da tarde ainda, o tempo está divagando. Tomo minha taça
enquanto me debruço na sacada para ver o movimento dos carros
na rua, todo mundo parece ter alguma coisa para fazer. A
companhia toca e eu estranho não ter ouvido o interfone a fim de
me avisar sobre, franzo a testa e entorto a boca, deixando a taça de
vidro na mesinha de centro e indo atender. Lá fora não tem
ninguém, olho de um lado para o outro e o corredor está vazio, no
chão há um embrulho, o pego e entro. Encaro a caixa em minhas
mãos imaginando o que pode ter dentro, a balanço e o que tem
dentro não faz barulho, parece até estar vazia, se não fosse pelo
peso. Quando finalmente me livro do laço que a envolve, me deparo
com variados tipos de chocolates de uma marca de bastante
prestígio no mercado, é claro que só pode ser de uma pessoa. Pego
o pequeno bilhete para ler e tenho a comprovação de que sim, fora
o Henrick. Mal dá para acreditar.
— “Gostaria de me desculpar pela rispidez em minhas palavras,
não tive intenção de magoar você. Como já deve ter notado, não
sou bom em formular frases que não sejam imperativas, mas não
me leve a mal, estou me esforçando para passar uma melhor
impressão, não que eu precise, mas eu realmente quero.” — sorrio
de canto. — Metido! — digo ao passar os olhos pelas últimas linhas,
balançando a cabeça. — “Espero não estar atropelando seu tempo,
mas seria pedir muito que me desse a honra de jantar comigo hoje?
Afinal, você me deve um jantar, sem café morno dessa vez e sem
bater no meu carro, por favor. Se achar que mereço um minuto do
seu tempo... Me encontre no restaurante Four Seasons às 7 PM.
Atenciosamente, Henrick Sawyer.” — Quem diria que até sua
caligrafia poderia ser espantosamente bonita?! — continuo a falar
sozinha, sem a pretensão de esbanjar coraçõezinhos pelos olhos,
mas o que posso fazer se fui seduzida sorrateiramente com esse
gesto fofo? Quando ele é arrogante e insuportável, eu faço questão
de dizê-lo, então por que não elogiá-lo por esse milagroso feitio?
Que mal faria sair com ele uma vez? Ele só estava se sentindo
agradecido pela minha ajuda na nossa curta sobrevivência. —
minha mente me força a acreditar que é apenas isso. Vou saltitante
tomar um banho e me arrumar, fingindo que minha alegria se dá
puramente ao fato de que vou sair de casa depois de um dia inteiro
desperdiçado sem fazer absolutamente nada de muito útil. O
restaurante escolhido fica no interior de um hotel de luxo situado em
Manhattan, eu tinha que estar à altura. Procuro pelo meu melhor
vestido e para a minha sorte, encontro um que ganhei de presente
da Olivia, mas que nunca me atrevi a usar, na verdade nunca tive
lugar adequado para usá-lo. Tecido acetinado roxo de um lado só,
totalmente justo em meu corpo, deixando uma parte do meu ombro
à mostra, essa era a proposta, componho o look com um salto alto
preto e uma bolsinha lateral de ombro, bem como uma bonita
maquiagem e cabelos encaracolados nas pontas.
Menos de uma hora e meia depois, estou a caminhar por entre
as mesas do refinado restaurante, seguida do maitre que me conduz
até o rooftop, para uma área mais reservada que fora escolhida por
ele. Observo ao meu redor as mulheres vestindo seus mais caros
trajes e esbanjando joias que brilham exorbitantemente e que
devem valer mais do que um ano inteiro do meu salário, os homens
não ficam para trás, seus ternos são suntuosos e exalam poder,
aliás, o lugar inteiro exala influência. O mármore do chão que piso é
de cor clara e reluz de tão limpo e bem cuidado, o ambiente é
sofisticado da escada da entrada até as lindas cadeiras acolchoadas
de dentro num estilo imperial. Os lustres banhados a ouro lembram
as festas que Carlota Joaquina costumava sediar. Fico maravilhada
com toda aquela arquitetura.
Saindo do elevador, avisto sua figura sentada numa mesa que
fica numa espécie de sacada, um tecido fino o separa do restante
do andar, é uma área privativa. O espio por entre a brecha da
cortina, ele está de costas, enfiado em um dos seus belíssimos
ternos, um cinza aparentando linho, blusa social azul oxford e calça
de alfaiataria preta. Mesmo não vendo seu rosto, tenho plena
certeza de que está lindo como todo o resto. De cima, dá para ver
perfeitamente a cidade e seus arranha-céus iluminados, ele não
poderia ter escolhido vista melhor. Me pego ponderando se devo ou
não ir em frente, somos muito diferentes, seu mundo me intimida por
completo, mas desde que sejamos apenas conhecidos trocando
favores, não vejo problema nisso, eu o devia mesmo um jantar e
pelo menos dessa vez não fui ordenada e sim convidada, passível
de responder um sim ou não. Respiro fundo e me preparo para ficar
frente a frente com aqueles olhos que fazem eu me perder num
piscar. Entro e caminho até perto da mureta e por alguns segundos
fico a admirar a vista, antes de finalmente me virar e encará-lo.
— Vejo que alguém resolveu se utilizar do pouco de educação
que lhe restou. — estreito meus olhos e esboço um sorriso
provocativo nos lábios.
— Senhorita Hill. — balança a cabeça cordialmente me
cumprimentando. — Fico feliz em ter aceitado meu convite.
— Uma hora de tortura a mais ou menos com você, que
diferença faz, não é?
— Como sempre debochada.
— Como sempre você sendo você. — não posso deixar de
alfinetá-lo, não há dinheiro no mundo que pague esses nossos
pequenos conflitos.
— Queira se sentar, por favor. — pede amistoso, puxando a
cadeira para mim.
— Obrigada.
Me sento à mesa e ele então pede ao garçom um vinho de uma
determinada safra antiga, demonstrando conhecimento sobre.
— Esse vinho geralmente agrada o paladar das mulheres.
Sei que não fora sua atenção explicitar o quantitativo de
mulheres que já deveriam ter estado com ele, mas não consigo
esconder minha cara de desaprovação e ele logo percebe.
— Deixe-me reformul...
— Não precisa se explicar. — dou um sorrisinho forçado.
— Acho que já podemos pedir as entradas.
— Sim. — engulo em seco, pois um silêncio constrangedor se
formou, é provável que só saibamos discutir ou no máximo
conversarmos sobre o que de alguma forma nos une, o trabalho.
— Como está o comandante Watson? — pergunta depois de um
longo período calado.
— Ele está se recuperando muito bem.
— Molly, eu sei que acha que esse encontro se deu por gratidão
da minha parte, o que não exclui o fato de que realmente eu me
sinto grato pelo que fez por mim, mesmo eu não fazendo por onde
merecer...
— Às vezes é preciso passar por cima do orgulho quando não
passam por cima da prepotência. — dou um gole na minha taça
antes que eu solte mais algum shade.
— Mas eu quero conhecer você de verdade. — assume. —
Dividimos até o mesmo posto de padrinhos e eu nem ao menos sei
quem realmente é, por trás da mulher que finge ser.
— Pensei que soubesse absolutamente tudo a meu respeito,
afinal, você é o Sr. Dono do Mundo ou o quê? — declaro atrevida,
acho que o vinho está deixando minha língua mais solta.
— Sempre fugindo do assunto...
— Você mais do que ninguém deveria saber que eu não finjo ser
quem eu não sou pra agradar alguém.
— Você criou uma armadura em volta de si que te impede de se
permitir e eu aposto que tem a ver com os seus pais.
— O rumo dessa conversa está muito inapropriado. — me
levanto, jogando o guardanapo de papel com rispidez em cima da
mesa.
— Não, não. Me perdoe. — ele me acompanha. — Não foi minha
atenção. — segura em meu braço.
— Já percebeu que você diz nunca ter intenção, mas vive
machucando as pessoas? — respondo, magoada.
— Molly, me escuta, não foi por querer. — aperta um pouco mais
o meu braço.
— É sempre sem querer.
— Quantas vezes mais vou ter que dizer que estou interessado
em me dar bem com você? — seu tom opressor está impregnado
em tudo que sai pela sua boca. — Não espere que eu me rasteje
por você porque eu não vou, já deixei claro as minhas intenções e
não acho que preciso repetir.
— Tá vendo? Com você é tudo uma questão de soberba, de
achar que todos têm que fazer o que você quer e na hora que você
quer. Como posso me dar bem com uma pessoa dessas?
— Você é muito complicada.
— Diz isso porque eu vou contra tudo o que você espera, porque
está fadado e acostumado a não ter trabalho nenhum com as
mulheres que dá em cima.
— Você é mesmo muito chata.
— Muito. — quase rosno. — E não pretendo facilitar as coisas só
porque de repente resolveu achar que esse seu coração de pedra
pode ser capaz de vir a sentir algo.
Eu deveria bater o pé e ir embora como o meu cérebro está
pedindo insistentemente, mas por alguma razão continuo parada a
olhá-lo. Ele caminha até a mureta e se apoia nela, a segurando
firme e quase a apertando de fúria. Henrick olha para o chão e fecha
os olhos com força como quem recupera a paciência e depois me
encara, erguendo uma das sobrancelhas com a feição séria.
— Você também me quer, Molly. — ousa dizer com petulância.
— É preciso mais do que desejo pra sustentar qualquer laço que
seja com você.
Fito um ponto imaginário à minha frente, tentando não manter
contato visual com ele, se não eu ficaria à mercê dos seus encantos
e iria por água abaixo tudo o que deixei claro nesse encontro.
— Obrigada pelo jantar. Estamos quites agora.
Dou as costas, indo em direção as cortinas que dividem o
espaço, mas antes que eu possa fazer meu trajeto, sou
desprevenidamente puxada num sopapo, meu corpo vai
arriscadamente de encontro ao dele. Esse encontrão provoca um
formigamento na minha barriga já conhecido por mim e ondas de
eletricidade por todo o meu corpo, minha pele se ouriça com esse
pequeno contato. Uma onda de calor sobe e meu sangue esquenta,
abro a boca para falar, mas a voz se perde, não consigo fazer outra
coisa a não ser contemplar aqueles olhos num tom acentuado mais
escuro que intercala entre meus olhos e minha boca. Merda! Fui
despretensiosamente domada por Henrick Sawyer.
CAPÍTULO 12
Molly Hill
— O que você vai fazer? — minha garganta seca e minha voz
falha ao vê-lo aproximar seu rosto do meu.
— Não parece óbvio? — ele responde, fazendo eu parecer uma
idiota por questionar o que é evidente.
Henrick sela nossos lábios e pede passagem para aprofundar o
beijo, sem pensar duas vezes o dou. Por mais que houvesse uma
urgência contida em ambos por aquele toque, o beijo ocorre de
forma lenta, nossos movimentos parecem sincronizados e
cronometrados. Uma de suas mãos aperta minha cintura e a outra
se embrenha em meus cabelos e o puxa suavemente, me causando
sensações diversas. Seu gosto é indescritível e misturado as notas
adocicadas do vinho que tomamos se torna ainda melhor, minhas
pernas por um breve momento ficam bambas.
— Quando eu estou com você, eu sinto coisas que não sei
explicar. — revela, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha.
— Tenho medo de você só estar confundindo as coisas, não vou
negar. — digo, me desvencilhando do seu abraço e indo encarar a
paisagem em nossa frente para ignorar seu olhar que pesa sobre
mim.
— Não posso prometer não ser um rabugento às vezes porque
infelizmente é quem eu sou, mas posso prometer tentar mudar. —
ele segura minha mão. — A ideia de perder isso que temos me
desagrada.
— Não temos nada. — refuto, geniosa.
— Essa tensão no ar e ânsia de provocar um ao outro sempre
que nos vemos é de certa forma o que nos aproxima, só não ver
quem não quer, quanto mais nos repelimos, mais próximos ficamos.
— Eu não sei, não parece certo... — olho para o chão, pensativa.
— Eu pedi que tirassem sua tripulação do meu convívio, mas
depois daquele dia na festa... não consigo tirar você da cabeça. E a
simples menção de não poder mais vê-la, incomodou como nunca.
— Como posso acreditar em você?
— Me deixando te provar que quero mudar.
— Tudo bem. — aceito, mas pondero por alguns segundos.
Não demoramos muito no restaurante, vamos logo para a minha
casa, quero passar mais um tempo com ele, mas acho que preciso
ir com calma e ir impondo alguns certos limites, aprender a andar
antes de correr, então peço para que ele apenas me dê um carona.
Ao chegar no meu prédio, ele insiste em me levar até a porta do
meu apartamento por questão de educação e eu não contraponho,
também quero vê-lo um pouquinho mais. Subimos no elevador
trocando olhares apenas. A porta se abre, ele põe a mão em minha
lombar e me dá espaço para que eu saia primeiro, lanço um
sorrisinho tímido, surpresa por seu cavalheirismo. Alguns passos e
damos de cara com o Patrick sentado na poltrona do corredor,
próxima a janela, quase de frente para a minha porta.
— Patrick? O que faz aqui? — enrugo a testa.
— Seis chamadas encaminhadas pra caixa postal, é claro que eu
suspeitei que algo estava errado. — ele balança o celular em mãos
e encara o Henrick atrás de mim como se fosse trucidá-lo apenas
com um olhar. — Mas como eu poderia imaginar isso? - desdenha.
— Não é o que você está pensando.
— Ah, não?
— Henrick, obrigada pela noite e por ter se preocupado em me
trazer aqui em cima, mas eu preciso conversar com o Patrick, se
não for pedir muito. — peço meio sem jeito, sem saber como me
despedir.
— Eu que agradeço pela noite deliciosa. — afaga meus ombros,
provocando o Patrick com suas palavras ambíguas.
— O que foi que você falou? — Patrick se arma, levantando e
vindo até nós.
— Além de intrometido é surdo?
— Ei, parem os dois. — me coloco na frente do Henrick quando
ele dá alguns passos em direção do Patrick. — Só saímos pra
jantar. Henrick, por favor.
— Já estou indo, vai ficar bem?
— Sim, obrigada.
Henrick para seu olhar no Patrick por alguns segundos o
intimidando e nos deixa contra sua vontade. Se eu tivesse sido
sensata o bastante para conversar com o Patrick antes, não seria
necessária essa cena patética entre os dois. Preciso esclarecer logo
de uma vez o que está acontecendo, antes que as coisas piorem e
nossa amizade seja prejudicada, não só para ele, como para o
James também, mesmo estando envergonhada por ter ido contra
todos os seus alertas. Lutei desde o princípio para não ceder, mas
quando se trata de sentimentos não há uma garantia de que tudo
saia como planejado, além do mais que se ele quer me mostrar que
mudou, nada mais justo que eu dar esse segundo voto de
confiança, ainda que eu venha a me machucar eventualmente.
— Precisamos conversar. — dou início a conversa, depois de
respirar fundo criando coragem para isso.
— Você tá saindo com ele?
— Saímos uma vez, hoje.
— E você me traiu.
— Eu e você não estamos juntos.
— Mas pra ele estávamos pra todos os efeitos, não foi esse o
acordo?
— Essa invenção sem pé e nem cabeça foi pra trazer você de
volta pro time, e claro, fazer ciúmes no Henrick caso ele sentisse
algo. Nosso emprego está seguro e eu já consegui a prova que
precisava, então podemos pôr um fim nisso. Sinto muito ter
envolvido você nessa.
— Você me usa e me descarta quando convém? — diz,
ressentido.
— Não fale como se eu tivesse te enganado, porque você sabia
de tudo desde o início e aceitou. Meu erro foi ter levado essa farsa
longe demais.
— Esse cara não gosta de você. Acorda! Ele só mudou a postura
pra te ter mais fácil. O que você sabe sobre ele, Molly? — insiste.
— E o que você sabe sobre ele, Patrick? Isso é alguma
resistência fraternal ou o quê? Não tenho entendido suas atitudes
controversas.
— Eu me apaixonei por você. — responde na lata e sem rodeios.
— Claro que não foi do dia pra noite, mas essa farsa só me fez ter
certeza.
Ele acusa e é como se um balde de água fria tivesse sido jogado
em cima de mim. Preciso confirmar novamente para ter a certeza de
que ouvi certo.
— Quê?
— Não pude prever que isso aconteceria. Me desculpe.
— Nós somos amigos e eu sempre deixei muito claro isso.
— Por que acha que eu topei essa loucura? Porque eu estaria
perto de um jeito que normalmente você jamais permitiria, ia te
conquistar aos poucos e ao final íamos ficar juntos, você finalmente
enxergaria que ele não vale a pena...
— Patrick, eu e você nunca foi uma opção, eu te vejo como um
irmão.
— Você está cega e não percebe que ele nunca vai ser capaz de
gostar de você. — ele senta do meu lado, abrandando a voz. — Ele
não é homem pra você, Molly. Ele só quer te exibir como um troféu,
como a mulher que disse que jamais ficaria com ele... e no fim
voltou atrás. Você merece mais do que isso.
— Eu estou disposta a mergulhar na piscina, ainda que ela não
tenha água. — puxo minha mão que ele começou a acariciar. — E
se ao fim de tudo isso eu me machucar, são consequências de uma
decisão que tomei, nem você e nem ninguém tem nada a ver com
isso. — me levanto e abro a porta, o convidando explicitamente a ir
embora. — Me desculpe por estar sendo grossa, mas é melhor que
essa conversa termine por aqui pelo bem da nossa amizade.
— Um dia você vai me dar razão. Henrick Sawyer é o tipo de
homem que vive de aparências, se ele parece mudado pra você
agora, certamente é só uma farsa pra atingir o que realmente quer.
E eu espero que você não se dê conta disso tarde demais.
Bato a porta extremamente irritada por ele ter se aproveitado
disso para se colocar em evidência, tentar me manipular contra o
Henrick. O considero um amigo desde que entrou para nossa crew,
nunca fui desleal com ele para ele estar agindo de má fé, se
utilizando de uma fragilidade minha para impor suas convicções.
Seu tom ao sair e olhar fixamente para mim por alguns minutos fora
ameaçador, meu medo de tudo o que falou ser verdade só não é
maior do que o dele interferir minha nova, seja lá o que esteja se
desenvolvendo entre mim e o Henrick, de algum jeito por puro ego.
Me livro das minhas roupas e deito de bruços na cama, fitando a
carta que recebi do Henrick. Seria muito mau-caratismo ele ter o
cuidado de providenciar essas pequenas gentilezas apenas em prol
de ir para cama comigo e ter sua vaidade enaltecida, não acho que
ele perderia tempo com uma besteira dessas, mas considerando
que não o conheço e não sei se suas intenções realmente se
distorceram positivamente de uns meses para cá, decido adiar essa
parte pelo tempo que eu achar necessário, se ele estava
interessado em mim, que fosse por outros atributos que presumo
ter, não sexo, pelo menos não por enquanto. Henrick Sawyer teria
que conquistar minha confiança assim como eu me dispus a me
deixar ser conquistada, só assim eu teria certeza dos seus
sentimentos. Pego no sono e acabo sonhando com um par de olhos
azuis que tem feito meu coração dar cambalhotas ultimamente.
CAPÍTULO 13
Molly Hill
Não tenho notícias dele nos dias seguintes, esperava uma
satisfação, mas não temos nada de fato, nada que eu possa cobrar,
então me contento com a presunção de que provavelmente ele
tenha viajado. Eu não tinha muito o que fazer para ocupar o meu
tempo, percebi que meu trabalho consumia e preenchia todas as
minhas horas e agora que estou afastada, continuo não
conseguindo pensar em outra coisa, mas dessa vez eu não podia
voar e respirar novos ares, não ainda. Pondero seriamente a
possibilidade de voltar antes do estipulado, ainda que a ideia de
pisar dentro de uma aeronave me deixe tensa ou apreensiva,
contudo, é a única coisa que sei fazer na vida.
Sou intimada pela Olivia a passar uma tarde em sua mansão
com o Connor, pois os dois estavam a promover a primeira pool
party em conjunto depois de casados. No horário combinado
apareço por lá, me impressiono com a imponência de todo aquele
lugar, eu não mudaria absolutamente nada, todos os detalhes me
parecem perfeitos e por isso estranho alguns cômodos estarem em
reforma. Mas é claro que ela como uma maravilhosa arquiteta não
perderia essa oportunidade de colocar a mão na massa fazendo o
que gosta e deixar qualquer minúsculo espaço da casa a sua cara, é
bem do feitio dela, não a julgo.
— Seguindo minuciosamente o conselho do Connor de se sentir
em casa, Olivia? — dou risada e a abraço.
— A casa é linda, mas o Connor não entende nada de nada,
venhamos e convenhamos. — gargalha. — Nada que meu olhar e
minha mente criativa não dê jeito.
— Estou vendo.
— Vem, vamos pra piscina! — entrelaça seu braço ao meu me
puxando à la Olivia. — Está um lindo dia lá fora. — ela ergue o seu
drink.
Coloco minha bolsa em um dos quartos de hóspedes e levo
comigo somente o necessário. No caminho até a piscina,
encontramos o Connor que me estende uma cerveja e eu aceito
sem pestanejar, meu paladar aprecia bebidas mais trabalhadas e
sofisticadas, mas um dia de sol e calor simplesmente pede uma
gelada, não posso desdenhar minha sede. Há pessoas em todo o
ambiente externo, dentro e fora da piscina, e uma música latina está
a tocar, não conheço mais ninguém ali, então tiro minha camiseta e
abro o zíper do shorts jeans, mas não o tiro, me deito na
espreguiçadeira ao lado da anfitriã.
— Como vão as coisas com o bonitão? — a curiosa que me faz
companhia pergunta.
— Ele se declarou pra mim, quer dizer, não sei se declaração é a
palavra certa, mas ele disse que quer me conhecer melhor.
— E...? — me incentiva a continuar.
— E estamos saindo.
— Bem que eu te disse!
— Você diz muitas coisas. — sorrio das conclusões mirabolantes
que passam em sua cabeça.
— Já tirou a prova da única parte do corpo dele que não está
exposta? Se é igualmente gr...
— Já entendi, Olivia. — a interrompo, virando os olhos. — E a
resposta é não, quero ir com calma, ainda não vejo firmeza nas
reais intenções que o Henrick me apresenta. Postergar isso cai
como um teste perfeito.
— Bem, só não sei se você vai conseguir se segurar por muito
tempo. Por Deus, como aquele homem é hot!
— O que é hot, ladies? — Connor aparece de supetão e eu
prendo a risada.
— O clima está hot, meu amor! — ela diz com um semblante
descarado, se abanando. — Ótimo para um mergulho, que tal?
Olivia levanta e o puxa em direção a piscina, seu recém esposo a
acompanha sem hesitação, mas antes que os dois se joguem, ela
para abruptamente e apenas ele cai em cheio, espalhando água
para tudo quanto é canto. Ela se diverte com a cena e eu muito
mais, ver o Connor ser driblado por essa baixinha é de fato hilário.
— 1 x 0 pra você. — digo, me referindo a minha amiga, mas ele
escuta.
— Viro o placar hoje à noite, ela sabe muito bem q... — ele
retruca falando mais alto do que deveria.
— T-tá bom, querido. — gagueja, suas bochechas pálidas
ruborizam. — A Molly realmente não precisa saber desses detalhes
sórdidos.
E eu achando que era impossível vê-la nesse estado...
— Uhum, a propósito nem aqui estou. — dou um gole na minha
cerveja.
— Molly, eu sei que o seu último relacionamento foi um desastre
e que o Henrick é meio que uma caixinha de surpresas, entendo sua
cautela, mas você não acha que tem que parar de pensar um pouco
e se jogar mais? — ela volta ao assunto quando Connor se afasta,
sentando de frente para mim.
— Meu último relacionamento não foi um desastre.
— Não? Você estapeou um cara durante uma foda só porque,
erm, você sabe, lembrou dos seus pais.
— Eu não estava com cabeça pra essas coisas na época. —
entorto a boca, meio incomodada. — Aquele relacionamento foi um
erro e não foi bem assim que as coisas aconteceram. Eu só tive um
súbito pânico.
— Depois que a tia Sara e o tio Joe se foram, você se fechou
numa concha, só vive em prol do trabalho, eu sei que isso te
aproxima deles, mas você precisa superar e seguir em frente, minha
amiga.
— Estou tentando.
— Sim. — ela comprime os lábios, concordando só por não ter
mais o que dizer, mas é visível que eu não estou tentando, ou talvez
não o tanto que gostaria. — Só quero que seja feliz. - acaricia minha
bochecha. — Com o Sr. Perfeição ou não, e por falar nele...
— Não me diga que ele está aqui. — quase vou me
escorregando da cadeira a fim de me esconder.
— Acabou de chegar e pelo visto não entendeu o conceito de
festa na piscina. — Olivia abaixa os óculos até metade do nariz para
analisar o que vê, incrédula.
— Não sei se estou preparada pra dar de cara com o Henrick,
ele é o tipo de pessoa que não pode simplesmente chegar assim do
nada, deixa qualquer ser humano nervoso. — digo, sentindo meu
coração bater mais acelerado no peito.
— Você tem dois minutos pra preparar o psicológico então, o
psicológico e a sua amiguinha aí de baixo porque ele está vindo pra
cá, gostoso como o diabo, com todo respeito. — não sei se me
divirto com sua descrição ou fico ainda mais apreensiva.
— Morris. — seu tom grave anuncia sua chegada a
cumprimentar a Olivia.
— Eu mesma. — ela abre um sorriso convencido.
— Por que não quis o sobrenome do Connor?
— Porque eu tinha uma carreira antes dele, meu sobrenome é
marca registrada e já que ele não liga... — dá de ombros e encerra
o assunto.
— Senhorita Hill. — Henrick me olha pela primeira vez, achei que
ele iria mesmo me ignorar, mas logo se afasta e tudo não passa de
um breve aceno de cabeça.
— Já deu pra ver que se você casar com ele vai ter que usar o
sobrenome dele na marra, né? Porque se ele abrir mão disso o pinto
dele cai. — debocha.
— Que casar o que, Olivia, esse cretino mal olhou na minha
cara! — bufo indignada. — Não é possível que ele vai fingir que
nada aconteceu.
— Não sei o que se passa na cabecinha dele, mas você vai tirar
esse shorts e colocar essa raba pra jogo, mostre que não se importa
e se divirta. Que se foda Henrick Sawyer!
— Tens razão! Não sei o que o fez se arrepender de tudo o que
falou aquele dia, mas eu que não vou ficar aqui chorando as
pitangas enquanto ele age normalmente.
Henrick está sentado à mesa, próximo a piscina, debaixo do
guarda-sol, lendo um jornal, com uma bermuda bege e uma blusa
branca de malha, seus óculos de sol não me entregam se ele está a
observar minha conversa com a Olivia, que mesmo que não dê para
ouvir, percebe-se um semblante de desagrado em meu rosto. E
mais, quem em sã consciência vai para uma festa na piscina para
ler jornal?
Viro o restinho de cerveja com sangue nos olhos e me levanto
para tirar minha peça inferior, ficando apenas de biquíni, um modelo
asa delta fio dental na cor vinho, sabia que chamaria atenção dos
homens ali pelas minhas curvas e sensualidade dentro daquele
minúsculo pedaço de pano e por isso não quis tirar meu shorts
antes, mas é a ocasião perfeita para atrair olhares e provocá-lo. Ele
gosta de brincar comigo, mas ao invés de entrar e aprender a jogar
o seu jogo, jogarei meu próprio. Tiro meus óculos de sol e entro na
piscina, nado por alguns minutos de um lado a outro aproveitando a
temperatura da água, como se sua presença naquele recinto não
surtisse efeito algum em mim e eu estivesse apenas a contemplar
minha existência, e de certo modo estava. Quando por fim saio, dou
a volta na piscina, passando por um grupinho de caras que falam
algo que eu não presto atenção e passo bem por perto de onde o
Henrick está e aí que percebo que tenho toda a sua atenção. Sorrio
vitoriosa.
— That’s my girl! — Olivia me elogia, erguendo seu drink como
se estivesse a brindar. — Ah não! — a feição dela muda com
alguma coisa que ela vê atrás de mim. — Molly, não cai nessa
provocação!
Me viro na direção do seu olhar e, assim como todas as
mulheres ao redor, encaramos o Henrick que resolveu tirar suas
vestes e mostrar seu corpo perfeitamente malhado em uma sunga
preta que realça muitos atributos. Ele pede para uma loira ao seu
lado colocar protetor solar em suas costas e barriga definida e ela
obviamente faz isso da melhor forma que pode, se aproveitando da
situação. Não sei se fico enciumada e com raiva ou com inveja das
suas mãos estarem onde eu gostaria que as minhas estivessem.
Seu risinho preso nos lábios só comprova que ele quer me testar.
Ele entra na piscina e nenhuma de nós consegue mudar o foco do
nosso olhar ao ver sua comissão de trás redondinha ser exibida e
seus braços fortes e largos a nadar o melhor crawl possível.
— Argh! Me recuso a continuar aqui babando por esse filho da
mãe. — reviro os olhos e entro dentro da casa à procura de um
banheiro.
Me olho no espelho e decido prender o cabelo num rabo de
cavalo. Respiro fundo tentando controlar minha mente, quero ficar
alguns minutos sozinha longe dos comentários e olhares das outras
mulheres que só tornam tudo ainda mais difícil para mim, ele é
realmente alguém impossível de ignorar, principalmente diante dos
últimos acontecimentos. Ando o longo corredor rumo ao quarto que
deixei minhas coisas, quero pegar meu celular para ter o que fazer e
onde olhar que não seja em sua direção, mas antes que eu alcance
a maçaneta da porta, sou imprensada com força na parede,
despretensiosamente lembro da primeira vez que isso aconteceu no
hotel que estávamos hospedados e eu o dei um fora, sorrio quase
que automaticamente.
— Acho que não foi uma boa vir atrás de você, agora eu quero te
prender aqui e não te deixar ir a lugar algum. — Henrick me encara
muito próximo a mim.
— Pensei que estivesse viajando.
— E estava, mas pousei em NY há algumas horas e recebi uma
mensagem do Connor dizendo que você estava aqui. Odeio festa.
— É mesmo? Não me pareceu. — arqueio a sobrancelha, o
confrontando de cabeça erguida.
— Você pediu por isso, Molly. — seu sorriso cafajeste aparece.
— O que está fazendo aqui? Se me lembro bem você mal olhou
pra mim quando chegou. — cruzo os braços quando nossos corpos
se descolam o suficiente.
— Se olhasse por mais um pouco, seria capaz de não controlar
meus instintos.
Minha raiva some como fumaça depois de ouvir isso.
— É? — umedeço os lábios provocativa e aproximo meu rosto do
seu, ele mal pode conter a intercalada de olhar entre meus olhos e
minha boca. — E o que os seus instintos estão dizendo pra fazer
agora?
Ele avança o sinal para me beijar, mas eu me esquivo, antes que
suas mãos toquem meu corpo e me tenha presa ali. Faço o caminho
contrário que pretendia, paro apenas para lançar um olhar instigante
e ao mesmo tempo malcriado. Ele me fita sem entender e o volume
em sua peça de banho denuncia suas reais intenções, que de
maneira alguma se diferencia da minha, mas preciso mostrar que
estou no controle e que não vou ceder nem a um beijo se ele
continuar me confundindo dessa forma.
— Aceitei deixar você me conquistar, só não disse que seria fácil.
— pisco o olho.
— Molly, Molly! — ele balança a cabeça dando um sorriso
anasalado, entendendo meu recado.
Óbvio que eu já tinha sido fisgada, mas faria o máximo para
dificultar as coisas, não que eu realmente quisesse isso, mas ele
precisava entender que embora eu estivesse gostando de brincar
com ele, eu queria mais e ele só me teria quando eu quisesse e
achasse oportuno, não quando ele viesse até mim tendo plena
convicção de que eu faria o que quisesse porque não conseguia
lutar contra suas investidas. Ele teria que suar por um simples beijo
meu, só assim iria valorizar nós dois.
CAPÍTULO 14
Molly Hill
Tomo uma água e faço hora na cozinha para despistar o Henrick,
quando acho que é seguro refazer meu caminho de volta sem
esbarrar com ele, resolvo voltar. Tomo um banho me livrando da
água de cloro da piscina e coloco uma roupa casual, porém
quentinha, o clima está a esfriar, então visto um shorts de moletom e
para completar ponho um casaco, deveria pôr uma calça para
circular pela casa, mas como não pretendo ir além do espaço de
dentro, não me importo. Olho pela janela e a festa ao que parece
teve seu fim, as únicas pessoas que ainda estão lá são os
funcionários fazendo a limpeza. Suponho que só esteja eu, Olivia e
o Connor, então desço, meu estômago dá sinal que não comi
nenhuma comida sólida até agora.
— Molly! — encontro a minha amiga ao chegar no pé da escada.
— Já ia pedir pra te chamarem pra o jantar.
— A festa terminou cedo. — digo observadora.
— Mas é claro! Antes que enchessem a cara e eu não
conseguisse mais colocar ordem em ninguém.
— Boa tática.
— Você vai dormir aqui hoje, né? — ela pergunta num tom de
afirmação. — Meus planos pra hoje à noite não são extravagantes,
podemos ver um filme ou, sei lá, apenas degustar um vinho dos
deuses que o pai do Connor trouxe, mas quero sua companhia.
— Durmo sim.
— A propósito, meu padrinho também vai se juntar a nós.
— O Henrick?
— Não me lembro de ter outro. — zomba.
— Pensei que ele fosse alérgico a tudo que nós meros mortais
gostamos. — mal termino de falar e ela me olha com uma cara
estranha, confirmando a pior das minhas suspeitas, ele estava a
ouvir tudo.
— Parece que eu sou o centro de todos os seus pensamentos,
huh?
— Não seja besta, eu jamais perderia meu precioso tempo a
prestar atenção em alguém tão metido como você.
— Além de grosseira, você mente muito mal. — ergue a
sobrancelha com ar de superioridade.
Lanço um olhar de desdém para ele não querendo dar enfoque a
essa discussão besta ou se não íamos ficar ali por horas. Connor
aparece para dizer que o jantar fora servido e então vamos até o
outro cômodo da casa. Por coincidência ou implicância, Henrick
senta de frente para mim, de tantos lugares disponíveis ele escolhe
o mais descabido só para poder distribuir suas frases prontas
ridículas que me tiram do sério em questão de segundos.
Inusitadamente, para o meu alívio, ele e o seu amigo conversam
sobre novos projetos, mesmo sob o protesto da Olivia de levar
trabalho para a mesa, ignorando totalmente minha presença. O
clima vai bem até minha amiga levantar um ponto relevante que
pesa o ar, pensei que nenhum dos dois estavam prestando atenção
em nós duas, mas o Henrick logo nos encara como se fosse um
assunto proibido a ter sido trazido à tona.
— Amiga, temos que marcar de escolhermos nossos vestidos
pra festa.
— Que festa? — pergunto, me sentindo um peixe fora d’água
naquela conversa.
— A festa de comemoração pelos trinta e cinco anos da primeira
empresa do Sawyer que será semana que vem.
— Se o responsável não me convidou ou sequer tocou no
assunto, certamente é por que não me quer lá, Olivia.
Respondo calma e beberico do meu suco, não querendo
transpassar meu aborrecimento. Henrick não tinha obrigação
nenhuma em me convidar para nada, mas para alguém que estava
se empenhando em se aproximar de mim, ele deveria ter ponderado
essa ideia, a menos que não queira que ninguém me veja ao seu
lado, tendo tantas outras presenças ilustres e mais interessantes do
que eu, uma mera funcionária sua.
— Se ela se sentir à vontade pra ir... — ele começa e eu o
interrompo.
— Eu falo por mim, Henrick. — insulto. — O pronome “você”
encaixa melhor nessa sua frase e não, não faço questão alguma de
ir. Com licença. — me levanto e deixo a sala, Olivia me acompanha.
— Eu não sabia, Molly, achei que ele tinha te convidado já que
vocês estão conversando mais. — Olivia se desculpa se sentindo
culpada.
— Você não tem culpa, Olivia, como poderia prever que ele seria
tão insensível a esse ponto?
— Não entendo mesmo por que ele não te convidou.
— Porque ele não quer que a alta sociedade que vive o veja com
alguém que está abaixo dele, não é óbvio?
— Tenho certeza que não é nada disso, Molly.
— Tanto faz, não me importo. — jogo os ombros.
— Vamos assistir um filme? — propõe.
— Não estou no clima. — respondo sem ânimo. — Vou pra sala
de jogos, pode ser?
— Claro, ao final desse corredor. Mas não vou deixar você ir sem
uma boa taça de Château Haut-Brion de 1787, o pai do Connor
rasgou elogios pra essa safra.
— Se ele é bom a ponto de acalentar um coração iludido, já
gostei. — brinco, mas no fundo estou mesmo entristecida por não
ter sido reconhecida para ir a uma festa boba, ao que tudo indica eu
só sirvo para ele querer se divertir e passar o tempo.
O vinho é mesmo muito bom, mas me contenho em tomar
apenas duas taças, ficar alegrinha no mesmo ambiente que o
Henrick não costumava ir bem, ainda que eu tivesse chateada com
ele, acabaria afrouxando as amarras.
— Vou levar o Connor pro quarto pra assistir um filme ou encenar
nosso próprio filme, se é que me entende.
Viro os olhos dando risada e vou para a sala de jogos. Deixo
minha taça na mesinha ao lado da mesa de sinuca e alinho as bolas
para começar a jogar na tentativa de me distrair, adorava fazer
competições com o meu pai, competições essas que por algum
motivo eu sempre ganhava, por ser realmente muito boa ou porque
ele deixava, infelizmente nunca vou descobrir. Diferente das outras
vezes, lembrar desse momento nostálgico dessa vez não me faz
chorar e sim abrir um sorriso por ter dividido esse mundo com um
homem incrível como ele, mesmo que por breves anos. Quinze
minutos e eu já havia acertado boa parte das bolas. Me debruço
sobre a mesa para tentar encaçapar a única bola que parece que
está de birra comigo e quase morro de susto quando escuto a voz
do Henrick.
— Espero não ter atrapalhado sua última jogada, mas é que a
visão que estou tendo daqui é deliciosa.
— Não tem mais o que fazer Sr. Sawyer? — o encaro de saco
cheio, me apoiando no meu taco, esperando uma resposta
plausível.
— Escutei sua conversa com a Olivia.
— Além de insuportável é enxerido.
— Não tinha pretensão de te convidar mesmo. — ele põe as
mãos no bolso. — Mas não pelo motivo que você pensa.
— Eu estou pouco me fodendo pra sua festinha idiota regada a
mulheres e soberba. — refuto mal-humorada. — Agora se me der
licença eu vou dormir, não sou obrigada a ficar aqui olhando pra sua
cara cínica.
Para a minha surpresa, passo por ele sem problemas, encostado
na porta ele está, encostado na porta ele continua. Volto para o meu
quarto pisando firme, gostaria de falar muitas coisas para o Henrick,
mas não ocupo posição alguma para isso e nem perderia meu
tempo e sono com bobagem, as provas da sua falta de caráter
chegavam até mim sem que eu me esforçasse para descobrir. Entro
na suíte para escovar meus dentes e meus ouvidos supõem ter
escutado a porta bater, mas concluo que deve ter sido o vento na
janela já que a esqueci encostada. Puxo o edredom para me deitar
na cama e quando eu me inclino para subir, sinto uma mão gelada
na minha cintura por debaixo do casaco. Um gritinho de susto
escapole da minha boca.
— Qual o seu problema, inferno?! — levanto a voz fula da vida, o
empurrando, mas ele simplesmente cola seu corpo ao meu. — Não
aprendeu a anunciar sua chegada? Não sou obrigada a passar
sust...
Não consigo concluir meus insultos, ele me puxa para um beijo.
Quase me debato em seus braços para que ele me solte, mas
quanto mais eu reluto, mais ele pressiona seus lábios aos meus
com força. Minha mente reflete por míseros segundos se eu quero
que ele me deixe em paz e vá embora ou se quero sentir seu gosto
que só de lembrar já me tem vencida, ao final, faço o que qualquer
mulher no enlace desse homem faria, agarro seu pescoço e o deixo
aprofundar o beijo. Sua boca está com gosto de vinho misturado
com hortelã do que eu presumo ter sido algum enxaguante bucal
tornando seu hálito refrescante e delicioso. Henrick embrenha uma
de suas mãos em meus cabelos e o puxa selvagemente de um jeito
que nunca o fez, quando dou por mim já estou deitada com ele por
cima de mim, sentindo sua ereção em meu ventre. Sorrio entre o
beijo ao ver que seu desejo por mim que sempre fora evidente,
tomou proporções maiores e se assemelha ao meu, minhas partes
pulsam e ficam molhadas com suas mãos apertando minha cintura,
mas junto toda a sanidade e bom senso que me resta para impedir
que esse beijo vire outra coisa.
— Henrick! — o chamo, mas ele não me dá ouvidos. — Henrick!
— o empurro com a voz mais firme.
— O que foi caralho? — responde ofegante e raivoso.
O pouco que posso ver do seu rosto com a baixa luz que vem do
abajur me mostra seus olhos num tom mais escuro e seu cenho
franzido como quem está irado por ter sido atrapalhado, o que é
compreensível.
— Não. — enfatizo, lembrando do motivo pela qual estou
chateada. — Não quero você aqui.
— O seu corpo está dizendo o contrário. — sorri de lado.
— Não quero você aqui, Henrick. — repito.
Ele bufa e sai de cima de mim, se jogando ao meu lado. Pousa
seus braços na testa fitando o teto e por alguns segundos o silêncio
e nossas respirações descompassadas são as únicas coisas que se
pode ouvir.
— Meu sócio vai estar lá e se você acha que eu sou um
cafajeste, acredite, ele é muito pior.
— Que belo par pra tocar os negócios, deveriam abrir uma casa
de strip. — debocho. — O que uma coisa tem a ver com a outra?
— Sua falsa modéstia soa patético, Molly. — diz rude.
— Você vem no meu quarto sem ser convidado, me beija contra
a minha vontade, me dá uma desculpa esfarrapada e depois ainda
me xinga?
— Você é fisicamente maravilhosa da cabeça aos pés, não acho
que preciso ficar te lembrando disso, sabes perfeitamente que se
você chega lá os homens vão no mínimo te comer com os olhos.
Meu coração acelera e o ar se esvai dos meus pulmões, não
posso acreditar que ele está com ciúmes de mim. Quero entregá-lo
minhas emoções, mas a inconsistência em suas atitudes faz eu
guardar o que sinto para mim mesma.
— E daí? — finjo que suas palavras não me estremeceram.
— Se ele perceber que tenho interesse em você, a
competitividade dele vai se aguçar e ele vai fazer de tudo pra te ter.
Se eu fingir que não ligo, ele ainda sim vai fazer de tudo pra te ter e
aí eu vou ter que quebrar os dentes daquele filho da puta. — ele
trava o maxilar.
— Ciúmes, Henrick Sawyer?
— Só não gosto que mexam no que é meu. — a possessividade
em seu tom não passa despercebida.
— Arrogante e presunçoso.
— Essa boquinha linda é só minha, Molly. — Henrick passa o
polegar sobre os meus lábios, o olhando de maneira arrebatadora.
— Se fez minha no minuto que pus meus olhos em você.
— Acho melhor você ir pra o seu quarto. — quebro o clima,
querendo me mostrar firme, por um triz eu perderia completamente
a linha.
— Também acho. — ele se levanta. — Mais um minuto aqui e eu
não respondo pelos meus atos.
— Boa noite, Sr. Sawyer. — prendo um risinho sapeca de canto.
— Se eu conseguir tirar da cabeça a diaba de mulher gostosa
que você é...
— Então sua noite será muito longa. — provoco.
Henrick sai e eu me jogo na cama com um sorriso de canto a
canto no rosto. Fecho meus olhos e posso sentir seu cheiro
pairando no ar bem como a sensação das suas mãos deslizando
pelo meu corpo, o peso do seu corpo sobre o meu, seu fervor.
Minha pele se arrepia inteira ao lembrar dos seus olhos azuis me
encarando como se eu fosse a última mulher do mundo. Não sei a
noite dele, mas a minha nem de longe está perto de acabar, só
consigo pintá-lo como um quadro em minha imaginação fazendo
comigo as coisas mais devassas possíveis.
CAPÍTULO 15
Molly Hill
Acordo com os raios de sol entrando pela janela que não fechei
ontem à noite, mas ao invés de me irritar por esse descuido, me
espreguiço com um sorriso genuíno no rosto, ansiosa para ver o
Henrick. Caminho até o banheiro cambaleando um pouco de sono,
acabei acordando mais cedo do que realmente gostaria. Faço minha
higiene matinal e ponho um vestido solto simples, deixo meu cabelo
solto, pois não está calor e desço para tomar café da manhã com
uma empolgação crescente. Apenas a Olivia está sentada à mesa
com uma cara amassada de sono ainda vestindo seu pijama.
— Bom dia, Molly! — me sauda.
— Bom dia! Pela sua cara essa noite te demandou mais energia
do que de costume. — alfineto, prendendo um risinho.
— Acertou em cheio. — ela me olha serelepe. — Queria
continuar na cama, mas tenho uma revisão pra hoje em Harrisburg.
Tenho que pegar a estrada cedo. — reclama.
— Já falei pra ela ir de helicóptero, mas você sabe como sua
amiga é teimosa. — Connor dá as caras devidamente arrumado em
seu terno, dá um beijo na Olivia e toma um ou dois goles da xícara
de café em pé demonstrando estar apressado. — Bom dia, Molly!
— Bom dia, Connor!
— Tenho uma reunião daqui a meia hora, preciso ir.
— Boa reunião, meu bem! — Olivia lança um sorriso apaixonado.
— Obrigada, loirinha! — ele se despede dela com um beijo
carinhoso no topo de sua cabeça.
— Olivia Morris completamente in love. — zombo. — Isso é
mesmo inédito, huh?
— Vai a merda, Molly! — mostra o dedo do meio, me arrancando
uma gargalhada.
— Sr. Dono do Mundo cadê? — pergunto, sondando.
— Não o vi, ele deve ter ido pra empresa. Por quê?
— Por nada. — tento disfarçar meu interesse repentino. —
Aquele lá deve ser um poço de mau humor quando acorda, ainda
bem que não temos que olhar pra aquela cara amarrada a essa
hora da manhã.
— Ai, ai, vocês dois... — ela balança a cabeça, tomando seu
suco.
Tomo meu café da manhã um tanto cabisbaixa por não ter a
companhia do Henrick, mas faço o máximo para não demonstrar.
Subo para arrumar minhas coisas e logo me despeço da Olivia
antes que ela saia, ela vai viajar a trabalho, então não tem por que
eu ficar em sua casa sozinha sem sua presença, voltando assim
para o meu apartamento. Ao final da tarde, chego a conclusão que
não aguento mais ficar longe do meu trabalho, já tive tempo mais do
que suficiente para me recuperar do susto, passo na empresa e
converso com o RH que aceita meu retorno normalmente, porém
terei que completar a tripulação sem o comandante James, pois ele
não fora liberado pelos médicos ainda, nesse pequeno bate-papo
fico surpresa ao saber que o Patrick pediu para ser realocado e
estava a esperar uma resposta, mas iria compor o time junto comigo
enquanto isso. Não pensei que ele estivesse realmente magoado
comigo, ou melhor, não pensei que ele tinha realmente desenvolvido
sentimentos por mim, queria que nossa amizade não ficasse
estremecida, mas com essa notícia é provável que tudo seja
diferente de agora em diante.
Saindo da empresa, resolvo passear pelas ruas de Manhattan,
respirando ar livre e vendo algumas pessoas se divertirem, me
chama atenção um senhor sentado em uma mesa do lado exterior
de um restaurante junto com uma criança fofa que deveria ter uns
cinco anos, me aproximo mais um pouco e reconheço aquele rosto,
James Watson.
— James?
— Molly, minha querida, que surpresa boa! — ele abre os braços
para um abraço, mas continua sentado preservando sua perna
engessada.
— Não esperava te encontrar por aqui, ainda mais com essa
princesa. — tento me aproximar da garotinha que me olha tímida.
— A mãe dela saiu e me deixou tomando conta dela essa tarde
jurando que eu ficaria trancado em casa, mas você sabe, como eu
não paro quieto resolvi dar uma volta. — sorri.
— Deveria seguir o conselho dela, James. Queremos você de
volta na tripulação o mais cedo possível.
— Vocês já voltaram? — ele me olha abismado.
— Acabei de voltar da empresa, pedi pra anteciparem minha
volta. Tem uma vida antes e depois da aviação e uma vez que você
experimenta estar lá em cima, é difícil se acostumar com a vida aqui
em terra. — me explico, sorrindo de lado.
— Eu bem sei. — concorda. — Senta aí, Molly, come alguma
coisa com a gente! Daqui a pouco o gato devolve a língua dessa
moça. — Patrick voltou? — pergunta assim que eu me junto a eles.
— Patrick pediu pra ser realocado. — entorto a boca triste.
— Vocês terminaram?
— Na verdade nunca começamos, tudo não passou de um
acordo besta pra fazer ciúmes no Sr. Sawyer, eu sei, eu sou uma
fraca por não ter conseguido seguir seus alertas... — tento resumir
da melhor maneira ao mesmo tempo que me desculpo pela loucura
que é estar envolvida com a incógnita que é Henrick Sawyer.
— Espero que pelo menos tenha atingido seu objetivo. — não
mostra muita surpresa.
— O quê? Você não vai puxar minha orelha por isso?
— Ninguém manda no coração, minha filha. — James pega em
minha mão me mostrando apoio. — E se você cedeu, algum bom
motivo deve ter. Você não é boba, Molly.
— Eu acho que ele pode mudar. — confesso esperançosa.
— Henrick Sawyer jamais falaria que está sentindo alguma coisa
e pediria ajuda pra descobrir o que é, essa sutileza é algo que não
combina com ele nem na melhor das suas investidas. Esse homem
está mudado, ou pelo menos está querendo mudar.
— Você estava ouvindo? — abro a boca chocada.
— Demorei a dormir naquele dia por conta da dor na perna, mas
não sou fuxiqueiro, digamos que acabei escutando sem pretensão.
Dou risada dele que tenta se sair da história.
— Voltando ao assunto do Patrick... eu nunca na vida que ia
imaginar que ele fosse gostar de mim, não tem nem lógica isso. E
se eu pudesse voltar atrás, não teria proposto nada. — busco me
retratar.
— Também não percebi nada, o xaveco brega parecia
brincadeira desde o início.
— Pois é, só espero que a raiva dele passe logo e ele não dê um
pé na bunda na nossa amizade.
— As peças do tabuleiro sempre voltam a suas posições iniciais.
— diz brando.
Meu restinho de tarde com o James e a sua neta foi
agradabilíssimo, a ganhei com um donut de chantilly e M&Ms e daí
para frente ela não parou mais de falar. Coloco as chaves em cima
da mesinha assim que passo pela porta de casa e encontro o mais
repleto silêncio, minha vida é um tanto solitária sem as visitas
fervorosas da Olivia e a agitação do meu trabalho. Aproveito para
me apegar a algum seriado prestigiado que estava em alta para me
distrair.
Não demora para chegar o dia da festa da empresa do Henrick.
Me apoio no ferro da varanda observando o mundo à minha volta,
as luzes dos prédios ao redor, o fluxo de carros lá embaixo, minha
Nova Iorque a todo vapor. Aperto mais meus braços cruzados
quando um vento gelado me atinge, inevitável não pensar que
enquanto estou em casa sem nada muito relevante para fazer, ele
deve estar esbanjando elegância e distribuindo sorrisinhos
convencidos para todas as mulheres que babam pela sua figura.
Queria ser uma mosquinha pra ver o que está se passando naquela
festa. Eu não fazia questão de ir, pois nada ali seria do meu
interesse, mas não posso ser hipócrita ao dizer que não queria estar
lá para vê-lo.
Perdida em meus devaneios nem percebo que o interfone está a
tocar, corro para atendê-lo antes que a chamada conclua. O porteiro
me avisa que tem uma encomenda para mim lá no térreo, estranho,
mas desço para ver o que é. Seria muito infantil dizer que passou
pela minha mente que o Henrick poderia estar lá embaixo? Sei que
obviamente ele não faria isso, mas não posso sossegar o meu
coração até tirar a prova. Apenas uma caixa está a me aguardar,
levo para cima desinteressada para ver o conteúdo de dentro,
provavelmente deve ser alguma compra online que fiz e esqueci.
Coloco sobre a bancada e vou tomar um banho, deixo para abri-la
depois. Finalmente quando decido abrir, dou de cara com um
embrulho maravilhoso e chiquérrimo de uma loja de grife,
certamente não fui eu que comprei, o que quer que tenha ali deve
ter custado um rim. Um vestido longo sereia ombro a ombro
vermelho cor de sangue me chama atenção, a ideia de que fizeram
a entrega para o apartamento errado rapidamente me vem à
cabeça, mas antes que eu ligue para o porteiro e diga que foi
engano, encontro um envelope pequeno ao fundo da caixa. Mal
posso acreditar no que estou a ler.
“Como eu sei que você é malcriada a ponto de aparecer na festa
só por birra, pelo menos que eu tenha controle do que estará
vestida, o que não ameniza em nada a forma que te olharão porque
ainda que você vestisse uma burca, atrairia todos os olhares sem
demora. Elegante, clássico, sexy, mas com.por.ta.do, assim que o vi
minha mente te imaginou dentro dele. Use-o, por favor, e me dê o
prazer de contemplá-lo ao vivo. Com ânsia de me deliciar com essa
cena, Henrick.”
Contrariando sua teoria, eu não tinha pretensão alguma de
aparecer nessa festa, mesmo que o Connor colocasse meu nome
na lista a pedido da Olivia como a mesma propôs, mas já que ele
teve a gentileza de me enviar um mimo, ainda que de forma
opressora e audaciosa, irei a essa comemoração. Minha vontade é
de vestir outra coisa mais impactante e provocativa só para ver sua
cara de desagrado, contudo, a peça que ele escolheu é realmente
linda e por ser justo daria um ar sensual sem ser ousado demais,
além do mais que eu não tenho outra opção melhor e a altura.
Faço uma maquiagem carregada valorizando meus olhos e boca,
me jogo no meu batom vermelho vinho mesmo que os olhos
compitam por atenção, sem sombra de dúvidas Henrick travará uma
batalha entre encarar meus olhos verdes sedutores ou minha boca
carnuda muito bem desenhada. Não pretendo me aproximar dele e
parecer uma patética como todas as outras, ficarei na minha, mas
de longe deixarei esse homem vidrado em todos os meus
movimentos ou eu não me chamo Molly Hill. Chega de me esconder,
hoje eu quero ser notada, por ele ou por qualquer outra pessoa, não
que eu precisasse, mas queria elevar um pouco mais a minha
autoestima e ego, ainda que ter o grande Henrick Sawyer
interessado em mim seja por si só um estímulo imenso.
Já vestida, me olho no espelho me agradando com a visão que
tenho, me sinto poderosa e quase me passo por alguém célebre. O
vestido caiu como uma luva, enaltece meu corpo de modo clássico e
ao mesmo tempo sexy. Componho o look com uma clutch preta com
brilhos delicados e um salto alto 15 da mesma cor. Decido pegar um
táxi já que é provável que eu beba e em menos de vinte minutos ele
me deixa no local da festa, a empresa Sawyer. A fachada é
deslumbrante e o prédio é altíssimo, olho para cima analisando a
suntuosidade e um leve nervosismo me invade. Respiro uma, duas
vezes e então entro. Na recepção havia dois funcionários com
prancheta em mãos, a lista dos convidados, dou meu nome e ele
rapidamente o acha. Sou liberada para subir e vou até o elevador.
Não demora mais que três minutos, mas o tempo que passo a
esperar que ele suba parece uma eternidade. No andar 21º ele para
e assim que as portas se abrem fico diante do espaço que conta
com muitas pessoas, mais do que eu achei que fosse ter. O piso é
incrivelmente branco e todos os detalhes parecem ter sido
projetados para serem sofisticados, uma parede de vidro
transparente nos dá a visão de toda Nova Iorque e suas luzinhas
hipnotizantes. Que vista!
Procuro a Olivia com o olhar e a acho perto do bar, assim que me
vê ela acena para que eu vá até ela, não sei se esse gesto
despertou a curiosidade de alguns presentes, mas tenho a
impressão de que boa parte das pessoas se viraram para me
encarar, inclusive o anfitrião. De soslaio percebo o Henrick
acompanhar meus passos, sorrio de canto triunfante.
— Você está linda, Molly! — me recebe com dois beijinhos no
rosto. — A propósito, não era você que não queria vir?
— Digamos que mudei de ideia de última hora. — pisco o olho e
ela capta a mensagem, que tinha dedo do Sawyer na parada.
— Ainda bem que você chegou, essa festa está um saco.
Pego um champagne assim que o garçom passa ao nosso lado e
olho em volta, realmente essa festa precisava de ânimo. Frank
Sinatra toca ao fundo num volume baixo e as pessoas conversam
como se estivessem tomando um chá numa tarde ensolarada.
— Henrick está olhando? — investigo.
— Amiga, ele não tira os olhos de você desde que chegou.
— Isso é ótimo.
— Seria, se o Travis também não estivesse prestes a arrancar
seu vestido apenas com os olhos. — Olivia faz careta.
— Quem é Travis?
— Pelo o que ouvi, ele é sócio da Sawyer Enterprises.
— Henrick me alertou sobre ele, disse que era um cafajeste.
— E não mentiu. Um homem pra dizer que o outro não presta é
porque realmente o outro não é flor que se cheire.
Olho pensativa para a Olivia, achei que o Henrick tivesse
inventado essa desculpa esfarrapada só para não me ter aqui, mas
pelo visto ele não estava mentindo quando me disse que eu poderia
ter um problema.
— De onde o conhece?
— Fui contratada pra reformar o seu escritório há dois anos,
quase abri mão no meio da obra, mas como era uma oportunidade
que me abriria portas, aguentei, mas fugi dele como o diabo foge da
cruz, ele é um nojento! — seu semblante se enrijece ao lembrar
desse fato e eu tenho a certeza que ele é tudo isso mesmo, Olivia
não falaria com tanta raiva de alguém assim. — Merda! O filho da
mãe está vindo pra cá. — me avisa, dando um gole em seu
champagne.
— Senhoritas. — ouço sua voz carregada bem no meu cangote,
me viro para olhá-lo querendo imediatamente me afastar. — Sou
Travis Walker, o sócio dessa empresa.
Pensei que o lugar de soberba fosse ocupado apenas pelo
Henrick, mas ao que parece seu sócio conseguia ser bem pior.
Olivia força um sorriso que mais se aproxima de uma carranca e eu
o lanço um sorrisinho sem graça.
— Vou ao banheiro. Molly, você vem? — ela tenta fugir dessa
conversa querendo me levar consigo.
— Então Molly é o nome dessa moça bonita. — Travis me
encara com olhos famintos.
Eu iria com a Olivia se não estivesse fortemente tentada a tirar o
Henrick do sério, ele que tinha sua atenção totalmente presa em
nossa direção.
— Não, está tudo bem. — nego o pedido da Olivia e ela sai, não
sem antes intensificar seu olhar como se eu estivesse prestes a
entrar numa furada.
Não me entrosaria com o Travis, só daria corda para um diálogo
para o seu parceiro vir até mim, se é que viria.
— O que uma moça tão encantadora como você está fazendo
sozinha aqui?
— Ela não está sozinha. — a voz inconfundível de Henrick nos
pega de surpresa.
— Ora, ora. Por que não me apresentou esse bombonzinho
antes?
Henrick ergue a sobrancelha e trava o maxilar com uma
expressão de raiva e possessividade. Estou a adorar assistir essa
cena.
— A senhorita Hill é uma amiga.
— Mais uma de suas amiguinhas com privilégios, huh? — Travis
insinua que sou mais uma de suas ficantes e meu sangue ferve por
descobrir que Henrick provavelmente já estava habituado a levar
incontáveis garotas para suas festinhas.
— Agora se me der licença, vou levá-la para conhecer algumas
pessoas. — Henrick põe a mão em minha lombar exibindo ter algum
tipo de propriedade sobre mim, não me contenho e afasto seu
contato.
— Estou muito bem aqui, Sr. Sawyer. — o enfrento. — Eu e o
Walker estávamos numa animada conversa até sua intromissão.
Henrick vira seu rosto para mim como se fosse acabar comigo a
qualquer momento.
— Já conhece a empresa, Molly? — Travis pergunta mesmo com
uma tensão gigantesca que paira no ar.
— Não, seria um prazer que me mostrasse.
— O prazer será todo meu.
Caminhamos para longe do Henrick que solta faíscas de ódio
pelos seus olhos. Travis pode ser inconveniente, mas não acredito
que seja difícil de driblá-lo, assim que ele me mostrasse alguns
pontos da empresa, eu inventaria uma desculpa qualquer e o
dispensaria. Por hora já foi deveras divertido contrariar Henrick
Sawyer e atiçar sua ira.
CAPÍTULO 16
Molly Hill
Travis e eu pegamos o elevador e ele me apresenta algumas
salas e andares muito importantes da empresa, bem como me conta
toda a história de quando decidiu firmar parceria com o Henrick, em
vinte minutos de conversa eu concluo que ele é realmente incapaz
de falar de outra coisa que não seja de si próprio. Estava entediada
já e doida para voltar para a festa e encontrar olhos azuis
enfurecidos.
— Agradeço pelo tour, Travis, mas acho que já está na hora de
voltarmos pra o salão. — esboço um risinho amarelo e ameaço
caminhar até a porta, mas ele é mais rápido que eu e se encosta
nela cruzando os braços a me olhar de um jeito assustador.
— Você acha que eu sou idiota?
— Me desculpe? — franzo o cenho sem entender.
— Você fez de tudo pra chamar minha atenção desde o primeiro
minuto que pôs os pés no salão e praticamente implorou pra que
fôssemos pra um lugar mais reservado e ficássemos a sós, acha
que não percebi seus olhares, boneca?
— Você só pode estar louco! — sorrio pelo nariz, incrédula.
— Não precisa fingir resistir, Molly. É perceptível que também
está querendo. — ele põe uma mecha do meu cabelo que cai pelo
meu colo para trás e dá alguns passos se aproximando ainda mais,
sinto um frio na espinha e um desespero criar vida
— A única coisa que quero agora é ir lá para fora. — tento me
desvencilhar, mas ele não deixa. — Me deixe voltar, minha amiga
deve estar sentindo minha falta.
Procuro ficar calma e não titubear diante desse homem, mas o
medo em meu olhar é visível.
— Sua amiga ou o Henrick? Você acha mesmo que é importante
a ponto dele perder o seu precioso tempo sentindo sua falta? Como
você, ele tem várias outras, boneca. Se bem que... — analisa meu
corpo me olhando de uma forma repulsiva. — Se eu tivesse um
corpinho desses na minha cama, eu não te deixaria dando sopa por
aí não.
— Me deixe passar, Travis. — gaguejo um pouco.
Não sei se ele era insano assim mesmo em seu cotidiano, mas o
efeito do álcool só estava a dificultar as coisas.
— Tire a roupa, princesa. — ele pede e eu arregalo os olhos mal
podendo acreditar. — AGORA! — grita e eu me encolho. — Abra as
pernas pra mim como você abre pra todo mundo, ou eu devo pagar
uma boa grana por isso? Henrick deve estar te pagando muito bem
pra você ousar se fazer de difícil pra mim, não é?
Seu insulto fora a gota d’água, meu medo se transforma em ira e
minha mão vai direto na sua fuça. Quem ele pensa que é para
insinuar que sou alguma vadia e principalmente do seu amigo?
Travis fecha a cara e fica vermelho de raiva, dou um passo para trás
temendo sua reação e o pior acontece. Ele avança em minha
direção e simplesmente me derruba no chão distribuindo socos no
meu rosto. Sinto o impacto provocar uma dor aguda nas minhas
costas, mas sou obrigada a ignorar por alguns instantes e tudo o
que faço é gritar por ajuda e tentar proteger meu rosto com os
braços. Passados alguns minutos que me parecem uma eternidade,
o pânico aumenta achando que ninguém virá me acudir e sem
pensar muito, tiro meu salto com muito custo, pois seu peso me
esmaga contra o chão, e bato com força na sua cabeça. Ele
cambaleia para trás e nesse meio tempo eu me levanto desajeitada,
imediatamente a porta bate provocando um estrondo e uma figura
enorme passa com presteza por mim indo para cima do Travis.
Lágrimas caem pelo canto do olho quando vejo Henrick ali me
defendendo daquele monstro. Ele soca o seu sócio inúmeras vezes
com tanta violência que por um breve momento eu tenho medo dele
o matar.
Assisto a tudo assustada, mas incapaz de dizer algo, minha
garganta parece ter se fechado. Dois seguranças entram e puxam o
Henrick com dificuldade, indo mobilizar o Travis caído no chão. O
homem está desacordado e tem sangue por todo o seu rosto, ele é
levado lá para fora, ficando apenas eu e o Henrick que sustenta
uma feição séria. Permaneço quieta no chão, envergonhada demais
para proferir alguma palavra. Ele anda de um lado para o outro
como uma fera a soltar fogo pelo nariz, seus punhos estão fechados
e seu rosto contraído.
— Por que você tem sempre que foder tudo?
— Seu sócio me ataca e eu que fodo tudo? — tento me
recompor, levantando e colocando meu sapato de volta.
— Eu te avisei sobre ele, Molly. — eleva a voz. — Quis te tirar da
mira dele e você agiu como uma criança mimada.
— Isso não teria acontecido se você não tivesse me tratado
como uma das suas peguetes patéticas que toda aquela gente lá
embaixo deve estar acostumada a ver. — falo na mesma altura que
ele com o dedo bem apontado em seu peito. — Quantas mais
passaram por aqui, Henrick? Quantas mais você fez se sentirem
especial e arruinou tudo? Eu não posso ser como um test drive pra
você no fim perceber que é incapaz de ter algum sentimento por
mim e me descartar como um objeto. Se não me quer, me dispense
agora!
Henrick dá um soco na parede em resposta e se afasta, indo
para perto da janela sem ousar olhar para trás.
— Você tem razão. — diz depois de um breve silêncio. Olhos
distantes, postura inatingível, só pode ser o prelúdio de uma
negativa. — Somos incompatíveis.
Suas palavras doem como mil facadas entrando em minha pele.
Minha cabeça dá voltas só de assimilar que ele estava mesmo a
desistir de mim aborrecido pelo o que houve. Tenho certa parcela de
culpa, mas jamais achei que o meu ato impensado o levaria para
longe de mim. Junto toda a minha força para segurar as lágrimas
que se formam, me recuso a derramar uma gota sequer na frente
dele.
— Preciso que seja mais claro. — insisto, nutrindo esperanças
de que ele volte atrás.
— Me desculpe. — ele permaneceu fitando a cidade. — Meu
motorista está a esperar por você no hall de entrada pra te levar a
um pronto socorro pra que cuidem desses machucados.
Engulo seco sentindo meu coração apertar cada vez mais. Como
eu pude ser boba e infantil a ponto de enfrentar o Henrick dessa
forma? Ignorando todos os seus alertas eu agi por impulso e
estupidez mais uma vez e o coloquei numa tremenda saia justa,
estremecendo seu vínculo com seu sócio por pura vaidade minha. A
atitude dele era completamente compreensível embora fosse de
meu desagrado. Talvez ele tenha razão, somos incompatíveis, resta
a mim agora recolher meus caquinhos e aceitar que não teríamos
mais qualquer ligação, tudo por culpa minha.
No caminho, peço para o motorista mudar a rota e me deixar em
casa, nem meu rosto dói mais do que o meu coração. Quando
chego em casa, me permito chorar como uma adolescente que
acabara de romper com o amor da sua vida. Após meu último
relacionamento que calhou de ser justo quando a perda dos meus
pais ainda estava muito recente e eu não tinha estruturas para lidar
com outra coisa que não fosse o meu luto, trabalhei duro para não
deixar que nenhum homem ousasse se aproximar de mim, porque
eu sentia que se deixasse me envolver com alguém, estaria sendo
inescrupulosa com o fato de que eu simplesmente não poderia ter a
ganância de ser feliz novamente sem que eles estivessem aqui. Vivi
em prol do meu trabalho por anos para me aproximar deles como se
eu estivesse a continuar seu legado e só depois de muitas sessões
de terapia que eu consegui me desassociar deles e entender que
precisava seguir minha vida única e exclusivamente por mim
mesma, até eu abrir meu coração de novo e Henrick Sawyer
destroçá-lo com uma falsa esperança de mudança, de que tudo
pudesse no fim se encaixar. Tola!
Mas não adiantava ficar me vitimizando e chorando por isso, de
nada adiantaria, eu tinha que levantar e ir viver minha vida que era
única coisa que ao final estaria sempre lá por mim, os céus.
Três semanas depois...
O ambiente do cockpit parece pesar com o Patrick de cara
fechada para mim se dirigindo a mim somente quando necessário,
por sorte o James estava de volta para me fazer companhia e fazer
eu me sentir alguns porcentos melhor com seus assuntos
agradáveis. Por uma infeliz coincidência, ficamos hospedados no
mesmo resort o qual ficamos com o Henrick e tudo ali faz lembrar
ele. Estamos a tirar as nossas malas da van que estaciona em
frente ao acesso que dá para a entrada quando alguns carros
escuros passam por nós, um deles está com o vidro abaixado e eu
acompanho com o olhar achando ter visto ele dentro dele de óculos
escuros preto, mas muito provavelmente deve ser minha mente e
imaginação brincando comigo, até mesmo porque se fosse ele,
estaria se hospedando no mesmo resort que a gente já que é
considerado o melhor da Tailândia. Balanço a cabeça espantando
esses pensamentos e ajudo o comandante a pegar sua mala que
está consideravelmente pesada.
Deixo minhas coisas no meu quarto e vou para a piscina,
aproveitando que o dia está azul e fresquinho, mas não ponho roupa
de banho, não tenho pretensão de entrar na água, continuo com o
meu vestido leve e rasteirinha. Me sento em uma das
espreguiçadeiras, peço um cosmopolitan e começo a ler um livro de
romance qualquer que trouxe comigo para passar o tempo. Quando
o sol ameaça abaixar, decido ir dar uma volta. Faço uma boa
caminhada sentindo meus pés serem molhados pela água salgada,
somente eu e minha mente, lotada demais de fantasias com um
certo alguém que eu nunca teria a chance de colocar em prática.
Não demoro para achar o lugar preferido dele na ilha, me sento
abraçando minhas pernas e fico a observar a calmaria das ondas,
lembrando de quando estive ali a primeira vez com ele. Escuto o
som do toque do meu celular e ao checar o visor, não reconheço o
número na tela, deslizo o dedo para o lado negando a chamada,
mas o número insiste, então atendo. Nenhuma voz vem do outro
lado da linha, ouço apenas uma respiração, digo alô umas três
vezes para só então ter a iniciativa sensata de encerrar a chamada,
a ligação deveria estar com problemas. Meu celular toca de novo,
mas dessa vez é a Olivia.
— Oi, Mollyzinha, como você está? — pergunta ciente de tudo o
que aconteceu, Olivia tem me ligado praticamente todos os dias
para saber como estou, isso quando não pode aparecer lá em casa.
— Estou bem. — ouso mentir.
— Certeza?
— Certeza. — não abro brecha para que ela toque no assunto
proibido de novo.
— E o seu rosto?
— Meu olho desinchou rápido, mais rápido do que talvez eu
merecesse. — brinco.
— Que bom. — escuto seu respirar aliviada. — Em que lugar do
mundo você está agora?
— Tailândia. Por falar nisso... aqui é lindo, Olivia! Você iria gostar
de conhecer.
— Podemos marcar de ir qualquer dia desses, quando nossos
tempos livres baterem.
— Uhum. — suspiro, alto até demais. — Olivia?
— Sim?
— Tem notícias dele? — crio coragem para tocar no nome dele
depois de dias.
— A única coisa que eu sei é que ele rompeu negócios com o
sócio e viajou, mas o que parece não foi a trabalho, o que é inédito,
segundo o Connor.
— Tanto faz. — dou de ombros. — Ele deve estar curtindo com
alguma... — Olivia não me deixa terminar.
— Não se martirize assim, amiga, por favor. — pede. — Se não
consegue tirar ele da cabeça, então pelo menos pensa em coisas
positivas.
— Vou tentar.
— Te vejo quando você voltar?
— Quando eu chegar em NY, eu aviso.
— Me avise mesmo. Vou desligar agora, se cuida!
— Você também, Olivia. — digo, desligando o celular.
Me sinto privilegiada de ter uma amiga tão atenciosa como a
Olivia, louca e ogra por vezes, mas inofensiva. Desde que voltei a
voar que ela sempre faz questão de me ligar ou me enviar alguma
mensagem, creio que com medo de acontecer alguma coisa de
novo, algo não previsto que ela não possa se despedir, por isso
mesmo não estando muito no clima de falar com alguém, ainda
assim eu não deixo de atendê-la, sei que é apenas excesso de
cuidado.
Saber que o Henrick tinha abdicado do trabalho que era tão
insubstituível para ele para tirar umas supostas férias só piorou as
coisas, minha mente agora trabalhava de forma frenética
imaginando mil e uma coisa que ele poderia estar a fazer e talvez
muito bem acompanhado. Não consigo guardar meu
desapontamento dentro do meu corpo, preciso externalizar e em
questão de segundos estou a chorar, pensando que havia uma
possibilidade gigantesca de termos nos conectado de alguma
maneira, de termos entendido todas as sensações que nos
cercavam quando nos encontrávamos, se eu não tivesse arruinado
tudo.
Volto para o resort e me tranco em meu quarto, peço comida e
como por lá mesmo, metade de mim não está nem um pouco a fim
de forçar sorrisos e ser sociável quando estou mentalmente
quebrada, a outra metade grita para que eu encontre um
passatempo, qualquer mísera coisa para espairecer só para ocupar
a minha mente, mas simplesmente não quero ver a cara de
ninguém, prefiro curtir a minha fossa que é o que que me resta. Me
deito na cama olhando para o teto, pensando em que momento que
eu deixei esse homem tomar conta até do que eu sinto ou deixo de
sentir, eu achava que era blindada, principalmente a homens como
Henrick Sawyer. Meu celular volta a tocar e é o mesmo número que
antes não falou nada, cancelo a chamada e desligo o celular sem
paciência.
Procuro na TV algum documentário que prenda a minha atenção,
mas o oposto disso, acabo dormindo, o que é ótimo, pois eu
conseguiria me esconder da minha cabeça criativa. Passamos mais
dois dias no lugar já que o cliente resolveu alongar sua viagem,
apesar de ser um destino paradisíaco, eu só pensava em voltar para
casa. Coloco meus pés em NY e respiro aliviada por ter chegado,
especialmente por ter chegado segura. Ouço o barulho de outra
aeronave pousar, mas não olho, continuo a caminhar querendo
alcançar a porta de saída que divide o espaço privativo do hangar
dos voos executivos do restante do aeroporto, quando uma
funcionária me aborda e pergunta se eu vi o Patrick, nego com a
cabeça, pois realmente não vi para onde ele foi, e avanço meus
passos, porém uma voz conhecida adentra o lugar.
Imediatamente olho para trás e vejo Henrick passar pela porta de
vidro que dá para a pista onde as aeronaves costumam taxiar e
pousar, constato que era o barulho do seu jatinho anteriormente. Ele
fecha seu terno e fala algo para um homem que está ao seu lado,
pelo seu semblante fechado ele não está muito amistoso. Sinto uma
pontada em minhas entranhas como se estivesse prestes a ter um
infarto. Não importava quanto tempo se passasse, encontrar com
ele sempre me causaria a surpresa e o maravilhamento de como se
tivesse o vendo pela primeira vez. De repente parece que a força da
gravidade se torna mais potente me prendendo ao chão e eu sou
incapaz de mover um músculo, continuo a encará-lo como uma
idiota fascinada por tamanha beleza. Penso por um instante em ir
até ele, ver como seria sua reação de estar frente a frente comigo
depois de ter me rejeitado, acho que no fundo eu devo ter um lado
masoquista por querer insistir nesse sofrimento que é ser
confundida por Henrick Sawyer. Mas antes que eu faça papel de
trouxa, uma ruiva entra em meu campo de visão e o cumprimenta
com um beijo no rosto. Aquele era definitivamente o atestado de que
ele não deveria nem lembrar da minha medíocre existência, que
estava seguindo sua vida tal como antes ou até melhor.
O baque negativo que é assistir a essa cena finalmente me faz
ter forças para sair dali, no minuto que tento virar o meu corpo para
ir embora, seus olhos encontram os meus. Não sou capaz de
decifrar o que suas pistas faciais ou oculares poderiam me
apresentar porque ele está inexpressivo, Henrick era a prova viva de
alguém que ou conseguia não externalizar suas emoções por alguns
minutos ou então era mestre em esconder o que quer que passasse
por sua cabeça, ou talvez os dois. Saí de lá o mais rápido que pude,
assombrada pelo fantasma de alguém que entrou na minha vida não
tendo a mínima pretensão de ficar nela e saiu rápido demais não
cultivando nenhum arrependimento por isso.
CAPÍTULO 17
Molly Hill
É simplesmente patético estar a chorar de novo por ele, porém
inevitável, a realidade me chocou mais do que a minha nada
amigável imaginação fértil. A comprovação de que talvez não tenha
sido difícil para ele simplesmente me apagar da memória me tem
atordoada como um bebê. Como se não bastasse meu desalento, o
número insistente continua a me ligar me deixando ainda mais
brava. Depois de dias o evitando e desligando, resolvo atender,
mesmo sabendo que não obteria respostas de quem é, mas
diferente das outras vezes, a respiração se transforma em meia
dúzia de palavras que me fazem perder o fôlego.
— Alô? — digo grosseira e de saco cheio.
— Abra a porta. — reconheço a voz de Henrick Sawyer que dá
sua ordem e desliga.
Por alguns instantes eu fico confusa e me pergunto de que porta
ele está a falar. Pondero um pouco e ergo a sobrancelha quando
chego a uma conclusão que parece incongruente, olho para trás
temendo ser o que acho que é. Engulo em seco e vou em passos
lentos abrir a porta do meu apartamento, tendo a prova de que sim,
meu sonho personificado estava lá fora.
— “Abra a porta?” — repito incrédula. — Você quer o quê, que eu
te obedeça com o rabinho abanando depois de tudo?
— Posso entrar? — ele permanece sério, apoiado ao batente da
porta.
— Não, não pode. — cruzo os braços birrenta ficando em sua
frente de modo que impedisse a sua entrada.
— Se não sair da frente, eu mesmo te tiro.
— Você não teria essa audácia.
— Quer colocar em cheque? — avança em minha direção e eu
abaixo a guarda.
— Não toque em mim, eu saio! — falo histérica me afastando da
porta. — O que você quer aqui?
— Conversar.
— Eu não tenho nada pra conversar com você. — bato o pé
arredia.
— Mas eu tenho. — ele mesmo fecha a porta atrás de si e a
tranca, disposto a me fazer engoli-lo.
— Eu não estou disposta a ouvir.
— Quer parar de ser ridícula? — diz depois de soltar um respiro
fundo.
— Eu ridícula? Ridículo é você que deixou claro que não me
queria e agora me aparece aqui como se nada tivesse acontecido.
Por que não volta pra suas feriazinhas idiota com aquela pobre
coitada que mal sabe que pode ser descartada a qualquer minuto
como eu fui? — não consigo esconder meu aborrecimento.
Henrick balança a cabeça sorrindo anasalado e o meu corpo
esquenta por achar que ele está a tirar uma comigo.
— Aquela mulher que viu no hangar é a minha cunhada, Molly.
— dispara.
Continuo descrente por alguns minutos completamente em
silêncio, o olho sobre os ombros com certa relutância, ele parece
estar a dizer a verdade já que se deslocou até a minha casa na
tentativa de desfazer esse mal entendido.
— Onde esteve esses dias? — pergunto.
Se ele se achava no direito de invadir o meu apartamento contra
a minha vontade, eu também tinha de questionar o que bem
entendesse.
— Tentando enfiar na cabeça que a decisão que tomei era a
melhor coisa a se fazer. Ficar longe de você.
— E conseguiu? — amoleço minha expressão, mas ainda
sustento uma postura sólida de que se for necessário, se eu achar
que posso ser quebrada novamente, eu vou tentar me proteger.
— Talvez se eu tivesse escolhido melhor meu destino... —
Henrick passa as mãos pelo cabelo visivelmente nervoso. — Aquela
porra de cidade só me lembra você. Se eu soubesse que também
estava na Tailândia, eu teria feito você me escutar na marra ao invés
de ficar te ligando que nem um imbecil.
— Pra que se haja um mínimo diálogo precisa que ambas partes
envolvidas falem, não tenho bola de cristal pra deduzir que uma
respiração do outro lado da linha seja a sua. — provoco antipática.
— Por que não falou?
— Me faltou coragem.
Ele esconde suas mãos dentro dos bolsos e permanece me
encarando como se não soubesse o que fazer ou dizer, eu não
estava diferente. Cenho franzido, olhos indecifráveis, lábios
comprimidos. Nem de longe se parecia com aquele homem
impenetrável que cruzou meu caminho meses atrás. Talvez eu
devesse recolher minhas garrinhas.
— O que fazia lá?
— Tenho uma casa lá. — responde como se essa informação
fosse de domínio público.
— É claro que tem. — dou de ombros, mas logo me passa uma
dúvida pela cabeça que me faz questioná-lo. — Espera! Se você
tem uma casa lá, então por que ficou no resort junto com a
tripulação quando viajamos?
— Preciso mesmo responder?
— Você é como um enigma impossível de decifrar. — balanço a
cabeça e ando de um lado para o outro na tentativa de digerir tudo o
que ele diz ou dar a entender.
— Vir aqui e tentar me retratar não é o suficiente pra você
entender o que eu quero?
— O que você realmente quer, Henrick? — pergunto sem
rodeios, cansada de forçar minha mente a entender que eu devo
fugir.
— Você. — ele responde na lata. — Não somente o seu corpo,
mas o seu coração também, senhorita Hill.
— Henrick, eu não... — reluto meio em choque.
— Eu nunca precisei pedir nada, muito menos pedir duas vezes.
Mas por você eu peço, Molly, quantas vezes precisar pra enfiar
nessa sua cabeça tinhosa que eu estou... — ele faz uma breve
pausa para dar um suspiro derrotado. — Completamente
apaixonado por você.
A junção de todas essas palavras abrandou o meu coração
inquieto, assim como ele eu também nunca tive a pretensão de me
apaixonar, era notório, mas eu estava, infinitamente apaixonada por
Henrick Sawyer.
— Posso pensar? — respondo com um risinho preso nos lábios.
— Você só pode estar de brincadeira! — ele ergue uma
sobrancelha convencido de que seu discurso fora o bastante, e
realmente fora, mas se dissesse um sim logo de cara não estaria
sendo eu.
— É claro que estou.
Ele solta a respiração aliviado e vem até mim para um beijo. A
magia presente em todos os nossos outros contatos, ainda que
simples, não diminui a sublimidade de estar nos braços do homem
que nutro um sentimento genuíno sendo totalmente recíproco. Nos
afastamos quando o ar nos faltou e ficamos nos olhando, a
felicidade parece não caber no meu corpo e por um milésimo de
segundo eu penso que não tem como as coisas ficarem melhores
do que isso, mas o destino me prova que tem.
— Quer namorar comigo?
Henrick não aparentava fazer o estilo de cara a moda antiga que
dá importância para um pedido de namoro formal ou que se sente
na obrigação de dar título ao que quer que viesse a ter com alguém,
mas esse gesto ingênuo simplesmente tirara meus pés do chão, me
fez sentir radiante. Ele não era do tipo de muitas coisas na verdade,
mas provou nesse momento que para estar comigo, ele abriria mão
do seu orgulho e poderia ser para mim muitas coisas.
— Sim, eu aceito namorar com você.
Agarro seu pescoço e o abraço apertado, abrindo um sorriso de
canto a canto que poderia ser visto do outro lado do planeta.
Passamos um tempo namorando no sofá, mas nada de muito
intenso, apenas carícias e beijos apaixonados, ele deveria estar
com medo de aprofundar o toque e ser interpretado errado, afinal,
sua fama continuava não sendo das melhores, mesmo ele tentando
arduamente provar o contrário, levaria um tempo para que eu
confiasse cegamente nele.
— Vai voltar a trabalhar pra mim? — seus olhos me analisam
possessivos.
— Não. — me apresso em dizer. — Eu gosto do meu trabalho e
da versatilidade de atender diferentes clientes e poder viajar o
mundo.
— Podemos viajar juntos.
— Seria conveniente.
— Conveniente? — franze o cenho, sentido.
— Seria mágico, Henrick. — conserto, sorrindo amarelo. — Mas
não tendo um contrato fixo, eu posso viajar muito mais vezes. — me
explico quando vejo sua expressão se enrijecer. — É isso o que eu
sempre quis.
— Pensei que quisesse ficar comigo.
Ele tira o braço de cima de mim que me envolvia
confortavelmente em seu peito.
— E eu quero, mas eu tenho minha individualidade que você
precisa respeitar.
Henrick bufa virando a cara, para por alguns segundos como
quem pensa numa alternativa e logo me encara de novo com um
sorriso astuto.
— Tudo bem.
— Tudo bem? — contesto um tanto desconfiada, ele apenas
acena com a cabeça.
— Preciso ir agora. — diz levantando e fechando o terno. —
Meus pais estão pra chegar de viagem, preciso ir recebê-los.
Fico um pouco desconfortável quando ele traz esse assunto, não
que eu esperasse que ele fosse me apresentar aos seus pais ainda
no primeiro dia de namoro, mas ele nunca falou deles antes, então
me sinto pisando em ovos sem saber o que falar, por fim decido
guardar tudo o que passou pela minha cabeça dentro da minha
boca, algum dia eu teria a oportunidade de conhecê-los, antes tarde
do que nunca, isso realmente não fazia muita diferença para mim.
— Viajo amanhã. — me adianto em falar que não nos veremos
por alguns dias, esperando que ele fosse doce ou algo do tipo, mas
ele só assente e me dá um beijo na testa, me deixando com cara de
tacho encostada a porta.
Vai ver a cota de delicadeza dele fora atingida por hoje. Sinto
falto de um beijo, mas em hipótese alguma eu tenho o direito de
abrir a boca para reclamar de alguma coisa depois de ter sido
pedida em namoro pelo dono dos olhos azuis mais lindos do mundo.
CAPÍTULO 18
Molly Hill
Apareço no D.O. do aeroporto ainda meio sonolenta, mas com o
coração saltitando ao relembrar da noite anterior, não pude conter
minha alegria e surpresa e acabei passando a madrugada inteira
fofocando com a Olivia por mensagem, contando tudo o que
acontecera, ela parecia estar mais animada do que eu. O restante
da tripulação chega alguns minutos depois de mim e então temos
nosso briefing pré-voo, me exalto quando descubro que nossa
viagem será para Paris, em meio aos últimos acontecimentos até
esqueci de acompanhar nossa escala por e-mail e por esse motivo
estava radiantemente boquiaberta enquanto o comandante James
nos atualizava do nosso destino. Paris era um lugar especial que eu
nunca tinha ido e sempre esteve nos meus planos conhecer, então
não consigo reprimir minha empolgação para essa viagem, meu
semblante muito bem-humorado é perceptível por qualquer um
presente.
James e Patrick se adiantam em ir até a aeronave para agilizar o
serviço e eu acabo ficando alguns minutos para trás por diminuir
meus passos enquanto digito freneticamente as teclas do meu
celular ao enviar uma mensagem entusiasmada para a Olivia
dizendo que irei finalmente conhecer a cidade luz quando sou pega
desprevenida por uma voz que nem de longe eu esperava ouvir
essa semana.
— Algum motivo especial pra você não estar dentro da aeronave
prontamente à espera do seu cliente, senhorita Hill?
Arregalo os olhos ao me deparar com Henrick Sawyer ao meu
lado.
— O que voc...? — franzo o cenho.
Mal termino o que tenho para questionar, olho rapidamente para
a aeronave na pista e novamente para ele sem entender
absolutamente nada, por que era o seu Cessna que estava pronto
para decolar se a nossa tripulação recebera confirmação primeiro?
— Surpresa. — ele sorri de canto, satisfeito por não ter me feito
desconfiar de nada.
— Você é o nosso cliente?
— Uma feliz coincidência a sua tripulação ser a única disponível
pra essa semana, não? — ironiza.
— Henrick! — exclamo irritada, mal podendo acreditar que ele
havia me contrariado.
— Não é um contrato fixo como antes, Molly. — explica. —
Apenas essa viagem.
Continuo a encará-lo incrédula, mas não mais chateada uma vez
que ele garantiu não ter nenhum contrato de exclusividade de novo.
— Você está jogando sujo! — balanço a cabeça negativamente,
querendo sorrir, mas não dando o braço a torcer.
— Mas nada impede que não tenha outras. — ele provoca com
um sorriso maroto nos lábios e segue em direção ao jatinho.
Mesmo estando a trabalho do meu novo namorado, preciso
manter a compostura e ser profissional o bastante para tratá-lo
apenas como um cliente da empresa. Caminho apressada até o jato
onde James e Patrick estão a cumprimentar o Henrick ao pé da
pequena escada. O comandante me lança um olhar repreensor por
esse pequeno descuido e atraso, logo peço desculpas ao motivo da
minha distração fingindo que nada tinha acontecido e então
entramos na aeronave atrás dele.
— Fiz o cheque pré-voo por você, Molly, mas que isso não se
repita! — James me chama atenção assim que ponho meus pés no
cockpit.
— Não irá, comandante. — pisco o olho, tentando me retratar.
Ainda que me considerando alguém da sua família, comandante
Watson jamais passaria a mão na minha cabeça por um erro meu
principalmente na aviação, poderia custar caro ignorar algum
desleixo e sob hipótese alguma eu ficaria aborrecida por sua
censura, ele só estava a fazer seu trabalho da melhor forma.
Não demoramos a chegar na França, logo nossa aeronave
estava a aterrissar no aeroporto Roissy-Charles-de-Gaulle há vinte e
três km a nordeste da capital. Diferente do restante da tripulação,
fico do lado de dentro perto da porta para me despedir do Henrick,
evitando possíveis olhares caso ele quisesse me dar algum recado.
— Tenho um compromisso em quinze minutos. — ele checa o
relógio de ouro em seu pulso. — Nos vemos mais tarde?
— Talvez. — respondo provocativa.
Ele balança a cabeça me olhando divertido e me dá um beijo
casto antes de ir embora. Preparamos a aeronave para deixarmos
na área privativa e de alto luxo do hangar e então nos direcionamos
ao nosso hotel que ficava a poucos metros do ponto turístico
principal, a torre Eiffel. Do andar que ficamos infelizmente não
tínhamos a vista privilegiada dela, talvez os andares mais acima do
nosso, mas de maneira alguma subtraía a excitação de saber que
estávamos em Paris e que podíamos dar uma volta para conhecer a
cidade assim que possível.
Tomo um banho e me arrumo para dar uma volta e aproveitar o
fim de tarde em Paris. Peço na recepção indicação de alguma
boulangerie22 ao redor do hotel e vou até uma delas para provar o
famoso croissant parisiense que faz jus a toda sua fama.
Tenho vontade de ir até o centro, mas como está anoitecendo e o
Henrick mostrou ter planos para nós mais tarde, contive minha
afobação, óbvio que eu preferia mil vezes conhecer a cidade
estando acompanhada dele. Volto para o hotel e quando aproximo o
cartão do sensor da porta do quarto, ele não funciona, tento mais
uma vez e nada, concluo que o mal de tripulante resolvera se fazer
presente. Por estarmos quase todos os dias em lugares diferentes e
acomodações diferentes, às vezes nos esquecíamos qual era o
número do nosso quarto e acabávamos tendo que passar a
vergonha de ir na recepção perguntar. Reviro os olhos e desço,
agradecendo por esse hotel ter elevador já que Paris é conhecida
por ter seus prédios baixos e suas instalações antigas, ao menos
esse a tecnologia e modernidade destoava do restante.
Enquanto espero a moça da recepção checar no computador o
número do quarto, ouço Henrick Sawyer adentrar o local com seu
timbre inconfundível e seus guarda-costas que o seguem para todo
lugar, assim que me vê, ele muda seus passos até mim,
rapidamente agradeço quando a mulher em minha frente me dá um
cartão magnético com um número cravado — certamente agora não
tem perigo de eu me perder — e vou ao seu encontro.
— O que faz aqui? — ele pergunta.
— Nada demais. — dou de ombros, não querendo dizer que eu
tive todo o trabalho de descer porque esqueci o quarto que eu
estava hospedada.
— Quero que jante comigo no meu quarto.
— Por que não pode ser no meu? — ergo a sobrancelha. — É
mais simples que o seu, mas deve caber dentro dele toda sua
soberba.
— Outra hora, senhorita Hill, mas por hoje venha até o meu. —
pisca o olho. — Na cobertura daqui a meia hora, nem um minuto a
mais, nem um minuto a menos. Não precisa ficar na defensiva, vai
entender o porquê. — ele acarinha meu queixo e sai triunfante, por
um instante até esqueço que ainda preciso me arrumar.
Subo para o meu quarto o encontrando sem demora dessa vez e
começo a me arrumar, nada de muito especial já que de acordo com
suas poucas palavras, presumo que não sairíamos da sua suíte.
Coloco um vestido simples colado na cor preta e uma sandália de
salto pequeno amarrada no pé, prendo meu cabelo num rabo de
cavalo e faço uma maquiagem leve apenas cobrindo o que não me
agradava em meu rosto, como olheiras e algumas manchinhas
avermelhadas em volta do nariz, realçando então meus olhos com
um rímel e minha boca com um lip balm. Fico pronta pontualmente
no horário marcado, logo vou em direção à sua cobertura. Os
seguranças espalhados pelo corredor do seu andar me reconhecem
e me deixam entrar sem delongas.
Passo pela porta e imediatamente meus olhos varrem os
cômodos à sua procura, o quarto mais parece um apartamento. O
primeiro espaço que tenho contato é uma sala refinada com sofás e
poltronas acolchoadas em couro que possui uma tv gigantesca e até
uma lareira ao fundo, me impressiono com tamanha imponência, eu
sabia que qualquer que fosse a cobertura seria encantadora, mas
não pensei que fosse tanto.
— Aí está você! — Henrick aparece na sala com duas taças de
vidro em mãos.
— O quarto é realmente lindo. — digo ainda observando alguns
detalhes ao meu redor.
Estava acostumada com excentricidades de alguns de nossos
clientes milionários, mas nunca estive em um quarto de hotel tão
bem projetado e decorado numa mescla de moderno e rústico que
combinava perfeitamente entre si.
— Você ainda não viu o gran finale. — sorri pelo nariz. — Venha
comigo!
Ele me conduz até o outro cômodo que nada mais é que uma
varanda enorme com uma piscina de borda infinita com vista
privilegiada para a torre Eiffel que agora tem suas luzes acesas
iluminando boa parte da cidade e parecendo um painel pintado à
mão, a água reflete a vista de maneira estarrecedora.
— Uau! — olho admirada a paisagem em minha frente.
— Imaginei que fosse gostar. Projetei essa suíte há alguns
meses, a altura de uma vista como essa.
— Projetou? — franzo a testa.
— Mandei construírem esse hotel onde e do jeito que eu julgava
ser um diferencial dos outros, acho que as pessoas também
aprovaram já que desde então a procura por esse quarto subiu. —
ele fala com brilho nos olhos. — Queria que as pessoas tivessem o
mesmo privilégio que eu ao idealizar tudo isso.
— Você tem mesmo uma veia empreendedora.
— Na verdade eu estava cansado de me hospedar em hotéis
antigos, por mais confortáveis que fossem, faltava algo. Sentia que
Paris e seus turistas mereciam mais.
— Você certamente encontrou esse mais. — o lanço um sorriso
de aprovação.
Em outros tempos, há cerca de alguns meses, eu com certeza
interpretaria suas palavras como sendo de extrema prepotência,
como se ele como o Sr. Dono do Mundo — tal como eu julgava —
usasse de seu dinheiro e influência parar mudar tudo ao seu redor
para que ficasse do seu agrado sem se importar com o resto
simplesmente para engradecer seu ego. Contudo, conhecendo mais
dele, era visível que esse homem possuía um lado que poucos
podiam ter acesso, talvez nem ele se desse conta, ele não
arquitetou o hotel visando apenas dinheiro, ele teve o cuidado de
perceber que poderia tornar ainda mais mágico a estadia de outras
pessoas naquele lugar que já era incrível por si só e isso tinha uma
sutileza tremenda, pela primeira vez ele não mostrara estar
preocupado somente com o seu umbigo.
— Hoje sim. — ele me fita intensamente e eu o encaro sem
entender. — Parece uma junção perfeita agora, essa vista e você.
Me pergunto se ele está querendo me encantar com essa
declaração e ele parece ler minha mente, respondendo minha
suspeita rapidamente.
— Eu sei que acha que quero utilizar o momento a meu favor,
mas eu não estou mentindo, você é a primeira mulher que trago
aqui e hoje mais do que nunca eu vejo que valeu à pena.
Envolvo meus braços ao redor do seu pescoço e embrenho
minhas mãos em seus cabelos macios, selando nossos lábios com
um beijo emocionado, Henrick estava se mostrando outra pessoa e
não parecia forçação de barra.
Sentamos à mesa e então o seu chef particular trouxe nossos
pratos, em seguida enchendo nossas taças com um vinho
maravilhoso escolhido por Henrick. O jantar fora uma delícia, não
somente pela comida saborosa, mas também pela junção do vinho,
da companhia do meu lindo namorado e daquela vista estupenda
em nossa frente.
Mais algumas taças de vinho e eu comecei a achar que subira
um calor repentino, mesmo com o vento frio de Paris a se chocar
conosco. Me levanto sob o olhar profundo de Henrick e caminho até
a borda da piscina, tiro minhas sandálias logo após tirar meu
vestido, ficando apenas com minhas peças íntimas e o lanço um
risinho maroto antes de me jogar na água quentinha. Nado
calmamente rente ao fundo iluminado da piscina e emerjo do lado
oposto, me apoiando na borda a vislumbrar a cidade, esperando
obviamente que ele deixe de lado a postura alinhada e se junte a
mim.
CAPÍTULO 19
Molly Hill
Sua entrada na piscina fora silenciosa e eu só percebi que ele
havia mesmo se juntado a mim quando a água se mexera vagarosa
ao meu redor e eu pude sentir sua respiração quente tocar meus
ombros desnudos. Suas mãos grandes envolveram meu corpo num
abraço e eu logo fui capaz de sentir seu desejo tomando forma, mas
nada além disso, ele apenas repousou sua cabeça em meu ombro e
se pôs a admirar a preciosa vista à nossa frente. Estando mais
alegrinha por conta do álcool e até um pouco mais ousada, não
espero uma atitude vinda de sua parte e já me viro com pressa
atacando seus lábios, talvez essa fosse a coragem que eu precisava
para esquecer que ainda não confiava 100% nele para tomar esse
passo, mas naquele momento eu realmente não conseguia pensar
em mais nada racional. Me apoio em seu pescoço e prendo minhas
pernas em volta da sua cintura, ele me prensa contra a parede e
acentua o contato. O beijo com certa urgência, sentindo todo o meu
corpo reagir ao estímulo de nossas bocas devorando uma à outra.
— Eu quero você, Henrick. — me adianto em pedir numa espécie
de desespero mediante a minha situação. — Agora.
— Não mais do que eu, Molly, mas eu não vou fazer nada com
você alterada. — seus olhos me analisam.
— O quê? Mas voc... — começo com uma voz manhosa, mas
nem de longe surte o efeito que eu gostaria.
— Quero que seja vívida em sua memória todas as coisas que
pretendo fazer com você, senhorita Hill. — ele diz em um timbre
endurecido, puxando meu cabelo ferozmente, meu corpo amolece
de imediato. — Agora vem, vou te colocar pra dormir como um
bebezinho. — suas palavras possuem duplo sentido e seu sorriso
maroto só confirma minha tese, mas finjo não me importar e o sigo
até a escadinha da piscina.
Henrick me entrega uma toalha felpuda para que eu me
enxugue, mas a julgar meus sorrisos bobos por absolutamente
qualquer coisa que saísse de sua boca, decidimos que o melhor
mesmo era um banho, eu não estava bêbada, até porque nem tinha
tomado vinho suficiente para isso, mas estava visivelmente alterada,
então fui para debaixo do chuveiro. Pensei que o álcool fosse ser a
melhor opção para me encorajar a seguir meu coração e não minha
razão de modo a tomar certas atitudes sem a pressão de me culpar
depois, mas pelo visto minha ideia fora ralo baixo, meu querido
namorado havia descordado e não quisera tocar um dedo em mim
sem que eu estivesse completamente sóbria.
Enrolada na toalha e um tanto ruborizada, me sento na cama
esperando que ele pegue alguma camisa sua para que eu possa
vestir e eu fique um pouco mais decente, se é que é possível, mas
meus olhos pesam e os minutos em que se ausentara me parecem
horas, mal sinto meu corpo procurar aconchego em seu travesseiro
que ainda contém seu cheiro, quando dou por mim já estou a deitar
adormecendo e sua voz chega até os meus ouvidos num volume
quase inaudível.
Acordo no dia seguinte com a estranha sensação de que não
estou mais sobre seus lençóis fofinhos e ao abrir os olhos tenho a
confirmação, estou na minha própria cama que é sem sombra de
dúvidas muito confortável, mas não chega aos pés da cama do
Henrick, muito menos possui seu perfume inebriante. Esfrego os
olhos ponderando se a noite passada tinha sido apenas um sonho e
eu ainda estava confusa, mas ao colocar os olhos na mensagem
que chega em meu celular, constato que foi tudo real.
“Torço pra que tenha acordado sem nenhuma dorzinha de
cabeça, mas caso precise, tem um comprimido ao lado da sua
cama. Espero você pra tomar café da manhã comigo! — Henrick
Sawyer.”
Viro os olhos com o seu exagero, eu não precisava de remédio
algum, simplesmente pois não estava de ressaca, muito menos com
dor de cabeça, mas não posso deixar de achar fofo sua
preocupação, principalmente sua coerência em não aceitar fazer
absolutamente nada comigo mesmo que isso tenha me frustrado.
Ainda que eu queira vê-lo o quanto antes, uso de meu bom senso e
decido que é mais lógico que eu me junte a minha tripulação por
hoje, sou namorada do Sr. Dono do Mundo, mas isso não me torna
uma, continuo sendo apenas sua funcionária, então deveria agir
como tal, o envio uma mensagem avisando e vou trocar de roupa.
— Onde está o Patrick? — pergunto ao James que toma café da
manhã sozinho, me sentando à mesa em sua companhia.
— Não o vi, deve estar evitando esbarrar em você. — dá de
ombros.
— Quero ver até onde vai essa implicância dele. — bufo um
tanto irritada, mas não prolongo o assunto.
— Também acho exagero, mas ele não aceita conselhos...
— Com licença. — um pigarrear ao nosso lado chama nossa
atenção e eu ergo a sobrancelha quando me deparo com Henrick. O
que diabos ele queria ali? — Algum problema se eu sentar com
vocês?
— Mas é claro que não, fique à vontade Sr. Sawyer! — James o
responde gentil, vendo que eu ainda estava estagnada a encará-lo.
— Você vai se opor a isso? — Henrick me questiona em virtude
do meu silêncio.
Meu olhar se intensifica sobre ele, mas não de uma maneira
negativa, e tentando ainda absorver essa sua atitude, me pego
extasiada por ele estar a sair de sua bolha só para estar comigo, era
simplesmente apaixonante e inacreditável.
— Não, só fiquei surpresa. — me esforço para conter um sorriso
tonto de canto a canto com sua demonstração de carinho, mesmo
sem se dar conta.
Ele e James engatam numa conversa natural sobre política
compartilhando suas posições que se assemelham em vários
aspectos e ainda que eu não entenda nada, não me sinto deslocada
por estar fora do pequeno debate, muito pelo contrário, assisto a
tudo envaidecida por ver o homem admirável que o Henrick está se
tornando, nada de soberba, mau-caratismo, ou o forçar de uma falsa
realidade.
— Bom, eu peço que me deem licença, mas eu vou ir dar minha
caminhada matinal, que inclusive já estou atrasado porque deveria
ter ido em jejum. — James justifica sua saída ao se levantar. —
Sinta-se à vontade pra se juntar a nós mais vezes, Sr. Sawyer.
— Será um prazer, Watson! — Henrick aceita o aperto de mãos
do James.
— Até mais, filha. — me dá um beijo carinhoso na cabeça antes
de se afastar, eu retribuo o gesto com um beijo em sua mão.
— Estou me sentindo observado. — ele me encara com um
risinho sem jeito.
— E está mesmo, mas não de uma maneira ruim, não se
preocupe. — faço carinho em sua barba por fazer enquanto fito seus
olhos cintilantes.
— O que acha de irmos conhecer a cidade?
— Acho ótimo, só me dê um tempo pra eu me arrumar. — peço a
me levantar.
— Claro, me avise quando estiver pronta.
— Não demoro.
Dou alguns passos para longe e ele inesperadamente me puxa
contra si.
— Não ganho nem um beijo de bom dia? — um sorriso malicioso
se forma em seus lábios e eu não resisto, aliás, suspeito que
ultimamente tem sido terrivelmente falho resistir a qualquer sinal de
proximidade sua.
Nosso passeio pelas ruas de Paris fora extremamente agradável,
como ele já havia estado ali, conhecia bem a cidade e sabia
exatamente quais lugares visitar, contudo, nenhuma parada barrou a
parada para observar a Torre Eiffel e sua majestosa altura e
enfeites. Mesmo estando rodeados de seguranças, que mantiveram
certa distância nos deixando respirar um pouco, a sensação era de
como se estivéssemos sozinhos, estávamos sentados na grama
bem em frente ao cartão postal da França namorando como se
fôssemos um casal comum sem sequer lembrar que há alguns
meses brigávamos como gato e rato.
Quando voltamos para o hotel, nos despedimos na porta do meu
quarto, antes o convido para entrar, mas ele se nega, então tenho a
impressão de que ele está a fugir de mim e que se eu não tomo uma
atitude imediata, nada vai adiante, agora é tudo ou nada, até porque
que outro lugar seria mais romântico para fazer isso do que Paris?
Enquanto tomo banho, minha mente se transforma em um turbilhão
de incertezas, me forço ao máximo a deixar que minhas
inseguranças desçam ralo abaixo, mas a ideia de que talvez eu
esteja indo rápido demais e que eu me arrependa desse passo
depois me causa um certo incômodo. Em contrapartida, penso que
se eu continuar me curvando a razão e ao medo de ser machucada
sempre, eu vou acabar perdendo de viver muitas aventuras, e se eu
resolvi dar um voto de confiança para que o Henrick se aproximasse
de mim, nada mais justo deixar que as coisas fluam sem
julgamentos ou culpa, afinal, estar com ele é uma via de mão dupla,
ou eu perco feio ou eu ganho, então se eu perder, que eu saiba
perder da melhor forma, tendo plena consciência de que eu apenas
fiz o que tinha que fazer porque queria fazer. Respiro fundo e tomo a
decisão que com toda certeza vai ser o divisor de águas do nosso
relacionamento, coloco um robe de seda por cima da minha
camisola e vou até o seu quarto.
Abro a porta lentamente e não o avisto de imediato, a sala e o
quarto estão vazios, caminho em passos leves em direção à
varanda e lá está ele, ainda vestido socialmente, sentado à mesa a
mexer em seu notebook fazendo o que suponho ser seu trabalho.
— Foi pra isso que me deu um gelo? Pra se enfiar no trabalho de
novo? — o olho provocativa, ele parece não acreditar que estou em
seu quarto sem sua permissão e somente em trajes íntimos, me
olha de cima abaixo atônito.
— Eu precisava ocupar minha mente pra esquecer a besteira
que foi recusar seu convite, senão eu desceria até você e te
roubaria pra mim, te faria minha a todo custo. — confessa num tom
possessivo fazendo um passeio com seus olhos por todo o meu
corpo
— Como você mesmo já ousou dizer, eu me fiz sua no momento
que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez. — digo o
encarando sugestiva enquanto desato o laço do meu robe e faço
menção de tirar, mas o vento gelado parisiense atrapalha meus
planos ainda que meu corpo inteiro queime de desejo como o
inferno, então estendo minha mão e ele logo entende, o conduzo de
volta para dentro do quarto.
— Você tem certeza de que é isso que quer? — ele se senta na
ponta da cama e se mantém a uma certa distância de mim, o
respondo tirando minhas vestes e ficando completamente nua.
— Nunca estive tão certa disso.
— No minuto em que eu pôr minhas mãos em você, senhorita
Hill, não terá mais volta, você será minha pra sempre. — assume,
ainda vidrado em mim.
Me pergunto como ele consegue tocar minha alma apenas com
palavras que não se parecem nem um pouco serem premeditadas,
permeando meu ego e orgulho, me desarmando por inteira.
— Eu aceito o risco.
— Ah, quantas coisas sujas eu quero fazer com você...
Ele balança a cabeça e respira fundo como se tentasse impedir
que seus instintos primitivos fossem postos para fora, mas eu não
tenho nenhuma pretensão de voltar atrás.
— Me faça sua hoje, Sr. Sawyer, eu quero ser sua hoje e
sempre.
CAPÍTULO 20
Molly Hill
Henrick se levanta depressa e toma meus lábios com avidez,
colando nossos corpos. Embrenho minhas mãos em seus cabelos
os puxando com urgência, fazendo com que nosso beijo se
intensifique cada vez mais. O quarto parece não ter espaço
suficiente para acomodar a quentura que emana de nosso interior.
Puxo sua camisa e começo a desabotoá-la de botão em botão
desastradamente em virtude da pressa, ele tira suas mãos de mim
apenas para que eu deslize as mangas pelos seus braços, caindo
ao chão. Sinto seu peitoral desnudo encostar em meus seios e é o
ato mais ingênuo e erótico ao mesmo tempo que há alguns dias
sequer ousaria atravessar a minha mente. Tateio sua pele e me
delicio com a extensão das suas costas e ombros largos, vou
descendo afoitamente minhas mãos pela sua barriga sarada e
alcanço o cós da peça inferior, abro seu cinto preto de couro e a sua
calça sem demora, tenho sua ajuda para passá-la pelos seus pés e
ele a empurra para longe.
Com muito custo consigo cessar o beijo, ficando de joelhos,
faminta para saber se o gosto do seu pau é tão bom quanto o gosto
da sua boca. Ele parece não acreditar que eu estou a tomar certas
rédeas, mas não me intimido, lanço um olhar sedutor antes de puxar
sua cueca boxer e abocanhar seu membro, só o que escuto é um
palavrão saindo por entre seus lábios. Seu pau é condizente com o
seu porte físico, grande e de invejável diâmetro, deliciosamente bem
feito assim como toda parte do seu corpo. Descubro que seu sabor
é muito melhor do que qualquer coisa que eu já experimentei, chupo
seu pau com vontade e o que não cabe na boca estimulo com a
mão, faço movimentos circulares com a língua em sua glande e olho
para cima desfrutando da expressão de prazer que se forma em seu
rosto, bem como seus gemidos que me incentivam a continuar meu
serviço. Sugo a pontinha e o vejo ir ao delírio, mas não me demoro,
subo de volta procurando sua boca.
O empurro selvagemente e ele cai na cama atrás de si
procurando uma posição confortável para deitar, engatinho até ele
como uma leoa no cio prestes a urrar para ser devorada. Me inclino
para beijá-lo enquanto posiciono seu pau na entrada da minha
buceta e monto tal como se ele fosse um cavalo de competição,
com precisão, firmemente. Controlo meu peso me apoiando em seu
peito e subo e desço aceleradamente, seus olhos azuis assumem
um tom mais escuro e me encaram com satisfação, corto nosso
contato visual apenas para jogar a cabeça para trás e desfrutar do
movimento que me tem radiante, sinto meu interior contrair com o
impulso. Inclino seu rosto para o lado e vou deixando mordiscadas e
lambidas em seu pescoço, bem como em sua orelha, um risinho
faceiro surge que me tem ainda mais excitada por ele estar a
abdicar do controle e se entregar as minhas investidas, contudo,
não demora nada para que ele assuma sua posição dominante e me
renda.
Henrick põe minhas mãos acima da cabeça e as deixa presa de
maneira que não consigo fazer força alguma para me soltar.
— Aprenda uma coisa sobre mim, senhorita Hill. — ele começa
dizendo baixinho ao meu pé do ouvido, me arrepiando dos pés à
cabeça. — Na cama e na vida quem manda sou eu.
— Não por muito tempo, Sr. Sawyer. — me atrevo a desafiá-lo,
ele apenas me fita como se pudesse enxergar muito além de
qualquer palavra que eu pudesse pronunciar.
Sua mão escorrega lentamente, passando pelos meus seios,
barriga e ventre de forma que todos os meus pelos se ouriçam, até
chegar lá embaixo. Ele não precisa dizer nada para eu entender que
seus próximos movimentos serão de castigo, de provar para mim
quem é que manda, não me oponho, gosto de estar por cima, mas
prefiro mil vezes ser a dominada. Ele lubrifica seus dedos na minha
entrada que está encharcada e para no meu ponto, fazendo
movimentos circulares e consecutivos. Arqueio minhas costas e
abro mais minhas pernas automaticamente, completamente
entregue. Pelo nível de excitação, não demora que eu comece a
perceber os sinais de que eu atingiria o ápice a qualquer momento,
mas ele abruptamente para e eu o olho numa mistura de
indignação.
— Não para. — falo quase num tom quase inaudível.
— Eu quero que me peça.
— Sim.
Ele volta a me masturbar, mas interrompe novamente e eu sinto
uma lágrima de desespero se formar em meus olhos.
— Sim o quê?
— Sim, senhor. Por favor, continua. — o imploro.
— Você é minha, senhorita Hill.
— Sou sua, Henrick.
— Diga o que sou seu. — me provoca mais uma vez, entre
estímulos e intromissões.
— Meu dono. — respondo convicta de que era isso que ele
queria ouvir. — Você pode fazer o que quiser comigo, Sr. Sawyer.
Chego ao clímax quando ele finalmente decide encerrar a tortura
e continuar o trabalho, meu coração bate descompassado e minhas
pernas tremem, por um segundo eu penso que estou prestes a
desmaiar de tão intenso que fora. Sem nenhum pudor, Henrick se
perde em meio as minhas pernas, lambe minha buceta e toma todo
o líquido que derramo.
Empino minha bunda ficando de quatro, me surpreendo com seu
tamanho entrando dentro de mim de uma vez, o pequeno incômodo
dá espaço para um imenso prazer e ele logo prossegue com um vai
e vem alucinante. Com infinita maestria, Henrick Sawyer sabe como
satisfazer uma mulher, a prova disso é que gozo pela segunda vez
na noite e poderia ir para uma terceira se ele não viesse em
seguida.
Ficamos os dois deitados lado a lado quando tudo acabou, a
encarar o teto com um sorriso serelepe no rosto. Peito subindo e
descendo, leve falta de ar, rubor em nossos rostos, o retrato ideal do
perfeito encaixe que éramos. Henrick se volta para mim, apoiando-
se em sua mão e fixa seus olhos em mim. Beira a loucura depois da
bagunça que fizemos, mas fico intimidada e envergonhada com
esse contato. Desvio minha atenção o máximo que consigo, mas em
seu olhar há quase que um imã invisível a favor dos meus e eu volto
a admirá-lo, sentindo um comichar inédito na barriga que ninguém
nunca antes me fez sentir.
— Você é linda, Molly. — ele declara, dedilhando meu nariz e
boca como se traçasse uma linha imaginária.
— Você é suspeito pra falar. — minhas bochechas queimam num
misto de timidez e contentamento.
— É verdade. — concorda.
— O que está pensando, Sr. Sawyer?
— No tempo que eu perdi tentando convencer a mim mesmo que
eu conseguiria fugir do que o seu olhar me causa.
— Não sabia que tinha todo esse poder sobre você.
— Não apenas sobre mim.
— Você só está sendo gentil. — sorrio de lado querendo correr
para longe desse assunto.
— Seus olhos, seu corpo, sua boca, seu jeito e até a sua
teimosia me trouxeram pra perto. — ele coloca uma mecha da
minha franja suada que cai sobre o meu rosto para trás. —
Inexplicavelmente.
— Talvez tenha sido obra do destino nós dois aqui.
— Não acredito em destino, mas se eu acreditasse certamente
diria que sim. Tenho a sorte de ter essa boca deliciosa só para mim.
Henrick aperta meu queixo com força, deixando de lado seu lado
carinhoso e voltando a ser o alfa mandão que era, cola nossos
corpos e me beija ferozmente, ali fica mais do que claro que aquele
estava longe de ser o último da noite, não só queríamos como
precisamos de um segundo round e eu tinha fôlego de sobra para
acompanhá-lo.
Arrumo a cabine de passageiros com um sorriso largo no rosto
lembrando da noite passada. Passamos mais dois dias em Paris e
então chegara o dia de retorno, eu estava ansiosa para voltar para
New York e contar tudo para a minha amiga. Checo se as poltronas
estão na posição vertical e se os cintos estão em ótima condição e
tão concentrada no meu serviço e devaneios, não percebo a
presença de Patrick perto de mim, acho que ele vai me ignorar, mas
diferente das outras vezes, fala comigo.
— É, tanto fez que o Sr. Sawyer conseguiu mesmo o que queria.
— debocha.
— Pra abrir a boca pra vir me atacar é melhor que você continue
sem falar comigo.
— Estão tão íntimos assim, a ponto de se armar em sua defesa?
— O que você quer, Patrick? — cruzo os braços a encará-lo.
— Só quero dizer que me preocupo com você e acho que essa
história não vai acabar bem.
— Sou bem grandinha pra arcar com as consequências das
minhas escolhas e cuidar da minha vida, você deveria fazer o
mesmo.
— Não pense que ele está sendo cem porcento sincero com
você, porque ele não está.
— O que está insinuando?
— Ainda não sei dizer, mas escute o que eu estou dizendo,
Molly... — ele segura meu braço me forçando a prestar atenção em
seu discurso sem pé e nem cabeça. — Eu vou até o inferno pra
conseguir abrir seus olhos se preciso for, antes que você se estrepe
feio.
Abro a boca para tirar essa ameaça a limpo, mas somos
surpreendidos por Henrick que mostra não gostar nem um pouco da
cena que vê.
— Estou atrapalhando alguma coisa?
— Não, meu bem. — forço um sorriso amarelo tentando não
transparecer que havia algo de errado. — Patrick veio me dar um
recado do James, não é isso, Patrick?
— Um café forte e sem açúcar. — seu semblante enfurecido não
muda, mas pelo menos ele não desmoraliza minha mentira, logo sai,
deixando-nos a sós.
— Esse cara estava aborrecendo você? — Henrick pergunta com
o maxilar travado de raiva.
— Não, até porque... — o seguro pela pala do seu paletó,
aproximando meu rosto do seu bem mais do que eu deveria. —
Depois de ontem vai ser difícil alguém me tirar do sério. — tento
ganhá-lo a fazer uma voz sensual e dá certo, em questão de
segundos sua expressão alivia e ele me dá um selinho.
— Bom saber. — diz convencido.
Quero não me apegar a ameaça declarada de Patrick, mas algo
me diz que ainda vamos ter muito pano e dor de cabeça com o
desenrolar dessa história.
CAPÍTULO 21
Molly Hill
Aterrissamos em Nova Iorque sob um mal tempo que se formara
de uma hora para outra e mesmo com os alertas da torre de pista
molhada e escorregadia, com sorte não tivemos nenhum
contratempo. Adianto meu serviço pós-voo enquanto o Henrick me
espera dentro do carro demonstrando impaciência depois de ter
pedido quase que insistentemente para me levar para casa
imediatamente e eu me recusar, alegando que ainda tinha coisas
para fazer no interior da aeronave. Ao terminar, despeço-me do
James e vou ao seu encontro o mais rápido que consigo.
— Você sabe que pode sair junto comigo quando o voo termina,
não sabe? — ele diz, erguendo uma das sobrancelhas, como quem
me dá uma ordem subliminar quando o carro começa a andar.
— Quando o avião pousa, o voo se encerra pra você, Henrick,
não pra gente. — tento explicar com a maior paciência do mundo o
que é óbvio.
— Você está comigo agora, não precisa ficar.
— Esse é o meu trabalho e eu vou cumprir com as minhas
obrigações até o último minuto, pensei que já tínhamos nos
entendido quanto a isso.
— Tudo bem. — responde meio contrariado e eu decido não dar
continuidade ao assunto.
Os minutos até o carro parar em frente ao meu prédio foram
bastante embaraçosos já que o silêncio passou a reinar após nosso
breve desentendimento, dou um beijo rápido no Henrick e desço,
sabendo bem que ele não viria atrás de mim, pois essa questão do
meu trabalho ainda o deixava chateado e ele era osso duro de
driblar quando raivoso, mas não é algo que eu possa ou tenha
pretensão de mudar, não vou simplesmente aceitar algumas
condições impostas para agradá-lo ou para que nosso
relacionamento se blinde as discussões, como voltar a trabalhar
exclusivamente para ele e me abster de algumas tarefas por ele ser
quem é, eu amo cada parte da função que é ser comissária, das
partes mais inconvenientes até as mais incríveis, não vou ser
displicente com o meu serviço só porque ele não vê problema, ele
me conheceu sendo uma comissária e terá que me aceitar como
sua namorada sendo uma comissária, meu trabalho sempre estará
em primeiro plano, assim como tenho plena convicção de que seus
negócios estarão em primeiro lugar a todo momento.
Subo para o meu apartamento, tomo um banho relaxante e faço
um almoço rápido e simples para comer. Jogada no sofá, passo os
canais sem muito ânimo enquanto penso se devo ou não ligar para
a Olivia, se ela não pode estar ocupada ou algo do tipo, até que
decido enviar uma mensagem pedindo que ligue para mim quando
puder, os tiques de confirmação de leitura mal ficam azuis e a sua
foto preenche a tela do meu celular em recebimento a sua chamada
de áudio.
— Ora, ora, ela finalmente lembrou que eu existo! — minha
amiga diz dramática tal como sempre. — Mas também com um
Deus grego daquele em plena Paris, quem sou eu na fila do pão,
não é?
— Não é pra tanto, Olivia. — dou risada.
— Aham, sei, e eu sou a Melania Trump. — caçoa. — Você
sumiu daqui todo o tempo que passou lá, Molly. Parece que suas
mãos estiveram muito ocupadas, huh? Ou talvez a boca? Ou talvez
os dois? — ouço seu ar pasmo e debochado do outro lado da linha,
ela quase grita em meus ouvidos.
— Olivia! — tento freá-la, mas ela está impossível.
— Quero saber de tudo, até dos detalhes sórdidos.
— Prefiro te poupar desses detalhes. — me esquivo, mas um
sorriso bobo surge ao lembrar da nossa noite.
— Ai, amiga, pode me contar sua noite libidinosa, minha
passagem pro céu foi cancelada mesmo. — gargalha.
— Foi incrível...
Conto tudo para a Olivia, tudo, sem tirar e nem pôr, e é inevitável
não sentir meu ventre formigar numa ânsia de que nossa noite volte
a se repetir o mais breve possível.
— Fico feliz que tenha se soltado das suas amarras, até porque
bancar a puritana é um desperdício perto de toda indecência que se
pode fazer com aquele homem.
— Nunca quis fazer o tipo puritana, Olivia, eu só era mais, hm,
cautelosa.
— Sei disso, minha amiga, você quis esperar pra se dar uma
chance ao amor outra vez e eu entendo perfeitamente. E agora que
encontrou seu pedaço de mau caminho, faça bom uso, transe no
mínimo até ficar assada.
— Olivia, por favor! — rio do seu descaramento, como se eu já
não tivesse acostumada o bastante a ouvir suas loucuras vez ou
outra.
— A vida foi feita pra viver e pra mim viver é transar, oras!
— Ah, claro, é sinônimo. — zombo.
— Mas é claro que é! Além do mais que o Sawyer já foi pra Paris
mal intencionado.
— Não tem dedo seu, tem?
— Na noite fervorosa de vocês não, só no destino. — escuto sua
risada marota e me pergunto como eu não me dei conta antes de
que a única pessoa que pode ter falado ao Henrick da minha paixão
por conhecer esse lugar, era a Olivia.
— Mas como?
— Ele veio pedir arrego pra o Connor, querendo fazer algo
diferente pra você, levar você pra algum lugar especial e eu, bem,
ouvi a conversa e você sabe, me meti onde não era chamada.
— Como sempre!
— Como sempre. E graças a mim você teve sua linda noite
inesquecível de frente pra o ponto turístico mais desejado de todos.
— diz convencida.
— Então me apresentar aquela suíte nunca esteve nos planos
dele? — pergunto cabisbaixa achando que o que ele falara sobre
me levar lá fora apenas encenação.
— Nem vem com paranoia, amiga! Claro que estava, ele
provavelmente só não deveria imaginar como poderia transcender o
mágico te levar lá.
— Com ele qualquer lugar teria sido mágico. — baixo a guarda.
— Tem certeza? E se a tal suíte que você tá falando fosse em
qualquer outra parte do mundo?
— É, realmente não teria esse Q a mais que só Paris tem. —
confesso depois de pensar um pouquinho.
— Não boicote vocês pensando demais!
— Não vou.
Meu celular indica outra chamada, então me despeço da Olivia
achando que poderia ser alguém da empresa.
— Vou ter que desligar agora, tem alguém me ligando.
— Tudo bem, se cuida!
— Alô. — atendo não conhecendo o número no visor.
— Senhorita Hill? — a voz umedecedora de calcinhas do Henrick
Sawyer soa na linha.
— Já está com saudades, Sr. Sawyer? — o provoco, sem
pretensão de lembrá-lo que há algumas horas o mesmo estava
bravo comigo.
— Não sou eu quem deveria perguntar isso? — ele diz querendo
bancar o durão.
— Mas é você quem está me ligando.
— Pois bem, podemos sair pra jantar?
— Humm... — dou uma olhada na hora no relógio de parede. —
Podemos.
— Estou ligando da empresa, pego você às 8 PM. 8 PM está
bom pra você?
Uma ideia diferente me vem em mente assim que ele fala que
está no trabalho, já conheci sua empresa antes, mas nunca o vi de
fato em sua mesa exalando seu charme e poder, que mal faria
aparecer por lá e lhe fazer surpresa?
— Melhor, eu te encontro lá, me passe o endereço por
mensagem. — peço.
— Tá, te vejo em breve.
— Mal posso esperar. — sorrio maliciosa.
Coloco um vestido simples midi na cor preta justo ao corpo e por
cima um sobretudo já prevendo a mudança de clima repentina da
minha querida cidade, ponho um salto não muito alto e uma bolsa
de ombro pequena, quero passar despercebida, mas estar elegante
ao mesmo tempo.
Não demoro para avistar a fachada de sua empresa, por já ter
estado lá, meu nome consta no sistema. Chegando no último andar,
vou até uma de suas secretárias e peço que não anuncie minha
chegada, pois iria fazê-lo uma surpresa, para a minha surpresa ela
não nega, o que me faz suspeitar de que ele tenha dado meu nome
como alguém especial, até mesmo porque uma estranha chegar na
surdina na sala particular do dono da empresa é algo, no mínimo,
inadmissível. Entrego meu casaco a uma das moças e sigo em
direção à uma porta gigantesca ao fundo do corredor, abro
lentamente e o encontro a ler uma papelada em suas mãos. Henrick
está concentrado e sério, seu cenho franzido denota a importância
do que lê. Sua postura não está relaxada, muito pelo contrário, ele
está perfeitamente ereto em sua poltrona, demonstrando a
segurança e disciplina com os seus negócios. Suspiro encantada o
admirando às escondidas, quando por fim consigo formular alguma
frase, dou duas batidas leves na porta chamando sua atenção.
— Tem um minuto pra mim, Sr. Sawyer?
Seus olhos rapidamente saem do papel e vêm de encontro aos
meus, ele inclina a cabeça levemente como quem está surpreso e
se perguntando o que estou a fazer ali, e não é para menos. Sorrio
de lado, fechando a porta atrás de mim e mais do que isso,
conferindo se a tranquei bem.
— Não esperava te encontrar aqui. — ele diz ainda estático.
— Não está feliz em me ver?
— Estou surpreso.
— Isso não responde minha pergunta.
— Estou duro, se quer saber. — finalmente ele levanta, me
olhando dos pés a cabeça, seu olhar denuncia que suas intenções
não são nada decentes.
Henrick mal encosta suas mãos em mim e eu já estou molhada
só de saber que minha surpresa o atingira de maneira radiante.
— Acho que você vai se atrasar pra o seu compromisso, Sr.
Sawyer. — sorrio tímida quando ele passa as mãos pelos meus
ombros, incendiando-me por inteira.
— Meu compromisso pode esperar. — seu timbre pesado atinge
meus ouvidos de modo possessivo.
Sua boca encontra o meu pescoço e distribui beijos molhados
por todo ele, Henrick me olha mais uma vez de cima a baixo e então
me beija com vontade. Fico na ponta dos pés e agarro seu pescoço,
grudando nossos corpos. Não me importo com mais nada, se ficarei
uma bagunça depois ou que alguém lá fora fantasie alguma coisa,
apenas quero senti-lo por toda a minha pele e dentro de mim.
Henrick me vira com presteza e me debruça selvagemente sobre
sua mesa, em cima de seus papéis, dou um sorrisinho de lado
ansiosa para tê-lo novamente.
— Se soubesse as vezes que eu bati uma imaginando foder você
aqui nessa mesa. — admite em meio a grunhidos roucos.
Sinto seu pau pressionar minha bunda e na mesma rapidez que
ele toma a situação, levanta meu vestido, não acreditando na visão
que se revela.
— Senhorita Hill, você é uma caixinha de surpresas. — ele
aperta minha bunda vendo que estou sem calcinha, pronta para
recebê-lo.
Não consigo conter meu gemido alto quando ele se encaixa com
força e com tudo em mim, seus movimentos são precisos e me
deixam cada vez mais excitada. Agarro firme a mesa enquanto ele
entra e sai numa velocidade e pressão absurda. Ele segura meus
cabelos o puxando sem delicadeza alguma, minhas pernas tremem
e um calor gigantesco sobe, sinto um comichão no meu ventre
indicando meu ápice e em questão de segundos, vou ao céu e volto.
Se estivesse em pé, tenho certeza que não aguentaria sustentar
meu corpo, iria de encontro ao chão com tamanho prazer.
— Eu te amo, Molly!
O ar se dissipa dos meus pulmões ao escutar sua voz, penso
que estou a delirar e imaginar coisas que a pouco pareciam
inalcançáveis, mas ele continua e eu não posso segurar as lágrimas
que me surgem.
— Que se foda se parece cedo demais! Não sei o que é amor,
mas só pode ser isso. — ele puxa meu corpo para cima até si e me
envolve em um abraço por trás, suas mãos apertam de leve meu
pescoço e um gemido escapa de seus lábios indicando que ele
havia gozado.
Em meio aos nossos suspiros e respirações pesadas, sou
apenas uma mistura de emoção e volúpia, e mais do que isso...
amor, eu sabia o que era o amor e só podia ser isso.
CAPÍTULO 22
Molly Hill
Dia seguinte, acordo dependendo apenas do meu despertador
biológico, pois não havia voo algum escalado para nossa tripulação
e pela primeira vez eu estava tranquila quanto a isso, o cansaço me
vencera. Vou até a cozinha e abro a geladeira vendo que não tem
nenhuma comida pronta para improvisar, o que quer que eu
quisesse comer eu teria que fazer e eu tinha atingido minha cota de
preguiça do dia, mesmo tendo acabado de acordar, então decido ir
almoçar fora na companhia da minha própria companhia. Por não
ser um costume comer fora, a não ser quando saio com a Olivia ou
quando estou a serviço pago pela empresa, resolvo me dar ao luxo
de ir almoçar em um dos restaurantes mais prestigiados de Nova
Iorque só para mudar os ares.
Lá peço um drink refrescante enquanto espero o prato principal,
com o rosto apoiado nas mãos fico a observar a movimentação da
rua despretensiosamente, mas me assusto quando
inesperadamente meus olhos batem no que eu achava que fosse
loucura da minha cabeça, a cena do Travis e Patrick a sair do
empresarial, situado em frente ao restaurante, conversando como
se fossem amigos de longa data ou coisa do tipo. Quero não
acreditar que a confusão que o Travis criou com o Henrick e comigo
não tenha dedo dessa amizade, mas é difícil. Mas afinal, porque ele
arruinaria seu negócio rentável com a empresa Sawyer por tão
pouco? E mais, como poderia haver alguma relação entre eles e o
Henrick não ter conhecimento? Ou tudo fora apenas uma infeliz
coincidência ou uma tremenda armação em prol de algo muito
maior, só não consigo associar a participação do Patrick nisso tudo.
Me levanto enfurecida pronta para ir até eles e tirar essa história a
limpo, mas meu corpo se choca com o de alguém, alguém que eu
não esperava encontrar ali, não hoje.
— Henrick?
— Molly? — dissemos uníssonos. — Por que está assim
assustada? — ele me analisa.
Olho mais uma vez para fora e vejo que os dois evaporaram
como num passo de mágica, podem ter entrado em algum veículo
ou em algum outro prédio, decido não tirar conclusões precipitadas
e levantar algum falso, muito menos envolver o Henrick nisso, era
capaz dele querer resolver isso de forma nada convencional e
pacífica.
— Assustada? Não, é impressão sua. — sorrio amarelo,
tentando contornar a situação, mas o meu gaguejar repentino não
ajuda. — Na verdade você tem razão, eu pensei ter visto o Connor
lá fora com outra mulher e eu estava a ir lá matá-lo pela minha
amiga se realmente fosse.
— O Thompson trair a Morris? — Henrick me encara com um
sorriso divertido no rosto, parecendo ter caído na minha mentira. —
Em outros tempos ou com outras mulheres eu não duvidaria, mas
não a sua amiga, posso garantir.
— Ótimo, sabendo disso as chances de eu ir parar na cadeia por
assassinato sob tortura agora são zero.
Ele joga a cabeça para trás numa gargalhada gostosa.
— Devo começar a temê-la, senhorita Hill? — ergue uma
sobrancelha.
— É bom, a menos que queira o mesmo fim. — brinco,
segurando na pala do seu paletó para um beijo.
— Por que não me avisou que estava aqui? Teria vindo almoçar
com você. — diz, sentando-se à mesa de frente para mim, faço o
mesmo.
— Tecnicamente você ainda pode almoçar comigo, fiz o pedido
agora pouco.
— Claro, será um prazer. — Henrick sorri de lado do jeito sexy
que só ele sabe passando seus olhos pelo cardápio. — Por que não
me ligou? Venho aqui sempre que estou na empresa.
— Pensei que tivesse coisas mais importantes pra fazer. — dou
de ombros.
— Mais importante que estar com você? Acho pouco provável.
Lanço um risinho discreto e apaixonado, controlando-me para
não o agarrar ali mesmo.
— Estou pensando em chamar a Olivia pra sair hoje à noite, ela
anda tão sobrecarregada esses meses.
— Acho uma ótima ideia.
— Não quer ir com a gente? — estendo a mão sobre a mesa o
encarando manhosa, ele não demora a juntar nossas mãos e fazer
um carinho.
— Adoraria, Molly, mas tenho uma reunião inadiável com o meu
novo sócio hoje à noite.
— Às vezes esqueço que estou a namorar um homem de
negócios.
Almoçamos numa conversa super descontraída, adorava a
postura que ele adotava quando estava comigo, por algumas horas
eu até esquecia que ele fora meu chefe e principalmente, que era
um metido com o rei na barriga. Por ele precisar voltar para a
empresa, não demoramos muito no restaurante, logo volto para
casa e passo meus planos noturnos para a Olivia que aceita sem eu
ter que pedir duas vezes, admitindo que a faria esquecer o estresse
do seu trabalho.
Na hora que combinamos estou a ala vip da boate, é claro que o
Connor não ficaria fora de uma boa farra, ele era mesmo a versão
masculina da sua esposa sem brechas para dúvidas. Olivia me
recebe com um abraço acalorado e uma gim tônica em mãos.
— E o Henrick? — ela pergunta ao ver que eu tinha chegado
sozinha.
— Enrolado no trabalho. — entorta a boca e ela parece perceber
que eu estava sentindo falta da sua presença.
— Não liga, amiga, outro dia Sr. Engomadinho vem. — alfineta,
abrindo um sorriso e me puxando até o sofá que o Connor estava
sentado.
— Connor. — o cumprimento com dois beijinhos e ele, tal como
Olivia, questiona a ausência do amigo.
Pego um mojito e me debruço sobre a varanda de vidro do
primeiro andar, assistindo a agitação das pessoas a dançar na pista.
Tudo que quero é aproveitar a noite, mas precisava de um esquento
de uma boa bebida antes. Não consigo parar de pensar que o
Henrick deveria ter vindo para tornar tudo mais completo e
interessante, mas não me apego a isso, não querendo ficar triste em
meio a uma noitada, nem a Olivia merecia ficar me ouvindo
pendurada em seu cangote choramingando por ele. Termino o meu
drink e já a arrasto lá para baixo.
— Desculpa, Connor, mas a plebe me parece mais divertida! —
digo ao passar por ele, recebo um aceno de cabeça e uma
gargalhada que claramente é uma confirmação ao que falei.
Olivia e eu pulamos e dançamos nos divertindo como se
fôssemos duas jovens no colegial sem preocupação alguma com
trabalho, família ou relacionamentos, tinha até esquecido como a
gente sabia curtir e aproveitar ao pé da letra uma boa balada. O DJ
só melhorava a cada música, tornando tudo ainda mais vibrante e
aliciante.
— Amiga, vou encontrar o Connor e trazê-lo pra cá, ele deve não
estar querendo cortar nosso barato. — Olivia grita para que eu
possa escutá-la.
— Traz ele pra cá, diz a ele que tem Olivia pra todo mundo, pra
mim e pra ele. — brinco.
— Pra você e pra ele com certeza, pra todo mundo eu já não sei.
— dá risada, entrando na zoação.
Vou até o bar para descansar um pouco e peço uma dose de
vodka, tomo de uma só vez sentindo minha garganta esquentar,
peço mais uma e depois de tomá-la, checo meu celular se há
alguma mensagem do Henrick ou algum e-mail da empresa
mudando nossa escala, mas não há nada. Antes que eu me pegue
lamentando a falta dele, começa a tocar um pop alto-astral de
sucesso, então não perco tempo, volto para a pista e me balanço à
medida que ouço as batidas ecoando pelo lugar.
Fecho os olhos curtindo o calor e a energia da música,
balançando meus quadris no ritmo quando sinto mãos apertarem
minha cintura e uma respiração quente tocar minha nuca, não
preciso de nenhum enigma para decifrar que aquele contato não é
do meu homem, o toque é diferente, bem como o perfume. Viro-me
e me deparo com um rapaz loiro dos olhos azuis que pelo sorrisinho
já deve ter bebido mais do que deveria, tento empurrá-lo, mas ele
me aperta num abraço que eu tento a todo custo evitar. Grito para
que ele me solte, mas de nada adianta, só piora, ele me agarra e
tenta me beijar, mas antes que seu rosto se aproxime do meu, ele é
arrancado de perto de mim.
Henrick empurra o rapaz que vai ao chão com a brutalidade e
numa mescla de incredulidade e alívio por vê-lo aparecer ali, seguro
seu braço para que ele não faça nenhuma besteira e envolvo meus
braços em seu pescoço, encarando seus olhos azuis e me
lembrando que o nosso primeiro contato mais próximo também fora
no meio de uma pista de dança. Ele ainda estava com a mesma
roupa de mais cedo, camisa social de mangas compridas azul bebê
e uma calça preta no mesmo estilo, impecável tal como o engraxar
de seus sapatos.
— Meu super-man! — abro um sorriso largo. — O que faz aqui?
— Onde mais eu preferiria estar senão nos seus braços, Molly?
Selo nossos lábios com um beijo apaixonado, incapaz de proferir
alguma palavra a altura. Henrick me tira os pés do chão e me faz
sentir como se nada mais ao nosso redor existisse ou importasse,
por alguns segundos é como se houvesse apenas nós dois em meio
a todas aquelas pessoas.
— Henrick, você pode repetir o que me disse ontem? — peço só
para confirmar se a noite de ontem não fora apenas um sonho, calor
do momento.
— Eu disse tantas coisas. — ele dá um risinho maroto. — Ah,
claro... — faz um cara como se puxasse na memória. — Que eu
adoro foder você?
— Henrick! — dou um tapa em seu braço e ele finalmente para
de graça.
— Estou brincando, Molly, jamais esqueceria a primeira vez que
eu disse que amo você.
— Não estou ouvindo, Sr. Sawyer. — dou risada, fingindo não
ouvir só para que ele diga outra vez.
— EU TE AMO, SENHORITA HILL!
Ele grita e eu tenho a impressão de que mesmo com o barulho
da música, quem estava perto ouviu e nos olhou, mas eu não dou a
mínima, tudo o que faço é abraçá-lo como se ele fosse meu céu na
terra, retrucando sua fala, finalmente deixando claro o quanto o
amo, tendo a certeza de que diria isso todos os dias da minha vida.
CAPÍTULO 23
Molly Hill
— Podemos ir fazer nossa própria social em casa? — Henrick
pede ao meu ouvido, abraçando-me por trás enquanto a gente
observa a Olivia dançar com o Connor um pouco mais afastado de
onde estávamos.
Sorrio maliciosa, mesmo sabendo que talvez não seguíssemos
seu plano à risca, pois seu olhar cansado denunciava o quão
saturado de trabalho ele estava.
— Claro.
Despedimo-nos da Olivia e do Connor e fomos até o lado de fora
da boate, assim que a gente põe os pés na calçada, seu motorista
para em nossa frente quase que de maneira sincronizada.
— Onde estamos indo? — pergunto vendo que o caminho que
estava sendo percorrido era o contrário do meu prédio.
— Pra minha casa, se você não se incomoda.
— Nem um pouco. — retribuo um sorriso que fala por si só.
Apesar de me esforçar para não demonstrar quão nervosa eu
estava internamente por estar aos poucos conhecendo as demais
camadas que envolviam Henrick Sawyer, estar a caminho da sua
casa simplesmente me fazia repensar inúmeras questões e era
inevitável meu semblante sério, não que eu estivesse intimidada,
desconfortável ou algo do tipo, mas ele estava se mostrando tão à
vontade comigo, sentindo-se assim no direito de me levar para
dentro da sua intimidade que talvez fosse uma barreira que
inconsciente ele ansiava por ultrapassar e assim que teve a chance,
o fez sem hesitar, e ter sido eu a pioneira me fazia sentir ainda mais
realizada, porém receosa.
O edifício luxuoso em que vive surge no horizonte, localizado na
5th Avenue, o que não me surpreende em nada, pois é onde os
metros quadrados valem uma fortuna e é claro que alguém como
ele só poderia escolher viver ali. O exterior do prédio me tem
fascinada e sei que por dentro não será muito diferente, mas finjo
indiferença e contenho meus olhos curiosos. O carro estaciona em
uma das vagas disponíveis e a julgar pelos outros modelos que já
pude vê-lo usando, constato que todos os quatro carros ali
pertencem a ele. Entramos no elevador juntamente com mais dois
seguranças que antes checam o espaço para nós, um deles gira a
chave da cobertura e então somos conduzidos até ela sem mais
delongas, Henrick tem sua expressão de quem faz pouco caso,
afinal, já está acostumado a todas essas particularidades.
Em poucos minutos seus seguranças checam novamente toda a
extensão do apartamento e nos liberam para que possamos entrar,
remexo-me inquieta doida para que fiquemos a sós e eu possa
perguntar o porquê da sua feição fechada. Enquanto aguardamos,
observo tudo ao redor, a decoração é toda em tons claros e tudo ali
parece ter sido projetado para que ficasse a cara do Henrick, pois
cada detalhe exala sofisticação e bom gosto, mas o que mais me
agrada são as paredes sendo de vidro que vão do teto ao chão de
modo que dá para ver o Central Park e os demais arranha-céus em
volta.
Quando por fim ficamos sozinhos, Henrick me conduz a sua suíte
e ele mesmo prepara a banheira com água morna e alguns sais de
banho. Tiro minha roupa percebendo que ele está a fazer o mesmo,
mas seus olhos, através do espelho à minha frente, não saem do
meu corpo, sorrio travessa. Ele me ajuda a entrar na banheira e se
junta a mim logo após, posicionando-se em minha frente, de costas
para mim. Em silêncio, pego a esponja e passo por sobre seus
ombros e costas desnudas, ele permanece quieto e eu sem demora
entendo que algo realmente está a incomodá-lo, algo que ele se
esforçara para não transpassar para mim na boate, mas que já não
estava a conseguir mais.
— O que está acontecendo, Henrick? — questiono com uma voz
branda, não querendo que ele entendesse como se eu estivesse a
pressioná-lo a dividir seus problemas comigo. — Problemas na
empresa?
— Bem que eu queria que fosse. — ele declara após um longo
respirar fundo. — Mas problemas de família me desgastam muito
mais, simplesmente fogem do controle.
— Se não se sentir à vontade pra falar, não precisa.
— Você está comigo agora, Molly, não vou te esconder nada.
— Fico feliz por ter conquistado sua confiança a ponto de me
confidenciar a intimidade da sua família. — deixo um beijo carinhoso
em seu ombro.
— Nos reunimos pra um almoço em família há alguns dias e
como de costume eu e meu irmão nos estranhamos — começa. —
Tento ficar longe deles o máximo que consigo, mas às vezes
esqueço os motivos pelos quais mantenho distância e acabo
levando em conta a consideração que infelizmente ainda tenho. —
ele passa a mãos pelos cabelos mostrando estar desconfortável
com a menção da sua família.
— Seus pais também entram nessa conta?
— São tão desagradáveis quanto o meu irmão e só o que fazem
é serem coniventes com as atitudes dele como se fossem
justificáveis, como se dinheiro e status fosse mais importante que
caráter, e é por me opor a certas coisas que já aconteceram que sou
a ovelha negra da família. Fui um tremendo canalha com as
mulheres boa parte da minha vida, Molly, não nego, mas eu nunca
passei por cima de ninguém pra conquistar tudo o que eu
conquistei, nunca fiz nada absurdo contra a vontade de alguém a
ponto de destruir a vida dessa pessoa.
— Infelizmente questões familiares são sempre as que requer
mais jogo de cintura pra lidar. — mal tenho palavras para respondê-
lo, sinto que não devo invadir seu espaço ao perguntar o que de fato
teria acontecido, a conversa já estava pra lá de incômoda.
— Principalmente quando se nasce em meio a milhões de
dólares onde é fácil perder os valores e a moral. Ele é o retrato
perfeito da nobreza, bem-sucedido, semblante amigável e um
passado sujo, toda essa hipocrisia me irrita. — ele rosna,
desabafando por completo.
— Você está tenso. — mudo de assunto, sentindo seus ombros
enrijecidos ao apertá-los. — Posso resolver isso pra você, huh? O
que acha? — sussurro em seu ouvido, dando uma leve mordidinha
em sua orelha.
— Entrei nesse assunto porque querem conhecer você, não
entendi o interesse já que nunca se importaram com quem passa
pela minha cama, mas eu acho justo te deixar à vontade pra aceitar
ou não. — Henrick ignora o que eu digo e segura minha mão boba
que ia em direção à região mais embaixo do seu tanquinho, a fim de
fazer eu prestar atenção.
— Não sabia que estava de passagem pela sua cama. —
provoco, mesmo sabendo que não fora sua intenção a escolha
dessa junção de palavras.
— Você foi a única que conseguiu fazer morada, senhorita Hill,
mas eles não sabem disso. — seu olhar terno se intensifica sobre
mim como um pedido silencioso de que eu não duvide outra vez dos
seus sentimentos.
— Não tenho certeza de que quero conhecer os seus pais. —
entorto a boca pensativa.
— Não me surpreende, mas é você quem decide.
— Você quer que eu vá?
— Sinceramente? Eu quero ver a cara da minha mãe quando eu
exibir você, vai ser impagável. — confessa, rindo pelo nariz.
— É uma responsabilidade e tanto assumir esse posto.
— Imagino que seja, também é novidade pra mim, mas podemos
fazer isso juntos.
— Podemos fazer muitas outras coisas juntos. — abro um sorriso
sugestivo e ele então deixa esse assunto para outra hora.
Henrick fica de escolher um melhor dia que seja conveniente
para todo mundo para que possamos marcar algo com sua família e
eu não o apresso para uma data próxima, sinto que preciso desse
tempo para me preparar psicologicamente para ser julgada por seus
pais. Adentro o hangar sem muito ânimo para o próximo voo que a
nossa tripulação fora escalada, porém estou infinitamente
descansada, ainda que um certo alguém tenha consumido boa parte
de minha energia na noite anterior, então não tenho direito algum de
reclamar de mais de oito horas de viagem.
Passo o olhar pela pequena sala do D.O. e avisto Patrick que
está estranhamente a encarar a parede que contém — numa
espécie de homenagem — fotos em molduras de tripulações
anteriores a nossa, encarando mais precisamente o quadro que
contém a foto dos meus pais, não sei ao certo o que chamara sua
atenção, mas percebo ali que há um bom tempo não dou atenção
para aquela foto, talvez por achar que seria uma boa maneira de
desviar das lembranças do passado, então me junto a ele; aproveito
também para perguntar de onde ele conhecia o Travis.
— São os meus pais. — quebro o gelo.
— Você tem os olhos da sua mãe...
— E o sorriso do seu pai. — dissemos uníssonos.
Sorrio de lado com essa comparação, é algo que escuto desde
que eu era apenas uma menina.
— O que aconteceu?
— Morreram em um acidente aéreo. — tento ser suscinta,
sabendo que prolongar esse assunto não acabaria bem.
— Hum. — Patrick fixa seus olhos na foto em sua frente como se
sua mente estivesse voado para longe dali, mas não me atenho a
isso e logo trato de chegar onde eu queria desde o início.
— Qual sua relação com Travis Walker?
Ele me analisa por um instante como quem não esperava ter sido
perguntado isso, mas mantenho erguido meu olhar em suas micro
expressões, assim eu saberia se ele titubeasse.
— O primo dele fez parte da minha turma no curso de
comissário.
— Faz sentido. — divago, vocalizando o que deveria ter ficado
dentro da minha boca.
— Por que não faria?
— Nada, eu só me confundi. — desconverso e decido esquecer
esse assunto.
— Bom dia, senhores! — James chega nos cumprimentando e
então nosso pequeno desajuste se dispersa.
Preparamo-nos para fazer nosso serviço a bordo e nossa relação
fria e sem muito contato retorna ao ponto inicial, nada de muito
diferente do usual, penso que talvez minha interpretação precipitada
do encontro entre ele e Travis tenha sido apenas impulsividade
minha e uma vontade enorme de explicar o que nem sempre precisa
ser explicado, contudo, minha intuição me diz que um ponta solta
ficara e que mais cedo ou mais tarde essa conta iria se fechar para
o meu alívio ou tormenta.
CAPÍTULO 24
Molly Hill
O cliente resolveu estender sua estadia em Madrid, o que
resultou em quase uma semana longe de casa, mas tentando olhar
pelo lado positivo das coisas, tivemos tempo de sobra para
conhecer a capital da Espanha, pude fazer passeios extremamente
satisfatórios e divertidos na companhia de James e Patrick, que por
vezes deixara sua raiva de lado para interagir conosco, e o único
defeito que posso adicionar na descrição dessa viagem fora a
ausência do Henrick e da Olivia, pelo menos o Facetime ajudou a
nos manter perto.
Pousamos em Nova Iorque sob um dia azul e ensolarado,
enquanto faço os procedimentos pós voo dentro da aeronave, ouço
o barulho de um outro avião a pousar e taxiar, pela janela vejo que
se trata do jato de Henrick, então me agilizo em terminar meu
serviço e saio para pegar minha mala no compartimento de
bagagem e ir até ele. Antes que eu possa caminhar ao seu
encontro, ele se apressa em vir ao meu.
— Senhorita Hill. — ele tira seus óculos escuros, não perdendo o
costume em me cumprimentar formalmente com sua voz tentadora.
— Sr. Sawyer. — dou um risinho provocativo, entrando na dele,
tudo o que ele faz é me puxar para um beijo.
Vejo de soslaio Patrick nos olhar atravessado, mas dou de
ombros e não me acuo com seu olhar de julgamento. Estava
radiante.
Finalmente chega o dia esperado medrosamente por mim, o dia
de conhecer os pais do Henrick, e eu não podia estar com
sentimento diferente do dia que descobri que precisaria enfrentar os
dedos apontados para mim vindos de sua família, não sabia como
eles reagiriam sabendo que minha poupança não é tão salgada
como a deles, talvez fosse um fator crucial para não me aceitarem,
não que isso fosse fazer tanta diferença, mas eu realmente
implorava internamente pela aceitação deles.
O jantar fora marcado na mansão dos Sawyer e, estando
pontualmente no horário, chegamos ao local sem demora. A
governanta de meia idade nos recebe no enorme portão com um
sorriso falso no rosto que sou capaz de detectar com facilidade
depois de tantos anos trabalhando para ricaços que mal pisam no
chão, seus funcionários tinham mesmo que encenar seus modos e
expressões porque responder a altura a tamanha soberba seria
sinônimo de demissão na certa, eu que o diga.
Ela nos leva até uma sala de estar que pela amplitude
provavelmente deve ser do tamanho do meu apartamento inteiro e
sai alegando que vai anunciar nossa chegada. Remexo-me inquieta
na poltrona, balançando freneticamente meus pés em sinal de
nervosismo, Henrick percebe de imediato e entrelaça nossas mãos
firmemente querendo mostrar para mim que eu não estava sozinha,
sorrio em agradecimento, mas não consigo relaxar, nem tenho
tempo para isso, um homem — que suponho ser o pai dele, pois é a
cópia fiel do filho apenas um pouco mais velho e com algumas
rugas a mais — de cabelos grisalhos aparece na sala abrindo um
sorriso de canto a canto.
— Meu filho, você veio! — ele abre os braços para um abraço,
Henrick levanta aceitando, mas não muito à vontade.
— Pois é, as desculpas que pensei em dar não foram lá muito
convincentes, então cá estou eu. — meu namorado enfia as mãos
nos bolsos adquirindo uma postura defensiva com uma carranca no
lugar do seu lindo rosto.
Aperto seu braço disfarçadamente o repreendendo, porém seu
pai não deixa passar despercebido.
— Não se preocupe, querida, já estamos habituados ao humor
ácido do Henrick. — dá risada. — Conrad Sawyer. — estende a mão
para me cumprimentar, apresentando-se, retribuo um sorriso.
— Henrick! — é a vez da sua mãe se juntar a nós. — Que
surpresa boa! — a mulher de olhos azuis marcantes o abraça sem
pedir permissão, invadindo seu espaço.
— Não é surpresa se você pediu incessantemente que
viéssemos. — alfineta e eu quero matá-lo por estar tão arisco, seus
pais podem ser o que for, mas pelo menos por hoje estão se
esforçando para tornar a noite menos pesada.
— Doce como um limão! — ela desconsidera seu comentário
afrontoso e vem até mim. — Sou Amelia Sawyer, sua... devo
chamá-la de nora ou sua lista ainda contém mais algumas linhas?
— pergunta tendenciosamente ao Henrick, não sei se ela percebeu
quão chato fora sua indireta direta, simplesmente continua
sustentando uma feição de quem não falou nada demais.
Ela era a representação descarada de uma matriarca de família
bem-sucedida, bem vestida da cabeça aos pés e um rosto bem
cuidado que não entregava em nada sua idade. Pena que não
podíamos dizer que sua educação era equivalente à sua majestosa
aparência.
— Se pretende continuar bancando a desagradável, mãe,
podemos dar meia volta e ir embora daqui.
— Não, querido, desculpe a indelicadeza. — ela dá batidinhas
em seu ombro e volta sua atenção para mim outra vez. — Pra fazer
o Henrick reagir dessa maneira, você deve ser muito especial
mesmo, senhorita...?
— Senhorita Hill. — ele rosna implicante e eu me atravesso para
entrar na conversa, mesmo não gostando da indiscrição da sua
mãe, mostrá-la que não gostei a faria se sentir vitoriosa se me
deixar coagida fosse seu objetivo.
— Molly... Molly Hill.
— Muito prazer, seja bem-vinda a nossa família! — me
cumprimenta com dois beijinhos no rosto
O almoço segue sem interferências, seu pai tenta amenizar o
clima de incômodo que ficou com a gafe da sua esposa com
perguntas relacionadas a empresa Sawyer e negócios que eu não
fazia muita questão de estar por dentro, por outro lado, sua mãe
parecia bastante familiarizada a minha vida profissional, o que me
faz estranhar seu súbito interesse em mim, mas não me faço de
azeda e me equilibro na conversa o máximo que posso.
— Me surpreendi com você, Molly, pela sua posição você se
mostrou mais educada do que eu esperava. — sua prepotência não
me tem surpresa, mas me tem horrorizada e eu me esforço para
não retrucar da maneira que deveria.
— Não entendi a suposição da senhora. — forço meu semblante
a soar o mais alheio possível, sabendo bem a que ela estava se
referindo, mas paguei de tonta.
— Dentro dos seus padrões, você se sobressai.
— Quais padrões a senhora se refere? A de não ser herdeira de
uma fortuna talvez? — a instigo debochadamente a colocar em
palavras sua audácia em achar que só por eu não ser milionária, eu
não teria educação, quiçá estaria a altura em ousar entrar em sua
família.
— Não é isso que eu quero dizer, querida. — sorri amarelo
percebendo o quanto está se enforcando na própria corda cada vez
mais. — É que pelo estilo de mulheres que já passaram pela vida do
Henrick, a gente espera sempre o mesmo ou pior.
— Que bom que pude ser exceção à regra pra mostrar pra
senhora que bolso cheio não é sinônimo de bom caráter, aliás, a
senhora mais do que qualquer outra pessoa deveria já ter
conhecimento disso.
— O que está insinuando? — levanta um pouco a voz chamando
atenção de Henrick e seu pai.
— Não estou insinuando, estou afirmando. — me mantenho
firme.
— Mas que petulância! Como você ousa se dirigir a mim dessa
maneira?
— Da mesma forma que a senhora ousou me atacar. — sorrio
falsa sem mostrar os dentes. — A senhora não pode simplesmente
achar que pode dizer o que bem entender e não estar sujeita a ouvir
umas boas verdades.
— Henrick! Faça alguma coisa! — grita histérica.
Henrick não diz nada, apenas a encara com uma sobrancelha
erguida e uma feição séria que claramente denota sua insatisfação
com o rumo que ela levou o jantar. Penso que ele vai algo, mas ele
respeita meu lugar de fala e continua em silêncio, devendo estar
irritadíssimo, pois provavelmente conhecendo sua família já
imaginava que sua mãe poderia estragar tudo.
— Tenho pena de quem precisa conviver com alguém tão esnobe
quanto você. — me levanto jogando o guardanapo de tecido em
cima da mesa não suportando mais tentar engolir aquela mulher. —
O jantar estava ótimo, Sr. Sawyer. Me desculpe, mas quando a sua
esposa aprender que o mundo não gira em torno do seu próprio
umbigo talvez possamos tentar novamente.
Caminho em direção a saída sem olhar para trás, o motorista
abre a porta para mim e eu me acomodo no banco traseiro
esperando o Henrick dar as caras, não demora e ele aparece dando
a ordem ao seu funcionário para irmos embora.
— Quer falar sobre o que aconteceu? — ele aperta minha mão
quando o carro entra em movimento.
— Nem vale à pena, você me avisou sobre eles.
— Pois é, bem-vinda a minha família! — sorri anasalado e eu
dou risada com o seu descarado deboche.
CAPÍTULO 25
Molly Hill
A Olivia não conteve a ansiedade em me esperar passar em sua
casa no dia seguinte para contar como fora minha noite com os
Sawyer e acabou indo até o meu apartamento com a desculpa
esfarrapada de que tinha um compromisso perto do centro, mas eu
sabia muito bem que se tratando de fofoca minha amiga driblaria
qualquer coisa para ficar a par das notícias e que não havia
compromisso algum.
— Eu bem que queria ter visto a cara da megera quando você a
enfrentou. — dá risada.
— Foi mais forte que eu, não podia simplesmente me calar
enquanto ela destilava seu veneno.
— Você fez certo. — Olivia concorda. — Mas e o Henrick, o que
achou disso tudo?
— Esperei que ele ficasse do meu lado e ele o fez.
— Isso diz muito sobre quem ele quer ser pra você, amiga.
Ouço a vibração do meu celular sobre a mesa e mesmo não
reconhecendo o número, peço um minuto a Olivia para atender.
— Molly Hill? — uma voz feminina preenche a ligação.
— Sim, sou eu.
— Aqui é a Amelia Sawyer. — franzo o cenho, não entendendo o
motivo da sua chamada, minha careta aguça a abelhudice da minha
amiga que pede para que eu coloque no viva-voz.
— Já não me deu adjetivos suficientes, Sra. Sawyer? Precisa
mesmo estender o quanto não gostou de mim? — rio pelo nariz,
respondendo azeda.
— Não precisa ficar na defensiva, querida, estou ligando pra um
acordo de paz.
— Se me permite dizer, Sra....
— Amelia, por favor. — ela me interrompe.
— Se me permite dizer, Amelia, não sou dona de nenhum
patrimônio como a senhora, mas posso ser tão ocupada quanto,
então poderia adiantar o que tem pra falar?
— Oh, claro, serei breve. — escuto sua risada falsa do outro lado
da linha. — Podemos almoçar juntas hoje? Como duas pessoas
civilizadas dessa vez.
— Civilizadas?! Bom, pra mim não vai ser difícil, já pra Sra... —
alfineto mais uma vez.
— Espero você no Four Seasons daqui a algumas horas.
— Estarei lá. — é tudo o que digo, encerrando a ligação com um
semblante de confusão no rosto.
— Eu não posso acreditar que ela veio atrás de você pra fazer as
pazes! — Olivia diz boquiaberta.
— Muito menos eu. Você acha que tem dedo do Henrick?
— Acho que não, nem ele mesmo faz questão de se acertar com
ela, quanto mais mudar a cabeça minúscula dela sobre você.
— Vai ver o bom senso finalmente lhe atingiu.
— Vá e escute o que ela tem a dizer, pra todos os efeitos é
melhor ter essa cobra debaixo do seu olhar do que longe.
— Você tem razão.
Como faltavam poucas horas para o horário combinado, Olivia
me deixou para que eu pudesse me arrumar. Tento não me demorar
para isso, tomo um banho rápido e coloco uma roupa um pouco
mais alinhada acompanhada de um salto. Dirijo calmamente até o
restaurante indicado, juntando toda a minha paciência para
enfrentar Amelia Sawyer novamente. Assim que entro no local e me
apresento ao maitre, ele me conduz a área privada e lá eu me
deparo com a dama de ferro elegantíssima da cabeça aos pés. Um
sorriso de canto a canto completa seu rosto, um sorriso que eu
podia jurar que nunca veria, pelo menos não sendo direcionado a
mim.
— Molly! Você veio! — exclama, levantando-se e dando alguns
passos em minha direção para um cumprimento de comadres.
— Não sou de faltar com a minha palavra. — aceito sem fazer
cara feia seus dois beijinhos.
— Sente-se, querida!
— E então, por que me chamou aqui? — me adianto em saber.
— Objetividade não é o seu nome do meio, huh? — brinca. —
Gostaria de pedir desculpas pela minha indelicadeza no nosso
último jantar, eu reconheço que não fui lá muito amistosa.
Amelia Sawyer se dispondo a pedir desculpas realmente não era
algo que se visse todo dia.
— Não foi, mas como não costumo ser rancorosa, por mim tudo
bem.
— Fico feliz por esse voto de confiança, afinal, temos alguém
muito importante entre nós que torce pra que nós duas nos demos
bem mais do que qualquer outra pessoa.
— Henrick quem pediu pra você vir aqui?
— Não, querida, só estive pensando e cheguei a conclusão de
que a minha relação com o meu filho anda meio estremecida, então
eu acho que se eu conquistar a mulher que ele ama, talvez seja um
passo de volta pra o seu coração.
— Você não dá mesmo um ponto sem nó. — balanço a cabeça.
— Quero mesmo me dar bem com você, Molly, mas uma ideia
não exclui a outra e eu sou mãe.
— Certo, mas acredito que teriam meios mais simples pra chegar
até o coração do seu filho, Amelia, meios que independem de mim.
— ouso sugerir.
— Infelizmente não sou muito boa com esses dramas familiares,
mas eu juro que estou disposta a tentar, a prova é de que estou
abrindo a porta da minha família pra você, e não, não estou
querendo te atingir com essa colocação, só quero deixar claro que
nunca antes pudemos considerar a hipótese de uma nora.
— Eu entendo, se depender de mim você tem mais do que o
meu apoio. — respondo sincera, porém ainda com um pé atrás, algo
em suas micro expressões no fundo a contradiziam.
— Agora que resolvemos nossas pendências, podemos fazer
nossos pedidos? — diz ligeiramente animada.
Fizemos nossa refeição conversando tranquilamente como se de
fato fôssemos amigas de longa data intercalando entre assuntos
satélites e momentos engraçados da infância do seu filho para
arborizar o clima entre a gente. Algumas horas depois de bate papo
e precisamos voltar para nossas rotinas individuais, ela para a sua
aula de pilates e eu para a minha casa, aproveito que o Henrick
manda mensagem perguntando como estou e o informo do encontro
que tive com a sua mãe, não sem antes dizer que estou a definhar
de saudades duas e receber inúmeros emojis divertidos com o meu
exagero.
Acordo no dia seguinte ao som de um novo e-mail em minha
caixa de entrada que logo deduzo ser da empresa, pois
normalmente é ela que compõe o remetente mais recorrente da
minha plataforma digital. Faço um café preto antes de abrir o e-mail
e beberico um pouco a fim de despertar, sentindo o líquido morno
descer pela minha garganta me esquentando de dentro para fora,
recebo um informe avisando sobre a data do próximo voo e não fico
lá muito entusiasmada por ser hoje, logo o dia que Henrick tinha
tirado uma tarde de folga para passar comigo. Rapidamente
encaminho uma mensagem para ele notificando a mudança de
planos e ele me responde todo fofo dizendo que não havia
problema, que poderia tirar outra folga para me ver assim que eu
estivesse disponível, não deixando brechas para que eu
desconfiasse que ele estava escondendo alguma coisa de mim, e é
por essa razão que tomo um susto quando saio de dentro do cockpit
e me deparo com ele se acomodando em uma das poltronas se
juntando a outros cinco empresários que dividem o mesmo voo.
— Seja bem-vindo a bordo, Sr. Sawyer! — o cumprimento de
maneira formal, segurando um risinho no canto dos lábios.
Com Atlanta indicando em nossa proa, o azul lá fora nos revela a
inexistência de indícios para uma possível turbulência, os
passageiros se dividiam em mexer em seus computadores e tirar
um cochilo, incluindo Henrick que repousava com uma serenidade
genuína em sua fisionomia. Passo por eles a caminho do banheiro e
decido escovar os meus dentes, pois havia feito um lanche minutos
atrás. Encaro-me no espelho novamente observando se há a
necessidade de retocar a maquiagem, mas sou pega de surpresa
quando ouço leves batidas na porta, coisa que nunca acontecera
antes, visto meu blazer com rapidez a fim de sair logo, pois a
prioridade da vez e benefício da demora é sempre do cliente.
Mal abro a porta e sou empurrada estupidamente para dentro,
olho incrédula para Henrick que sorri maroto e pede silêncio não
querendo chamar atenção para nós.
— Você não estava dormindo? — pergunto, ainda sorrindo
admirada com seu fingimento.
— Posso te garantir que estou bem acordado. — diz num
cochicho antes de me agarrar com firmeza em seu abraço másculo
e acolhedor.
Henrick me dá um beijo de tirar o fôlego, suas mãos grandes
percorrem meu corpo e invadem a minha saia, levantando-a sem
dificuldade alguma, tento pará-lo, mas ele parece não se importar.
— Você ficou doido? — sussurro entre o beijo, não acreditando
que ele pretendia mesmo fazer o que eu estava pensando.
— Doido por você, senhorita Hill.
Ele leva a minha mão até seu volume e eu arfo de desejo, não
que eu precisasse tocar para sentir o quanto ele já estava
endurecido. Nossas línguas se embrenham misturando nossas
salivas originando um sabor delicioso e por um breve momento
aquele cubículo parece grandioso para nós dois. As sensações que
Henrick me faz sentir esquenta meu corpo por inteiro, minha pele se
ouriça instantaneamente com seu toque e seu perfume inebriante
me tem simplesmente viciada. Ele puxa ferozmente meu cabelo e é
quase que como um impulso involuntário enviado para minha
intimidade que pulsa fortemente cada vez mais e mais querendo
esse homem mais do que tudo na vida.
— Eu quero você, Henrick. — imploro, espalmando seu peitoral
por cima do terno.
— Não conseguiria me controlar, Molly, os céus seriam capaz de
ouvir o que eu sinto quando estou dentro de você. — diz, cheirando
meu pescoço e eu posso jurar que ele fecha os olhos com força se
contendo para não tirar as calças também.
Henrick enfia dois dedos em minha buceta iniciando uma
estimulação em meu ponto G enquanto com o polegar ele
massageia meu clitóris, sua coordenação e maestria me tem muito
além da satisfação. Apoio-me na pia e abro mais as pernas o dando
livre acesso para prosseguir com o ato, ponho a mão na boca para
tapar os gemidos que insistem em vir à tona, controlando-me ao
máximo para minimizar qualquer ruído. Quando ele aumenta a
pressão das investidas, eu quase grito de tanto prazer.
— Henrick. — digo manhosa.
— Shihh, controle-se, senhorita Hill! — ele pede apreensivo, mas
dá para ver que no fundo ele se diverte com a minha agonia em
querer externalizar o que o meu interior estava sentindo e não
poder.
Seguro seu braço com força num misto de incentivo e desespero
em não querer que ele mude o ritmo, porque sentia que estava
prestes a atingir o clímax.
— Eu não aguento mais. — confesso com a voz falha.
— Goza pra mim, Molly. — seu tom de voz fica ainda mais rouco
por ele estar a falar baixo. — Goza pra mim, anjo. — ele segura
meu rosto e fixa seus olhos azuis em mim assistindo a cara que faço
de prazer. — Estou louco pra sentir seu gosto de novo, Molly, me dê
isso.
Suas palavras juntamente aos seus movimentos são certeiras
para que eu chegue ao orgasmo, tremendo de forma estarrecedora.
Henrick se agacha e lambe minha buceta tomando todo o meu
líquido.
— Vejo você em Atlanta, senhorita Hill. — ele se despede
passando a língua nos lábios ainda se deleitando com o meu gosto.
Mal sustento meu corpo quando esse homem sai sorrateiramente
depois de me dar um beijo apaixonado, tendo agora mais do que
certeza de que não só precisaria retocar a maquiagem como me
recompor por inteira e torcer para que ninguém naquela aeronave
ter escutado nossa perfeita bagunça.
CAPÍTULO 26
Molly Hill
Mal vi o Henrick durante a semana toda que passamos em
Atlanta, ele estava ocupado demais com o tramite da compra de
uma nova empresa de tecnologia que carregaria o nome de sua
holding nas costas, mas podia sentir sua vinda ao meu quarto à
noite para um beijo carinhoso, não podendo reclamar que ele não
estava se esforçando para ficar comigo o tempinho livre que tivesse.
Estou a revisar minha caixa de entrada quando ouço um bipe do
celular ao meu lado, é uma mensagem dele pedindo que eu vá ao
seu quarto, pois ele havia adiantado todos os seus compromissos
para mais cedo e teria o fim da tarde e noite para ficarmos juntos.
Troco meu pijama por uma roupa casual e vou encontrá-lo.
Cumprimento os seguranças que estão guardando o corredor e
entro, doida para vê-lo. Caminho calmamente, tentando fazer o
mínimo de barulho possível a fim de dar um susto nele, mas desisto
quando escuto sua voz a quase berrar, abro sorrateiramente a
cortina e o vejo de costas com o celular ao ouvido, não é nem
preciso que ele vire para perceber que ele está tenso e irado. Fico
quieta à espera de que ele se dê conta da minha chegada e em
poucos minutos seu olhar esbarra no meu, seu rosto tensionado
suaviza, mas não completamente.
— Só ligue pra mim de novo quando esse problema estiver
resolvido. — ele diz ignorante e encerra a chamada.
— Algum problema? — pergunto.
— Nada que diz respeito a você. — seu tom de voz áspero me
pega de surpresa, respiro fundo furiosa e me viro para sair dali, ele
não tinha o direito de descontar suas frustrações em mim e nem eu
iria abaixar minha cabeça para ser benevolente com as razões que
o impulsionaram a isso. — Aonde vai?
— Voltar pra o meu quarto, não é porque estou com você que
tenho que engolir seus ataques de estrelismo.
— Não, Molly, me desculpa! — ele segura o meu braço,
forçando-me a encará-lo. — Eu não tive intenção de ser rude com
você, só não queria dividir com você a porrada de problemas que
me persegue.
— Dizer que não queria conversar sobre o assunto era muito
mais apropriado e eu entenderia, ao invés de falar comigo com se
não quisesse que eu estivesse aqui. — cruzo os braços chateada.
— Mas é claro que eu quero você aqui, anjo. — diz,
pressionando seus lábios em minha testa, envolvendo-me em seu
abraço mesmo com minha relutância em ceder.
Henrick se senta na cama encostado a cabeceira e me conduz
gentilmente para o seu lado, sento-me aninhada aos seus braços
como um bebê, sequer me lembrando do episódio anterior.
— Tem certeza de que não quer dividir comigo? Às vezes duas
pessoas carregando o mesmo problema ameniza o peso. — faço
uma pequena analogia para que ele entenda que eu estaria com ele
em absolutamente qualquer que fosse o aperto.
— O de sempre, não importa aonde eu vá ou o que eu faça,
sempre acabo pagando pelo sobrenome que tenho. — ele responde
baixo, demonstrando que o assunto o incomoda demasiado.
— Tudo bem se não quiser estender.
— O acidente no Brasil foi criminoso. — revela numa só tacada,
após um pesado suspiro.
— Como é que é? — abro os olhos incrédula.
— Me perdoe por arriscar sua vida pelos erros da minha família.
— Não só a minha, Henrick, mas a sua também. Podíamos não
ter saído dessa vivos, nenhum de nós.
— Minha vida é o de menos, já estou fadado a essas incidências,
mas você... eu não me perdoaria se você se machucasse por minha
causa, Molly, e é por isso que vou até o inferno se preciso for pra
descobrir e punir quem fez isso. — ele trava o maxilar.
— Mas por que alguém tentaria contra sua vida?
— É uma longa história que não compete a mim explica-la, só o
que eu tenho a dizer é que estou pagando por um erro cometido
pela minha família.
— Ninguém deveria ter que pagar por um erro que não cometeu.
— Meu mundo é complicado, anjo. — sinto seu carinho em meu
rosto e seu tom de voz abrandar.
— Gosto quando me chama assim.
— Você ainda ficaria comigo mesmo se descobrisse que a minha
família é insana? — muda de assunto, percebo seu olhar de
preocupação em mim à espera de uma resposta e eu desencosto
minha cabeça do seu peito para fitá-lo.
— Que a sua família é louca isso eu já sei. — sorrio de lado, mas
ele sustenta uma angustia em seus olhos que me faz revisar minhas
palavras. — Mas sim, eu ainda ficaria com você.
— Eu amo você, Molly! Dia após dia sinto que encontrei em você
uma amiga.
— Só que uma amiga não teria os mesmos privilégios que eu
tenho, como estar aqui assim com você, ou teria? — ergo as
sobrancelhas enciumada, mas ele logo entende que estou a brincar.
— Não teria. — ele joga a cabeça para trás dando um sorriso
gostoso quando vê que mesmo brincando estou a encurralá-lo para
sondar sua resposta. — Você é a única que tem o meu coração,
Molly.
— Somente o coração? O que eu queria mesmo era outra coisa.
— sorrio de canto maliciosa.
Uma semana após nossa viagem à Atlanta, ainda há em meu
peito resquícios do medo de novamente o suspeito desconhecido
responsável pelo nosso acidente tentar algo contra a vida do
Henrick, mesmo ele me tranquilizando que sua equipe juntamente
com as autoridades estavam se desdobrando para desvendar o
caso e tendo dobrado o quantitativo de seguranças ao seu redor.
Nervos à flor da pele, não só meu, quanto dele também, Olivia
nos convida para um jantar a fim de aliviar a tensão que nossa vida
se tornara desde que o descobrimento do acidente criminoso veio à
tona. Não comentamos nada com ninguém além dela e do Connor,
até porque a investigação corria sob sigilo absoluto, muito menos
com o James eu quis dividir, mesmo o considerando alguém da
família.
Em paralelo a toda essa novidade, nosso número de viagens
havia aumentado consideravelmente, quase sempre para Seattle,
por algum motivo os empresários de Nova Iorque resolveram fazer
uma temporada de idas ao estado a trabalho, talvez seja porque
Seattle agrupa um grande polo tecnológico que com certeza deve
ser muito lucrativo para negócios, então estávamos a voar para lá
pelo menos três ou quatro vezes a cada semana trabalhando para
clientes distintos. Patrick, por razões desconhecidas, estava há duas
semanas afastado do serviço e é por isso que estranho quando
estou a caminhar em direção ao hangar, depois de termos pousado,
e o avisto numa conversa inusitada com o Henrick, onde ele
gesticula enraivecido e o Henrick esbanja susto e temor em seu
olhar. Aproximo-me dos dois, mas não consigo escutar muito,
apenas o bastante para desconfiar de que algo muito sério tinha
acontecido e por algum motivo que para mim ainda era uma
incógnita, esse algo se estendia a mim.
— Ou você abre o jogo com a Molly e conta toda a verdade, ou
eu mesmo conto. — ouço Patrick o ameaçar.
— Que verdade você precisa me contar, Henrick? — ergo uma
sobrancelha e franzo a testa sem entender absolutamente nada do
que estava pairando ali.
Unanimemente os dois se viram assustados quando escutam
minha voz e o silêncio reina, ambos possuem um olhar de que
precisavam falar, mas não tinham coragem suficiente ou talvez não
gostariam que eu soubesse.
— Não é nada, Molly, conversamos depois. — Henrick diz com
sua voz entrecortando de nervosismo, segurando meu braço como
quem quer me tirar o mais rápido possível daquele ambiente.
— Não é nada? — Patrick continua.
— Não, Henrick! — digo quase ao mesmo tempo que Patrick
fala, puxando meu braço, mais bruscamente do que eu estimei. —
Não vou a lugar algum sem saber o que está acontecendo aqui.
— Eu demiti o Patrick, foi isso o que aconteceu. — ele se
pronuncia, mas mais me parece que ele acabou de inventar uma
desculpa esfarrapada do que contara a verdade.
A reação do Patrick só confirma minhas suspeitas.
— Mas por qual motivo? — pergunto, mesmo sabendo que estou
a perder meu tempo, pois claramente não foi o que ocorreu, mas
quero ver sua cara de pau em continuar mentindo para mim.
— Tirem ele daqui. — Henrick ordena para os seus seguranças
que assistiam a cena ao nosso redor.
— ME SOLTEM! O MOCINHO QUE É O GRANDE FILHO DA
PUTA AQUI! — Patrick esbraveja se debatendo nos braços dos
seguranças. — EU DISSE, MOLLY, EU DISSE QUE ELE NÃO ERA
QUEM DIZIA SER! ELE É O CULPADO!
Cada vez que ele abria a boca, menos eu entendia o que estava
acontecendo, Patrick estava surtado e seus olhos esboçavam um
desespero incompreensível, ele queria me abrir os olhos sobre
alguma coisa, eu só não conseguia entender o que. Encaro-o com
os olhos arregalados, completamente perdida, enquanto um dos
seguranças de Henrick também me puxa na direção contrária, o que
me faz entender menos ainda e despertar uma raiva gigantesca por
estar sendo praticamente arrastada contra a minha vontade, sem ter
a mínima chance de tentar compreender tudo, contudo, ao invés de
reagir em minha defesa, minha coordenação motora parece
simplesmente paralisar por alguns minutos e eu sou levada como
um animal indefeso e acuado para dentro do helicóptero particular
do Henrick.
— Você pode me dizer o que está acontecendo? — questiono
desorientada.
— Não posso.
— O que é que diz respeito a mim que você não quer me contar,
Henrick? — coloco prontamente o headset na cabeça para poder
dialogar com ele dentro da aeronave sem a interferência do barulho
das hélices cortando o ar e o pressiono a expor o que quer que
tivesse acontecido.
— Pra o seu bem é melhor você não saber, anjo. — ele tenta me
tocar com os olhos carregados de culpa e mesmo sem saber de
nada, naquele momento, afasto-me só pela repulsa dele estar se
negando a contar a verdade para mim.
— Eu não sou nenhuma criança pra que você decida as coisas
por mim, muito menos algum de seus funcionários que você manda
e desmanda. — falo convicta. — Não importa o que tenha
acontecido, Henrick, saber que você está mentindo pra mim dói
muito mais do que a própria verdade, me deixe decidir se o que tem
pra revelar vai me magoar ou não.
— Você promete que não vai me deixar? — pela primeira vez eu
vejo Henrick Sawyer banhado em pânico.
— Não posso prometer nada. — respondo sincera. — Mas o que
de tão sério você fez que estremeça nosso relacionamento? Você
me traiu, foi isso?
— Eu não fiz nada, Molly. — ele sustenta seu olhar amedrontado
e posso dizer que por muito pouco ele não chora, deixando-me
ainda mais encabulada.
— Então, Henrick, por que não abre o jogo logo? O que pode ter
sido mais grave do que uma traição?
— Conversemos lá dentro.
Olho ao redor e só então me dou conta de que chegamos ao seu
prédio rapidamente, o que não era necessariamente motivo para
surpresa, pois se de carro a Fifth Avenue já ficava há alguns
minutos do aeroporto, de helicóptero então nem se fala. Henrick
desce e eu o acompanho a caminho do elevador que em questão de
segundos para em sua sala de estar.
— Henrick! — exclamo, indo atrás dele que me dá as costas.
— EU NÃO QUERO TE PERDER, MOLLY! — seu grito me faz
recuar como um gatinho assustado.
— Você vai me perder se continuar mentindo pra mim! O que é
que o Patrick sabe que eu não sei? — tento manter a calma, mesmo
estando tremendo de aflição.
Henrick senta e passa as mãos pelo cabelo mostrando
inquietação, fechando os olhos com força como se juntasse toda a
sua coragem para finalmente abrir a boca.
— Molly...
— Se não pretende me contar, então vou atrás do Patrick,
acredito que ele esteja mais disposto a ser verdadeiro comigo. —
digo ríspida e me viro, é exatamente nesse instante que escuto o
que jamais gostaria de ter escutado, como se mil facas
atravessassem o meu coração de uma só vez.
CAPÍTULO 27
Molly Hill
Sinto minhas pernas enfraquecerem e meu coração parar por um
breve minuto, se o sofá não estivesse logo atrás de mim para
amparar minha queda, eu teria ido de encontro ao chão com toda
certeza.
— Você não pode estar falando sério. — digo num sussurro
como se quisesse evitar até de ouvir o que eu mesma estava
dizendo em negação ao absurdo que meus ouvidos infelizmente
tiveram que ouvir.
— Eu também descobri somente hoje, Molly.
— Sua família matou os meus pais e você foi conivente. — não
consigo mais segurar o choro, parecia que o chão tinha se aberto
sob meus pés.
— Eu nunca fui a favor do que fizeram e disse a você por
entrelinhas o porquê que minha família e eu não nos dávamos bem,
só não explicitei o motivo, além de que eu nunca que ia saber que
os tripulantes que estavam a bordo eram seus pais. — Henrick tenta
se explicar com os olhos molhados, mas a essa altura do
campeonato eu já não confio mais em suas palavras.
— Você é um monstro tanto quanto eles! Como você deita a
cabeça tranquilo no travesseiro sabendo que um inocente está atrás
das grades por conta de um feitio da sua família, Henrick? Não só
isso, mas vocês destruíram vidas de inocentes, dos meus pais.
— Meu amor...
— NÃO ME CHAMA DE MEU AMOR! — grito, não deixando que
ele sequer encoste em mim.
— Mas eu não fiz nada!
— Você se calou, Henrick, você fez tudo!
— A única coisa que eu sei, Molly, é que isso foi motivado por
uma rixa política pra que o meu irmão se reelegesse e continuasse
no poder como senador, não sei como aconteceu, não sei de quase
nada. — tenta se explicar. — Eu sei que é um absurdo, mas o que
eu poderia fazer? Entregar a minha própria família? São podres,
mas continua sendo a única que tenho. Por favor, me entenda.
— Te entender? — rio anasalado sarcasticamente em meio as
lágrimas. — Você tem ao menos noção do quanto arruinou a minha
vida? Meus pais foram assassinados sem motivo algum por puro
capricho de pessoas egoístas e cruéis capazes de pisar em quem
for pra conseguirem o que querem.
— Molly, me perdoa...
— Eu sinto nojo de você, Henrick, sinto ódio, sinto o que nunca
na vida eu pensei que eu pudesse sentir por alguém, ainda mais
você.
— Eu te amo, Molly, agora que finalmente estamos juntos cai
uma bomba dessas no nosso colo, mas por favor, você precisa me
perdoar. — gesticula se empenhando em se ausentar da
responsabilidade.
— Esse segredo era uma bomba relógio prestes a explodir ou
você acha que um absurdo desses ficaria encoberto pra o resto da
vida simplesmente pela petulância de se acharem os donos do
mundo?
— Molly...
— Não ouse contratar minha tripulação outra vez, não ouse
chegar perto de mim!
Digo e saio depressa andando em direção ao elevador, escuto
seus passos atrás de mim e sinto suas mãos a impedir minha
passagem, mas me debato em seus braços o empurrando para
longe, o que não adianta muito em virtude de sua força.
— Você é minha, Molly!
— ME SOLTA! — não ligo de parecer descontrolada, apenas
soco seu peito inúmeras vezes esperando conseguir me
desvencilhar.
— Eu te amo, Molly! — repete, como se fosse sua carta de
alforria.
— PARA DE DIZER QUE ME AMA! EU DEVERIA TER
DEIXADO VOCÊ EXPLODIR JUNTO COM AQUELE AVIÃO!
Não é o que desejo, mas naquele momento eu só queria colocar
para fora a minha ira da forma mais dolorosa possível, para que ele
sentisse na pele o que eu estava sentindo.
— Eu não vou abrir mão de você.
— Não adianta, Henrick! Nada que você diga ou faça vai mudar o
ódio que eu estou sentindo por você, eu nunca vou ser capaz de te
perdoar.
Convencido da minha decisão, ele me solta, jogando-se no chão
ficando de joelhos, mas não tem lugar para benevolência no meu
coração, não depois de descobrir que quem eu mais amei, também
fora capaz de me destruir. Henrick se rende aos prantos, não sei se
temendo por ter sido descoberto ou arrependido por ter jogado toda
essa sujeira para debaixo do tapete, a única coisa que tenha certeza
é de que não quero sequer olhar para ele nunca mais.
Saio de seu apartamento sem mais tentativas de sua parte para
que eu fique, meu rosto não nega o que o meu coração está
sentindo, as lágrimas não têm piedade alguma e me falta ar por
vezes, ando pelas ruas de Nova Iorque perdida, sem saber para
onde ir ou o que devo fazer, pego-me novamente me sentindo
sozinha em meio à multidão, sinto-me pequena tal como uma
formiga e acho que me diminuo cada vez mais que olho ao redor e
simplesmente não me encontro ou me enxergo.
A dor em meu peito é tremenda e devastadora, traz de volta todo
o sentimento de vazio que senti quando soube o que acontecera
com os meus pais, é como se de repente eu não tivesse mais forças
para nada, sequer pensar, e me doía mais ainda pensar, pensar que
eu teria que conviver com o peso de ter sido enganada e traída de
tal forma, sem reparos. Sou despertada violentamente quando
escuto uma buzina soar bem perto de mim e eu quase ser
atropelada, mas ninguém parece ligar para o caos que estou, o
motorista grita algo que não presto atenção enquanto todas as
outras pessoas em minha volta seguem suas vidas normalmente
como se nada tivesse acontecido, cambaleio para trás quando
alguém tromba em mim na pressa de se abrigar da chuva que eu
não percebera ter se iniciado, encharco-me depressa para piorar
tudo, mas não consigo sair do lugar, meu olhar se perde em meio a
toda aquela agitação.
— Molly? — ouço uma voz masculina chamar meu nome de
dentro de um carro próximo, mas não consigo identificar de quem
seja, minha vista está embaçada.
Apresso-me em caminhar para longe, imaginando que pudesse
ser o Henrick, mas a voz se torna cada vez mais perto, logo sinto
mãos me segurarem e eu me debato querendo fugir, até me dar
conta de quem realmente é.
— Calma, Molly! Sou eu, Patrick.
Meu choro se intensifica e quase que instantaneamente eu me
desfaleço em seus braços enquanto ele me abraça forte.
— Você não está sozinha, Molly. — diz, afagando meus cabelos.
— Me leva pra casa, Patrick. — peço em meio a soluços. — Me
tira daqui.
A cidade vira um borrão quando o carro dá partida, vamos o
caminho todo em silêncio, ele certamente percebera que nada que
ele falasse faria alguma diferença no meu estado. Ao chegar em
casa e passar pelo espelho da entrada, eu vejo o quanto estou
arrasada e principalmente molhada, Patrick pede para me fazer
companhia, mas quero evitar dele entender errado, então agradeço
pela ajuda e digo que mesmo que eu esteja mal de estar me
sentindo sozinha, eu de fato preciso ficar sozinha.
Coloco a banheira para encher com água morna e na espera
dela completar, checo meu celular que contém algumas várias
mensagens da Olivia, não sei se por pressentimento ou se pelo
amigo do seu marido já ter contado que rompemos, mas as apago
sem nem visualizar, não estou com cabeça para tocar nesse
assunto delicado e destrinchá-lo. Desligo meu celular e não dou a
mínima se a minha escala pode chegar por e-mail alterada a
qualquer momento, quero tentar pôr a minha mente em ordem,
como se isso fosse possível.
Ponho a pontinha dos pés para sentir a temperatura e assim que
constato estar perfeita, entro, repousando a cabeça numa toalha
felpuda dobrada na borda. Inevitavelmente meu rosto se enrijece
num choro, mas dessa vez mais contido. Minha garganta se fecha
em um nó provocado pelo tanto de coisas que eu gostaria de
colocar para fora e não posso, não sei quem procurar, se devo
reunir provas para que o inquérito seja reaberto e culpar os
culpados ou se devo deixar as coisas como estão e livrar o Henrick
dessa loucura, porque por mais que ele tenha pisado em mim, ainda
assim eu não gostaria de vê-lo perder tudo, embora eu tenha
perdido tudo, porém a vingança não traria meus pais de volta,
tampouco me faria sentir feliz com o resultado. Coloco a toalha na
boca e grito uma, duas, três vezes, até achar que perderia minha
voz, nunca pensei que viveria algo tão violento perto do que foi
perder os meus pais.
Afundo na água e prendo minha respiração com determinação
desejando morrer e não acordar mais, não sabendo se a essa altura
valeria à pena conviver com a dor da perda juntamente com a dor
da impunidade, eu enlouqueceria, como acho que enlouqueci no
segundo em que a verdade foi desenterrada. Não sei por quanto
tempo repeti esse processo, só lembro de sentir meu corpo
comichar e amolecer, bem como a minha vista escurecer mesmo eu
tendo certeza que estava a tentar abri-lo. Eu queria fazer parar a dor
e eu consegui, sentia que não tinha mais lugar a qual eu pudesse
pertencer nesse mundo e se era para viver dessa maneira, num
milésimo de segundo eu preferi ir.
CAPÍTULO 28
Molly Hill
Escuto vozes falarem uma por cima da outra bem baixinho e um
zumbido insuportável em meus ouvidos que as abafam
prontamente, minha cabeça pesa, abro os meus olhos devagar e
com dificuldade e um clarão me atinge impiedosamente.
— Jesus, ainda bem que você acordou! — Olivia me abraça
quase me esmagando. — Eu estava tão preocupada com você,
amiga!
Tusso um tanto sufocada com o exagero da sua exaltação,
tentando administrar o ar que entra em meus pulmões com certa
dificuldade.
— Por Deus, Olivia, desse jeito você vai asfixiar a pobre Molly! —
Connor a repreende com vigor.
— O que aconteceu? — pergunto quando me recomponho.
— VOCÊ QUASE NOS MATA DE TANTA PREOCUPAÇÃO E
AINDA PERGUNTA O QUE ACONTECEU? — ela continua
imbatível.
— Olivia!
— Não manda eu me calar, Connor! — reclama, esbaforida. —
Ela merece ouvir umas poucas e boas depois do que fez.
— Certamente essa não é a melhor hora pra isso, Olivia, dê
tempo pra Molly se recuperar. — o dono da voz que eu menos
queria que estivesse presente se aproxima da maca, revelando-se
ali, e me faz relembrar tudo, de todo o motivo que me levara a estar
exatamente aqui.
— O que faz aqui? — o encaro, sentindo o sangue esquentar em
minhas veias.
— Vocês podem nos deixar a sós um minuto? — Henrick pede,
Olivia abre a boca para reclamar, mas o toque do Connor em seu
ombro a contém e eles saem, deixando-nos sob um clima péssimo.
— Pensei que tivesse sido clara quando falei que eu não queria
olhar na sua cara mais.
— Você não me deu outra escolha, Molly. — confessa com o
olhar baixo. — Como acha que eu fiquei quando a Olivia te
encontrou desacordada e ligou pra mim? Achei que fosse... — sua
voz entrecortou. — Não te ver nunca mais.
— Foi muito pra mim saber daquilo, Henrick, mais do que eu
posso suportar.
— Me perdoa, Molly.
— Não se trata de perdão, te perdoar não vai trazer meus pais
de volta, nem mudar toda essa bagunça.
— Eu preciso do seu perdão.
— Meu coração diz que eu não sou capaz de perdoar você e
sinceramente eu não quero.
— Molly...
— Henrick, não torna as coisas mais difíceis do que já estão, vai
embora daqui e me deixa em paz, se é que eu vou conseguir ter paz
depois disso.
Ele me lança um olhar visivelmente arrependido, mas eu não
consigo e não quero vê-lo outra vez, é demais para mim. Meu peito
dá uma fisgada e pesa como se tivesse chumbo sobre o meu corpo,
as lágrimas descem sem me dar tempo de tentar controla-las e
francamente, nem sei se algum dia vou lembrar de tudo o que soube
e conseguir conter o choro. Não demora muito e a Olivia entra,
pondero se devo contar e rapidamente decido que não, não sei se
ela seria tão cautelosa como eu em resguardar o Henrick, não que
ele mereça, mas se sua família é poderosa o bastante para se safar
de uma barbaridade dessas, imagina o que não poderiam fazer
conosco se descobrissem que sabemos, esmagariam-nos tal como
uma mosca.
— Posso saber o que aconteceu pra o bicudo sair daqui arrasado
a ponto de precisar ser consolado pelo amigo? E pior ainda, por que
que você fez o que fez, Molly?! Mas que merda que está
acontecendo?
— Eu lembrei dos meus pais, Olivia, e... você sabe o quanto
ainda dói conviver com a ausência deles. — minha amiga franze a
testa, mas parece engolir a minha desculpa que em partes não é
totalmente uma mentira.
— Mas você nunca tentou se matar antes.
— Nem eu sei o que eu estava pensando na hora que fiz o que
fiz, eu só... enfim, acordei aqui.
— Você não está sozinha, Mollyzinha, você tem a mim, o Connor,
o Henrick, a gente te ama... — segura minha mão, passando-me
apoio.
— Eu sei, amiga, obrigada. — sorrio verdadeiramente
agradecida.
— E o Henrick, onde encaixa nisso tudo?
— Desencaixa.
— Oi? — ergue a sobrancelha, curiosa.
— Terminamos.
— Mas por que? Vocês estavam tão bem!
— Ele me traiu. — inventei.
— Traiu? Aquele filho da puta! Eu vou matar ele!
— Não, Olivia, a gente já conversou o que tinha pra conversar,
de agora em diante ele segue a vida dele como ele achar melhor e
você nem pense em tentar resolver por mim, só vamos esquecer
que ele existe.
Pelo semblante da Olivia, sei que ela está tentada a ir brigar com
o Henrick, mas ela pensa um pouco e desiste, ou pelo menos
parece desistir e eu não prolongo o assunto. Procuro mudar o foco
da nossa conversa para que pelo menos eu não chore mais.
Sentada no DO do hangar privado do JFK, pego-me pensativa
encarando a aeronave que voaríamos hoje taxiando até o ponto em
que geralmente fica mais conveniente para o cliente subir, James
deve estar a fazer o check necessário dentro da aeronave, caminho
em direção ao jatinho desejando que a minha rotina e vida de fato
voltasse ao normal, ou melhor, ao seu novo normal, não quero
transparecer tristeza ou o vazio que estou sentindo, nem muito
menos quero que o James ou outra pessoa saiba do que houve só
para não ter que me explicar, então visto meu melhor sorriso para
enfrentar o dia.
Patrick faz menção de falar comigo, mas eu faço sinal com a
cabeça para que ele não fale, dando a entender que não quero que
o James desconfie de algo, então ele apenas dá um bom dia. De
cabeça baixa a escrever em seu caderno, o comandante só percebe
a minha chegada com o cumprimento de Patrick, dou um beijo em
seu rosto e inicio o meu check pré-voo.
Adaptar-me estava sendo difícil, vez ou outra eu me pegava
chorando pelos cantos e lembrando de que tudo poderia ser
diferente primeiro se não tivesse acontecido o que aconteceu,
segundo se eu nunca tivesse conhecimento do que aconteceu, eu e
o Henrick provavelmente ainda estaríamos juntos, sinto sua falta
mais do que eu pensei que fosse sentir, não tínhamos nos
esbarrado no aeroporto, nem em nenhum outro lugar, há mais de
quinze dias que eu não sabia nada a respeito dele e também não
procurava.
Com os pés para cima, deitada no sofá, tento abstrair a cabeça,
lendo novamente um de meus livros prediletos, O Morro dos Ventos
Uivantes, ouço a campainha tocar, mas com muita preguiça de
levantar ou receber alguém, finjo que não estou em casa. Quem
quer que esteja lá fora insiste, apertando consecutivas vezes,
respiro fundo juntando toda a minha paciência e vou atender a
porta.
— Molly, até que enfim! — Olivia suspira aliviada. — Nunca mais
faça isso comigo!
— Eu podia simplesmente não estar em casa, Olivia.
— O porteiro disse que você não tinha dado as caras lá embaixo
desde que chegou de viagem.
— E provavelmente você o pagou muito bem por essa
informação, não é?
— Não vem ao caso. — dá de ombros e eu reviro os olhos.
— Por que tem ignorado todas as minhas mensagens e
ligações?
— Será que é por que eu queria ficar sozinha? — debocho,
sentando-me desleixadamente no sofá.
— Me desculpa, Mollyzinha, mas você perdeu esse direito. A
propósito, por que está tão chata?
— Não estou chata, você que está invadindo o meu espaço. —
digo como se fosse óbvio, mas ela parece que não entende.
— Só estou preocupada, você não conversa, não sai mais, eu
entendo você, mas não pode ser assim pra sempre, não é saudável,
Molly.
— E o que você propõe? Que eu saia e finja que está tudo bem
quando não está?
— Não está tudo bem, mas pode ficar, a gente pode sair dessa
fossa juntas.
— Você não vai me deixar em paz, né?
— Não, até eu ver que você está tentando superar.
— Mas eu estou tentando.
— Não, você está se lamentando e se empenhando nisso e eu
não quero que você entre noutra depressão. Só quero ajudar, minha
amiga.
— Tá bom, Olivia, você está certa.
— Sempre estou. — abre um sorriso e eu novamente reviro os
olhos com seu convencimento, mas dou uma chance para sua boa
vontade em me ajudar.
Saímos para jantar juntas, somente eu e ela, a gente conversa
bobagens e relembra o tempo em que brigávamos mais que gato e
rato, no início da nossa amizade, vinho sempre aflora a memória e
traz à tona momentos nostálgicos. Dou um longo gole na minha taça
quando avisto Amelia Sawyer cruzar o restaurante em nossa
direção, engulo meio a contragosto sem conseguir traçar um mapa
mental de como será minha reação em revê-la depois de saber de
tudo.
— O que foi Molly? Parece que viu um fantasma.
— Teria sido melhor ter visto um.
Mal a Olivia consegue raciocinar e a própria se faz presente.
— Molly, que surpresa boa! — abre um sorriso que eu sei que é
falso, ainda que tenhamos nos acertado, no fundo sei que ela não
gosta de mim.
— Amelia. — maneio a cabeça, sorrindo amarelo.
— Sou Olivia Morris. — ela se apressa em me ajudar com essa
saia justa, vendo que estou completamente sem jeito.
— Amelia Saywer. — aceita o cumprimento de dois beijinhos da
Olivia. — Você é arquiteta, não é?
— Sou sim.
— Tive ótimas recomendações de você.
— Fico feliz por isso.
— Ótima escolha de amizade, Molly. — posso ver toda a sua
arrogância entranhada ao seu comentário, mas finjo não me
importar.
— Bom, vou indo... pra o Henrick não aparecer na empresa há
dias quer dizer que estão muito ocupados, se é que me entende,
mas vá lá em casa por esses dias, você é muito bem-vinda.
Despedimo-nos dela e nos entreolhamos com cara de quem
ainda processava esse encontro esquisito, uma vez que, segundo
Henrick, seus pais passavam mais tempo fora de Nova Iorque.
— Vamos falar sobre isso?
— Definitivamente não. — respondo sincera.
— Nem sobre o... — nem a deixo terminar.
— Nem termina. — a corto. — Não, não quero saber dele.
Conversamos e bebemos mais um pouco e então fomos para
nossas casas, Olivia quis ficar comigo, mas a garanti que estava
tudo bem e que a essa altura eu só queria dormir sozinha e na
repleta paz. Sinto uma dorzinha na testa em virtude da quantidade
de vinho que tomamos e decido entrar debaixo da água fria, mesmo
a cidade estando bastante fria. Visto um pijama quentinho e deito na
minha cama sob as minhas cobertas que me parecem o melhor
lugar do mundo nesse instante. Tenho a leve impressão de que
alguém batera na porta, mas o porteiro teria anunciado, então dou
de ombros, quando estou quase pegando no sono escuto esmurros
na porta e uma voz grossa chamando meu nome. Não posso
acreditar! Quem foi o próximo a subornar o porteiro para subir até o
meu apartamento sem a minha permissão?
CAPÍTULO 29
Molly Hill
Abro a porta e me deparo com o Henrick encostado à porta — ou
quase caindo — mal conseguindo se manter de pé e visivelmente
bêbado.
— Mas que merda você está fazendo aqui? — minha voz sai
esbaforida e estridente.
— Me perdoa, Molly. — ele tenta se aproximar de mim e me
tocar, mas eu me afasto e ele cambaleia para trás.
— Você acha que é digno de perdão? Que pode aparecer na
minha casa a essa hora da noite com essa cara de cachorro sem
dono e eu vou te perdoar por pena? — sei que estou sendo
insensível, mas não meço as palavras e não me importo nem um
pouco.
— Molly... eu te amo!
— Eu quero mais é que você se dane, Henrick! Sai da minha
casa! Sai da minha vida! — aumento a voz não ligando se vai
acordar o andar ou o prédio, o empurrando.
Henrick me encara derrotado, seus olhos estão muito vermelhos,
penso que é por conta da bebida, mas eles logo marejam e eu
concluo que ele está realmente a voltar a chorar. Mas que se dane!
Não quero ser cruel, mas olhá-lo e lembrar do motivo pela qual
estamos nesse impasse desperta o meu pior lado, deixa-me cega
de raiva. Ele até aparenta querer seguir o meu comando e sair, mas
cai sentado no chão e eu me sensibilizo com o seu estado, ele
realmente não tem condições de ir embora, não sei nem como ele
conseguiu chegar aqui. Suspiro pesado vendo que não há outra
alternativa senão ajudá-lo. Vou até o corredor para checar se algum
de seus seguranças está lá, mas não encontro ninguém, então
fecho a porta e o ajudo com muita dificuldade a se acomodar no
meu sofá. Estando mais de perto, observo com atenção o seu rosto,
percebo que está descuidado, seu cabelo parece que não é cortado
há dias, bem como a sua barba e bigode que estão grandes, nem
em sonho parece aquele CEO influente que eu conheci.
— Eu te amo! Será que você não entende? — repete, com a voz
embargada.
Respiro fundo querendo responder nada amistosa, mas não
convém discutir com ele nesse estado deplorável que ele se
encontra. Resolvo ligar para o porteiro para perguntar se tem algum
segurança lá embaixo que possa levar o Henrick de volta para o seu
apartamento, mas como eu supunha, não tem ninguém, eu já
deveria suspeitar, pois se eles estivessem aqui, certamente estariam
na cola do seu patrão. Penso em ligar para o Connor para ele vir
resgatá-lo, mas está tarde da noite e eu não quero incomodar, então
decido que vou entrar em contato amanhã assim que acordar, por
hora me contento com a ideia de que terei que passar mais tempo
com ele do que eu gostaria.
— Quão bêbado você está? — me aproximo dele e sento na
mesinha em frente ao sofá, o encarando à espera de uma resposta
lógica que obviamente não vem.
— Me perdoa, Molly! Se eu pudesse voltar no tempo... — é só o
que ele sabe fazer, se desculpar, como se essa fosse a chave para
tudo, tirando-me do sério, mas tento juntar o pouquinho da paciência
que restou para lidar com ele.
— Você precisa de um café forte e um banho gelado. — o ignoro.
— Eu preciso de você.
Engulo em seco quando ouço ele falar mais uma vez, dessa vez
com um olhar brando, olhar esse que mais um segundo olhando,
talvez, por um milésimo de segundo, eu me esquecesse de tudo e
fraquejasse, então me levanto na tentativa de me afastar, mas ele
segura minha mão, impedindo-me de sair.
— Eu só estou ajudando você como um ser humano que precisa
de ajuda por hoje, somente isso, não ache que ficar se desculpando
ou dizendo que me ama vai mudar o desprezo que estou sentindo
por você. — digo, não me contendo.
— Molly... — sua voz falha em meio a soluços, jamais imaginei
que viveria para ver o Sr. Dono do Mundo baixar a guarda dessa
maneira.
— Vem, vou levar você até o chuveiro. — faço ouvido de
mercador.
Estendo minha mão apenas para que ele se ampare em mim, o
abraço de lado tentando sustentar seu corpo pesado e o conduzo
até o banheiro. Ajusto o chuveiro para sair água gelada e o entrego
uma toalha para que possa se enxugar, enquanto isso vou em
busca do café mais forte que eu tenha. Passado o café e o tempo
necessário para um banho, decido ir atrás dele para saber se está
bem, mas assim que me viro para ir até o outro cômodo, ele entra
na cozinha enxugando o cabelo que fica todo desgrenhado, mas ele
parece não se importar.
— Melhor? — pergunto.
— Não.
— Toma o café que preparei, vai ajudar.
Ele pega a xícara em mãos e beberica do café, fazendo cara feia
e quase cuspindo o líquido fora.
— Está horrível! — reclama.
— Não é pra ser gostoso.
— Por que está me ajudando? — ele questiona depois de um
longo silêncio que pairou.
— Porque é o que eu faço, ajudar pessoas, por mais filhas da
puta que elas venham a ser comigo. — digo, abraçando-me num
gesto apaziguador, adquirindo uma postura mais fria.
— Eu nunca vou me perdoar pelo o que a minha família fez com
você, Molly.
— Se você não consegue se perdoar, imagine eu.
— Molly...
— Henrick, já tivemos essa conversa e ela teve um fim. — não
deixo que estenda mais um pedido de perdão. — Você pode ir pra o
sofá e passar essa noite aqui sem mais tentativas de reconciliação
ou então eu ligo pra alguém vir te buscar, você quem sabe.
Ele não diz nada, apenas deita no sofá com um semblante
humilhado no rosto. Apago as luzes e vou até o meu quarto a fim de
descansar, mas é claro que não consigo, viro-me de um lado para o
outro inquieta e o sono ao que parece se dissipou. Minha garganta
seca e então eu me levanto para beber água, ao sair debaixo das
cobertas sinto o ambiente um gelo mesmo estando com o
aquecedor ligado, esfrego meus braços na tentativa de me
esquentar e coloco um casaco grosso, mas mesmo assim continua
muito frio. Ao passar por perto da sala, escuto um barulho esquisito,
incomum, e decido checar o que é, parecia um ranger de dentes e
de fato era, encontro Henrick encolhido no sofá batendo o queixo e
rangendo os dentes de frio, rapidamente olho para a janela e me
dou conta de que a neve voltou a cair lá fora, Nova Iorque e sua
mudança de clima brusca, se eu que estava debaixo das cobertas
estava com frio, imagine ele, sinto por estar tão movida pela raiva
que esqueci de entregá-lo ao menos um cobertor. Seus lábios estão
num tom mais escuro, como um princípio de hipotermia, não sei se
os efeitos do álcool potencializaram esse fator, mas ao encostar as
costas da minha mão em sua pele constato que a palidez em seu
rosto faz jus a sua temperatura corporal.
— Henrick?
Ele abre os olhos e mal consegue responder, então o ajudo a
levantar.
— Você está congelando, vem comigo! — passo seu braço por
cima dos meus ombros, o guiando até o único quarto que eu poderia
levá-lo, o meu.
O auxilio a deitar na cama e o cubro inteiro, pegando mais um
cobertor grosso para colocar por cima.
— Por que não me chamou?
— Começou do nada, não dei importância. — responde com a
voz trêmula.
— Tudo bem, mas logo logo vai passar. — o tranquilizo,
ajeitando as cobertas para que cubra toda extensão do seu corpo.
Não pretendo dividir a mesma cama que ele, então checo
novamente sua temperatura e caminho em direção a porta para sair
dali, contudo, ele me chama.
— Fica aqui comigo?
— Henrick, eu não... — nem termino de falar e ele me
interrompe.
— Por favor, Molly, só estou pedindo que divida o mesmo
cômodo que eu. — continua, com a voz trêmula de quem ainda está
tremendo de frio.
Dou o braço a torcer quando noto que não há segundas
intenções em seu pedido, mas para mim é um sacrifício tremendo
me esforçar para no mínimo olhar para ele, então me custa muito
me aproximar, esforço-me pelo menos por hoje. Deito quase na
beirada da cama de barriga para cima, fito o teto sem muito
entusiasmo, até ele quebrar o silêncio.
— Vai continuar me tratando como um leproso?
— Um leproso não merece o desprezo que estou sentindo por
você, então não, não estou te tratando como um.
— Molly, você está me condenando por algo que eu não fiz. —
diz com pesar.
— E o inocente que está na cadeia por um crime que ele não
cometeu, mas a sua família sim? — finalmente me vem a coragem
de encará-lo.
— Sou tão contra isso como você, a prova disso é que me afastei
da minha família, mas é a minha família, Molly, infelizmente é a
única que eu tenho. — defende-se, lá no fundo ele parece estar
falando a verdade, mas ainda assim não consigo sentir empatia,
pois ele poderia muito bem ter tentado fazer alguma coisa.
— Você poderia ter tentado evitar.
— Você acha que esse é o tipo de coisa que se conversa à
mesa? “Olhe, meu filho, vamos tentar contra a vida do rival do seu
irmão, tudo bem pra você?” Não, Molly! As coisas não são assim, eu
só soube depois do ocorrido. — tenta argumentar.
— Henrick, será que você tem a capacidade de se colocar no
meu lugar e ao menos imaginar a dor que eu estou sentindo por
descobrir que a pessoa que eu mais amei foi capaz de esconder
isso de mim? E pior ainda, tudo por culpa da sua família. — meus
olhos marejam.
— Você tem razão, eu nunca vou ser capaz de entender a dor
que você sente, mas eu posso sim imaginar, e não, eu não fico feliz
com isso.
— Pedir que eu te perdoe é o mesmo que pedir que eu esqueça
tudo o que a sua família tirou de mim.
— Você jamais vai esquecer, mas ao menos me deixa te dar o
amor que eu tenho pra te oferecer e amenizar a sua angustia um
pouco. — ele tenta tocar o meu rosto para enxugar uma lágrima,
mas eu me afasto. — Eu não quero o seu mal, Molly, nunca quis.
— Eu não consigo, Henrick, me desculpa, mas eu não consigo te
perdoar. — escondo o rosto nas mãos.
— Só por essa noite você me deixa te abraçar, por favor? Me dói
te ver chorando.
Não digo nada, apenas permaneço do mesmo jeito e ele se
aproxima, aninhando-me em seus braços como um protetor. Meu
choro se intensifica ao sentir o seu corpo e escutar as batidas do
seu coração, lembrando de como parecia sermos perfeitos antes, e
diferente das outras vezes eu não tenho forças para o afastar e nem
quero, eu precisava desse abraço como eu precisava de ar para
respirar. Pelo menos por hoje eu não lutaria contra ser amparada
por quem me partiu o coração.
CAPÍTULO 30
Molly Hill
Não vi mais o Henrick nem nas dependências do aeroporto, ou
ele não estava mais voando com tanta frequência ou estava
evitando voar nos mesmos dias e horários que a minha tripulação,
sendo quem ele é não seria nada difícil plotar a minha escala de
modo a diminuir ou quase zerar as chances de nos esbarrarmos,
pelo visto ele se saiu bem na tarefa de se afastar de mim como eu o
havia sentenciado.
Olivia e Connor haviam viajado para a Itália há exatas duas
semanas numa espécie de segunda lua de mel e apesar de terem
insistentemente pedido para que eu fosse, não queria estragar a
viagem romântica deles, mesmo porque eu não estava no meu
melhor humor e a ideia de curtir a solidão da minha vida me parecia
mais atraente, parecia sempre o mais adequado a se fazer. Por
sorte, meu trabalho me proporcionava certa distração e ocupação,
viajando para destinos agradabilíssimos, como Londres, por
exemplo.
Andando pelas ruas geladas do centro londrino, deparo-me
coincidentemente com Patrick debruçado sobre a mureta da ponte,
admirando a bela vista que a junção da torre do Big Ben, situada no
palácio Westminster, a água refletindo toda magnitude do
monumento e as luzes da cidade ao fundo nos provia. Não tenho
pretensão de trocar meia dúzia de palavras com ele por motivos
óbvios, então apresso os passos e tento passar por despercebida,
mas na hora que avanço, ele vira a cabeça e seu olhar me encontra,
dou um risinho de canto sem graça por não saber o que dizer ou
talvez por achar que ele percebera minha atitude nada madura.
— Londres parece ser um bom lugar pra fazer as pazes.
Não sei se ele está a ironizar ou falar com sinceridade.
— Não estamos brigados, então tecnicamente não precisamos
fazer as pazes. — esforço-me para não aparentar estupidez, mas
acho que meu esforço não fora o bastante. — Eu errei em te fazer
uma proposta sem saber das suas reais intenções e isso culminou
em você presumir que podia dar palpite na minha vida pessoal,
gerando um ruído desnecessário, simples assim.
— Só quis te alertar, Molly, eu não tinha provas suficientes pra
acusá-lo, mas tinha evidências fundamentais na época.
— Não quero tocar nesse assunto, Patrick. — dou um longo
suspiro de esgotamento que logo o faz entender que não importa o
quanto ele tenha tido o bom senso de querer ajudar, eu
simplesmente não me importo em ouvir sua versão das coisas,
porque só quero esquecer.
— Tudo bem. — Patrick cruza os braços, encostando-se na
mureta levando seu olhar para longe, mas não demora e ele volta
sua atenção novamente disposto a dar mais algumas satisfações. —
Molly... eu sei que fui eu que meio que criei esse clima chato por
ciúmes ou sei lá, senso de justiceiro, mas eu gostaria mesmo de
voltar a ter uma boa relação com você, pelo menos profissional.
— Patrick, me desculpa ser rabugenta, mas o único tipo de
relação que eu posso vir a ter com você é de amizade e
profissionalismo, somente isso, é bom eu deixar claro que não é
porque você fez o que fez trazendo a verdade à tona, e eu
realmente te considero por esse feitio, que tudo vai voltar a ser
como era antes, porque não vai.
— Sei disso, mas realmente acho que seria melhor suavizar os
ares do cockpit, seria mais saudável. — ele continua.
— Por mim tudo bem.
Abaixo a guarda, Patrick não é o único a ter uma parcela de
culpa no meio disso tudo e por mais que ele tenha confundido as
coisas e metido os pés pelas mãos, ele pelo menos estava sendo
sensato em querer melhorar o nosso ambiente de trabalho uma vez
que passávamos muito mais tempo juntos.
Chego no hotel e me desfaço das roupas pesadas de frio que me
sufocam um pouco, ligando imediatamente o aquecedor para fugir
do gelo que está Londres a essa altura do ano. Meu celular toca
incessantemente em cima do balcão da pia do banheiro e eu reviro
os olhos, dando-me conta de que, por puro desapego, não tinha
levado ele comigo, atendo sem nem me atentar ao visor.
— Alô.
— Eu bem que gostaria de saber o porquê que você tem essa
droga de celular, Molly, SE VOCÊ NÃO O ATENDE! — Olivia grita
do outro lado da linha e eu afasto o aparelho do ouvido temendo
ficar surda.
— Você sabe que eu não sou surda, Olivia, mas se depender
desse seu histerismo é bem capaz de eu ficar. — brinco, procurando
desestressá-la ou mesmo irritá-la mais ainda.
— Eu fico à beira de um ataque de nervos quando você está
longe e não atende o celular ou não responde as minhas
mensagens, já penso o pior. — responde séria e eu juro que posso
escutar um respirar de alívio.
— Eu sei, amiga, aquele acidente abalou todos nós.
— Ainda bem que você está bem. Espera! Você está bem, não
é? — pergunta esbaforida, certificando-se.
Dou risada, Olivia realmente não bate bem da cabeça.
— Estou sim, fui dar uma volta pelo centro de Londres.
— Não vou dizer o que eu estava fazendo antes de me
preocupar com você, porque talvez você não queira saber de
detalhes assim tão sórdidos da minha vida com o Connor.
— E adianta não querer saber? Você simplesmente conta, Olivia,
você é louca! — a faço rir e o Connor também, pelo visto minha
amiga não sabe mesmo fazer ligações sem ser no auto falante.
— Eu acho que dessa vez ela não teria coragem de contar o que
eu fiz com el... — escuto Connor ao fundo e um barulho de algum
objeto caindo logo em seguida.
— CALA ESSA BOCA, SEU PERVERTIDO! — Olivia reclama e
me confirma a teoria de que ela realmente tenha feito ele calar a
boca tacando alguma coisa pesada nele.
— Mulher louca! — Connor resmunga baixinho e eu gargalho, os
dois são mesmo duas figuras que nasceram um para o outro,
completavam-se até na loucura.
— Voltando ao assunto... Depois de amanhã eu tenho um evento
pra ir, uma espécie de premiação pras melhores criações de
arquitetura desse ano de Nova Iorque e, é claro, que o milagre que
eu fiz na casa do Connor, quer dizer, na nossa casa, vai ser
premiado, e eu queria a sua presença lá Mollyzinha. — pede toda
confiante.
Sorrio, estou chegando à conclusão de que não dá para ficar
sem rir na presença da Olivia, é como um combustível diário.
— Putz, Olivia! Eu bem que gostaria de ir, você sabe, mas não
sei se o cliente vai voltar pra Nova Iorque assim tão depressa,
chegamos hoje.
— Poxa, Molly! — choraminga.
— Eu sei, amiga, eu sei, mas não tem muito o que eu possa
fazer, só posso voltar quando ele voltar. — explico um tanto
chateada por talvez não poder ir prestigiá-la.
— Tá bom, eu sei que não é sua culpa, mas não vai ser a
mesma coisa sem você lá.
— Se o cliente mudar de planos, você vai ser a primeira a saber,
eu prometo.
— Ai, espero que ele volte a tempo! — posso jurar que ela deu
pulinhos do outro lado como sempre faz quando está empolgada.
— Eu também, mas agora eu vou desligar porque Londres está
congelando e eu preciso de um banho quente e um bom vinho no
mínimo, te dou notícias...
— Dê mesmo. Se cuida, Mollyzinha!
As manhãs em Londres eram tais como eu conhecia, com uma
pitada de nostalgia no ar, dessa vez Patrick se junta a mim e ao
James e, enquanto o comandante não para de contar histórias
engraçadas da sua família, pela primeira vez, eu percebo que
Patrick nunca fala sobre si ou sobre seus parentes, muito menos o
que fazia antes de entrar na aviação, mas apesar de eu achar
curioso o fato de que não sabíamos quase nada sobre ele, também
não tenho intenção de questioná-lo sobre, eu bem sei como é não
querer falar do passado. Mesmo refletindo a respeito de como e por
que e qual interesse ele tinha em descobrir sobre a família do
Henrick estar envolvida no acidente dos meus pais, em nenhum
momento quis tocar no assunto, eu só queria passar uma borracha
em tudo.
Era início da tarde quando o cliente acionou o James para um
retorno imediato, pois sua neta sofrera um acidente de carro,
apronto-me o mais rápido que posso e arrumo minha mala para
estar no aeroporto o quanto antes, não sei se daria para chegar a
tempo do evento da Olivia, então por via das dúvidas não comento
nada com ela para não gerar expectativas. Oito horas de viagem, eu
estava um caco, mas não parava de olhar as horas no relógio e me
remexer inquieta na cadeira ansiosa para pousar logo, temendo
perder a premiação. Quando o cliente vai embora, apresso-me para
finalizar o meu serviço dentro da aeronave e correr em direção ao
teatro indicado por Olivia via mensagem de texto, mas é provável
que esteja no meio da premiação e eu tenha perdido boa parte.
Subo as escadas correndo meio desajeitada e tirando o blazer do
uniforme, pois estava calor, ainda bem que a minha blusa não
possui o logo da empresa e não denuncia que sequer tive tempo de
me trocar. Identifico-me na entrada e vou apressada até o grande
salão, enquanto me aproximo da porta, ouço uma voz masculina
falar ao microfone, mas não consigo entender, somente quando
abro a porta pesada que adentro o local que posso distinguir o som,
Olivia não somente tinha recebido o prêmio como recebera o
primeiro lugar de destaque. Bato palmas junto com todas aquelas
pessoas que estavam presentes e quando avanço desatenta para
me aproximar da mesa que ela estava a se levantar, ainda com os
olhos no palco, esbarro em alguém, a voz masculina pragueja e
resmunga alto chamando a minha atenção, olho para pedir
desculpas e me deparo com Henrick Sawyer me encarando tal
como eu o encarava, surpreso, nem a mancha de whisky na sua
camisa branca o fez destilar sua raiva mais. Não esperava encontrá-
lo, muito menos ali.
— Desculpa! — é tudo o que consigo falar.
— Molly, você veio. — sua expressão suavizou.
— Me perdoa por isso. — aponto para a sua camisa, sentindo-
me um tanto deslocada e sem saber o que de racional falar.
— Tranquilo, estamos quites agora. Melhor whisky com gelo do
que café morno.
Antes que eu possa querer procurar um buraco para me enfiar
por essa situação constrangedora, escuto Olivia me chamar eufórica
no microfone, voltando o olhar de todos para mim enaltecendo o
quanto é importante a minha presença ali, lacrimejo de alegria por
vê-la conquistando o que sempre quis e por um instante até
esqueço que o Henrick está ao meu lado, vou até ela para um
abraço esmagador quando ela volta para a mesa em que o Connor
está sentado.
— Estou tão feliz por você, amiga!
— Pensei que não viria mais, Molly. Você viu? Ganhei o primeiro
lugar! — ela pula animada e logo me abraça de novo e depois dá
um beijo no Connor.
— Parabéns, Morris! — Henrick se aproxima.
— Mas de que esgoto que você saiu, Henrick? — Olivia nada
discreta o olha de cima abaixo.
Ele instantaneamente intercala o olhar comigo e acredito que ela
tenha matado a charada.
— Não foi por querer. — defendo-me.
— É compreensível que tenha mirado na calça branca e tenha
acertado a camisa. — tira sarro e eu entorto a boca, sorrindo sem
graça, Henrick parece não se importar.
— Essa noite merece uma comemoração, por que não saímos
pra curtir? Já vimos aqui tudo que tínhamos que ver. — Connor
propõe.
— Eu passo, estou só o pó. — digo.
— Ah, Molly, vamos, você fica pouco tempo, o bastante pra gente
comemorar. — minha amiga continua.
— Se quiser eu levo você pra casa. — Henrick oferece carona,
talvez na esperança de que eu alivie para o seu lado.
— Não quero, estou de carro.
Seu semblante é de desapontado, mas não titubeio na postura
rígida.
— Vamos, Molly, fica só um pouquinho? — Olivia não desiste.
— Dessa vez eu fico te devendo essa, amiga, o voo foi mesmo
cansativo.
— Tá bom, então, vamos pelo menos até o estacionamento todo
mundo junto. Você vem, Henrick? — pergunta meio a contragosto,
por mais que ela fosse engraçada e atenuasse qualquer clima
chato, ela ainda estava brava com ele pela mentira que eu inventei,
de termos terminado por traição de sua parte.
Ele apenas acena e nos segue. Olivia exalta sua felicidade com o
prêmio em mãos durante todo o percurso até o estacionamento, eu
fico calada torcendo para chegar em casa logo e ir descansar, mais
do que isso, torcendo para não cochilar no volante no meio do
caminho.
— O que estamos esperando? — pergunto quando percebo que
estamos parados esperando o que eu não sei, pois estava alheia ao
que falaram por último.
— Henrick foi atender um telefonema. — Olivia fala e eu olho
para trás para ver o Henrick ao celular.
Ela volta a conversar com o Connor e eu curiosamente fico a
prestar atenção no Henrick, que gesticula e franze a testa
parecendo não acreditar no que ouve. Dou de ombros quando
presumo ser algum problema em uma de suas empresas, então
volto o meu olhar para frente, mas logo escuto uma voz conhecida
chamar meu nome, faço uma cara de interrogação quando avisto o
Patrick correr até nós.
— Molly! Você esqueceu suas chaves! — ele diz com um molho
de chaves em mãos que pelo chaveiro reconheço como sendo
mesmo meu.
Contudo, antes que ele se aproxime, Henrick o puxa e dá um
soco em seu rosto o fazendo cambalear e cair no chão.
— Ai meu Deus! — Olivia grita assustada.
— Mas que porra que deu nele?! — Connor também aparenta
estar tão desorientado quanto nós.
Corremos até eles antes que ele matasse o Patrick com tantos
socos e chutes. Connor tenta apartar, segurando o Henrick
juntamente a mim e a Olivia que tentávamos puxá-lo, mas ele
estava fora de si, consumido por pura ira, ensandecido.
— Ei, parceiro, para, desse jeito você vai matá-lo.
— Isso é o mínimo que esse filho da puta merece, Connor. Eu
poderia quebrar todos os ossos dele que ainda seria pouco. —
Henrick rosna, mas mesmo assim não para de bater no Patrick.
Encaro a tudo horrorizada, perguntando-me se isso é uma
espécie de acerto de contas por achar que o Patrick foi responsável
pelo nosso rompimento. Não pode ser, não podia ser!
— Vocês, seus imprestáveis, façam alguma coisa! — Connor
grita para os seguranças do Henrick que não fazem nada, talvez
acostumados já a tal forma de resolução de problemas.
Quando conseguem tirar o Henrick de cima do Patrick, ele está
desacordado no chão e eu penso que seria um milagre ele ainda
estar respirando diante do seu estado.
Achei que o meu dia cansativo estava chegando ao fim, porém a
noite me provara que seria mais longa do que eu gostaria, muito
longa, pelo menos até esclarecermos o real motivo de toda aquela
confusão.
CAPÍTULO 31
Molly Hill
— Ele precisa de um médico. — Olivia sugere um tanto
apavorada.
— Eu o acompanho. — disponho-me, sentindo que se tinha
alguém que deveria fazê-lo companhia, esse alguém era eu, não me
passa pela cabeça os motivos os quais Henrick o atacou, mas algo
me diz que tem a ver comigo, ainda que indiretamente.
— Não, Molly, você só pode estar de brincadeira. — Henrick me
encara com o punho cerrado e maxilar travado, franzindo o cenho
incrédulo e aborrecido.
— Agora não, Henrick. — Connor se intromete, pois, conhecendo
o seu amigo, sabia que ele iniciaria uma discussão nada
conveniente para a urgência do momento.
Checo os sinais vitais do Patrick que são fracos, mas ainda
funcionam, enquanto um dos seguranças do Henrick liga para a
emergência e quando a ambulância chega, vou seguindo-os com o
meu carro até o hospital mais próximo. Espero sentada em uma das
salas de espera alguém vir dar alguma notícia sobre ele, quanto
mais o tempo passa, mais eu fico preocupada. Não é possível que o
Henrick tenha surtado nessa dimensão por ciúmes, seria muita
prepotência minha achar isso, além de que teria sido muito imaturo
da sua parte, havia algo por trás, algo majoritariamente relacionado
ao telefonema que recebeu que o fez perder a cabeça, eu só não
consigo encontrar uma razão mais coerente e apropriada para linkar
as duas coisas.
O médico responsável pelo plantão finalmente aparece e me dá
permissão para ir até o quarto, Patrick continua desacordado, mas
não tem perigo de piora, seu quadro é estável, sento-me na poltrona
ao lado da cama e suspiro pesado visivelmente exausta, não quero
deixá-lo sozinho, então arquiteto meus próximos passos, decidida a
pegar uma roupa mais confortável na mala e ficar ali por essa noite.
Antes que eu saia a fim de ir ao estacionamento, Olivia entra pela
porta com um semblante de quem viu um fantasma.
— Olivia? — ergo as sobrancelhas, confusa. — O que faz aqui?
— pergunto.
— Amiga, você precisa saber de uma coisa.
Nunca vi a Olivia tão séria na vida, seu olhar entristecido
denuncia que ela havia chorado e não estava sabendo digerir o que
quer que ela tinha descoberto.
— O que aconteceu? — fito seus olhos temerosos, sentindo-me
perdida.
— Aqui não. — ela intercala o olhar com o Patrick e por um
milésimo de segundo tenho a impressão de ter detectado uma
súbita expressão de raiva, mas não toco no assunto.
— Mas eu vou deixá-lo aqui assim?
— Ele é maior de idade, não é nenhum inocente indefeso, vá por
mim.
— O que aconteceu? O que o Patrick fez de tão grave?
— Não sou eu quem tenho que te contar isso, Molly, é o Henrick.
— Ele que armou essa ceninha pra me fazer ir até ele, não foi?
— atrevo-me a cogitar.
— Ninguém mais do que eu pra estar tão chateada com ele pelo
o que ele fez com você, mas você é a pessoa mais interessada em
ouvir o que ele tem pra contar.
Aceito o pedido de Olivia e a acompanho até a SAWYER
Enterprises, o prédio está quase todo apagado, com exceção do
último andar onde boa parte das luzes estão acesas. Dessa vez não
há nenhuma atendente na recepção, nem no primeiro andar, os
seguranças nos conduzem até o interior do prédio e eu posso até
dizer que nos escoltam, pois os protocolos são os mesmos de
quando fazem a guarda do seu patrão, o que me faz estranhar ainda
mais o teor da conversa que eu estava prestes a ter.
Após minutos que me parecem longas horas, adentramos a sala
do Henrick. Ele está sentado no sofá com a cabeça abaixada e as
mãos em seu pescoço como quem quer aliviar a tensão, Connor é o
primeiro a perceber a nossa presença, mas assim que passamos
pela porta e o som dos nossos sapatos de salto ecoam pelo
silencioso lugar, ele também logo ergue o olhar até nós, para mim
mais precisamente. Seus olhos estão repletos de amargura.
— Vocês podem me deixar a sós com a Molly, por favor? — pede
num sussurro.
— Por que temos que sair se já sabemos de tudo? — Olivia
inconvenientemente contesta.
— Meu amor, os dois precisam conversar sozinhos. — Connor
racionalmente a olha numa espécie de censura e meio a
contragosto ela o segue, deixando-nos sozinhos.
— Você quer falar sobre o acidente dos meus pais, é isso? —
questiono achando que esse é o único assunto que
compartilhávamos o qual ninguém mais sabia.
— Molly, eu não sei nem por onde começar a te contar isso.
Parece que ele está a segurar o choro.
— Você está me assustando.
— O... O Patrick, foi ele o responsável pelo nosso acidente.
Sinto que meu sangue se direciona a qualquer outra parte do
meu corpo que faz com que a minha cabeça dê voltas de tontura por
falta de oxigênio suficiente.
— Como é que é? — sento-me antes que eu caia.
— Tem mais.
— Mais? O que pode ser pior do que isso? Aliás, o que é que a
Olivia e o Connor não podem saber?
— Ele fez isso a mando dos meus pais.
Recebo a notícia como um baque, não conseguindo sequer
processar. Não posso crer que um pai e uma mãe pudessem ser
capazes de atentar com a vida do próprio filho, eles eram mesmo
muito piores do que eu imaginava, Henrick sempre teve razão.
Arrependo-me de ter um dia achado que ele seria conivente com o
que fizeram com os meus por pura maldade, ele de fato nunca
concordou abalando assim a relação familiar, esse episódio só
prova isso, e, apesar de tudo, ele ainda os considerou seus pais não
os denunciando, tamanha consideração que ao que parece jamais
tiveram.
— Não pode ser! — digo ainda incrédula. — Ele se fez de nosso
amigo, bancou o apaixonado comigo e quase nos matou? — tento
assimilar tamanha farsa.
— À medida que as investigações avançavam, todos os indícios
levavam ao executor estar dentro da aeronave, alguém fez aquele
avião ir ao chão.
— E como você chegou à conclusão de que foi o Patrick? —
cheia de dúvidas, quase o interrogo com uma pergunta atrás da
outra.
— Não cheguei, desconfiei de todos, até do comandante Watson.
— James jamais faria isso. — respondo convicta.
— Também pensei que a minha família jamais faria isso com
alguém, principalmente comigo. — abre-me os olhos, alertando-me
de que realmente não se sabe quem é quem sobretudo diante de
algo desse tipo. — Contratei uma equipe de investigadores e eles
colheram provas, as idas de Patrick ao gabinete do meu irmão eram
quase constantes.
— Seu irmão também tem a ver? — o interrompo.
— Ele é o mais interessado em que eu não traga a verdade à
tona e o faça pagar.
— Mas essas visitas ao seu irmão não querem dizer nada, não
é? — ainda procuro acreditar que é tudo uma loucura sem pé e nem
cabeça.
— Não diriam nada, se o Patrick tivesse sido inteligente o
bastante pra não movimentar uma grande quantia de dinheiro de
uma conta do exterior pra sua conta local logo após as primeiras
visitas e antes do dia do acidente.
— Henrick, isso parece história de filme.
— Ele não recebeu a segunda parte do dinheiro porque o plano
não saiu como esperado, eu saí vivo, então suas idas passaram de
ir ao meu irmão quase que diariamente como também ir até os
meus pais, pra cobrar o restante da sua parte.
— Mas como isso o coloca na cena do crime? Não poder ter sido
somente uma infeliz coincidência? — minha mente ferve com tanta
coisa para assimilar.
— Seria, se não tivesse sido encontrado resquícios de uma
bomba acoplada a asa da aeronave, bomba essa que só foi
acionada após o avião já estar no chão... a tese de que o fogo não
teria sido capaz de produzir uma explosão daquela magnitude foi
comprovada, além do mais, quem que estava dentro da aeronave
quando a asa começou a pegar fogo?
— Você. — falo baixinho, pasma.
— E você, quem ele insistiu pra que saísse às pressas e o
deixasse me ajudar.
— Se eu não tivesse conseguido tirar você, teríamos morrido os
dois?! — pergunto mais a mim mesma do que a ele.
— É, Molly, você salvou a minha vida. — uma lágrima escorre
pelo seu rosto. — Ele desligou o piloto automático, o intuito era de
levar o avião ao chão numa simulação de pouso forçado pra que
pensassem que a explosão fosse apenas um fator resultante da
queda, só que ele desmaiou e quem assumiu o controle foi o James,
pousando da forma menos desastrosa possível, de maneira que não
trouxe maiores danos pra quem estava devidamente de cinto, esse
foi o fator contribuinte pra seguir numa linha de investigação
decorrente das suspeitas de uma explosão forjada, além de que
depois disso encontraram os vestígios.
— Mas como sabem que foi de fato o Patrick o executor?
— Por conversas gravadas, o investigador colocou um gravador
no gabinete do meu irmão.
— E a ligação de ontem? Você confirmou tudo ontem?
— Isso, o investigador me ligou confirmando e quando eu o vi
indo em direção a você com a cara mais lisa do mundo eu tive
vontade de esmagá-lo com as minhas próprias mãos. — Henrick
fecha os punhos, voltando a demonstrar ira. — Jamais me perdoarei
por ter feito você correr risco de vida, Molly, mas mais ainda pelo
que fizeram com seus pais.
Conhecendo o Henrick o pouco que eu conheço, dá para ver que
ele está sendo sincero.
— E o que seus pais ganhariam com a sua morte?
— Eles estão falidos, vivendo de aparência e as custas do meu
irmão, por incrível que pareça eu não desconfiei de nada, eles
tinham total interesse nas minhas empresas, tanto que colocaram
Travis no meu caminho, ele atuou como um perfeito espião em
meus negócios fingindo ser sócio e desviando dinheiro pra
beneficia-los, ainda bem que desfiz sociedade com ele antes que
fizesse um rombo no meu financeiro. Eles teriam dinheiro, além de
nunca serem pegos pelo que fizeram, é por isso que eu chamei
você aqui... — ele pega carinhosamente em minhas mãos fazendo
eu prestar ainda mais atenção em suas palavras e eu não fujo do
contato.
— Colocando o Patrick atrás das grades ele vai abrir a boca e
querer levar a minha família junto.
— Você me trouxe aqui pra pedir que eu deixe sua família sair
impune, é isso? — levanto a minha voz, puxando agressivamente as
minhas mãos, querendo me afastar dele.
— Não, Molly, eu trouxe você aqui justamente porque eu quero
que você decida, eu quase morri, mas isso não é nada perto do que
te tiraram, você é quem foi a mais prejudicada de tudo desde o
começo. Não conseguiria viver com a culpa de ter acontecido
alguma coisa com você por causa da família que tenho, não
somente a culpa de ter me silenciado sobre os seus pais quando eu
poderia ter feito alguma coisa, então, Molly, eu estou disposto a tudo
pra reparar o que houve e proteger você, mas você tem que me
permitir, porque a partir do momento que essa bomba vier à tona,
seremos os alvos de uma possível vingança, temos que contar com
essa e todas as outras possibilidades, eu não poderia decidir nada
pelas suas costas e deixar você vulnerável de novo. Não peço que
me perdoe e volte pra mim, só peço que você me deixe te proteger.
— Eu deixo, Henrick, e se não for pedir muito, eu quero voltar pra
você porque sim, eu te perdoo. — meus olhos marejam. — E eu te
amo.
Meu coração gritava que eu precisava perdoá-lo e que não havia
outro lugar no mundo o qual eu gostaria de estar senão nos braços
de Henrick Sawyer. Selo nossos lábios com urgência, como se
precisasse sentir novamente o seu sabor para sobreviver.
Dias depois...
Convencer a Olivia a não cometer nenhuma loucura depois que
Henrick e eu contamos a ela tudo o que houve, não foi tarefa fácil,
sabendo que a bomba que soltaríamos causaria grande estrago e
repercussão, optamos por contar a ela e ao Connor primeiro, antes
de soltar para o mundo e fazer o juiz reabrir o processo, mas fazê-la
conter a sede de fazer justiça com as próprias mãos fora trabalho
árduo.
Logo após voltarmos, Henrick me surpreendeu no trabalho com
uma segunda chave do seu apartamento em mãos feita
especialmente para mim com um chaveiro de aviãozinho
cuidadosamente escolhido para me agradar, não tive outra escolha
senão me mudar às pressas para o seu apartamento, não somente
por esse episódio em particular, mas eu realmente queria partilhar
uma vida a dois com ele.
Em paralelo, minha realidade mudara da água pro vinho, agora
com dois seguranças em meu encalço me seguindo aonde quer que
eu fosse, o que me fez ter que abandonar a profissão, pois eu não
poderia levá-los comigo numa aeronave a qual não me pertencia,
essa foi a parte mais difícil de me encaixar permanentemente na
vida de Henrick Sawyer, mas eu não via como algo negativo, ele
queria proteger a minha vida e não me restou outra opção a não ser
parar de voar, eu precisava daqueles seguranças e sabe-se lá o que
os pais dele seriam capazes de aprontar novamente.
Comandante James me deu total apoio e força quando contei
que deixaria a aviação em virtude dessa recente descoberta, ficando
também chocado e desolado quando soube do Patrick e de tudo o
que a família do Henrick fora capaz de provocar a minha, tirando de
mim quem eu chamava de pais e dele quem ele chamava de
amigos. Eu faria questão de manter contato com ele, pois James era
mais do que um amigo para mim, era também um segundo pai e
avô.
A notícia de que Amelia Sawyer, Conrad Sawyer e Andrew
Sawyer, bem como o Patrick, haviam sido presos estampou todos
os canais de notícia, inclusive os noticiários, eu e Henrick
acompanhamos a cobertura da emissora local num misto de tristeza
e alívio em vê-los sendo conduzidos algemados até a viatura tal
como os criminosos que eram, pondo um fim de verdade a esse
pesadelo. Patrick fora o primeiro e sequer negou sua participação,
acusando assim os demais envolvidos, facilitando e legitimando o
trabalho dos investigadores. Diante disso, meu primeiro pedido ao
Henrick fora ser a primeira a estar do lado de fora da prisão
esperando a saída do inocente cujo passou anos sendo penalizado
e humilhado por um crime que não cometera.
O advogado do Henrick providenciou o encontro e no dia
estimado para a sua saída e absolvição, lá estávamos nós três à
sua espera. O abracei e chorei junto quando as lágrimas rolaram
pelo seu rosto evidenciando o quanto essa passagem da sua vida
fora dolorosa. Com a repercussão do caso, nossos seguranças
também o escoltaram para longe do mar de jornalistas atrás de
fazerem a cobertura do caso, despistando-os e levando o homem,
Benjamin, juntamente a nós, para um almoço amigável há km dali.
Ele nos conta que trabalhava como mecânico de aeronaves, pois
era o mais perto de fazer parte do mundo da aviação que as suas
condições limitadas permitiam, que sempre fora seu sonho, Henrick
ofereceu-lhe então um emprego em uma de suas empresas para
que ele recomeçasse e tivesse uma vida mais digna, fazendo meus
olhos brilhar com a sua atitude nobre. Despedimo-nos do Benjamin
e então voltamos a nossa vida que parece que finalmente vai entrar
nos eixos, de uma vez por todas.
— Molly? — Henrick entra no quarto chamando a minha atenção,
enquanto estou a nostalgicamente olhar as fotos de todos os
lugares do mundo que aviação me proporcionou ir.
— Hm? — murmuro, sem tirar a vista da tela do notebook.
— Eu sei o quanto você ficou triste em ter que abandonar o seu
sonho. — ele afaga minhas costas carinhosamente.
— Foi em prol de algo maior. — entorto a boca, não tão
convencida assim, mas me esforçando ao máximo para acreditar
que essa fora a minha melhor decisão.
— Mas não precisa ser. Você pode voltar a trabalhar pra mim,
Molly, eu vou te dar toda segurança do mundo e você vai continuar
fazendo o que ama.
— Henrick...
— Essa configuração sempre deu certo. — seu risinho maroto
me indica que ele estava a se referir ao episódio em que fizemos
amor dentro da aeronave. — Não seja orgulhosa, Molly, aceite meu
pedido. — ele me encara com um olhar sedutor que me torna
incapaz de negar alguma coisa.
— Só se você me der um beijo.
— Não seja por isso.
Henrick me dá um beijo ardente, em fração de segundos todo o
quarto ao nosso redor parece pegar fogo, meu corpo esquenta e se
incendeia por completo em resposta ao estímulo. Não pensei nunca
que pudéssemos chegar no patamar de relação que chegamos,
nem que eu poderia amar alguém nessa dimensão. Henrick
realmente me desperta as melhores sensações e colore o meu
mundo por inteiro tal como o sol ilumina o globo terrestre, voltar a
trabalhar com ele seria mais do que um prazer, seria uma explosão
de sentimentos e felicidade. Eu estava plenamente feliz com ele e o
sorriso radiante em meu rosto não negava.
— Não pensei que aceitaria minha proposta, mas, senhorita Hill,
você é mesmo uma caixinha de surpresas. — sorri largo,
acentuando o azul em seus olhos, mostrando estar tão feliz como eu
estava, e nada, nada no mundo, seria capaz de nos tirar isso outra
vez.
CAPÍTULO 32
Molly Hill
Sinto o colchão afundar ao meu lado e uma respiração quente
próximo ao meu rosto, juntamente com um beijo singelo na minha
bochecha vindo a me despertar. Abro meus olhos lentamente e vejo
Henrick devidamente arrumado para ir para a empresa, despedindo-
se atenciosamente de mim já que quando ele voltasse para casa, eu
não estaria, pois teria viajado a trabalho uma vez que pedi a ele
para fazer pelo menos um último voo não compondo a tripulação
que trabalharia para ele e sem ser sufocada por um mar de
seguranças.
— Você tem certeza disso? Que quer viajar sem seguranças? —
pergunta se mostrando preocupado.
— O cliente não aceitaria, Henrick. — bocejo, ainda meio
sonolenta.
— Eu posso resolver isso. — propõe tendencioso.
— Vai te deixar mais aliviado?
— Mas é claro que vai.
— Isso vai de alguma forma me prejudicar na empresa? —
pondero, pensativa.
— De jeito nenhum.
— Então tudo bem, pode dar seu jeito à la Henrick Sawyer. —
sorrio de canto e ele me puxa para um beijo romântico antes de sair.
Arrumo minha mala com certo pesar, porque não queria ter que
passar as festas de fim de ano longe dele e da Olivia, mas seria
interessante o último voo do ano para clientes sortidos ser de fato o
último voo antes de voltar a trabalhar para o Henrick, então me
contenho em não reclamar muito, afinal de contas eu sou feliz no
que faço. Nosso destino descrito por e-mail era confidencial e o
importante cliente em questão possuía uma lista cheia de
exigências, sendo uma delas não divulgar o seu nome ou o da sua
família, por questão de privacidade e segurança, reviro os olhos ao
lembrar que o Henrick um dia fora cheio de excentricidades assim,
mas me esforço para meus pensamentos não se voltarem a ele
outra vez para que então eu pudesse me concentrar na montagem
da mala que por alguma razão desconhecida eu parecia ter
desaprendido e não estava conseguindo combinar nada com nada.
Assim que ponho meus pés no hangar, um rapaz que trabalha no
setor de comunicação da empresa me avisa que o cliente e o
restante da tripulação já estavam a bordo da aeronave, estranho,
pois havia chegado com bastante antecedência, apresso-me para ir
até o jatinho. Não acredito que vou me atrasar logo no meu último
voo do ano!
— Senhorita Molly Hill? — um homem quase na faixa etária do
comandante Watson pergunta quando me aproximo, estendendo os
braços para que eu e os dois seguranças que me seguiam
entregassem as nossas malas para ele pôr no compartimento de
malas.
— Sim, sou eu. Adiantaram o horário de apresentação e eu não
fiquei sabendo?
— O cliente estava com pressa, tentamos ligar pra você pra
avisar, mas não conseguimos.
— Meu celular estava o tempo todo ligado. — franzo a testa não
entendendo como essa confusão pode ter acontecido.
— Me chamo Daniel, sou o copiloto substituto do Sr. Jones. —
apresenta-se e eu o cumprimento com um aperto de mãos formal.
— Prazer, Daniel. — sorrio de lado, ainda nervosa por quase
decepcionar o novo cliente justo quando ele abre uma exceção para
que eu leve comigo os seguranças que Henrick colocara em meu
encalço. — Bom, vou subir porque o James deve estar bravo
comigo.
— Estão todos à sua espera.
Acho esquisita a maneira que ele dá essa informação como se
fosse um deboche ou algo do tipo, mas não prolongo a conversa,
subo a escadinha pensando que no mínimo eu deveria me
desculpar com o cliente umas cem vezes, mas quase caio para trás
quando me deparo com Henrick, Olivia e Connor fazerem festa
entusiasmados me pegando de surpresa.
— Pensou que íamos alçar voo sem a nossa melhor comissária?
— Olivia diz, sorrindo largo.
— Eu não acredito! — levo a mão a boca, incrédula. — Foi ideia
sua, não foi? — refiro-me ao Henrick. — Eu teria mesmo
reconhecido o Cessna se não estivesse tão afobada!
— Eu jamais deixaria você passar esse fim de ano longe das
pessoas que importam pra você. — ele responde, recebendo de
mim um beijo romântico em agradecimento.
— Meu Deus, eu não desconfiei de nada!
— Isso mostra o quanto eu sou bom em guardar segredo,
diferente da sua amiga. — não deixa de alfinetar a Olivia.
— Seu puto! — Olivia joga uma pequena almofada nele, raivosa,
arrancando uma risada de nós. — Ele e o Connor não me disseram
absolutamente nada, Molly! — explica, indignada. — Eu só fiquei
sabendo quando cheguei aqui no hangar e o filho de uma puta do
Connor me tirou o celular, acredita? Achando que eu poderia acabar
te avisando.
— Tenho que concordar, Olivia, você não é boa em guardar
segredos, do contrário teria estragado a surpresa. — brinco.
Ela me mostra a língua, mas logo vem me abraçar
amigavelmente.
— Pra onde estamos indo? Ou vão manter esse segredo
também? — pergunto.
— Deveríamos manter, mas mais de 15 horas de voo acho que a
Olivia não segura a língua. — dessa vez o Connor tira sarro.
— Isso é um complô contra mim, só pode! — reclama, bufando.
— Pra onde estamos indo? — repito.
— Tailândia. — Henrick abre o jogo.
Mal posso crer que estávamos indo de volta para o local
paradisíaco onde tudo começou, ainda mais na companhia dos
nossos amigos. Meus olhos marejam, mas me seguro para não me
entregar a emoção, abro um sorriso largo quando olho todos nós
juntos tal como uma verdadeira família, sentindo que posso explodir
de tanta felicidade. Mesmo que o Henrick diga que não é preciso,
faço questão de ir fazer meu serviço de bordo com a mesma
excelência de estar trabalhando para um estranho, além de que não
é sacrifício algum fazer o meu trabalho. Abraço o James quando
chego ao cockpit pronta para a decolagem e alegre por ele de bom
grado aceitar trabalhar conosco tornando a ocasião ainda mais
significativa.
Após vinte horas de voo com uma parada em Tóquio para
descansarmos por pelo menos vinte e quatro horas, como de
costume em viagens muito longas como esta, e ainda abastecer,
chegamos ao nosso destino. O sol se levantava quando chegamos
na Tailândia, uma mescla de tons rosa e laranja preenchem o céu
sobre as nossas cabeças como se toda aquela paisagem tivesse
sido pintada à mão. Diferente das demais vezes, ficamos
hospedados na propriedade particular do Henrick — com exceção
do copiloto novato — que fica à beira de uma das praias mais lindas
da cidade, uma faixa da praia fora reservada apenas para o seu
uso, tornando-a deserta e privativa. Descansamos um pouco da
viagem cansativa e então quando o jantar foi posto para nós,
descemos para o andar de baixo, o clima é festivo e a todo
momento parece que estou sonhando, pois tudo está a finalmente
se encaixar. Todos em posse de uma boa taça de vinho em mãos,
ocupamos a grande sala de estar, acomodando-nos nos
confortáveis sofás e poltronas que ali havia, para uma roda de
conversa descontraída.
— Agora fala a verdade, Henrick! — Olivia começa. — Em que
momento você se apaixonou pela Molly? Porque tolerar o tanto de
desaforo que você levou só prova que foi fisgado desde o segundo
em que a viu. — ela sorri, querendo deixar o Henrick em posição
desfavorável, vulnerável.
— Devo admitir que você tem razão, Olivia. — ele admite, para a
minha surpresa.
— Eu sempre tenho. — dá de ombros, convencida.
— A forma com que ela me afrontou mesmo sendo total
subordinada a mim me mostrou o quanto ela era diferente.
Encaro o Henrick e ele está com uma cintilância a mais nos
olhos, não pensei que ele fosse entrar nesse assunto, mas ele o faz
e continua, desarmando-se e abrindo seu coração não só para mim
como para os demais, até o James o observa em silêncio como
quem realmente está chocado com tamanha ternura dele.
— De início eu pensei que fosse apenas fingimento, mas ela de
fato se mostrou disposta a impor limites, claro que ela se perdeu no
meio do caminho devido a todo o meu charme e acabou se
deixando ser conquistada, né?! — Henrick zomba, relaxado com o
estupor do vinho.
Dou um tapa em seu braço fingindo estar zangada, mas não,
logo dou uma risada juntamente a todos que parecem ficar mais à
vontade com o nível de descontração e informalidade dele que se
faz presente.
— Ah, ele tinha que pagar de soberbo, se não, não seria Henrick
Fucking Sawyer. — Olivia balança a cabeça e revira os olhos,
bebericando do seu vinho.
— Ele tem que puxar a sardinha pra o lado dele, ué, afinal de
contas somos homens ou não? — Connor bate no bíceps
salientando sua masculinidade e abraça o amigo de lado,
demonstrando a cumplicidade e parceria de ambos.
— Mas, sério, brincadeiras à parte. — Henrick continua,
esquivando-se do Connor a bagunçar seu cabelo perfeitamente
arrumado. — Eu soube que era ela quando eu já não me sentia feliz
sendo a pessoa que eu era, pra ser sincero eu nunca fui feliz sendo
a pessoa que eu era, aquele cara que não tinha sentimentos, aquele
cara que saía com várias pra suprir um vazio existencial que jamais
eu conseguiria suprir desse jeito, sabe, eu só descobri o que era a
sensação real de felicidade quando eu quis mudar, quando eu quis
ser melhor pra ela, ali eu vi que eu tinha de fato conhecido a mulher
mais importante da minha vida, a mulher que me transformou no ser
humano que eu sou hoje.
Percebo seus olhos molhados, mas não quero atrapalhar esse
momento, na verdade eu mal consigo respirar direito de tão chocada
e emocionada, continuo a encará-lo com um semblante de boba
apaixonada.
— Awww. — Olivia puxa o coro.
— Mais uma taça de vinho e sai um pedido de casamento ainda
hoje. — James quebra seu silêncio.
— Não preciso de vinho pra ter a certeza de que é essa mulher
que eu quero pra sempre. — Henrick me beija e eu sinto como se o
mundo tivesse parado por um instante.
Nossa estadia na Tailândia parecia uma espécie de mini férias e
muito bem programada, com vários passeios e atividades para
fazer, Henrick caprichou mesmo quando teve a ideia de juntar
nossos amigos para uma viagem expressiva. Nosso Natal fora estilo
filme romântico de Hollywood com troca de presentes e uma ceia
cuidadosamente bem-feita.
Tudo parecia perfeito, até, às vésperas da virada ele inventar
uma desculpa esfarrapada e sair sozinho com o Connor, desculpa
essa que não engoli, mas fingi ter caído só para ver até onde ele iria
com isso, gerando em mim uma avalanche de desconfianças.
— Qual o problema, Molly? O que tem de errado nisso? — Olivia
desdenha, lixando suas unhas despreocupadamente enquanto eu
tenho um pequeno surto de ciúmes.
— O que tem de errado? — levanto a voz histérica. — Você por
um acaso acha normal Henrick Sawyer sair de casa pra comprar
vinho? — pergunto, como se fosse óbvio a resposta. — Se brincar
nem as cuecas dele é ele quem compra, quiçá, sair de casa só pra
comprar um vinho? Além do mais que a adega está lotada de vinhos
caríssimos, Olivia!
— Você tem razão. E se os dois saíram pra enfeitarem nossas
cabeças com dois belos pares de chifres? — semicerra os olhos e
eu a vejo ir de 1 a 100% porcento do seu nível de raiva em
segundos.
— Não acredito que seriam tão baixos assim pra aprontarem
justo hoje que deveria sair tudo perfeito! — bato o pé, levantando-
me da cadeira indignada, mas logo cambaleio, pois minha vista
ficara levemente escura, tento me segurar e me manter de pé, no
entanto, logo sinto um embrulhar no estômago, fazendo-me correr
para o banheiro para vomitar.
— Molly, você está bem? — Olivia vem atrás de mim.
Agacho-me diante da privada e ponho tudo o que comi durante a
manhã para fora, sentindo minha cabeça dar voltas. Somente
quando constato que não sairá mais nada é que sento no chão e
tento me recompor, sentindo meu corpo aos poucos voltar a
temperatura normal, enquanto a Olivia não para de falar que isso é
sinal de gravidez.
— Você não me ajuda em nada desse jeito. — resmungo,
respirando fundo.
— Eu não acredito que você não usou camisinha, Molly! — põe a
mão na cintura, dando-me bronca. — Mas ainda bem que você não
usou, agora teremos um Henrickzinho correndo pela casa e
deixando a tia dele aqui louca de amor! — ela dá pulinhos de
felicidade, nem parece que estava a quase me bater segundos
atrás.
— Larga a mão de ser doida, Olivia. — reviro os olhos me
levantando, dando a descarga e em seguida passando um
enxaguante bucal na boca para melhorar o hálito. — Óbvio que eu
usei camisinha todas as vezes, isso é só uma queda de pressão. —
falo, revirando os olhos.
— Ai, Molly, não sei não, eu acharia melhor você fazer um teste.
— sugere.
— Teste, maluca? Ouviu o que eu disse? Eu me protegi em todas
as vezes.
— Todas as vezes? — pressiona-me de novo.
Calo-me tentando puxar na memória, mas não consigo lembrar,
não do curto período que estivemos em Paris.
— Não lembro, mas devo ter usado, eu não seria tão
irresponsável. — respondo num tom raivoso.
— Está bem! — ergue as mãos. — Não está mais aqui quem
falou.
— Concentre-se em bolar uma maneira de pegarmos aqueles
dois. — aconselho.
Passo o restante do dia meio introspectiva, não sabendo se é por
causa do Henrick não ter dado notícias ou se é por causa do
episódio de mais cedo. Deitada na cama, escuto as vozes do
Henrick e do Connor preencherem o andar de baixo, quando o sol
está prestes a se pôr, mas não vou até ele, espero ele vir até mim e
não demora para ele vir.
— O que faz aí sozinha, meu amor? — indaga, depositando um
beijo em minha cabeça.
— Nada, só estou com um pouco de dor de cabeça. — contorno,
não estava com coragem alguma de olhar em seus olhos e vê-lo
mentir.
— Posso te fazer companhia?
— Na verdade eu queria ficar um pouco sozinha. — peço.
— Aconteceu alguma coisa? — ele franze a testa.
— Só estou reflexiva quanto ao ano, reflexão pré ano novo. —
sorrio amarelo, esperando que ele acreditasse e saísse.
Ele respeita o meu pedido e sai, meio a contragosto, mas sai.
Sorrateiramente eu desço as escadas e saio pela porta dos fundos
que dá para a praia, está quase anoitecendo, sento-me na areia e
fico a fitar o mar calmo, suas ondas indo e vindo me têm
melancólica a lembrar da loucura que fora esse ano, relembrar tudo
o que aconteceu e, principalmente, lembrar que quem eu mais
gostaria que estivesse aqui comigo, não está, eu daria tudo só para
poder ver os meus pais de novo, a sensação de me sentir completa
não é totalmente verdade uma vez que em meu íntimo eu ainda
sinto muita necessidade deles e sempre vou sentir, como se uma
parte de mim tivesse sido arrancada.
— Filha? — ouço a voz do James me tirar dos meus devaneios.
— Sim? — fungo, enxugando as lágrimas e virando o rosto para
que ele não visse meu estado.
— Não precisa esconder o que está sentindo, filha. — diz,
sentando-se ao meu lado. — Também estou com saudade deles.
James não me olha, permanece encarando o mar à nossa frente.
— Sempre lembro deles essa época do ano, mais do que
qualquer outro dia. — complementa.
Sinto que tudo o que tenho que fazer é ouvir, então o olho
esperando que ele continue a falar dos meus pais, é curioso lembrar
deles através das lembranças de outra pessoa e, sinceramente,
também não quero fazer outra coisa senão ficar em silêncio.
— Passamos alguns réveillons longe de casa trabalhando juntos,
você não era nascida ainda e nessa época sua mãe adorava passar
o fim de ano em alguma parte do mundo que não fosse Nova
Iorque, mas depois que você nasceu, toda escala que caía em dia
festivo, ela dava um jeito de arrumar um atestado só pra ficar em
casa com você, era de praxe. — ele abre um sorriso como se
recordasse exatamente desses momentos. — Sua mãe te amava
mais do que tudo nesse mundo, Molly, seu pai também e com
certeza estão contentes e olhando por você onde quer que estejam,
torcendo pra você ser muito feliz.
Balanço a cabeça concordando, se tinha uma coisa que eu tinha
plena certeza é de que meus pais me amaram muito nessa vida.
— Eu sei que é difícil aceitar querer muito ver alguém e não
poder, mas, lembre-se deles sempre com um sorriso no rosto, filha,
não com tristeza, eles estão num lugar melhor do que esse e não
gostariam de ver você se privando de algumas alegrias por não
achar justo, e eu não me refiro somente ao Henrick, me refiro a
tudo.
— Obrigada, James! — encosto a cabeça em seu braço,
voltando a chorar, mas dessa vez não de tristeza e sim de felicidade
por ter ainda alguém por mim nesse mundo como o James.
— E se me permite dizer mais, a transformação do Sr. Sawyer é
genuína e uma transformação assim é somente pra quem ama de
verdade, então não pense muito, viva o presente e ele surpreenderá
você quando menos esperar... — pisca o olho antes de entrar, como
se soubesse que a minha mente está um turbilhão de
desconfianças.
Fico ali por mais alguns minutos e depois entro para me aprontar
para a comemoração da virada, não encontro ninguém pelo
caminho, também devem provavelmente estarem ocupados se
arrumando. Abro a porta do quarto e me deparo com o Henrick de
pé em frente ao espelho a ajeitar sua gravata, ele está lindo dentro
de um terno na cor creme que deve custar os olhos da cara.
— E então? Como estou? — ele pergunta, virando-se para mim.
— À la Henrick Sawyer. — sorrio.
— Isso é algum tipo de elogio?
— A junção de todos elogios do mundo. — brinco.
— Molly, eu... — toca-me carinhosamente me sentando na cama.
— Tenho um presente pra você. Levei o Connor comigo pra me
ajudar a escolher, mas ele não ajudou muito, seria melhor ter levado
a Olivia se ela não fosse a linguaruda que é. — explica-se, com uma
caixa grande em mãos.
— Então foi pra isso que você saiu hoje mais cedo com a
desculpa de comprar um vinho. — falo, mais como uma constatação
do que uma pergunta.
— Foi. — responde sem graça.
Sinto-me mais aliviada, porém envergonhada por descobrir que
eu estava a pensar besteira do Henrick enquanto ele só queria ser
gentil em me presentear.
— Você é perfeito! — deixo um beijo em seus lábios.
— Gostaria que você usasse esse presente hoje. — entrega-me
a tal caixa. — Quando chegamos aqui na Tailândia há alguns dias e
o carro passou em frente a essa loja, eu vi esse vestido e
automaticamente me lembrei de um sonho que tive.
— Sonho? — franzo o cenho.
— Sonhei com você há alguns meses, Molly, e nesse sonho você
usava um vestido parecido com esse, você corria na praia com um
sorriso lindo no rosto, parecia um anjo... — ele abaixa o olhar como
se estivesse envergonhado. — Eu sei que eu pareço um bobo,
mas...
Seguro seu rosto, interrompendo-o de tentar esclarecer o que
não é necessário, trazendo seu olhar novamente a encontrar o meu.
— Não é bobo se mostrar mais sensível, meu amor. — dou um
beijo em seu rosto e finalmente abro meu presente.
O vestido que o Henrick comprou era uma mistura de simples e
sofisticado, lindíssimo, branco e com muitos detalhes em diamantes
cravejados que reluziam em contato com a luz, apesar da
representação luxuosa, ao mesmo tempo os recortes do tecido
enalteciam simplicidade.
— É lindo!
— Não mais que você. — ele diz, arrancando-me suspiros. —
Espero você lá embaixo.
Olho-me no espelho me sentindo exuberante dentro daquele
vestido, sorrio animada, indo até a varanda checar se todos já estão
lá. A decoração ao redor da piscina está estarrecedora, quem quer
que Henrick tenha contratado fez um último trabalho, digno de
muitos elogios. Olivia e Connor dançam animadamente no meio da
pista de discoteca que fora projetada, onde tecnologicamente cada
passo que davam fazia um efeito diferente, e eles, claro, estavam
empolgadíssimos sendo o centro das atenções. Henrick está
sentado ao lado do James com um copo de whisky em mãos
conversando amigavelmente, o sorriso largo em seus lábios só
denuncia o quanto está à vontade e feliz, ainda que somente nós
estejamos ali. Procuro meu celular pelo quarto para levá-lo comigo e
não o encontro, após alguns minutos de procura finalmente o acho
em cima da bancada do banheiro ao lado de uma embalagem de
teste de gravidez juntamente com um bilhete que reconheço ter sido
escrito pela Olivia que cita uma famosa frase Shakespeare “Nossas
dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência,
poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar”. Balanço a
cabeça rindo comigo mesma, ela acredita mesmo nessa loucura de
que eu possa mesmo estar grávida, então para sanar toda e
qualquer dúvida, como diz a frase, decido fazer apenas por
desencargo de consciência, mas não espero para ver o resultado e
logo desço, pois está quase perto dos últimos minutos para a virada.
Sento ao lado do James e Henrick os fazendo companhia, mas
logo o repertório muda e começa a tocar, por coincidência ou não, a
mesma música lenta que tocara no casamento da Olivia.
— Me concede uma dança, senhorita Hill? — Henrick se levanta
e estende a mão todo cavalheiro.
— Claro que sim, Sr. Sawyer. — abro um sorriso feliz e aceito
seu convite.
Henrick segura em minha cintura e cola nossos corpos, pode
parecer clichê, mas todas as vezes que ele me toca eu sinto as
mesmas borboletas no estômago da primeira vez.
— Você me ama, Molly? — ele pergunta e eu percebo que há um
medo em seus olhos, por mais que eu já tenha dito que sim
inúmeras vezes, dessa vez é como se ele necessitasse se certificar
novamente.
— Muito, Henrick, mais até do que eu acho que o meu coração
suporta. — respondo sincera, encarando-o como se estivéssemos
sozinhos no centro do universo.
— Está na hora, gente! Contagem regressiva! — ouço a Olivia
vibrar nos tirando do transe.
Connor está com um champagne em mãos, desenroscando-o à
medida que a Olivia, e agora nós, a ajudamos na contagem
regressiva. No exato instante em que a rolha pula e o relógio
sincronizadamente bate zero horas, fogos de artifício iluminam o céu
captando a nossa atenção provocando um verdadeiro espetáculo
nos céus. Sorrio plenamente sentindo uma paz legítima enquanto o
show de luzes forma os mais variados desenhos nas mais variadas
cores. Connor enche as nossas taças e então as erguemos
brindando.
— Um brinde à loucura! — Olivia não podia ser mais autêntica
em suas felicitações.
— À felicidade! — exclamo, levantando a minha taça.
— Um brinde à saúde! — James diz.
— Um brinde ao amor! — Connor abraça a sua amada de lado.
— Um brinde ao recomeço! — Henrick brinda olhando fixamente
para cima e é somente quando a Olivia solta um “Ai meu Deus!”
pondo a mão na boca em tom incrédulo que eu me dou conta do
porquê que não somente o Henrick, mas todos estavam olhando
perplexos para o céu; os fogos de artifício agora formam um “Quer
casar comigo?” no ar me fazendo esquecer completamente como é
que se respira por um segundo, é óbvio que tamanha extravagância
só podia ser obra de uma pessoa ali: Henrick Sawyer, o meu amor,
agora, por toda a minha eternidade.
— Sr. Sawyer, você é mesmo uma caixinha de surpresas. — faço
alusão ao nosso primeiro contato informal e mais íntimo, beijando-o
tal como se nada mais importasse no mundo.
CAPÍTULO 33 (BÔNUS)
Molly Hill
— Isso é um sim? — Henrick pergunta a franzir o cenho e
esboçar um risinho de canto nervoso.
— Mas é claro que sim, meu amor, mil vezes sim! — o abraço
apertado e posso jurar que sinto seu coração bater descompassado
no peito.
— Nem acredito que a minha irmãzinha vai finalmente casar! —
Olivia vem até mim com os olhos cheios de lágrimas, totalmente
emocionada. — Parabéns, Mollyzinha! Você merece tudo de mais
maravilhoso nessa vida!
— Obrigada, amiga! — também não consigo segurar o choro por
muito tempo e logo me entrego, recebendo dela um abraço singelo.
— Eu disse que o destino surpreenderia, não disse? Parabéns,
filha! — James me parabeniza.
— Você tem acertado em todas as suas previsões. — brinco.
— E a próxima é de que será menino. — pisca o olho.
Ele só pode estar a me caçoar, não é possível que ele saiba da
suspeita da Olivia! Devo ter feito uma cara de espanto
automaticamente sem perceber, pois, ele logo dá risada e trata de
dizer que está apenas brincando comigo. Uma infeliz coincidência. E
por tocar nesse assunto, rapidamente me lembro do teste de
gravidez que eu havia deixado lá em cima, não acho que o resultado
será positivo, mas mesmo assim eu largo a taça de champagne em
cima da mesa e não arrisco a dar nem um gole, decidida a subir e
pôr um fim nessa desconfiança.
— Se tem uma coisa que eu pensei que não veria nem nos meus
sonhos mais loucos era o Henrick sério com alguém, quem dirá
casando. Você é mesmo uma feiticeira, Molly! — Connor gargalha,
abraçando-me.
Com a desculpa de que preciso ir ao banheiro, volto
apressadamente para o meu quarto, trancando a porta assim que
entro, pois não queria que ninguém me pegasse no flagra, nem
muito menos a Olivia, além do mais que eu estava estranhamente
nervosa demais para falar com quem quer que fosse até eu
finalmente ver o resultado do teste. Pego o medidor em mãos
suando frio e, para o meu susto, constam duas linhas. Não pode
ser! Não posso acreditar que estou mesmo grávida. Sento-me na
tampa da privada um tanto atordoada, sentindo meu corpo
esquentar e sem saber o que fazer ou como reagir. Passo um bom
tempo tentando processar a informação e pensando até se isso não
estragaria minha relação com o Henrick, talvez se tornar pai não
estivesse nos seus planos, mas também não estava no meu, e,
apesar do espanto e surpresa, meu coração recebeu essa novidade
de forma vibrante, pois era a materialização e fruto do que
sentíamos um pelo outro, então não é possível que ele não se
contente com a notícia.
Mil suposições atravessam a minha mente, fantasiando sua
reação das maneiras mais negativas que existem, afinal, minha
mente sabe muito bem como me torturar, contudo, a única coisa que
me forço a focar é de que se ele me ama tanto quanto falou,
certamente receberá essa notícia com alegria. Recomponho-me
retocando a maquiagem que borrou pelas lágrimas que encheram
meus olhos e volto lá para fora. Não tive tempo para arquitetar um
jeito mais especial de revela-lo, mas que jeito seria melhor senão
estando nós dois rodeado de pessoas que nos querem bem?
— O que acha de irmos dar uma volta, Sr. Sawyer? — contenho
minha euforia, fazendo-o crer que eu estava interessada apenas em
estender nossa pequena confraternização para um momento íntimo
a dois.
— Mas é claro, Srta. Hill. — um risinho maroto estampa seu lindo
rosto.
Henrick pega minha mão e me conduz até o pequeno cercado
que dá para a praia privativa. Não nos despedimos ou dissemos
para onde iriamos a ninguém, mas não duvido de que tenham
notado nossa pequena fuga e subentendido o que estávamos
prestes a fazer. Tiramos nossos sapatos e tal como dois
adolescentes corremos até o mar, sentindo a água gelada
imediatamente tocar nossos pés. Aperto meu abraço em volta do
seu pescoço enquanto ele me beija suavemente e eu retribuo com
uma certa intensidade já conhecida por nós, não demora muito para
que entenda o recado e me arraste para longe de sua mansão, para
nossa bagunça particular.
À medida que nos afastávamos da casa, a iluminação diminuía,
mas segundo ele, toda mediação em volta estava fortemente
guardada repleta de seguranças, então apesar do ar deserto, não
nos importamos com mais nada ao redor, somente em nós. Deito-o
na areia e me ponho por cima, beijando-o com tanta avidez como se
o mundo estivesse prestes a acabar. Afrouxo sua gravata e
desabotoo sua camisa social, procurando seu peitoral malhado a fim
de distribuir beijos, chupões e mordidas por todo ele. Espalmo
minhas mãos e sinto a textura da sua pele rapidamente
esquentando a cada movimento meu. Atrapalhadamente em virtude
da pressa tento abrir seu cinto e calça, algumas risadas e amassos
em paralelo e logo atinjo meu objetivo. Aproveitando da minha única
peça ser um vestido e eu não estar a vestir mais nada por debaixo,
sento em seu membro, sentindo-o entrar e preencher minha boceta
deliciosamente. Apoio-me em seu peito para acelerar meus
movimentos e o vejo tão em êxtase quanto eu, totalmente entregue
ao momento. Não demora muito para ele chegar ao ápice pouco
depois de mim e quando as nossas respirações descompassadas
parecem se estabilizarem o suficiente para eu julgar conveniente ser
a hora perfeita para conta-lo, aproximo meus lábios do seu ouvido e
revelo.
— Acho bom aproveitarmos enquanto minha barriga não cresce
e a única posição que vai nos restar é de ladinho, pois não
aguentarei esforço ou o peso dela. — brinco, segurando o riso
quando ele me olha com uma interrogação na testa.
— Do que está falando?
— Parabéns, Henrick, você promovido a papai! — revelo,
encarando-o a esperar ansiosamente por uma resposta.
— Não pode estar falando sério! — franze o cenho.
— Não gostou da notícia?
— Quê? Muito pelo contrário, eu adorei! — abraça-me apertado
com um sorriso largo no rosto. — Ninguém nunca me fez cogitar
essa ideia, mas é claro que só podia ser com você, Molly, você é a
mulher que eu escolhi pra dividir a vida comigo e agora eu
finalmente eu entendo o propósito.
Emociono-me vendo-o falar com tanto carinho de mim, sem
sombra de dúvidas eu havia escolhido o melhor pai para o meu
bebê, Henrick aprendeu a ser um bom homem para mim, se
dedicaria também a ser o melhor pai que ele pudesse ser e eu
estava radiantemente feliz com a convicção de que seria assim por
muitos e muitos anos, para sempre.
CAPÍTULO BÔNUS
Patrick Jones
Na vida a gente está fadado a aprender cedo que o mundo não é
nem um pouco justo e que nada cai do céu, que nada nos é dado de
mão beijada, tendo assim que corrermos atrás dos nossos objetivos
e quiçá conseguir vencer na vida, principalmente se tratando de
alguém como eu, que nasceu no subúrbio do Queens em meio a
uma família menos afortunada sem um tostão no bolso sequer.
Apesar das dificuldades financeiras, minha família sempre me
ensinou sobre valores e toda bagatela que está atrelada a ser um
homem honesto. Primogênito, vivi minha infância e adolescência me
dedicando a ser orgulho para os meus pais, tirando as melhores
notas e recebendo os melhores elogios acadêmicos, mas
infelizmente nada disso me foi suficiente para abrir portas no âmbito
profissional, depois de concluir com muito sacrifício e mérito o high
school, muito pelo contrário, todas as portas pareciam estar
fechadas para mim, e eu precisava de um trabalho o qual eu
pudesse pagar os meus estudos e ajudar em casa. Resumindo, ser
um pobre honesto e com bom caráter nunca fora sinônimo de
sucesso ou ascensão, muito menos de dinheiro, e eu aprendi isso
da pior forma.
Sonhava em ser advogado, usar as brechas nas leis
estadunidenses em favor dos meus clientes em situação delicada,
ser o melhor, e eu cheguei muito perto de entrar numa universidade,
se ela não fosse do outro lado da cidade e eu tivesse que escolher
entre comer ou pagar a condução que passava a cada uma hora e
meia para as bandas de lá. Andando distraído pelas ruas do centro
pensando em que outra forma eu conseguiria sair da miséria e
bancar meus estudos, estava prestes a desistir de tudo, quando um
SUV de luxo cruzou o meu caminho, literalmente, atropelando-me,
dentro dele estava a mãe do nosso famoso senador, Amelia Sawyer,
tão bêbada que mal conseguia formular uma frase coerente sequer,
esse incidente foi como uma mão de sorte para mim, uma mão de
muita sorte, apesar dos arranhões que ganhei e da perna que
lesionei. É claro que se esse fatídico episódio viesse à tona,
mancharia a imagem de toda a sua família perante a alta sociedade
de New York, então seus assessores tirando a única carta triunfante
da manga, propuseram-me um acordo, beneficiando ambas as
partes. Deram-me cuidados no melhor hospital da cidade e dinheiro
em troca do meu silêncio, mas não só isso, ali aquela mulher, por
alguma razão, viu em mim a chance de um acerto de contas com o
seu filho, rendendo-me assim muito mais dinheiro do que minha
mente um dia fora capaz de imaginar. Não me importava qual fosse
o motivo, ela precisava de alguém que pudesse ajuda-la em seu
plano de vingança e eu precisava do dinheiro, chave e fechadura.
Entrar na escola de aviação e me tornar piloto nunca esteve nos
meus planos, muito menos acumular tantas horas de voo — que eu
julgava ser total perda de tempo — até estar apto para ingressar em
alguma empresa, mas como essa fora a condição imposta para que
dessa forma eu cercasse o nosso alvo, eu não tinha o direito de
reclamar, pelo menos proporcionava o dinheiro que eu precisava,
não só para enviar para a minha família, quanto para me prover e
me ajudar com todos os custos da faculdade, contudo, nesses
últimos meses que integrei a tripulação que atenderia Henrick
Sawyer, irmão do nosso atual senador Andrew Sawyer, minha
mente não conseguiu pensar em outra coisa senão encontrar uma
brecha para que eu pudesse cumprir a missão que me foi dada.
Havia uma fortaleza ao redor dele quase que impenetrável, um
mar de guarda-costas, monitoramento em tempo real o tempo inteiro
e muitos holofotes em seu encalço, então partindo do pressuposto
que trabalhando para ele dentro da área da aviação faria eu ter o
conhecimento necessário suficiente e, principalmente, faria eu ter
acesso aos locais proibidos do hangar, bem como acesso a sua
aeronave, essa ideia da Amelia Sawyer fora genial, elimina-lo num
falso acidente aéreo seria perfeito, não levantando a mínima
suspeita.
Em posse do certificado do curso e tendo o acumulo de horas
necessário em aeronaves de pequeno porte, eu estava pronto para
conseguir um emprego na aviação executiva, e não foi difícil
ingressar no meio com a ajuda milionária dos Sawyer por debaixo
dos panos. Tudo parecia ir conforme o planejado, porém, Henrick
Sawyer não voava com qualquer tripulação, nem com um
profissional tão recente como eu, o que dificultou minha
aproximação, logo, passei meses tendo que voar para diversas
pessoas importantes e ganhar know-how até a sua equipe
juntamente com a empresa, finalmente, me julgar qualificado para
assumir o posto do copiloto que fora realocado e eu poder então
trocar meia dúzia de palavras que fosse com o mesmo.
— Um brinde ao que podemos chamar de ventos da mudança!
— Amelia ergue uma taça de champagne.
— Meus parabéns, Jones! — Conrad vibra pela primeira etapa
do plano ter sido executada com sucesso.
— Tem certeza que estamos seguros aqui? — pergunto olhando
ao redor procurando uma câmera escondida, uma escuta ou algo do
tipo, o gabinete de um senador corrupto como Andrew Sawyer
parece um bom lugar para pega-lo com a mão na massa.
— Fique tranquilo. — Andrew sorri cheio de si do outro lado da
sua bancada. — Sou muito discreto nos meus negócios, além de
que tenho o povo comigo.
— Como desconfiar desse rostinho bonito? Engamos a alta
sociedade, que dirá a plebe! — Amelia gargalha, vangloriando-se.
— E então, quais os próximos passos? — questiono.
— Dar um fim nele, oras! — dá de ombros. — O mais difícil você
já conseguiu, ter acesso as demandas dele, agora é só questão de
tempo pra surgir uma boa oportunidade de dar o cheque mate.
— Não que seja da minha conta, mas ele parece ter feito algo de
muito absurdo pra senhora cogitar matar o próprio filho.
— Matar? Quem falou em matar? — debocha com um sorriso
psicopata nos lábios. — Quanto menos você souber, melhor,
Patrick, mantenha seu nariz proeminente longe do que não lhe
interessa.
Reviro os olhos levando, mais uma vez, na esportiva sua
peçonha que insiste em escorrer pelo canto da boca a criticar e
humilhar todos em volta que não tenham sangue azul correndo nas
veias. Amelia é uma típica rica insolente que você não aguenta dois
minutos de conversa vazia, mas, apesar da soberba e vaidade,
sinto-me muito bem com todo o conforto que o dinheiro deles me
proporciona, não me atrevendo a reclamar de nada, então atura-la
se torna somente um mero detalhe.
— Faremos um voo pra o Brasil nesta semana, daqui a dois dias,
por ser um voo longo eu tenho a chance de ficar no cockpit
monitorando os comandos sozinho por alguns minutos enquanto o
comandante estica as pernas, acredito ser a melhor hora de fazer
algo.
— Poderíamos implantar um explosivo. — Andrew sugere. —
Tenho amigos de confiança que podem me fornecer.
— Explodir o avião em movimento comigo dentro, que ótima
ideia, não? — ironizo.
— É uma ótima ideia. — Amelia diz, bebericando da sua taça. —
Queima de arquivo.
— Amelia! — seu marido a repreende. — O rapaz nos é
conveniente.
— O que foi? Só estou brincando.
— Já estou familiarizado com o humor ácido da Amélia, não me
importo. Mesmo sabendo que no fundo ela tenha mesmo pensado
nessa hipótese. — a encaro e ela se mantem com um semblante
inatingível.
— Consigo levar o avião ao chão forjando um acidente e depois
disso posso ativar o tal explosivo de modo que pareça que foi
somente uma explosão em virtude da queda, o que acham?
— Parece perfeito. — Conrad demonstra satisfação com a minha
ideia. — Se atingir somente ele, melhor ainda. — ele olha para sua
esposa e filho com uma feição aflita no rosto, mas eles seguem sem
aparentar empatia alguma.
— Que seja! Se concentre em atingir o Henrick e foda-se quem
for junto! Só se empenhe em fazer o que você foi contratado pra
fazer e sair vivo pra receber o restante do pagamento, afinal, você
quer o dinheiro ou não? — Amelia me encurrala e eu apenas aceno
a cabeça. — Tudo na vida tem um preço, você mais do que ninguém
pra saber disso.
Acompanho o abastecimento do Cessna do Henrick um tanto
quanto inquieto, torcendo para que ninguém da tripulação
aparecesse por perto, do contrário eu não conseguiria acoplar o
pequeno explosivo embaixo de uma das asas da aeronave, quando
o homem que dirige o caminhão tanque abastecedor se ausenta,
pois a quantidade de querosene de aviação calculada já era
suficiente, trato de pôr o plano em ação. James e Molly estavam no
cockpit entretidos, alheios a ilegalidade da minha conduta, ela
deveria estar o atualizando sobre sua vida, mais precisamente sobre
nosso namoro falso e consequentemente isso me dava tempo
suficiente, tempo de sobra.
Entro na aeronave para dar continuidade aos procedimentos pré
voo com um olhar desconfiado temendo ser questionado pela
demora ou ser descoberto, mas os vejo conversando animadamente
tal como se fossem neta e avô compartilhando segredos, por um
breve segundo meu coração descongela e eu decido que vou fazer
o possível e o impossível para que eles não paguem pelos meus
erros, eu realmente gostava da Molly e tinha muita simpatia pelo
James, não gostaria de vê-los machucados por muita causa.
Em pouco tempo, meu alvo chega, reclamando que já
deveríamos estar na pista de decolagem somente esperando sua
chegada para correr com o avião na pista, sua arrogância só perdia
para a da sua mãe estúpida.
O céu estava limpo e o voo indo perfeitamente bem, eu e James
monitorávamos a atividade do piloto automático e ajustávamos
alguns comandos quando necessário.
— Vou ao banheiro, tudo bem pra você, Patrick? — James avisa.
— Tranquilo comandante, pode ir.
Aproveito a ausência do James para desligar o piloto automático
e assumir o controle manual da aeronave para que eu possa levá-la
ao chão numa espécie de pouso forçado que soaria como um
acidente por conta do movimento brusco. De repente entra James e
Molly no cockpit e eu praguejo mentalmente por ter esquecido de
trancar a porta, não contava com esse descuido, logo, não faço
ideia do que responder quando o comandante me pergunta o
porquê de eu estar em posse do manche.
— Comandante, perdemos contato com Manaus. — o suor desce
excessivamente pela minha testa enquanto finjo não entender o que
está acontecendo.
— Tente todas as frequências. — ele olha preocupado para o
painel a nossa frente provavelmente procurando de onde vem a
falha. — O que houve com o piloto automático? Como pode ter
desativado sozinho?
Arregalo os olhos não tendo uma boa desculpa para dar, as
palavras parecem que simplesmente somem da minha mente. Tudo
acontece em uma fração de segundo e a minha única alternativa é
dar para trás e abortar o plano, pois não conseguiria passar
despercebido por nenhum dos dois. Estando o comandante
ocupado em encontrar a origem do problema, involuntariamente e
sem querer, por nervosismo extremo, ao invés de soltar o manche e
deixar que o James reassuma o controle sozinho, acabo
empurrando o manche para frente fazendo a aeronave inclinar o
nariz para baixo o suficiente para perdermos um pouco de altitude.
O barulho das coisas caindo no chão e os gritos dos demais me
deixam ainda mais assustado, pois o que era para ser
meticulosamente premeditado não saíra como planejado e agora
nem eu mesmo sei qual atitude tomar assim tão depressa. Sinto a
pressão do cinto apertar o meu corpo, bem como ouço a aeronave
sinalizar através de códigos que estamos perdendo sustentação e
as máscaras de oxigênio caírem, automaticamente entro em
desespero e tento pedir socorro em qualquer uma das frequências
sintonizadas, mas sem sucesso.
— November, Uno, Sete, Zero, Charlie, Lima. MAYDAY!
MAYDAY! — grito no rádio.
— Puxa o manche, Patrick! — é a última coisa que escuto James
dizer e logo apago.
Acordo sentindo um cheiro insuportável de combustível e
ouvindo um zumbido no ouvido, olho para o meu corpo à procura de
machucados e agradeço por encontrar apenas arranhões e cortes
superficiais e de, principalmente, estar sentindo todo o meu corpo.
Ao meu lado James está desacordado e com um grande rasgão em
sua calça expondo uma fratura que parece ser grave coberta de
muito sangue, tento tirá-lo do cockpit o arrastando, Molly geme de
dor enquanto retoma a consciência e eu respiro um pouco mais
aliviado por saber que ela está viva.
— Molly! Molly! Precisamos sair! Tem fogo na turbina! — tento
apavora-la para que ela saia imediatamente da aeronave sem olhar
para trás e eu possa acionar o explosivo, deixo o James no chão
somente para pressionar o botão do dispositivo que, por sorte,
permanecia intacto ao lado da minha poltrona e me apresso para
abandonar o que sobrou do Cessna, mas ela não dá ouvidos e faz o
caminho contrário para abrir o bin que contém o material de
primeiros socorros, creio que na esperança de poder ajudar a salvar
alguém, encontrando no meio do caminho o Henrick que logo pede
socorro, para piorar a situação. — SAI, MOLLY! NÃO TEMOS
TEMPO! — esbravejo, aflito. — EU VOLTO PRA PEGA-LO.
Coloco o James afastado de onde caímos e encaro os destroços
do jatinho amedrontado, pois o tempo estava acabando e a Molly
não saía de jeito nenhum, nem eu iria arriscar me aproximar.
Quando a contagem regressiva termina, avisto os dois numa das
aberturas que se formou na fuselagem pela queda e em seguida
escuto uma explosão junto com uma fumaça preta gigantesca,
respiro aliviado quando consigo enxerga-la no chão a se levantar,
mas logo a fúria me consome quando percebo que Henrick também
havia se salvado.
— Seu filho de uma puta incompetente! — Amelia começa a
quebrar tudo no gabinete, completamente fora de si ao saber que
seu filho estava vivo.
— Eu avisei que ele ia acabar fazendo merda. — Andrew
desdenha, acendendo um charuto.
— Eu deveria ter imaginado que do jeito que a Molly está
gamada nele, tentaria tirá-lo de lá a todo custo. — balanço a cabeça
negativamente. — Mas como que eu ia contar com essa
possibilidade? A cabine de passageiros estava destroçada, como eu
ia imaginar que ele ainda estaria vivo?
— Você foi muito bem pago, Jones, pago o suficiente pra pensar
em qualquer que fosse o imprevisto. — Conrad me repreende.
— Quem é essa mulher que terminou de arruinar o seu deslize?
— Amelia pergunta.
— Molly Hill, a comissária. — respondo.
— Hill? Molly Hill? — seu marido franze o cenho um tanto
surpreso.
— Vocês a conhecem? — ergo a sobrancelha, sem entender a
reação deles.
— Ela já voou pra mim algumas vezes. — Andrew se apressa em
dizer, mas sua justificativa soa mais como uma mentira que acabou
de inventar.
— Meu filho está comendo essa aí?
— Não, Amelia, parece ser mais sério, Henrick está
completamento caído por ela. — entorto a boca não gostando de ter
que admitir.
— Bom saber. — ela parece entrar num diálogo interno,
assustando-me.
— Não pretende machucar ela, pretende?
— Claro que não, querido. — dá um risinho falso, não
prolongando o assunto.
— E a segunda parte do dinheiro, cadê? — os cobro.
— Você receberia se não tivesse sido tão burro. — Amelia se
adianta. — Não precisamos mais de você.
— Mas como assim? Eu fiz o q... — mal termino de falar e dois
seguranças aparecem na sala por trás de mim me tirando de lá a
força.
Debato-me e grito, mas de nada adianta. Os seguranças me
jogam no meio da calçada e formam um paredão na entrada
impedindo que eu ouse tentar adentrar o lugar novamente, chuto o
canteiro de obras que há do lado do prédio, sentindo-me humilhado
e enganado, querendo acabar com toda a família Sawyer. Não
acredito que me passaram para trás!
— Filhos da puta! — soco a parede do meu quarto querendo pôr
para fora todo o ódio que me consumia.
Nenhum dos três me atende mais, minha entrada no gabinete
está terminantemente proibida e a mansão dos Sawyer é
inacessível, cercada de seguranças, além de que ficar gritando
como um louco em frente ao portão não me ajudava em nada, eu
precisava pensar numa maneira de recuperar a quantia prometida
sem inflamar a ira deles e ser penalizado por isso. Ameaça-los
estava fora de cogitação, se tentaram eliminar o próprio filho do
mapa, seriam capazes de fazerem muito pior comigo que não tenho
proteção alguma. Eu queria descobrir quem de fato era Henrick
Sawyer e esse talvez fosse o meu triunfo, ele deve carregar algum
segredo obscuro de sua família, é a explicação mais plausível para
quererem sua cabeça. Penso em abrir o jogo com a Molly, já que ela
estava cada vez mais próxima a ele, sobre as minhas suspeitas, no
entanto, ela não me ajudaria, diria que estou louco e estragaria
meus planos, então só o que faço é alerta-la sem entrar em detalhes
a fim de preveni-la de qualquer outra surpresa, mas é claro que ela
me expulsa de sua casa e para de falar comigo.
Respiro fundo exausto enquanto caminho pelo centro de New
York com a mente esgotada de tanto criar histórias que coloquem
Henrick Sawyer oportunamente no caminho de Amelia Sawyer.
Absorto em minha imaginação, acabo esbarrando num rapaz que
vinha no sentido contrário ao meu na calçada.
— Patrick Jones? — ele pergunta.
— Sou eu. — o encaro confuso, forçando-me a lembrar se o
conheço de algum lugar.
— Não se lembra de mim?
— Eu deveria lembrar? — pergunto, erguendo a sobrancelha.
— Sou Travis, fizemos o curso de piloto privado na mesma
turma.
— Não me lembro.
— Tinham muitos alunos na nossa turma, fica difícil de lembrar
mesmo, além de que eu era mais tímido, ficava muito na minha. O
que acha de tomarmos uma e relembrarmos essa época?
Não consigo lembrar de alguém com esse nome na minha turma,
muito menos do seu rosto, mas aceito o convite, eu precisava
mesmo espairecer e deixar de lado minha obsessão pela família
Sawyer pelo menos por algumas horas.
A convivência com Molly estava indo de mal a pior, havia
solicitado a empresa para ser realocado para outra tripulação, mas
infelizmente o processo iria demorar e eu teria que ser obrigado a
engolir a felicidade dos dois, que resolveram se assumir, por mais
tempo do que eu gostaria.
Chego no aeroporto, indo em direção ao nosso D.O. do hangar e
enquanto espero meu carro de aplicativo chegar, um quadro na
parede me chama atenção, pois o casal era praticamente idêntico a
Molly.
— São os meus pais. — ela diz, pondo-se ao meu lado a
observar a foto.
— Você tem os olhos da sua mãe...
— E o sorriso do seu pai. — dissemos uníssonos.
— O que aconteceu? — pergunto, abelhudo.
— Morreram em um acidente aéreo.
— Hum. — murmuro, com os olhos fixados na moldura,
desconfiando de que poderia existir algo por trás dessa história.
— Qual sua relação com Travis Walker? — surpreendo-me com
sua pergunta tão direta e por um instante me pergunto de onde ela o
conhece, mas, decido mentir, não sei por quê, mas não quero ter
meu nome associado a mais ninguém que eu não confie
plenamente.
— Já pilotei pra ele em uma outra tripulação.
— Faz sentido. — ela responde, pensativa.
— Por que não faria?
— Nada, eu só me confundi. — desconversa, mas sei que há
alguma dúvida crucial no ar, que eu não me atento em quebrar
ainda mais a minha cabeça, uma vez que eu já tenho problema
demais para lidar.
Entro em casa sedento por respostas, sento em frente ao
computador e começo a pesquisar sobre o acidente que matou os
pais da Molly, não há muita informação na internet, apesar do
candidato ao senado ter vindo a óbito nesse mesmo acidente, é
como se toda repercussão tivesse sido apagada pela corrida política
do mesmo ano.
— Porra! Como não pensei nisso antes! — praguejo, socando a
mesa e derrubando tudo que continha em cima quando descubro
quem estava concorrendo com ele a uma posição política... Andrew
Sawyer. — Aqueles filhos da puta trapacearam eliminando o
candidato oposto, o Henrick deve ter descoberto e por alguma razão
a Amelia se sente ameaçada por ele. — me pego falando sozinho.
— Como ele pode ter sido tão baixo em ficar com a Molly sabendo
que a própria família dele matou os pais dela? Desgraçado!
Faço o download do relatório final de investigação do acidente no
site do NTSB23 e leio por alto, mas não traz nenhum indício de que
tenha sido criminoso, o que quer que Amelia Sawyer tenha bolado,
fora muito bem feito para não deixar rastros.
Espero o melhor momento para confronta-lo, quando a Molly não
estivesse por perto e assim o faço, pela primeira vez na vida vejo
Henrick Sawyer atônito e boquiaberto com algo.
— Não faça essa cara de desentendido, eu sei que você se
aproximou da Molly interessado em encobrir o que fizeram. — o
incrimino com o dedo bem apontado no seu peito.
— Minha família é podre, Jones, você tem razão, mas eu nunca
enganaria a Molly desse jeito, eu sequer sabia que os pais dela
estavam coincidentemente naquele jatinho. — não sei se ele finge
bem ou eu que estou ficando louco tirando conclusões precipitadas,
mas ele não parecia estar mentindo, se não negou o envolvimento
dos seus pais, não teria por que mentir não saber sobre os pais
dela.
— Ou você abre o jogo com a Molly e conta toda a verdade, ou
eu mesmo conto. — ameaço, o colocando contra a parede.
— Que verdade você precisa me contar, Henrick? — Molly
aparece do nada e nos flagra no pior momento de tensão.
— Não é nada, Molly, conversamos depois. — Henrick tenta se
esquivar e meu sangue ferve, a Molly merecia saber a verdade mais
do que qualquer outra pessoa.
— Não é nada? — o pressiono.
— Não, Henrick! — ela se desvencilha do contato do Henrick que
o quer leva-la a força. — Não vou a lugar algum sem saber o que
está acontecendo aqui.
— Eu demiti o Patrick, foi isso o que aconteceu. — mente e eu
franzo o cenho sem acreditar que ele pretende esconder esse
segredo dela. — Tirem ele daqui! — Henrick ordena para os seus
seguranças e eles me seguram, arrastando-me do hangar.
— ME SOLTEM! O MOCINHO QUE É O GRANDE FILHO DA
PUTA AQUI! — grito, debatendo-me. — EU DISSE, MOLLY, EU
DISSE QUE ELE NÃO ERA QUEM DIZIA SER! ELE É O
CULPADO!
Não posso estar mais satisfeito, apesar de machucar o coração
dela, desmascarando o Henrick na frente da Molly era quase
impossível ela deixar que essa bomba continuasse debaixo das
cobertas e os pais dele impunes, eu teria a minha tão sonhada
vingança, era o fim das mentiras dos Sawyer, Henrick tinha poder e
dinheiro suficiente para esmaga-los como ratos insignificantes e eu
era carta fora do baralho, pois não tinham como me ligarem ao que
houve, se nem o relatório preliminar do NTSB apontou crime no
nosso acidente, o que afinal poderia me condenar?
CAPÍTULO BÔNUS
Amelia Sawyer
— Me desculpe, senhora, mas seu cartão foi recusado. — diz a
atendente insolente da dolce & gabbana enquanto gargalho da sua
ousadia em achar que não tenho dinheiro para pagar meus lindos
cachecóis de inverno.
— Impossível, faça seu trabalho e tente de novo, garotinha, deve
ter sido algum erro da sua incrível incompetência. — debocho,
batendo os pés ficando levemente irritada.
— Novamente, cartão recusado.
— Você só pode estar de brincadeira comigo! — levanto a voz.
— Você sabe quem eu sou? — a encaro firmemente e posso sentir
o cheiro do seu medo do outro lado do balcão. — Matriarca da
família Sawyer, dinheiro pra nós não é problema, querida.
— Isso está além das minhas possibilidades, senhora,
infelizmente o cartão não está passando, não é minha culpa. — ela
tenta explicar, mas não há como explicar o óbvio, sua total falta de
competência.
— Você está me constrangendo, vocês estão! — aponto para os
demais funcionários da loja. — Somente um telefonema e eu ponho
vocês na rua da amargura por justa causa, eu poderia processar
vocês, todos vocês por tamanho constrangimento. Quem vocês
pensam que eu sou? Algum de seus parentes pobres?
— O que está acontecendo? — um homem um pouco mais
alinhado aparece. — Em que posso ajudar, senhora?
— Eu quero falar com o gerente! — exijo.
— Sou eu mesmo, venha comigo. — ele me indica uma porta
mais ao fundo da loja.
— Eu estou profundamente abalada com o que a sua funcionária
me fez passar.
— Peço desculpas em nome da empresa, senhora... — ele força
a vista para enxergar meu nome no meu cartão sem limites e logo
arregala os olhos começando a me tratar como eu realmente
merecia, bajulando-me. — Senhora Sawyer, mil desculpas pelo que
quer que tenha acontecido. Sente-se aqui! — oferece-me a cadeira
que eu deduzo ser a sua, pois ele a traz do outro lado da mesa. —
Aceita uma água, um vinho, um champagne?
— Aceito ouvir de você que vai colocar essa mosquinha no olho
da rua! — sugiro.
— Será a primeira coisa que farei, senhora Sawyer. Peço perdão.
O que houve exatamente?
— A sua funcionária medíocre não quis passar o meu cartão,
insinuando que eu não tinha dinheiro, certamente com inveja de
quem eu sou e querendo me fazer passar essa vergonha tremenda.
Isso é um absurdo!
— Certamente deve ter sido apenas alguma burocracia com o
banco da senhora, mas faço questão de resolver eu mesmo já que a
funcionária não conseguiu.
— Pois então resolva logo, querido, eu não tenho o dia todo. — o
apresso enquanto olho meu visual no espelho de bolsa e retoco
meu batom.
Pouco tempo depois o gerente daquela espelunca dá as caras
novamente com o meu advogado na linha. Solto uma lufada de ar e
reviro os olhos, perdendo totalmente o meu restinho de paciência.
— Mas que merda é essa Gregorio? Por que raios eu tenho um
cartão sem limites pra ter que passar por toda essa dor de cabeça
ao efetuar uma compra grande?
— Amelia, eu estou aqui com o gerente do seu banco e,
sinceramente, eu aconselho a senhora a vir aqui no seu banco pra
uma reunião de urgência. — sua voz soa mais séria do que o
habitual.
— Então eu não vou ter a minha compra, é isso?
— Infelizmente.
***
— Foi você, seu merda! Te demos confiança pra monitorar
nossas contas e você nos roubou! — grito, partindo pra cima do
Gregorio que me olha com os olhos arregalados.
— Amelia, para com isso! — meu marido tenta me segurar em
seus braços. — Gastamos tudo que tínhamos, foi isso o que
aconteceu e é o que o Gregorio está tentando enfiar na sua cabeça
orgulhosa.
— Isso é impossível, Conrad! Uma fortuna de décadas ir pelo
ralo assim. — vocifero.
— Pelo visto não é impossível, pois você conseguiu nos levar a
falência.
— Eu?
— Você! Não venha querer colocar a culpa em mim, pois todo o
nosso dinheiro estava sob sua administração, o Gregorio ajudou ao
menos a não ficarmos devendo o que não temos dinheiro pra pagar.
— Não pode ser! — desespero-me, derrubando tudo que havia
na estante atrás de mim num ato de aflição.
— Acho bom não quebrar mais nada ou terá que pedir esmola ao
Henrick pra pagar ao banco. — Conrad chama minha atenção,
tirando-me do sério. — Aonde você vai?
— Beber um bom vinho antes que eu não possa nem isso. —
respondo por cima dos ombros.
Meus seguranças me ajudam a sair do Four Seasons, mal
conseguindo me colocar de pé, mas mesmo estando alcoolizada,
não abro mão de dirigir e pela minha cara de quem comeria um
deles vivo caso se intrometessem na minha decisão, eles não se
opõem, então assumo o controle do volante e meto o pé. Não
consigo acreditar que estou falida, preciso encontrar um jeito de
reverter essa situação, só não sei como.
Minha bebedeira resultou num acidente, acabei atropelando
alguém que eu não me dei ao trabalho de ver quem era, saí de lá o
mais rápido que pude e deixei que meus funcionários resolvessem o
problema. Imaginando o escândalo que seria e as fofocas caso a
mídia descobrisse o que aconteceu, meu assessor usou seus
neurônios e me propôs um acordo com o tal rapaz atropelado, mas
não só isso, ao saber das suas necessidades financeiras eu tive a
melhor ideia que eu poderia ter tido para salvar minha família, tê-lo
como aliado e extinguir o Henrick do mapa, recebendo assim boa
parte da participação em suas empresas, senão toda.
Mas o tiro saiu pela culatra e agora o Patrick, vulgo rapaz
atropelado e meu aliado, queria o restante do pagamento o qual o
Andrew não podia quitar sem levantar mais suspeitas, pois já havia
desviado rios de dinheiro do gabinete. Sem atingir o meu objetivo e
sem recuperar todo o dinheiro que gastamos em prol do nosso
plano, estava prestes a enlouquecer, o que Andrew nos dava mal
dava para comprar uma Channel por semana, quiçá pagar um idiota
que não cumprira com seu papel. Passada algumas semanas dele
insistindo em nos encontrar, Patrick finalmente se deu conta de que
era causa perdida e que não receberia mais nem um centavo da
nossa família, deixando-nos em paz.
Nosso plano teria sido infalível se não fosse pela junção da
incompetência do Patrick e da intromissão de uma fedelha a qual
trabalhava para o Henrick, filha dos Hill, que podendo ter descoberto
a verdade sobre o acidente dos seus pais, poderia estar à espreita,
aproximando-se do Henrick para conseguir de alguma forma nos
desmascarar, então com medo de que Patrick pudesse abrir a boca,
pois estava quieto demais, ou saber de fato quem era Molly Hill,
enviamos Travis, nosso parceiro de confiança que já havia desviado
alguns milhões da conta do Henrick para a nossa há alguns anos,
para sondar, mas ele nem sonhava de nada do que tinha acontecido
o passado, o que era um ponto positivo para nós.
Tratando-se de algo que poderia arruinar de vez com as nossas
vidas que era o fato de vir à tona os reais culpados do acidente que
matou a família Hill, decidi ir eu mesma conhecer essa garota que
Henrick andava grudado ultimamente. Pobre soberba, cheia de si, a
odiei de imediato, principalmente pela sua ousadia em bater de
frente comigo, mas graças ao paspalho do meu marido que me
pediu que eu me retratasse com ela pagando de boa sogra,
consegui me aproximar e mantê-la por perto sob meus olhos,
chegando a conclusão de que a bobinha não desconfiava mesmo de
nada, então logo voltei a me empenhar em arrumar outra maneira
de acabar com Henrick Sawyer e voltar a ter a minha vida luxuosa,
dessa vez não havendo brecha para erros medíocres.
1 D.O.: Despacho operacional. Dependências da empresa em
aeroportos onde os tripulantes se apresentam para efetuar
programações de voo ou reserva, checar escalas e etc.
2 Briefing: Palavra de origem inglesa amplamente usada na aviação
que significa verbalização dos procedimentos a serem executados
durante uma missão, que tenham sido planejados a priori, e o que
se espera da atuação e participação de cada um.
3 Galley: cozinha de um avião.
4 Flaps: são dispositivos hipersustentadores que consistem de abas,
ou superfícies articuladas, existentes nos bordos de fuga (parte
posterior) das asas de um avião, os quais, quando abaixados e/ou
estendidos, aumentam a sustentação e o arrasto ou resistência ao
avanço.
5 Cockpit: A cabine de pilotagem (em inglês: cockpit) é uma zona
usualmente situada na parte dianteira de uma aeronave, de onde os
pilotos controlam a mesma.
6 Flight Level: Na aviação e meteorologia aeronáutica, um nível de
voo (em inglês: Flight Level - FL) é definido como uma altitude
vertical baseado em condições ISA, expressa nominalmente em
centenas de pés. Os níveis de voo são usados para assegurar uma
separação vertical segura entre aeronaves, independente das
variações locais na pressão atmosférica.
7 A380: maior avião comercial do mundo.
8 “So fucking high”: “muito bêbada” em Inglês.
9 Manche: controle apropriado para pilotar aviões (volante do avião).
10 Macallan: marca famosa de Whisky.
11 “Pain in the ass”: “pé no saco” em Inglês.
12 “Girly”: feminino.
13 Feelings: sentimentos.
14 FIR: região de informação de voo. O espaço aéreo tem suas
dimensões definidas nas cartas publicadas pelo DECEA
(Departamento de Controle do Espaço Aéreo), dentro do qual são
proporcionados serviços de informação de voo e alerta. O espaço
aéreo brasileiro está subdividido em cinco regiões de informação de
voo, sendo FIR Amazônica um deles.
15 CINDACTA IV: Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do
Tráfego Aéreo. Exerce a vigilância e o controle da circulação aérea
geral na área definida como de sua responsabilidade: as imediações
da região amazônica.
16 CAT: Clear Air Turbulence (Turbulência de Céu Claro) ocorre
quando a atmosfera apresenta estabilidade estática, isto é, quando
a temperatura potencial aumenta com a altura. Isto equivale a uma
redução da temperatura do ar com relação ao aumento da altura a
uma taxa maior que 10º C por quilômetro.
17 November/Uno/Charlie/Lima: Alfabético fonético internacional da
aviação que corresponde as letras e numerais N/ 1/ C e L.
18 MAYDAY!: Faz parte do Código Internacional de Sinais e do
Código Fonético Internacional. É usada em todo o mundo nas
comunicações emitidas por tripulantes de aeronaves ou de navios
quando estão em situação de risco.
19 Prefixo da aeronave: O prefixo ou marca de nacionalidade é um
código alfabético ou alfanumérico que identifica, nacional e
internacionalmente, a nacionalidade de uma aeronave.
20 Rescue 99: Radiofarol de Emergência ou Rádiotransmissor para
sinalizar ao serviço de busca e salvamento, possibilitando a
determinação das coordenadas ao local do pouso.
21 CENIPA: O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos é uma organização militar brasileira responsável pela
investigação de acidentes aeronáuticos que ocorram em solo
brasileiro.
22 Boulangerie: Padaria.
23 NTSB: órgão do governo dos Estados Unidos encarregados de
investigar acidentes aéreos.

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