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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALVARO LUIZ NUNES

RESENHA DO LIVRO INFERNO ATLÂNTICO: DEMONOLOGIA E


COLONIZAÇÃO SÉCULOS XVI-VXIII

CURITIBA
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALVARO LUIZ NUNES

RESENHA DO LIVRO INFERNO ATLÂNTICO: DEMONOLOGIA E


COLONIZAÇÃO SÉCULOS XVI-VXIII

Resenha do livro Inferno Atlântico de Laura


de Mello e Souza, Curso de História
Memória e Imagem. do Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná.

CURITIBA
2015
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 4
2 MACRODEMONOLO : O diabo nas malhas do Antigo Regime ................ 5
2.1 América diabólica ..................................................................................... 5
2.2 O Enraizamento ........................................................................................ 7
2.3 Por Fora do Império .................................................................................. 7
2.4 Por Dentro do Império - Infernalização e Degredo ................................... 8
3 MICRODEMONOLOGIA : O diabo e as Tensões Cotidianas ...................... 8
3.1 Ambiguidade amorosa: de Santas a Mulas-sem-Cabeça ......................... 9
3.2 Mentes e Corpos: Os Assaltos do diabo ................................................... 9
3.3 Em Torno de um Mito: A Elipse do Sabá .................................................. 9
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 11
Informação biográfica:
Laura de Mello e Souza nasceu em São Paulo, em 1953, tendo feito
toda a sua formação acadêmica, da graduação à livre-docência, no
Departamento de História da Universidade de São Paulo, onde é professora de
História Moderna desde 1983. É autora de Desclassificados do Ouro (Graal,
1982) e O Diabo e a Terra de Santa Cruz (Companhia das Letras, 1986).
Título do livro: Inferno Atlântico: Demonologia e Colonização Séculos XVI -
XVIII (SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: Demonologia e Colonização
Séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993).

1 INTRODUÇÃO

Em Inferno Atlântico, Laura de Mello e Souza reúne nove trabalhos


escritos pela autora em várias épocas, mas que possuem em comum as
relações entre o imaginário demonológico e o mundo luso-brasileiro do Antigo
Regime. A ideia central que amarra os textos está relacionada às trocas
culturais entre Europa e América e a demonização das colônias pelos
europeus. O objeto de atenção da autora está pautado nas práticas mágico-
religiosas na colônia e na metrópole e a representação do demônio no Novo
Continente, sobretudo no mundo luso-brasileiro entre os séculos XVI e XVIII.
Os Objetivos da autora neste livro foram descortinar representações populares
e eruditas do diabo europeu, problematizar a questão da linguagem dos
contrários e a compreensão e rejeição do “outro” no pensamento ocidental, a
fim de demonstrar a dificuldade que os inquisidores tinham de interpretar
práticas mágico-religiosas tanto na metrópole quanto na colônia, apoiando-se
sempre na demonologia. As fontes utilizadas por Souza na pesquisa foram
processos inquisitoriais; iconografia; cartas; documentos e obras literárias.
Os autores utilizados por Souza para construir a discussão
historiográfica são Serge Gruzinski, Jacques Le Goff, Carlo Ginzburg, e Natalie
Z. Davis. Além de clássicos da historiografia brasileira como Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda e Fernando Novais. Nos trabalhos de demonologia
a autora utilizou Stuart Clark, Mikhail Bakhtin, Giovanni Botero. Philipe Áries,

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Robert Mandrou, Jean Delumeau, John Putnam Demos, Gilberto Velho e
Francisco Bethencourt. Na última parte do livro, Souza faz uma análise de um
poema de Bernardo Guimarães.
O livro objeta se aprofundar em questões que preocupam a autora
desde 1985, quando defendeu a sua tese de doutorado, “Sabás e Calundus –
Feitiçaria, Práticas Mágicas e Religiosidade Popular no Brasil Colonial”, que foi
publicado com o título “O diabo e a Terra de Santa Cruz”. Para Laura, a chave
dessas questões está na tensão entre Europa, África e América.
Na primeira parte do livro, a autora explora as relações e tenta melhor
entender as visões européias sobre a América, e todos os capítulos referem-se
a momentos em que as trocas culturais entre o velho e o novo continente ainda
estavam em estágio de formação. O segundo capítulo faz uma abordagem da
religiosidade na colônia durante o primeiro século de ocupação portuguesa,
enquanto o quarto capítulo desenvolve dois textos anteriores sobre o degredo.
Na segunda parte do livro a autora dedica-se ao imaginário demonológico e o
universo cotidiano, o capítulo é praticamente um ensaio e sugere a
possibilidade de um grande universo imaginário comum. O capítulo sete trata
de processos inquisitoriais, enquanto o capítulo oito se ocupa da feitiçaria e sua
relação com outros fenômenos.

Primeira Parte

2 MACRODEMONOLOGIA - O diabo nas malhas do Antigo Regime

2.1 América diabólica

Em “Macrodemonologia”, Laura destaca que o avanço da ciência e o


descobrimento da América colocaram o homem na condição de dono dos
mares e colonizador das culturas estranhas. Entretanto, havia um paradoxo:
enquanto a sociedade presenciava o apogeu da ciência, ainda era difundida a
crença dos poderes malignos do demônio. Existia também uma tensão entre o
pensamento laico e o religioso e uma missão importante foi dada aos
colonizadores: converter os povos estranhos a Santa Fé Católica.

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A autora explica que a demonologia é um corpo doutrinário
fundamentado principalmente nos escritos de Santo Agostinho que, ao
materializar e atribuir inúmeras facetas ao demônio invisível do Antigo
Testamento, fundou o universo demonológico. Os europeus passaram a
enxergar as práticas religiosas dos ameríndios de acordo com a sua própria
cultura e apoiados em suas concepções demonológicas. O sabá das bruxas e
as práticas de feitiçaria tão perseguidas na Europa, daquele momento em
diante passaram a ter conexão com o comportamento obscuro dos índios; o
demônio foi expulso da Europa pela Santa Cruz e encontrou refúgio na
América.
O imaginário da época sustentava uma curiosa tradição criada por João
de Barros, a qual suscitava uma explicação de caráter religioso para o
descobrimento do Brasil: Cabral nomeou a nova terra “Santa Cruz” para
homenagear o lenho sagrado. De acordo com Souza “O Santo Lenho inscrevia
o sacrifício de Cristo na gênese da nova terra, que ficava toda ela dedicada a
Deus, havendo grande esperança na conversão dos gentios” (1993, p. 30). Não
obstante, o demônio, em resposta, trabalhou para que o nome dedicado ao
Santo Lenho fosse esquecido para ser substituído por um pau de cor abrasada
e vermelha usado para tingir panos; o pau Brasil.
Muitos não se conformavam com a mudança do nome da nova terra
para Brasil e insistiam em dizer que tal mudança foi manobra do diabo. Pero de
Magalhães Gândavo foi um dos que compactuou com essas crenças, que
demonizavam tudo e todos que não estivessem de acordo com a fé cristã. A
autora analisa o teatro do Padre José de Anchieta e encontra na obra do
catequista a demonização do índio e menciona Luis da Grã e Fernão Cardim,
que respectivamente classificaram os índios brasileiros como “traça do inferno”
e “povo do inferno”.
Na América, os europeus classificaram alguns ritos praticados pelos
ameríndios por meio dos pagés como idolatria e adoração do diabo, e essa
caracterização estava apoiada em fundamentos bíblicos, interpretados pelos
doutores da Igreja, sobretudo Santo Agostinho. O missionário Diego de Landa,
no Yucatán e na Guatemala, além de castigar os índios, matando pelo menos

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158 deles, confessou ter queimado “um grande número” de livros sagrados e,
de acordo com Souza, “inviabilizando para sempre a melhor compreensão da
cultura Maia” (1993, p. 37). Souza menciona uma rebelião de caráter religioso
que ocorreu em Mixton, Nova Galícia, pela liberdade de culto e contra o
catolicismo, onde foram queimadas cruzes e assassínio de vários missionários.

2.2 O Enraizamento

Neste excerto do livro, a autora destaca que em 1543 a Inquisição


contava menos de dez anos de existência e já observava os desvios religiosos
na colônia. Ao citar as acusações movidas contra o donatário Pero do Campo
Tourinho, Laura argumenta que críticas à Igreja e ao cristianismo eram comuns
nessa época. De acordo com a autora, até o final do século XVI, magia e
religiosidade eram semelhantes na metrópole portuguesa e na colônia, mas a
partir de então a magia vai desenvolvendo sua especificidade na religiosidade,
seja pelo fato desta última ter uma realidade de cotidiano diferente da
metrópole, seja pelo contato com a feitiçaria dos negros.

2.3 Por Fora do Império

A partir de uma análise da obra “Relazione Universali” de Giovanni


Botero, grande defensor da contra-reforma, Souza tenta compreender o
imaginário europeu sobre a América do século XVI. Ao fazer várias
comparações entre escritos de Botero sobre a América e textos dos padres
Manuel de Nóbrega e José de Anchieta, a autora destaca que Botero se valeu
da obra desses dois catequistas para realizar suas análises sobre os índios
brasileiros. A obra de Botero menciona as missões jesuíticas entre os povos
indígenas e descreve a vitória dos catequistas frente ao barbarismo e heresias
praticadas pelos índios. Em riqueza de detalhes, a autora expõe e contrapõe
vários relatos de estudiosos, padres e aventureiros que tiveram contato com os
índios e descreveram os rituais de antropofagia. Todos os relatos traziam algo
em comum: o inimigo era capturado; centenas de pessoas participavam do
ritual; o prisioneiro era pintado, amarrado e insultado pelo povo; prometia
vingança; era devorado em ritual antropofágico.

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2.4 Por Dentro do Império - Infernalização e Degredo

Ao relacionar o purgatório, relativamente recente no século XVI e


difundido com “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, com o degredo, que
trazia para a América homens e mulheres acusados de judaísmo, bigamia,
sodomia, blasfêmias, proposições heréticas, visões e feitiçarias, Souza
argumenta que a intenção do degredo, promovido pela inquisição e pelo
Estado Absolutista, era a de que estes homens e mulheres pagassem na
colônia os seus pecados, pois desta forma seriam purificados através do “exílio
ritual”. Para Souza, a América seria o purgatório do mundo material.
Através de seus estudos, Souza concluiu que o degredo contribuiu para
que fossem criadas as especificidades das práticas mágicas na colônia, pois os
degredados persistiam com suas práticas mágicas no além mar, agregando,
assim, forte influência européia às manifestações religiosas e mágicas
praticadas na colônia. As bolsas, espécie de amuletos trazidos para a colônia
pelos degredados, ao receberem elementos de magia africana, se tornaram as
bolsas de mandinga. As orações que invocam Maria Padilha também tiveram
seu equivalente colonial, pois, ao se fundirem com tradições religiosas
africanas, se tornaram comuns na umbanda. Em diversos processos
inquisitoriais, Souza identificou a resistência de muitos condenados para não
cumprir degredo no Brasil; uns se valiam de engodo ou doença para evitar o
exílio, e outros tentavam escapar do castigo afirmando que a América não era
um bom lugar para purificação.

Segunda Parte

3 MICRODEMONOLOGIA - O diabo e as Tensões Cotidianas

Nesta parte do Livro, Souza destaca às miríades de publicações


literárias voltadas ao misticismo oriundas da Espanha e publicadas em Portugal
durante o século XVII. Era a época da Restauração e neste período a autora
investigou vários processos inquisitoriais que constam a condenação de
mulheres visionárias que reivindicavam para si a Santidade, e concluiu que as
visionárias foram condenadas e identificadas como bruxas possivelmente

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porque em seus devaneios foram observados muito da cultura popular, e este
fato não condizia com os métodos da escolástica dos eruditos inquisidores. Em
período de domínio espanhol sobre a península ibérica, Souza destaca a força
do sebastianismo, que saiu da cultura popular para ganhar a elite, que a
transformou em doutrina de salvação nacional.

3.1 Ambiguidade amorosa: de Santas a Mulas-sem-Cabeça

Para criar este trabalho, a autora fez um estudo da iconografia da época


Moderna e encontrou no universo religioso a erotização e a obsessão com o
suplício. Neste universo era comum a presença de Deus e do Diabo nas obras
de arte, que eram classificadas como sacras e profanas. Os suplícios
predominavam na iconografia e deram origem a obras que retratavam a
natureza morta. Amores sacrílegos e devaneios eróticos com Jesus foram
constatados por Souza através de documentação analisada.

3.2 Mentes e Corpos: Os Assaltos do diabo

Neste capítulo, Souza conta a saga do frei Luís de Nazaré, que na


década de trinta do século XVII, em Salvador, conseguia favores sexuais de
fiéis durante sessões de exorcismo com a justificativa de que o ato sexual era
parte do método de cura. A autora observa a cultura popular submetida à
cultura de elite, uma vez que as fiéis acreditavam em frei Luis devido ao seu
poder eclesiástico. Com o exemplo de frei Luís em Salvador, e de uma
possessa em Lisboa chamada Mariana, a autora pretende demonstrar as
diversidades e as relações entre sistemas de crenças.

3.3 Em Torno de um Mito: A Elipse do Sabá

Ao investigar as origens do sabá, a autora conclui que este não foi


criação dos demonólogos, pois sua origem se perde em tempos remotos,
entretanto, como o conhecemos, surgiu no século XV. Souza faz uma análise
de escritos franceses, sobretudo os de Jean de Léry e constata a comparação
que os europeus fizeram entre as práticas religiosas dos índios brasileiros e o

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sabá das bruxas européias. Por meio de estudos de processos inquisitoriais
nos quais continham a acusação de pacto com o diabo na colônia e na
metrópole, Souza encontra relatos semelhanças com o sabá europeu. Nesses
processos o que chama a atenção da autora é a obsessão demoníaca, os
inquisidores estavam muito mais interessados em saber se o acusado havia
feito pacto com o diabo do que se havia praticado ritos semelhantes ao sabá.
Diante disso, a autora sugere que os inquisidores eram um tanto céticos em
relação aos devaneios do sabá e, em contrapartida, o pacto com o demo
estava mais ligado às concepções eruditas demonológicas.
De acordo com Souza, o diabo estava presente no dia-dia dos campos e
cidades portuguesas, há relatos de diabos que apareciam de madrugada nos
celeiros ou que vagavam pela cidade, na espreita, esperando um ser humano
para fazer um pacto. Souza afirma que “O diabo não foi sempre o mesmo
nesse mundo complexo e plural, heterogêneo pelas etnias e pelas culturas que
abrigava” (1993, p. 177). De acordo com a autora, após descobrimento e
colonização da América, o diabo “ganhou cocares de penas e tornou-se cada
vez mais negro” (1993, p. 177), e destaca que os malefícios e as práticas
mágico-curativas predominavam na feitiçaria luso-brasileira.
Para encerrar o livro, a autora faz uma análise da obra “A Orgia dos
Duendes”, de Bernardo Guimarães, e constata neste poema forte influência do
sabá europeu. Entretanto, pondera afirmações ambíguas de Olavo Bilac de que
as lendas do sertão brasileiro possuíam tradição sabática própria,
apresentando os diversos elementos ameríndios presentes na “Orgia dos
Duendes”, constatando a longa duração de crenças e harmonizando tradições
européias e brasileiras. De acordo com Souza (1993, p. 195)

Em a “Orgia dos Duendes”, o que chama a atenção do autor é a ambigüidade


entre o sagrado e o demoníaco, o recurso à linguagem dos contrários, o
desvendamento, enfim, das estruturas míticas profundas que, sob ângulos
diversos, procurou-se detectar ao longo deste livro.

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4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: Séculos XVI-XVIII. São Paulo:


Companhia das Letras, 1993.

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