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MARTHA ABREU
MATHEUS SERVA PEREIRA
CAMINHOS DA LIBERDADE:
1ª Edição
Niterói - RJ
PPGHISTÓRIA-UFF
2011
236 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
Capítulo III
PROJETOS ABOLICIONISTAS
237 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
2
Em O Livro dos Médiuns, Allan Kardec estabeleceu alguns critérios para avaliar a veraci-
dade de uma comunicação mediúnica; entre eles estava verificar a coerência entre as ideias ex-
pressas na comunicação e aquelas professadas pelo dito espírito durante sua existência na Terra.
3
“A Escravidão”, p. 40.
4
Ibidem, p. 40.
5
“A voz do profeta, escrita por um escravo”, in Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo
e Caridade, ano II, nº 4, abril de 1882, p. 90.
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o breve futuro do país. Afirmava que estava próximo o momento em que “os indi-
ferentes e os orgulhosos terão de se arrepender” e em que todos os crimes contra
o fraco e o ignorante seriam purgados. Era necessário que o sangue daqueles que
corromperam a América corresse sobre as terras e as fertilizasse, expurgando-as
de todos os males.
Segundo o autor do folheto, no derradeiro instante os poderes estabelecidos
não seriam capazes de conter os “milhares de homens sem moral, sem instrução,
sem propriedade, ferozes, famintos e sedentos de sangue”. O movimento surpre-
enderia por não ser resultado de ações bem articuladas e planejadas e constituiria
o princípio de uma desordem geral: “é a anarquia com todos os seus horrores: são
os incêndios, os roubos, os assassinatos, as violações, enfim, violências de toda
ordem praticadas por milhares de bandidos.”6
O folheto deixaria temeroso qualquer senhor de terras e de escravos, pois
anunciava que o dia da vingança estava próximo e fazia parte dos desígnios divinos.
Ao escravizar um homem e explorá-lo em seu proveito, os proprietários privavam
o indivíduo do valor mais precioso que Deus deu ao homem: sua liberdade. No
entanto, nem todos estavam condenados, havia ainda oportunidade para o arre-
pendimento e a mudança de conduta. Por isso, o autor do folheto aconselhava
aos senhores que libertassem seus escravos, para que não fossem os inimigos de
amanhã. Esse argumento era utilizado por diferentes matizes do pensamento abo-
licionista, entre eles o católico, que entendia a concessão de alforrias como a ex-
pressão do espírito cristão e a garantia da manutenção das relações paternalistas.7
Todavia, a ação do senhor deveria ir além da simples alforria.
Não basta que restituais ao vosso irmão aquilo de que gozas
indevidamente; torna-se necessário que a reparação seja com-
pleta; e só auxiliando-o, aconselhando-o, protegendo-o e ins-
truindo-o, vós podereis reabilitar-vos aos olhos de Deus Todo-
-Poderoso.8
Dessa forma, por meio de boas obras e da reparação dos males cometidos,
cada homem poderia diminuir os efeitos dos eventos turbulentos que abalariam o
país. Todavia, os principais responsáveis por evitar o caos nada faziam e estavam
falindo em sua missão. Os legisladores eram acusados de omissão pelo autor da-
quelas linhas, por não realizarem as “reformas rasgadamente liberais e francamen-
6
Ibidem, p. 91.
7
Sobre o posicionamento da Igreja católica diante da escravidão e da abolição ver ABREU,
Martha. “Pensamento católico, abolicionismo e festas religiosas no Rio de Janeiro, 1870-1890”, in
PAMPLONA, M. A. (org.). Escravidão, exclusão e cidadania. Rio de Janeiro: Acess, 2001.
8
“A voz do profeta, escrita por um escravo”, p. 92.
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14
Para uma análise dos debates parlamentares sobre a lei dos sexagenários ver MENDON-
ÇA, Joseli. Entre a mão e os anéis. Lei dos Sexagenários e os caminhos da Abolição no Brasil. Cam-
pinas: Ed. UNICAMP, 1999.
15
“Emancipação”, pp. 166-70, julho de 1882, p. 168.
243 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
impossível.
A redação da Revista considerava que a ideia da extinção da escravidão es-
tava implantada no “espírito do povo”, já que todos os dias os jornais estampavam
as alforrias voluntárias. A solução para o problema, porém, já estava encaminhada:
a Lei do Ventre Livre tinha estancado a “fonte da escravatura” e estabelecido o
fundo de emancipação; somavam-se a isso “os sentimentos filantrópicos do povo”,
que multiplicavam dia a dia o número de alforrias. Logo, a eliminação do elemento
servil ia ocorrendo de forma progressiva. Após uma aprovação que se deu à base
de calorosos debates, a lei de 1871 foi frequentemente evocada pelos fazendeiros
e parlamentares mais cautelosos que buscavam desestimular a formulação de no-
vos projetos sobre a questão servil, pois consideravam que a dita lei supria plena-
mente uma transição gradual e segura do trabalho escravo para o trabalho livre.
Esse princípio foi defendido durante a discussão do projeto que visava garantir a
liberdade dos escravos sexagenários. Segundo Joseli Mendonça,
Se, em 1871, a lei fora vista como elemento de perturbação e
atentado contra os direitos dos proprietários, em 1884 ela era
considerada o abrigo de promessas, cujo cumprimento signifi-
cava o respeito à legalidade do processo de abolição. Além do
gradualismo, a lei carregava em seu ”espírito” a promessa da
indenização.16
16
MENDONÇA. Op. cit., p. 141.
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ção profissional dessas crianças. Todas essas iniciativas teriam o objetivo de pre-
parar o ingênuo para o trabalho livre, obtendo seu próprio sustento e contribuin-
do para a sociedade. Nas palavras da revista, essas transformações já vinham se
operando lentamente na economia social sob influência do plano espiritual: “É em
virtude da atividade das forças ocultas, que operam de um modo insensível porém
efetivo, que essas ideias estão no espaço e influem por toda parte, vencendo todas
as resistências.”17
Se o problema da escravidão não reclamava nenhuma medida por parte do
executivo nem do legislativo, o mesmo não se aplicava a outras mudanças neces-
sárias ao progresso da nação. Segundo a revista, a nova organização do mundo do
trabalho exigiria modificações no regime político-administrativo. Para a revista era
prioridade de ação por parte daqueles responsáveis pela administração do país a
execução de duas reformas importantes para permitir o desenvolvimento do tra-
balho livre no país. A primeira seria a extinção da religião oficial do Estado, que já
não se sustentava mais e embaraçava o “desenvolvimento rápido da nacionalida-
de”. A segunda era a divisão da propriedade territorial.
Essas propostas apresentadas de forma embrionária pela redação da Revista
não foram esmiuçadas posteriormente em outras edições, uma vez que a publi-
cação da revista foi finalizada. No entanto, o artigo nos traz elementos suficientes
para analisar e compreender a solução da questão servil proposta pelos membros
da Sociedade Acadêmica. Em linhas gerais, podemos afirmar que eles defendiam
uma transição gradual: substituir primeiro a mão de obra para depois pôr fim ao
regime escravista. Nesse sentido, a ideia seguia o espírito do liberalismo imperial,
assim como a posição defendida por Quintino Bocaiúva no panfleto “A crise da
lavoura”, escrito em 1868, contrário a qualquer transformação abrupta na econo-
mia.18 O discurso da revista evocava a razão nacional, alegando que a defesa de
uma sociedade livre era feita em nome dos interesses nacionais e não a favor do in-
divíduo. As transformações pleiteadas, tais como a reforma agrária e a garantia da
liberdade religiosa, demonstravam a vinculação com uma ótica liberal, cujo viés era
questionar radicalmente a ordem vigente. As mudanças reivindicadas pela redação
convergiam com o programa proposto pelos liberais, posteriormente incorporado
pelos republicanos. A própria questão da reforma do regime político sustentada
por esses partidos, insatisfeitos com o sistema imperial, aparecia de forma pontual.
O diferencial do olhar dos espíritas era outro.
Os interlocutores da revista, no debate sobre a escravidão, são dois espíritos
17
“Emancipação”, pp. 166-170, julho de 1882, p. 168.
18
ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil Império. São
Paulo: Paz e Terra, 2002. P. 185.
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19
“Orientação espírita”, in Reformador, 01 de janeiro de 1887, p. 01.
20
“Conferência espírita, científica e social por Antonio da Silva Neto”, in Reformador, 01 de
maio de 1887, p. 2.
247 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
A quem era feito esse pedido? Aos “Estadistas”. Sedora solicitava a ação do
governo: “Façam os Estadistas como os cirurgiões, extirpem o cancro que vicia e
corrói o organismo social, acabem com a escravidão”, no entender do articulista,
caberia ao imperador e aos ministros do Império a responsabilidade de resolver o
problema. Eles estavam investidos do direito, da obrigação e do poder para mudar
os rumos dos eventos. Além disso, possuíam o conhecimento da “arte de gover-
nar” e sabiam os melhores meios de debelar o mal. O autor do artigo não duvidava
21
“Escravos”, in Reformador, 01 de março de 1887, p. 2.
22
Muitos espíritas se ocultavam por meio de pseudônimos. Essa prática era muito comum
entre os autores que escrevem nos periódicos da época. No meio espírita, um exemplo típico foi
Bezerra de Menezes, político e espírita ilustre. Ele foi o responsável por uma coluna semanal no
jornal O Paiz durante o período de 1887 a 1895. As crônicas e os artigos com o título de “Espiritis-
mo, Estudos Filosóficos” eram assinados usando o pseudônimo de Max.
23
SEDORA. “A Escravidão”, in Reformador, 15 de novembro de 1884, p. 3.
248 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
24
SEDORA. “A Escravidão”, p. 3.
25
“Conferência espírita, científica e social por Antonio da Silva Neto”, p. 2.
26
SEDORA. “A Escravidão”, p. 3.
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No entanto, não era apenas aos “Estadistas” que os espíritas apelavam, eles
também solicitavam a intervenção dos espíritos desencarnados. Como já salien-
tamos, para os espíritas, a luta pela abolição se desdobrava no mundo espiritual,
já que os “irmãos do espaço” também estavam a reprovar o cativeiro e trabalhar
pela sua extinção. Em artigos e discursos publicados no Reformador, eram cons-
tantes os pedidos direcionados à espiritualidade em busca de auxílio para resolver
a questão servil. Durante as festividades de comemoração do desencarne de Allan
Kardec ocorridas na FEB,27 em 1886, o orador do evento, o Sr. M. F. Figueira, evo-
cou o auxílio do mundo espiritual: “Venha toda essa legião de espíritos da América
do Norte para auxiliar a obra da redenção na América do Sul.”28 Figueira pedia a
contribuição de alguns ilustres já desencarnados como Washington, Lincoln, Victor
Hugo, Rio Branco, Luís Gama e tantos outros que haviam dado provas de “ardente
caridade”. Esse episódio reforçava o princípio de intercâmbio entre o mundo terre-
no e o mundo espiritual, que concorriam simultaneamente para a transformação
da sociedade terrena.29
Para a revista, a intervenção desses espíritos no mundo material era com-
preendida como um fator que auxiliava nos avanços que o movimento de liberta-
ção dos escravos ia obtendo no decorrer dos anos 1880. As alforrias voluntárias,
as novas adesões ao movimento e o crescente apoio público eram considerados
resultados da atuação da espiritualidade nos rumos da História. Esse discurso tor-
nou-se mais recorrente à medida que se aproximava a abolição, como podemos
observar numa publicação de outubro de 1887: “Abençoados sejam estes operá-
rios do espaço que, no trabalho incessante de todos os momentos, vão conseguin-
do levar de vencida a represa dos interesses que se opunha à caudal da torrente
da liberdade.”30
Segundo o Reformador, as comunicações mediúnicas recebidas nas institui-
ções espíritas davam conta do “movimento providencial que vai pelos ares”.31 Os
espíritos afirmavam que a extinção da escravidão era algo que não tardaria a acon-
27
Durante a década de 1880, essa festividade foi realizada anualmente todo dia 31 de
março.
28
“Discurso pronunciado pelo Sr. M. F. Figueira, como orador oficial na sessão magna da
FEB de 31 de março último (continuação)”, in Reformador, 01 de maio de 1886.
29
Essa menção feita à América do Norte e aos presidentes americanos é significativa. Após
a Guerra de Secessão, que levou à abolição da escravidão naquele continente, os EUA tinham se
tornado uma referência dos benefícios que a abolição poderia trazer para o país, assim como dos
cuidados necessários para não mergulhar o Brasil numa guerra civil.
30
“Libertas que sera tamen”, in Reformador, 01 de outubro de 1887.
31
Esse trecho faz alusão ao movimento abolicionista, que era gestado também no mundo
espiritual. “Escravos”, p. 2
250 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
na tradição política imperial, segundo a qual não existia contradição entre liberalis-
mo e escravidão. Os princípios liberais marcavam o discurso espírita principalmen-
te na defesa da ampliação dos direitos civis. Mas a questão dos direitos políticos e
sociais não ganhou o mesmo destaque na imprensa espírita; ao exigir a garantia de
autonomia para o cidadão, o Reformador rechaçava a tutela do Estado e, principal-
mente, a tutela da Igreja católica sobre a população brasileira.
Esse compromisso com os princípios liberais manifestou-se principalmente
na constante defesa do estabelecimento de um Estado laico, como é possível ob-
servar nos editoriais e artigos publicados no Reformador. Esses textos evidencia-
vam a continuidade da discussão sobre a relação Estado e Igreja católica, que teve
grande repercussão durante os anos de 1872 a 1875 e ficou conhecida como “ques-
tão religiosa”. Dessa forma, houve um constante conflito entre espíritas e Igreja
católica, que não se restringiu à esfera dos princípios doutrinários e religiosos. Por
meio do Reformador, os espíritas criticaram a omissão da Igreja diante da questão
da escravidão. Em artigo intitulado “Res Non Verba”,33 a revista aproveitou para
cutucar o clero brasileiro, destacando os bons serviços prestados pelos maçons à
causa dos escravos, enquanto os católicos pouco faziam a respeito do problema.
33
Pelo título do artigo era possível prever o teor do texto; a tradução literal dessa expres-
são em latim é coisas e não palavras, refere-se a uma situação que necessita de ação, de atos e não
de discursos. Nesse sentido, enquanto o papa falava, os maçons agiam.
34
“Res Non Verba”, in Reformador, 03 de outubro de 1884, p. 2.
35
“Libertas que sera tamen”, p. 1.
252 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
caminhar do progresso no país. O texto ressaltava, ainda, que essa luta pela con-
quista da liberdade se operava de modo pacífico, e destacava a pastoral publicada
pela diocese de Mariana no mês anterior em favor da liberdade dos escravizados.
Para a revista, o bispo de Mariana não queria se retardar em relação aos demais
colegas das outras dioceses.36
A cautela, o desejo de evitar precipitações, sempre norteou os discursos pu-
blicados no Reformador sobre o fim da escravidão. As soluções que evitassem rup-
turas e privilegiassem o gradualismo eram normalmente as recomendáveis. Esse
posicionamento demonstrava não só certo compromisso com a permanência de
alguns valores da ordem imperial e a defesa dos interesses de classe, como tam-
bém encontrava fundamento nos princípios espíritas. Segundo o espiritismo, o pro-
gresso da humanidade se faz de modo lento e gradual. Mesmo as revoluções, que
nos parecem mudanças radicais e repentinas, seriam eventos construídos pouco
a pouco no seio da sociedade. Essa perspectiva era tributária do evolucionismo,
que recusava in limine as alterações bruscas, e compartilhada pelos liberais repu-
blicanos ─ como Quintino Bocaiúva ─ e pelos positivistas: ambos defendiam uma
concepção evolucionista no trato das questões políticas, sociais e econômicas.37
Pelas páginas do Reformador, foi constante o esforço em esclarecer a popula-
ção quanto aos males provocados pela escravidão. O periódico procurou mobilizar
de diferentes formas a opinião pública em favor do fim do cativeiro. Além disso, os
espíritas nunca deixaram de rogar pela intervenção espiritual em prol da causa dos
escravos. Porém, à medida que aumentava a adesão ao movimento abolicionista
e parecia se aproximar o fim do sistema escravista, o foco de preocupação dos
espíritas voltou-se para os senhores de escravos. No decorrer dos anos de 1887 e
1888, o discurso do Reformador esteve direcionado para esse grupo social, com o
objetivo de conscientizá-los quanto à necessidade de deixarem de ser senhores de
outros homens.
As principais lideranças abolicionistas, tais como Joaquim Nabuco, José do
Patrocínio e André Rebouças, sempre direcionaram seus discursos para os senho-
res de escravos. A grande imprensa comprometida com a abolição procurou cons-
cientizar os proprietários de terras, evitando sempre incitar rebeliões de escravos.38
André Rebouças, por exemplo, alertava sobre esse perigo e indicava a postura a ser
adotada pelos propagandistas da causa abolicionista:
Na propaganda Booth, como em todas as propagandas socialis-
36
“Movimento Libertador”, in Reformador, 01 de novembro de 1887, p. 1.
37
ALONSO. Op. cit., p. 184.
38
Fazemos referência aos seguintes jornais publicados na década de 1880: Gazeta de Notí-
cias, Gazeta da Tarde, A Cidade do Rio, O Paiz e Gazeta Nacional.
253 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
Essa também era uma preocupação constante dos parlamentares, que ti-
nham receio da associação das lideranças abolicionistas com a escravaria.40 Essa
postura de alguns setores do movimento abolicionista de evitar o envolvimento
direto com os escravos também foi assumida pela imprensa espírita; era coerente
com o princípio espírita segundo o qual as transformações sociais seriam resultado
do amadurecimento das novas ideias e da conscientização da coletividade.
Esse posicionamento também evidenciava a intenção de defender a manu-
tenção da ordem pública. No entanto, na perspectiva espírita ainda existiam outras
tantas razões que motivavam um maior cuidado com os senhores. Uma vez que a
abolição da escravidão parecia ser uma questão de tempo, o Reformador começou
a se preocupar mais com o futuro espiritual dos senhores do que com a situação
dos escravos. No editorial do dia 04 de abril de 1887, a redação traçava um pano-
rama da questão:
Quem era o mais infeliz deles? Segundo a perspectiva espírita, apesar de todo
o aviltamento causado pelo cativeiro, seria melhor a posição de vítima – escravo –
do que a de algoz – senhor. As experiências de sofrimento e de dor vivenciadas pe-
los escravos sublimavam o espírito e o auxiliavam no seu processo de evolução mo-
ral. Perante a justiça divina, a situação de vítima era mais confortável do que a de
algoz. Quanto aos senhores, continuavam presos aos seus interesses materiais, ao
39
REBOUÇAS, André, apud MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico. São Paulo/ Rio de
Janeiro: EDUSP/Ed. UFRJ, 1994. P. 165.
40
MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis. Lei dos Sexagenários e os caminhos da
Abolição no Brasil. Campinas: Ed. UNICAMP, 1999.
41
“Escravidão”, p. 1.
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42
“Liberdade”, p. 1.
43
“Escravos”, p. 1.
44
Ibidem, p. 1.
45
“Escravidão”, p. 1.
255 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::
46
“Emancipação”, p. 1.
256 :: Caminhos da Liberdade: Histórias da Abolição e do Pós-Abolição no Brasil ::