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Projeto de extensão coordenado pelo Professor Dr. José Evangelista Fagundes-UFRN, realizado pelo
Lehs-Laboratório de experimentação em História Social.
como disponibilizar as fontes para professores do ensino básico. Os jornais pesquisados,
como dito, estão disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
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FERNANDES, Luiz. A imprensa periódica no rio Grande do Norte de 1832 a 1908. 2ed. Natal:
Fundação José Augusto, Sebo Vermelho. 1998. p. 64.
. Deste modo, paralelamente à transcrição das matérias é necessário também
compreender aspectos da história desses jornais para se saber o período de sua
circulação, os grupos políticos a que estavam vinculados, uma vez que essas disputas
implicam em diferentes posicionamentos sobre situações envolvendo escravos e
libertos. Esses aspectos encontram-se em fase de levantamento de informações.
O uso dos jornais para a defesa das causa de escravos é lembrado por Elciene
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Azevedo como um elemento de luta. Em O direito dos escravos: lutas jurídicas e
abolicionismo na província de São Paulo, ela analisou os significados atribuídos pelos
escravos à justiça, suas ações e a maneira que as autoridades públicas, judiciárias ou
policiais interpretavam e contestavam a atuação dos escravos. Para a autora, o uso do
Direito somados à utilização dos jornais como armas de luta, obrigou as autoridades a
tomarem decisões políticas, de maneira que expusessem suas interpretações acerca do
que era legal e de direito nas ações em que envolviam escravos ou pessoas que estavam
sob suspeita de serem escravizadas.
Se por um lado os periódicos foram armas de luta contra a escravização ilegal,
por outro também foram utilizados em defesa da escravidão, da propriedade privada, e
em favor da imagem pública de indivíduos suspeitos pelo crime de reduzir pessoa livre
à escravidão.
As disputas entre liberais e conservadores no caso do Rio Grande do Norte
aparecem em casos relacionados a escravos publicados nos jornais. O jornal Brado
Conservador expõe por exemplo, o caso de um escravo de sete anos, cujo pai entra com
uma ação de liberdade para arbitrar o valor de sua alforria ao saber que ele seria
vendido. A criança, de nome Gregório, sob depósito, foi entregue novamente ao seu
proprietário por mandado do Juiz de órfãos Luiz Carlos Lins Wandeley. Segue-se então
no periódico uma série de críticas ao juiz, que na época era liberal, e possuía parentesco
como redator de O Correio do Assú, jornal adversário de O Brado Conservador.
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AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo.
Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2010; ____ Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na
imperial cidade de São Paulo. Campinas-SP: Editora da UNICAMP; Cecult, 1999.
(em que andou mão do mestre) e que o mesmo doutor fez publicar no
<<Correio>> de 10 do corrente, e ver-se-á que elle, no intuito de
cohonestar o seu acto immoral e violento, e melhor eximir-se da
tremenda responsabilidade que contrahiu perante Deus e o mundo,
(porque jamais deixarão de chegar até o céo os justos clamores de
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Gregório, quando a justiça da terra se torne surda aos seus gemidos)
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QUE miséria! Brado conservador. Assú, 23 mar. 1877. Editorial, p. 2.
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Não há, para as mesmas datas do Brado conservador sobre o caso citado, exemplares do Correio do
Assú na Hemeroteca Digital.
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ssú, 05 out. 1870. A pedido, p. 3.
Auto de perguntas. O Assuense. A
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FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. 4. ed. São Paulo:
Global, 2010.
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro, 2008, p.137-138.
Assim como em outros jornais, os periódicos do Rio Grande do Norte trazem na
seção Anúncios ofertas de compra e venda de escravos bem como avisos de fugas. Os
registros de fugas em jornais de outras cidades podem revelar possíveis rotas de fuga
dos escravos na província.
podem ser observados em mais de uma etnia africana, podendo inclusive ser modificados por
iniciativa e criatividade individual, o que dificulta a associação da
maior parte dos padrões a etnias africanas específicas. Trata-se de uma
prática cultural realizada com intenções iniciatórias, estéticas,
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religiosas e outras, mas não com a intenção de ‘mutilar’.
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No dia de 21 de Junho. O Assuense. Assú, 14 set. 1867. Annuncios, p. 4.
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LIRYO, Andersen; SOUZA, Sheila Mendonça de; COOK, Della Collins. Dentes intencionalmente
modificados e etnicidade em cemitérios do Brasil Colônia e Império. Revista do Museu de Arqueologia e
Etnologia LARP-MAE/USP, São Paulo, n. 21, 2011, p. 315.
A seção Noticiário apresenta diferentes referências sobre os escravos e libertos,
entre estas as notícias de manumissão, ressaltando-se a bondade do senhor evidenciando
uma visão paternalista da alforria:
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MANUMISSÃO. O Assuense. Assú, 02 set. 1870. Noticiário, p. 02.
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KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. EISEMBERG, EISENBERG, Peter. Homens esquecidos. Campinas: Ed. Unicamp, 1989.
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, EDUSC, 2001. GONÇALVES, Andréa Lisly.
As margens da liberdade: e studo sobre a prática de alforrias em Minas colonial e provincial. Belo
Horizonte: Fino Traço, 2011.
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CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte:
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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GONÇALVES, Andréa Lisly. As margens da liberdade: estudo sobre a prática de alforrias em Minas
colonial e provincial. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. p. 18
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Lei 2080 de 28 de Setembro de 1871. art 3 par 2º
direito era negado quando o senhor não acordava o valor da indenização, nessa situação
era necessário recorrer à justiça para arbitramento do valor, conforme fez o pai de
Gregório.
A luta pela liberdade fica evidente também na situação de duas mulheres, que
pertencentes a condôminos, foram alforriadas por um deles, mas enfrentaram muitas
dificuldades, como o sumiço dado à carta de alforria de uma delas e a fuga realizada
pela outra para não ser mantida sob escravidão. Trata-se dos casos de Maria José e
Lucrécia.
Maria José pertencia a cinco condôminos e foi alforriada por um deles. A
escrava foi comprada por Dona Jesuína Soares de Macêdo em 17 de Abril de 1876 a
quatro dos condôminos e o quinto, Joaquim Ximbinha passou a carta de liberdade a
Maria José em 26 de Abril de 1876, segundo as informações do jornal O Brado
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Conservador . Diante de sua compra por Dona Jesuína, Maria José entra com uma ação
de liberdade por indenização e com isso passa a ter um curador nomeado.
Em diversas edições do Brado Conservador de 1877, o caso de Maria José vem
à tona sempre em defesa da proprietária. O jornal alega que Maria José usufrui de
liberdade sem ter indenizado Dona Jesuína, sua proprietária. Isso porque, em razão da
ação de liberdade, Maria José foi depositada sob os cuidados do Professor Elias Antônio
Ferreira Souto e de sua casa fugira. O jornal acusa ainda o Professor Elias de ser
conivente com a fuga de Maria José.
Em uma perspectiva diferente do tratamento dado a Maria José, o Brado
Conservador denuncia as injustiças a que está submetida Lucrécia, alforriada por Dona
Cândida Wanderley, mas não pelos seus irmãos, que tinham parte no consórcio. O
jornal expõe ainda que os esforços de Lucrécia ao entrar na justiça não foram profícuos
em razão da ausência de providências do juiz. Além disso o periódico faz duas
acusações aos proprietários de Lucrécia: de terem sumido com a carta de alforria
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passada por Dona Cândida e de ameaçar Lucrécia com sevícias.
Ambos os casos são utilizados pelo periódico com um viés político, pois
envolvem grupos rivais na política local. Ao longo de várias edições do Brado
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Brado Conservador. Assú .p. 03. 16 Março 1877.
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Lucrécia. Brado Conservador. Assú. 26 jan 1877. Noticiário. p. 02.
Conservador, jornal fundado por Antônio Soares de Macêdo, irmão de Dona Jesuína (a
senhora que comprou Maria José), sujem críticas e denúncias aos proprietários de
Lucrécia, membros da família Wanderley, e defesa de acusações feitas a Dona Jesuína
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pelo Correio do Assú , jornal ligado a família Wanderley. Por um lado, o Brado
Conservador defende a liberdade de Lucrécia e, por outro, a manutenção da escravidão
de Maria José, mostrando-se ambíguo em situações idênticas: duas escravas
pertencentes a vários proprietários conseguem a alforria de um deles, mas ambas
continuam em situação de escravidão, o que parece que era a situação comum nesses
casos.
Estes são alguns casos em estudo que estão presentes nos jornais levantados. A
diversidade de matérias levantadas mostra como a presença escrava era mais
significativa do que costumava se afirmar nos livros sobre o Rio Grande do Norte.
Desse modo, a transcrição e estudos de fontes jornalísticas sobre escravidão e liberdade
no Rio Grande do Norte pode trazer novas perspectivas para a historiografia local.
REFERÊNCIAS
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O jornal Brado Conservador responde às matérias publicadas no C
orreio do Assú. Porém não
encontra-se na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional as edições do Correio do Assú citadas no
Brado Conservador.
GENOVESE, Eugene Dominick. A terra prometida: o mundo que os escravos criaram.
Trad. Maria Inês Rolim e Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Paz e
Terra; Brasília-DF: CNPq, 1988.
GONÇALVES, Andréa Lisly. As margens da liberdade: estudo sobre a prática de
alforrias em Minas colonial e provincial. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro. Jornais, escravos e cidadãos em
São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial,
1550-1835. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras; CNPq,
1988.
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, EDUSC, 2001.
LIRYO, Andersen; SOUZA, Sheila Mendonça de; COOK, Della Collins. Dentes
intencionalmente modificados e etnicidade em cemitérios do Brasil Colônia e Império.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia LARP-MAE/USP, São Paulo, n. 21, 2011.