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na literatura baiana.
RESUMO: O artigo põe em tela uma reflexão sobre a produção da literatura negra brasileira, a partir de
Wilson Rodrigues, em sua obra Pai João menino. Autor e obra são desconhecidos na cena da literatura
negra no país. No entanto, mesmo se tratando de uma produção de 1940, pelos próprios meios do escritor,
que produziu 6 obras, além dessa e, ao que tudo indica, não estava vinculado a nenhum movimento
artístico/literário, é possível flagrar mensagens antirracistas ou mesmo uma nova forma de produzir
literatura, com base na tradição oral afro-brasileira. Para a leitura proposta, buscou-se respaldo em
estudos de Domício Proença Filho (2004), Florentina Silva Souza (2004), Cinthia Domingos Ribeiro
(2008), dentre outres.
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1 INTRODUÇÃO
A imagem do negro, durante muito tempo, foi e ainda hoje é veiculada – seja por
representações reais ou fictícias – com base em estereótipos fundamentados pelo
pensamento colonial europeu. Em se tratando disso, já se imagina a configuração dada a
tudo que se relaciona à África e às populações nativas, em geral, que passaram pelo
domínio da Europa. De acordo com Domício Proença Filho (2004), a presença do negro
na Literatura Brasileira se dá de duas formas: a primeira, em que o negro é objeto – sem
voz, sem reação, sem vontade própria, submisso ao branco e carregado de todos os
traços negativos possíveis a um ser humano, muitas vezes levado a condição animal – e
a segunda, em que o negro é o sujeito, compromissado com sua história e sua luta.
Como objeto, o negro foi representado sob as mais diversas formas: o escravo
nobre, que passa pelo branqueamento; o negro vítima, o infantilizado e o escravo
demônio, presentes nas narrativas e poemas do Romantismo; o negro pervertido e
sexualizado, corriqueiros nas narrativas do Naturalismo; enfim, o negro inferior ao
branco, retratados em obras como as de Monteiro Lobato e várias outras, inclusive, mais
atuais, que reforçam os estereótipos e legitimam os preconceitos presentes na Literatura
Brasileira desde a formação do cânone nacional. De acordo com Florentina Silva Souza,
É por isso que o ponto de vista apresentado neste trabalho aponta Wilson
Rodrigues, em sua obra Pai João menino, como colaborador para construção de uma
nova representação, retirando do negro toda a carga de passividade e submissão, que lhe
é atribuída. Em vez disso, o autor apresenta o negro que é sujeito de sua história e tem
voz para problematizar sua situação. Isso denota uma mudança de atitude, ou mesmo,
quebra da ordem, o que já vinha tornando-se comum entre os escritores negros, embora
abafado e esquecido pela crítica e história da literatura.
A presença do negro na Literatura Brasileira se dá por um sistema de
representação em que ele é tomado como objeto – isso, quando é inserido. Quando se
trata da Historiografia da Literatura Brasileira, os estudos vêm trazendo produções de
escritores, inclusive datadas da época do Romantismo, que trabalham com um outro
modelo de representação do negro, em que se percebe a valorização do mesmo, quer
seja por sua participação na história, suas glórias seus heróis; quer seja pela exaltação
do padrão estético afro-brasileiro.
No entanto, o que fica evidenciado é o esquecimento desses autores e suas obras
pela História da Literatura Brasileira, a exemplo de Solano Trindade, Luís Gama e
Wilson W. Rodrigues. Os dois primeiros, pelo menos, nos anos mais recentes, chegam a
ser citados num ou noutro exemplar, sem muito aprofundamento, além de serem
lembrados e reverenciados pelos movimentos negros, na literatura e na Academia. O
que não ocorre com Wilson Rodrigues, que se não fosse pelas tecnologias de
informação eficientes da atualidade, seria esse completamente desconhecido e nem eu
estaria falando sobre agora... Esses e outros autores que caíram no esquecimento, aliás,
que na maioria das vezes nem se tornaram conhecidos, segundo Florentina Souza,
Por conta desse caráter, dessa motivação, que movia a arte desses escritores, em
alguns momentos, tiveram como argumento para sua marginalização do sistema literário
brasileiro, a ausência de lirismo, sendo suas obras taxadas de panfletárias. Entretanto,
não é o que se observa ao ler-se, por exemplo, Meus amores, de Luís Gama, uma
exaltação à beleza feminina, traço do Romantismo, o que o coloca em sintonia com as
outras produções do período, distanciando-se, apenas, porque a beleza feminina em
questão nada tem haver com o padrão europeu e, sim, negro/africano. Sobre Luís Gama,
Heitor Martins pontua que:
Não seria diferente, também, com Wilson W. Rodrigues... Apenas após recolher
pequenas informações pulverizadas pela internet, foi possível reunir alguns dados, até a
redação deste trabalho1, que possibilitou traçar sua breve biografia.
1
Este texto foi escrito no ano de 2011.
Baiano. Estudou no Colégio Ypiranga2 e desde criança mostrou-se interessado pela
poesia. Teve seus primeiros poemas publicados em periódicos escolares e seu primeiro
livro publicado “teve as bênçãos do poeta Jorge de Lima”. Isso é tudo que se encontra
sobre a biografia do autor.
Entretanto, na busca por informações, encontrei um blog, o Peregrina Cultural,
de autoria de Ladyce Wast, historiadora da arte, formada na Universidade de Maryland,
nos EUA. Nele, foi possível acessar a mais informações não publicadas pelos outros
sites, resultado de um diálogo do contato feito pelo neto do autor (Alexandre) e a autora
do blog, que informou ter colhido as informações sobre o autor das contracapas dos
livros dele, adquiridos por ela.
Quanto às suas publicações – um número significativo, por sinal –, infere-se que
um dos motivos de seu desconhecimento pelo público se dá, em partes, pelo fato de
compor a gama de escritores que fundaram suas próprias editoras para publicarem seus
livros. Pelo pouco que se sabe, Wilson escreveu contos infantis, mais considerados
como poemas e, pelo que se nota nas datas de algumas publicações suas – nem todas
estão datadas –, está inserido no período que corresponde ao Modernismo Brasileiro.
Torna-se, nesse sentido, inevitável uma comparação com o precursor da Literatura
Infantil no Brasil, Monteiro Lobato.
Este último é conhecido pela maestria em compor narrativas infantis que trazem
elementos culturais que remetem ao folclore brasileiro, bem como a figura do sertanejo:
o Saci Pererê, a Caipora, o Jeca Tatu, são exemplo. A preocupação com a educação e o
desenvolvimento do senso crítico da criança era, também, uma preocupação do autor,
segundo Alfrâncio Dias Ferreira (2008). Em contrapartida, ele é muito criticado pela
ratificação de estereótipos da figura do negro em suas obras.
Monteiro Lobato recupera o hábito da contação de história como um traço da
contribuição africana à cultura brasileira através do tipo “preto velho”, representado por
Tio Barnabé, que é um “Pai João”, um escravo conformado com sua situação e fiel ao
seu senhor, como apresentam Nei Lopes e Wilson Moreira na canção Coisa da Antiga,
que ficou imortalizada na voz de Clara de Nunes. Da mesma forma, Lobato reforça
estereótipos, através da personagem Tia Nastácia, submetida às críticas preconceituosas
e racistas, principalmente da boneca de pano Emília.
2
Por artimanha do destino, casa onde outrora morou o poeta Castro Alves, na rua do Sodré, Bairro Dois
de Julho.
Já Wilson Rodrigues, através de Pai João Menino, constrói uma narrativa do
negro escravizado que, como Zumbi e Ganga Zumba, inconformado com a situação
imposta pela escravidão, busca estratégias para resistir à hegemonia branca. Não se sabe
sobre o engajamento do autor com a proposta dos escritores negros da época, nada é
declarado sobre sua cor ou etnia. Na orelha do livro, uma foto, em preto e branco, um
homem nem branco, nem negro, talvez um “branco da Bahia”, um branco para o
Recôncavo... Sobre a obra em estudo, o que se tem na contracapa são declarações de
pessoas ligadas à Literatura, que descrevem o livro como “um poema brasileiro”, de
retorno ao “classicismo brasileiro” e denominam o autor como o maior “folclorista
brasileiro”, porém, nada que diga respeito a atuações quanto à Literatura negra, mas
também por, talvez, na década de 1940, não se falar em Literatura Negra...
Embora, nada declarem sobre o tratamento diferenciado dado ao personagem
negro e tenham utilizado o termo “folclore” para significar, certamente, a cultura
africana, atribuindo menor valor à expressão cultural negra, os relatos são válidos, uma
vez que reconhecem a mudança de representação do elemento africano na cultura
brasileira, promovida por Wilson Rodrigues como algo positivo.
Pai João menino é uma narrativa que, à princípio, parece tantas outras que
tratam do Brasil em seu período colonial: sociedade escravocrata que justifica sua
desumanidade através de um discurso que relega o negro à condição de sub-raça.
Entretanto, percebe-se uma mudança significativa: apesar de a escravidão servir de pano
de fundo como em outras obras, o espaço e as ações das narrativas não se concentram
nem na Casa Grande, nem entre personagens brancos, mas na senzala e entre os
escravos, tendo Pai João menino como personagem principal. É o que se percebe no
primeiro conto que segue.
O menino magro
Consolação
O carimbo
A Choça
O broto da palmeira
Parecia até uma festa. Sinhô branco veio com D. Sinhá, Sinhá Moça, D.
Emereciana e ioiozinho para o jardim que ficava em frente à “Casa Grande”.
Sinhô branco falou com solenidade:
- Aquela palmeira alta foi meu filho Miguel que plantou. Aquela outra, ali,
crescidinha foi Sinhá-moça. Agora, meu filho, você vai plantar uma palmeira.
Quando a palmeira estiver bem alta, e você, homem feito, poderá contemplá-
la com satisfação.
As palavras de Sinhô branco pareciam uma oração ritual e todos o ouviam
em atitude respeitosa, a família, os peões e a escravaria. Ioiozinho plantou a
palmeira.
Pai João menino assistiu à cerimônia. Quando toda gente foi embora, o
moleque voltou com uma faca e cortou o broto.
- Não vai crescer, não.
A palmeira de ioiozinho secou e morreu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pai João menino é, de fato, uma metáfora que pode levar o leitor a várias
reflexões. Primeiramente, tem-se o nome que em outras obras – inclusive, canções –,
tem o intuito de conotar todos os negros que aceitaram e aceitam as condições sociais
impostas a ele pela ideologia do branco. Entretanto, Wilson Rodrigues apresenta o
personagem com uma outra acepção. É o que se pode chamar de um “novo Pai João”,
“Pai João menino”, nova geração de “Pais João”, que questiona, que luta, que aceita
suas origens, sua história, sinalizando uma mudança de postura, que não se submete
mais ao sistema.
Isso faz com que se confirme a hipótese da pesquisa, bem como os relatos da
contracapa do livro: a obra é um “poema brasileiro”. O autor, mesmo que não tenha sido
engajado ao grupo de escritores negros – leia-se escritores da Literatura Negra no Brasil
-, nesta obra, mostrou perfeita sintonia com os ideais desse grupo, uma vez que toma o
negro como sujeito e não como objeto, além de valorizar e reivindicar a participação da
África na construção da identidade brasileira.
Sobretudo, Wilson Rodrigues provou que, como Luís Gama e Solano Trindade,
produziu literatura e não obra panfletária. Apenas, igualmente aos escritores
reconhecidos pela historiografia da Literatura Brasileira, utilizou da literatura para
“construir imagens e sedimentar conceitos” para a construção da identidade nacional,
sem omitir participação e colaboração de nenhum grupo étnico e social.
REFERÊNCIAS