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SCHERRE, M. M. P.

Norma e uso na expressão do imperativo em revistas em quadrinhos da Turma da


Mônica. In: SILVA, Denize Elena Garcia da, LARA, Gláucia Muniz Proença & MAGAZZO, Maria
Adélia (orgs.) Estudos de Linguagem – Inter-relações e Perspectivas. Campo Grande, Editora da
UFMS. 2003. p. 177-191. (versão sem cortes e com um anexo)

NORMA E USO NA EXPRESSÃO DO IMPERATIVO EM REVISTAS EM


QUADRINHOS DA TURMA DA MÔNICA*

SCHERRE, Maria Marta Pereira (UnB/UFRJ/CNPq)

Resumo
Análises da expressão do imperativo no português brasileiro indicam que os registros
da tradição gramatical não cobrem as suas diversas possibilidades de uso: dados das regiões
sul, sudeste e centro-oeste revelam presença abundante de enunciados imperativos associados
à forma indicativa em contexto discursivo do pronome você, ambiente em que a tradição prevê
o imperativo associado ao subjuntivo. O estudo relatado neste artigo tem como objetivo
principal detectar se os diálogos das revistas em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas
no final do século XX incorporam o vernáculo contemporâneo destas três regiões. Os
resultados obtidos evidenciam a entrada do vernáculo na modalidade de escrita analisada,
confirmam conclusões de pesquisas anteriores e revelam heterogeneidade lingüística ordenada.

Palavras-chave: imperativo gramatical; variação lingüística; português brasileiro

INTRODUÇÃO
A tradição gramatical brasileira registra que o imperativo apresenta formas
próprias para as segundas pessoas tu/vós em construções afirmativas, mas,
paradoxalmente, afirma que estas mesmas formas são derivadas do modo indicativo
sem o –s final. As demais formas do imperativo afirmativo, bem como todas as formas
do imperativo negativo, são, por sua vez, sistematicamente associadas ao modo
subjuntivo. Portanto, a tradição gramatical vigente (Bechara, 1973:116; 1999:237;
Cegalla, 1991:166-167; Cunha & Cintra, 1985:465) registra, por exemplo, as formas:
1) falA, abrE, faz, para o imperativo afirmativo singular no contexto do pronome
tu;
2) falE, abrA, façA, para o imperativo afirmativo ou negativo singular no
contexto do pronome você.
Diferentemente dos registros da tradição, construções do tipo “Não faz isso!”,
“Faz o dever” “Não vai se arrepender”, “Traz isto pra mim” são encontradas na fala
espontânea, no contexto sintático e discursivo do pronome você. Tendo em vista que a
variação de uso do imperativo não é estigmatizada – está abaixo do nível da consciência
-, e que, de forma geral, a escrita tende a ser mais conservadora, este estudo visa
detectar se formas imperativas vernáculas observadas em dados das regiões sul, sudeste
e centro-oeste – predominantemente associadas ao modo indicativo no contexto
2

discursivo do pronome você – refletem-se nos diálogos das revistas da Turma da


Mônica, que também apresentam contexto discursivo exclusivo do pronome você.
A análise dos dados se norteia pelos pressupostos teóricos da Teoria da Variação
Lingüística, que associa à estrutura lingüística a noção de heterogeneidade ordenada.
Nestes termos, a língua é concebida como uma estrutura inerentemente variável e a
suposta variação livre é vista como passível de descrição sistemática em função de
restrições lingüísticas e não-lingüísticas (Weinreich. U, Labov, W. & Herzog, M. I.,
1968; Labov, 1975; 1994; Sankoff, 1988a).
A mensuração dos dados é feita por meio dos programas Varbrul, que fornecem
pesos relativos associados aos fatores das variáveis independentes ou grupos de fatores
e apresentam a seleção desses grupos em função de sua relevância estatística, em
análises que envolvem duas variantes - análises binárias. Os pesos relativos indicam o
efeito que cada um dos fatores exerce sobre as variantes da variável dependente,
levando-se em consideração todas as variáveis independentes em jogo. Na presente
pesquisa, pesos relativos mais altos favorecem imperativo na forma indicativa e
desfavorecem imperativo na forma subjuntiva; inversamente, pesos relativos mais
baixos desfavorecem imperativo na forma indicativa e favorecem imperativo na forma
subjuntiva (Sankoff, 1988b; Pintzuk, 1988; Naro, 2003; Guy, 1998).

OS DADOS ANALISADOS
Foram analisadas 724 estruturas imperativas gramaticais (636 variáveis; 88
invariáveis) de 15 revistas publicadas em 1998 e 1999.1 Dos 636 dados variáveis, 362
(57%) se expressam pelo imperativo associado à forma indicativa e 274 (43%), pelo
imperativo associado ao subjuntivo, no contexto discursivo do pronome você. Exemplos
da variação do imperativo, em estruturas de polaridade afirmativa e negativa, podem ser
vistos a seguir:
Imperativo expresso pela forma indicativa, em estrutura afirmativa ou negativa:
(1) a. “É agora, Tonicão, faz o Gol!” (Almanaque do Cebolinha - 54, Maurício
de Souza, Editora Globo, dez/1999:75)
(1) b. “Psst! Não faz escândalo, Cebolinha!!” (Cebolinha - 141, Maurício de
Souza, Editora Globo, ago/1998:7)
Imperativo expresso pela forma subjuntiva, em estrutura afirmativa ou negativa:
(2) a. “Faça essa bola se mexer AGORA!” (Almanaque do Cebolinha - 54,
Maurício de Souza, Editora Globo, set/1999:75)
(2) b. “Não, seu monstro! Não faça isso!” (Almanaque do Cascão -53, Maurício
de Souza, Editora Globo, ago/1998:76)
3

Os exemplos acima revelam que as duas alternativas sob análise ocorrem com o
mesmo verbo, independentemente da polaridade da estrutura, em contextos sintáticos e
discursivos semelhantes e, até prova em contrário, com o mesmo valor de verdade. Isto
indica que se trata de uma variável lingüística que pode ser submetida à análise
quantitativa da metodologia variacionista, adequada para tratar dados variáveis com
algum grau de aleatoriedade em sua distribuição. As tendências sistemáticas da variação
do fenômeno analisado se revelam por meio da seleção de sete variáveis como
estatisticamente significativas: polaridade da estrutura; presença, localização e pessoa
dos pronomes; presença/ausência de vocativo; número de sílabas do verbo na forma
infinitiva; paradigma verbal, tipo de oposição entre as formas verbais e paralelismo
fônico; paralelismo discursivo e os personagens das histórias. Os resultados das
variáveis selecionadas são apresentados a seguir.

VARIÁVEIS LINGÜÍSTICAS
É bom relembrar que os dados da amostra analisada ocorrem em contexto
discursivo do pronome você, contexto em que a tradição gramatical registra
categoricamente o imperativo associado ao subjuntivo, padrão encontrado no português
europeu (cf. Faraco, 1986). A distribuição global dos enunciados analisados revela que,
neste contexto, há 57% de estruturas imperativas associadas à forma indicativa. Este
fato, por si só, evidencia que formas vernáculas da fala das regiões sul, sudeste e centro-
oeste encontram-se presentes na modalidade de escrita analisada.

POLARIDADE DA ESTRUTURA
A fim de se verificar outra predição categórica da tradição gramatical, a presente
análise levou em conta a variável polaridade negativa ou afirmativa da estrutura, tendo
em vista que, também neste caso, a tradição prevê o imperativo sistematicamente
associado ao subjuntivo.
Os resultados da tabela 1 evidenciam que o contexto de polaridade negativa não
apresenta apenas enunciados imperativos associados à forma subjuntiva: 25% deles
estão expressos na forma indicativa. Todavia, tendo como referência a média de 57% de
imperativo na forma indicativa, observa-se que a polaridade negativa diminui o uso do
imperativo associado ao indicativo. Inversamente, a polaridade negativa aumenta o uso
do imperativo associado ao subjuntivo, resultado que, em termos de tendências, é
consistente com o registro da tradição gramatical. Este fato encontra-se refletido no
4

peso relativo de 0,23, atribuído à polaridade negativa, que indica desfavorecimento do


imperativo na forma indicativa. Embora o fator polaridade afirmativa evidencie um
peso relativo próximo ao ponto neutro (0,54), a diferença de 0,21 entre os dois fatores é
significativa. Segundo Sankoff (1988a:989), “é a comparação entre os efeitos de
quaisquer dois fatores em um grupo de fatores (medida pelas suas diferenças) que é
importante, e não seus valores individuais.”2

Tabela 1 – Efeito da polaridade da estrutura no uso do imperativo na forma


indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998
e 1999 – Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo
indicativa dos fatores
Polaridade negativa 20/ 79 25% 0,23
“Da próxima vez não fale a verdade!
Não deixem a uva cair! Lá vai!”
Polaridade afirmativa 342/557 61% 0,54
"Faz de conta que você está andando
pela rua..."
Total 362/636 57%

O efeito da polaridade evidencia paralelismo semântico: a variante subjuntiva –


mais associada ao irrealis – combina-se mais com a polaridade negativa. Este mesmo
fato foi observado por Rocha (1997) no estudo da alternância indicativo/subjuntivo em
orações subordinadas do tipo: eu pensei que ia perder meu filho... vs. Ah, pensei que
você fosse muito lá ou Não, não é que eu não goste assim não vs. Não é que elas são
desnecessárias.... Rocha (1997:83) evidencia que a presença de negativa na oração
principal favorece a forma subjuntiva nas respectivas orações subordinadas.

PRESENÇA, LOCALIZAÇÃO E PESSOA DOS PRONOMES


Embora a polaridade negativa favoreça o imperativo associado ao subjuntivo, já
está claro que a previsão da tradição não dá conta de grande parte da variação
encontrada nos dados analisados. Hipóteses outras foram aventadas para o entendimento
da heterogeneidade ordenada que governa este fenômeno variável. A análise de Leite
(1994:10-11), com diálogos da telenovela Fera Ferida, no período de 29/04 a 30/06 de
1994, identificou que a presença e a posição do um pronome do caso oblíquo
evidenciavam maior ocorrência do imperativo associado ao subjuntivo. Baseando-se na
descoberta de Leite (1994), a presente análise detalhou o controle desta restrição,
5

observando o tipo de pronome – se da forma reta ou oblíqua; a pessoa do pronome


oblíquo - se da primeira, da segunda ou da terceira pessoa; a posição do pronome
oblíquo em relação ao verbo - se à direita ou se à esquerda. A tabela 2 apresenta
exemplos e resultados desta etapa da análise.
Os resultados desta variável são robustos:
1) pronome na forma do caso reto favorece quase categoricamente o imperativo
na forma indicativa: vernáculo de grande parte da comunidade de fala brasileira
(“Hum... Deixa eu ver...”);
2) depois do verbo, pronome do caso oblíquo de 1ª e de 3ª pessoa favorece
categoricamente o imperativo na forma subjuntiva: não-vernáculo de grande parte da
comunidade de fala brasileira (“Bem... Deixe-me ver...”; “Segule esta colda e tile-nos
daqui!”; “Leve-os de volta pra casa!”; “Divirta-se!”).

Tabela 2 – Efeito da presença, tipo, localização e pessoa dos pronomes


No uso do imperativo na forma indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998 e 1999 -
Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo
indicativa Dos fatores
Ausência de pronome 314/554 57% 0,47
CALMA! Deixa ver... Hum...
Pronome reto depois do verbo “Hum... 22/ 23 96% 0,97
Deixa eu ver...”
Pronome oblíquo me antes do verbo - 24/ 40 60% 0,62
“Cebolinha! Me faz um favor!”
Pronome oblíquo se antes do verbo 2/ 19 11% 0,14
“Então se prepara para correr!” “ e si
alembre...”
Total 362/636 57%
Pronome oblíquo me depois do verbo Efeito
0/ 6 0%
“Bem... Deixe-me ver...” categórico
Pronome oblíquo se depois do verbo Efeito
0/ 12 0%
“Divirta-se!” categórico
Pronome oblíquo o depois do verbo Efeito
0/ 2 0%
“Leve-os de volta pra casa!” categórico
Pronome oblíquo nos depois do verbo Efeito
0/ 1 0%
- “Segule esta colda e tile-nos daqui!” categórico
Total 362/657 55%
6

3) antes do verbo, o pronome do caso oblíquo se biparte: se da primeira pessoa,


influencia o imperativo na forma indicativa (“Cebolinha! Me faz um favor!”); se da
terceira pessoa, influencia imperativo na forma subjuntiva (“ e si alembre...”).
Dois aspectos importantes subjazem à interpretação desta variável.
O efeito dos pronomes do caso oblíquo me, nos, os depois do verbo, no sentido
de favorecer categoricamente imperativo associado ao subjuntivo, pode ser visto como
reflexo de configurações lingüísticas que pertencem a um outro momento da língua
portuguesa falada no Brasil, em que se conjugam duas formas em fase de extinção na
fala espontânea e atual das regiões sul, sudeste e centro-oeste: imperativo associado ao
subjuntivo e pronome do caso oblíquo (“Bem... Deixe-me ver...”; “Leve-os de volta pra
casa!” “Segule esta colda e tile-nos daqui!”). O efeito quase categórico do pronome na
forma do caso reto indica a coexistência entre formas de um novo momento da língua
falada no Brasil, agora caracterizada como português brasileiro: imperativo associado
ao indicativo e pronome de forma do caso reto (“Hum... Deixa eu ver...”; “Pega ele!”;
“Larga ela!”; “Cumprimenta ele!”). O vernáculo penetra na modalidade de escrita ora
analisada. 3
O efeito do pronome se, categórico depois do verbo (“Divirta-se!”) e quase
categórico antes do verbo (“Então se prepara para correr!”; “ e si alembre...”), no
sentido de favorecimento do imperativo associado ao subjuntivo, e o efeito do pronome
me antes do verbo, no sentido de maior favorecimento do imperativo associado ao
indicativo (“Me faz um favor!”), apresentam ainda outro aspecto em jogo (cf. Scherre et
alii 1998; 2000). Trata-se de possibilidade de perda da leitura imperativa quando a
enunciado imperativo se expressa pela forma associada ao indicativo, como em “Então
se prepara para correr!”. O imperativo na forma subjuntiva assegura a leitura
imperativa.
Quando se conjugam pronome se antes do verbo e polaridade negativa no texto
escrito dialógico, a necessidade de assegurar a leitura imperativa é ainda mais evidente.
Este fato torna categórico o imperativo no subjuntivo em casos do tipo “Não se mexa,
Papa...” “Mas não se preocupe!”. A conjugação de pronome me antes do verbo e
polaridade negativa, por seu turno, possibilita o imperativo associado ao indicativo,
como se observa em “Então não me conta o final, Cascão!”; Tá bom! Tá bom! Mas não
me chama de lingüiça!
A função da forma subjuntiva de assegurar a leitura imperativa é também
encontrada no uso do imperativo em contexto discursivo escrito sem diálogo explícito e
7

nas estruturas de 3ª pessoa gramatical plural, com ou sem diálogo, na fala ou na escrita
(cf. Scherre et alii, 1998; 2002; Scherre, 2002). O enunciado “Corra, salte, ande e
deixe de fumar”4 ilustra bem o uso quase categórico do imperativo associado ao
subjuntivo no contexto discursivo escrito não-dialógico. Os poucos casos deste tipo
discursivo na forma indicativa vêm ancorados por algum elemento que assegura a sua
interpretação imperativa - um vocativo, por exemplo, como em “Fala, Brasil”5; vêm
inseridos em balões – para simular um diálogo; ou vêm acompanhados por outros
elementos icônicos, como o gesto que simula um telefone junto ao enunciado “Faz um
21!”.6 A obrigatoriedade da forma subjuntiva nos enunciados imperativos plurais se
ilustra em Jovens, envelheçam!7. Neste caso, nem a presença do vocativo permite a forma
e a leitura imperativa associadas ao indicativo. Somente o imperativo na forma
subjuntiva assegura a leitura imperativa nestes enunciados, mesmo nos diálogos da
língua falada.8

PRESENÇA/AUSÊNCIA DE VOCATIVO
À luz da linha de raciocínio de se assegurar leitura imperativa dos enunciados
gramaticalmente imperativos, foi considerada ainda a variável presença/ausência de
vocativo no contexto, que também se evidenciou estatisticamente significativa. De
forma consistente, embora com menor polarização, observa-se mais imperativo
associado ao indicativo na presença de vocativo na estrutura (“Psst! Não faz escândalo,
Cebolinha!!”): vocativo no enunciado imperativo contribui para assegurar a leitura
imperativa. Os resultados podem ser vistos na tabela 3.

Tabela 3 – Efeito do vocativo no uso do imperativo na forma indicativa


Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em
1998 e 1999 – Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo dos
indicativa fatores
Presença de vocativo 138/220 63% 0,59
Ausência de vocativo 224/416 54% 0,45
Total 362/636 57%
8

PARADIGMA VERBAL, TIPO DE OPOSIÇÃO ENTRE AS FORMAS VERBAIS,


PARALELISMO FÔNICO E NÚMERO DE SÍLABAS DO VERBO NA FORMA INFINITIVA

Uma quarta variável, por ora complexa, envolve os paradigma verbais, a


oposição interna entre as formas do indicativo/subjuntivo destes paradigmas e a
natureza da vogal precedente da forma verbal conjugada nos verbos regulares da
primeira conjugação. Esta variável não atende aos requisitos de uma análise
variacionista ideal, que busca critérios únicos na codificação das variáveis e procura
minimizar os parâmetros da variação (cf. Guy, 1998; Oliveira, 1987). Para aumentar a
complexidade da análise, entra em cena uma quinta variável - número de sílabas do
verbo na forma infinitiva – parcialmente sobreposta a esta quarta variável. Além disso,
há processos discursivos ainda não seguramente mensurados e ainda não reveladores do
ponto de vista estatístico. Estes processos envolvem, por exemplo, o verbo deixar, como
se vê em “Xá comigo!”. No paradigma dos verbos regulares da 1a. conjugação, este
verbo é um dos líderes de uso do imperativo na forma indicativa, mesmo em áreas
geográficas de baixa freqüência de imperativo na forma indicativa, como é o caso de
Salvador, onde se verifica cerca de 72% de imperativo na forma subjuntiva (cf.
9
Sampaio, 2001:54).
Antes da apresentação dos pesos relativos destas duas variáveis, faz-se
interessante a apresentação de alguns percentuais de uso do imperativo associado ao
indicativo em alguns verbos específicos, cujo objetivo é direcionar a leitura da
organização final dos fatores.
Os verbos monossilábicos dar e ir de paradigmas irregulares, com diferenciação
marcada apenas por uma vogal (dá/dê; vai/vá), apresentam, respectivamente, 95% e
78% de imperativo na forma indicativa (“Cebolinha, dá aqui essa maçã!”; Vai lá,
Mônica!). No extremo oposto, os verbos dissilábicos dizer e fazer, também de
paradigmas irregulares, com diferenciação entre as formas marcada por uma mudança
consonântica e acréscimo de uma vogal (faz/faça; diz/diga), apresentam um percentual
de imperativo na forma indicativa de, respectivamente, 44% e 14% (“Diga, Cascão!”;
“Faça algo, Magali!). Em outras palavras, nos paradigmas irregulares – os paradigmas
mais marcados –, vislumbra-se efeito diferenciado em função de uma menor (dá/dê;
vai/vá) ou maior marcação (faz/faça; diz/diga) na relação interna das formas verbais.
Portanto, na amostra analisada, os verbos irregulares não formam uma classe natural no
que diz respeito ao comportamento do fenômeno sob análise. A observação minuciosa
indica que há uma relação icônica: menor marcação interna implica tendência de uso do
9

imperativo menos marcado – a variante de tendência mais geral, que é a forma


associada ao indicativo; maior marcação interna implica tendência de uso da variante
imperativa mais marcada – a variante de tendência menos geral, que é a forma associada
ao subjuntivo, nas regiões sul, sudeste e centro-oeste, contexto em que se insere a
amostra analisada.
Os verbos olhar, deixar, esperar e imaginar, do paradigma regular da primeira
conjugação, ilustram com clareza o efeito igualmente diverso do número de sílabas e da
natureza da vogal precedente, já observado em dados do discurso falado (cf. Scherre et
alii, 1998). Como se vê a seguir, os verbos olhar e deixar – de duas sílabas – e os
verbos esperar e imaginar – de mais de duas sílabas – evidenciam comportamento
diferenciado com relação do tipo de forma gramatical imperativa. Distinguem-se, ainda,
em função da vogal precedente ser mais aberta em olhar (olha/olhe) e esperar
(espera/espere) e ser menos aberta em deixar (deixa/deixe) e imaginar
(imagina/imagine). Menor número de sílabas e vogal precedente mais aberta favorecem
imperativo na forma indicativa; maior número de sílabas e vogal precedente menos
aberta desfavorecem imperativo na forma indicativa. Estes quatro verbos ilustram
também o efeito não uniforme do paradigma regular da primeira conjugação – o
paradigma menos marcado –, em amostras de fala das regiões sul, sudeste e centro-oeste
e na amostra de escrita analisada.

Verbos específicos Freqüência da


forma indicativa

Olhar (duas sílabas, vogal precedente mais aberta) 94%


Deixar (duas sílabas, vogal precedente menos aberta) 89%

Esperar (três sílabas, vogal precedente mais aberta) 42%


Imaginar (três sílabas, vogal precedente menos aberta) 18%

Os resultados das tabelas 4 e 5 dão uma visão de conjunto do comportamento


dos verbos da amostra analisada, na linha de raciocínio esboçada acima.
1

Tabela 4 - Efeito do número de sílabas do verbo no infinitivo no uso do


imperativo na forma indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998 e
1999 – Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo
indicativa dos fatores
Monossílabos 63/ 91 69% 0,57
(dar, ir, vir, ler, pôr, ver, ser)
Dissílabos 229/358 64% 0,59
(olhar, deixar, ficar, dizer, abrir)
Trissílabos 61/155 39% 0,30
(esperar, apertar, desculpar, respirar)
Mais de três sílabas 9/ 32 28% 0,37
(imaginar, aproximar, aproveitar)
Total 362/636 57%

Tabela 5 – Efeito do tipo de paradigma verbal, do tipo de oposição entre a forma


indicativa/subjuntiva e do paralelismo fônico para verbos da 1ª conjugação no uso do
imperativo na forma indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998 e 1999
– Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da Peso relativo
forma indicativa Dos fatores
Oposição menos marcada – paradigma 72/ 93 77% 0,68
irregular (dá/dê; vai/vá; sai/saia; vem/venha;
põe/ponha)
Oposição menos marcada - paradigma especial 22/ 39 56% 0,66
(esqu∈ce/esqueça; corre/corra; s∈gue/siga;
sobe/suba)
Oposição mais marcada – Paradigma irregular 14/ 51 27% 0,16
(faz/faça; traz/traga; diz/diga;
vê/veja; pede/peça; sê/seja)
Paradigma regular mais marcado – 2ª e 3a 6/ 22 27% 0,36
conjugações (come/coma; abre/abra)
Paradigma regular menos marcado – 1a. 114/176 63% 0,63
conjugação vogal precedente [+aberta]
(fala/fale; olha/olhe; espera/espere)
Paradigma regular menos marcado - 1a. 134/255 53% 0,42
conjugação vogal precedente [–aberta]
(manda/mande; conta/conte; tenta/tente; vira/vire;
desculpa/desculpe)
Total 362/636 57%

A análise dos dados expressa nas tabelas 4 e 5 permite apresentar a seguinte


síntese:
1

1) verbos de uma ou duas sílabas na forma infinitiva favorecem imperativo


associado ao indicativo; verbos de três ou mais sílabas, desfavorecem-no. Os
verbos de uma e duas sílabas perfazem um total de 70% dos verbos analisados:
esta é por ora a motivação mais evidente para a interpretação do efeito dos
fatores desta variável, numa possível linha de influência da difusão lexical, a ser
futuramente investigada (cf. Oliveira, 1997);
2) verbos de paradigma irregular de oposição menos marcada (dá/dê, sai/saia,
vem/venha) favorecem o imperativo na forma indicativa – a forma menos
marcada (mais geral);10
3) verbos de paradigma especial (esquece/esqueça, sobe/suba), de oposição
considerada também menos marcada, favorecem o imperativo na forma
indicativa – a forma menos marcada (mais geral). A oposição entre estas formas
verbais envolve alternância entre uma vogal mais aberta e uma vogal menos
aberta do radical (esquece/esqueça, sobe/suba; sofre/sofra; repete/repita;
mente/minta; some/suma). A escolha da oposição reside apenas no radical,
tendo em vista que a realização final em –e [i] (repete) ou –a [a] (repita) é
dependente da vogal do radical;11
4) verbos de paradigma irregular de oposição mais marcada (faz/faça, traz/traga,
diz/diga, pede/peça) favorecem o imperativo na forma subjuntiva – a forma
mais marcada (menos geral);
5) verbos de paradigma regular mais marcado - 2a. e 3a. conjugações –
(come/coma; abre/abra) também favorecem o imperativo na forma subjuntiva –
a forma mais marcada (menos geral);
6) verbos de paradigma regular menos marcado - 1a. conjugação - manifestam sua
influência por meio de uma variável sutil, denominada paralelismo fônico: vogal
precedente mais aberta tende a favorecer vogal seguinte aberta – a realização
associada ao indicativo (espera; fala); vogal precedente menos aberta tende a
favorecer vogal seguinte fechada - a realização associada ao subjuntivo
(desculpe; mande) (cf. Scherre 1998; Scherre et alii 1998).

PARALELISMO DISCURSIVO
Scherre (1998) apresenta em detalhes o levantamento e as possibilidades de
interpretação da variável paralelismo lingüístico. Scherre et alii (1998) apresentam
mais uma evidência da variável paralelismo, agora no plano fônico, envolvendo a
1

expressão gramatical do imperativo - um fenômeno de natureza morfossintática. Esta


variável é postulada hoje como um universal de uso lingüístico e subjaz à tendência de
formas semelhantes ocorrerem juntas (cf. Schiffrin, 1981; Scherre & Naro, 1991).
À luz do aspecto geral e regular desta variável, a inclusão de um fator que
capturasse a influência do paralelismo no plano discursivo se fez imperiosa. E assim foi
feito. Os enunciados imperativos em série foram identificados. O âmbito de
determinação da série foi o espaço do quadrinho da revista, com um ou mais balões
representando a fala dos personagens. Detectada a ocorrência de duas ou mais formas
imperativas neste espaço, analisava-se separadamente a primeira da série e, a seguir,
que tipo de forma – indicativa ou subjuntiva – precedia as formas subseqüentes. As
ocorrências imperativas únicas nos quadrinhos foram codificadas como isoladas.
Resultados e exemplos podem ser vistos na tabela 6.

Tabela 6 – Efeito do paralelismo discursivo no uso do imperativo na forma


indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998
e 1999 – Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo
indicativa dos fatores
Imperativo precedido de imperativo na 38/ 43 88% 0,81
forma indicativa
(“Volta o filme, Mônica! Volta”)
Imperativo precedido de imperativo na 8/ 34 24% 0,14
forma subjuntiva
(Volte, Marina! Volte!)
Imperativo primeiro de uma série 34/ 62 55% 0,50
(“Volta o filme, Mônica! Volta”)
(Volte, Marina! Volte!!)
Imperativo isolado 282/497 57% 0,47
(Volte aqui!)
Total 362/636 57%

Os dados seriados são de número reduzido, mas os resultados são inequívocos:


em uma série, os enunciados imperativos subseqüentes tendem a ter a mesma forma do
enunciado imperativo precedente. Trata-se de uma restrição vigorosa (diferença de 0,67
entre os dois fatores de influência polarizada), que tem de ser controlada em todas as
análises de fenômenos lingüísticos com base em dados produzidos em circunstâncias
reais. Os resultados dos fatores primeiro da série (0,50) e forma isolada (0,47), com
valores próximos ao ponto neutro, indicam que esta variável tende a atuar da esquerda
para a direita, como aponta a maioria das pesquisas. Se houver influência da direita para
1

a esquerda, espera-se que o fator primeiro de uma série funcione de forma diferente do
fator forma isolada (cf. Scherre, 1998; Scherre & Naro, 2003). O paralelismo fônico
funciona de forma semelhante (ver tabela 5). A natureza da vogal precedente atua na
qualidade da vogal subseqüente nos verbos regulares da primeira conjugação: vogal
precedente mais aberta favorece vogal seguinte aberta (imperativo associado ao
indicativo); vogal precedente menos aberta favorece vogal seguinte fechada (imperativo
associado ao subjuntivo).

VARIÁVEIS NÃO LINGÜÍSTICAS


Faraco (1986:5-8) afirma que o par canta/não canta - no contexto discursivo do
pronome você – é específico do português brasileiro. Apresenta ele a hipótese de que
este par tenha surgido da especialização pragmática da forma negativa não canta,
estendida posteriormente à forma positiva canta: “as formas canta/não canta ocorrem
no português brasileiro fundamentalmente como um recurso de reforço da força
ilocucional do ato de fala”: reforço de uma ordem (uma ordem rude), reforço de relação
interacional de solidariedade (um pedido atenuado), reforço de traço de não-simetria da
relação interacional (uma súplica humilde). Para Faraco (1986:13), “o fato de o falante
escolher uma ou outra das formas não quer dizer que ele está trocando a forma do
interlocutor [se tu ou você]. A escolha é entre formas marcadas [canta/não canta] e
formas não marcadas [cante/não cante]”. Faraco (1986:13) considera, portanto, que

tivemos de fato uma mudança na função da forma. Em vez de desaparecer – o que seria, de
certo modo, previsível diante da amplo predomínio de você sobre tu no Brasil – aquele par de
formas [canta/não canta] sobrevive, mas como um valor diferente na língua.

A variável atos de fala na forma prevista por Faraco (1986) foi controlada nesta
análise, mas, até o presente momento, não foram obtidos resultados consistentes, nem
com relação à significância estatística nem com relação à coerência dos resultados.
Como se trata de uma variável de difícil controle, a codificação feita será submetida a
posterior revisão antes de que seja apresentada nova linha de raciocínio. Contudo, é
oportuno ponderar que a questão do que é um ato de fala marcado ou não marcado
atualmente, em termos de enunciados imperativos, tem de repensada, levando-se em
consideração a especificidade de cada localidade. Em Salvador, por exemplo, em que se
observa um percentual de 72% de imperativos na forma subjuntiva (cf. Sampaio,
1

2001:79-80), é bem provável que o mais marcado seja o imperativo na forma


indicativa. Todavia, em Brasília ou no Rio de Janeiro, também por exemplo, em que o
imperativo associado ao indicativo pode chegar a 98% (Rodrigues, 1993; Morais, 1994-
12; Scherre et alii, 1998; Sampaio, 2001:109), é mais provável que o imperativo na
forma subjuntiva é que seja usado ou percebido como forma marcada. No português
brasileiro falado contemporâneo, é perfeitamente previsível que determinado tipo de
entonação seja um mecanismo mais produtivo para indicar atos de fala imperativos
marcados.
Ainda com o objetivo de capturar influência de aspectos de natureza não
lingüística, a presente análise tomou os próprios personagens das histórias como uma
variável independente. Novamente o trabalho de Leite (1994) inspirou a análise desta
variável. Naquela época, Leite evidenciou mais uso do imperativo na forma indicativa
por personagens autoritários e mais uso imperativo na forma subjuntiva por
personagens passivos, evidenciando indiretamente matizes semânticos -
realis/diretividade vs. irrealis/indiretividade - que possam estar envolvendo as duas
variantes.
Utilizando-se maximamente das possibilidades dos programas Varbrul, foi feita
uma codificação detalhada, controlando os personagens principais, os pais dos
personagens principais e dos personagens secundários, os personagens com marcas
explícitas de fala rural, os personagens secundários com nome e sem nome na história,
os personagens indígenas e os pré-históricos, os personagens virtuais (do outro mundo),
os personagens representando o reino animal e o reino inanimado. O principal objetivo
desta codificação foi capturar, na fala dos personagens, reflexos da própria
caracterização dos modos, em termos de assertividade ou de não-assertividade,
normalmente associada, respectivamente, aos modos indicativo e subjuntivo. Os
resultados desta variável, de forma sintetizada, podem ser vistos na tabela 7.
A fala dos personagens da área rural favorece a expressão do imperativo na
forma indicativa, que é também a forma predominante no vernáculo das regiões sul,
sudeste e centro-oeste (cf. Rodrigues, 1993; Morais, 1994; Scherre et alii 1998; 2000;
Ferreira & Alves, 2000; Bonfá, Pinto e Luiz, 1997:10-11). Estes personagens
representam a expressão da linguagem com menos pressão social e com menos
monitoração (Seus moleque danado! Dexa as minha mixirica im paiz!) - o eixo do
vernáculo no sentido laboviano (cf. Labov, 1975:208). Efeitos relacionados ao eixo do
vernáculo podem também estar subjacentes à tendência de uso do imperativo na forma
1

subjuntiva na fala dos personagens indígenas, pré-históricos e virtuais, possíveis


representantes do não-vernáculo das supracitadas regiões.
1

Tabela 7 – Efeito das características dos personagens das histórias


No uso do imperativo na forma indicativa
Diálogos de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica publicadas em 1998 e 1999 –
Contexto discursivo do pronome você
Fatores Freqüência da forma Peso relativo
indicativa dos fatores
Personagens com traços de fala rural
Chico Bento
47/ 51 92% 0,90
Demais personagens de fala rural
41/ 64 89% 0,81
Indígenas e pré-históricos
8/ 20 40% 0,20
(Cafuné, Papa-Capim, Piteco e outros)

Virtuais 11/ 33 33% 0,26


(Dona Morte, Penadinho, Zé Vampir e outros)

Personagens principais
(Mônica, Cebolinha, Cascão Magali) 135/216 63% 0,55

Pais e tios de personagens principais e 62/121 51% 0,44


personagens secundários com nome

Pais e tios de personagens secundários e 32/ 93 34% 0,23


personagens secundários sem nome
Personagens não-humanos 26/ 56 46% 0,40
(Animais: Bidu, Mingau, Jotalhão e outros)
(Inanimados: flores, pedras, sanduíche, frutas e
outros)
Total 362/636 57%

Com relação aos demais personagens, levanta-se a hipótese do eixo da


assertividade para entender, por exemplo, o favorecimento relativo do imperativo no
indicativo na fala dos personagens principais (0,55) e na dos pais/ tios dos personagens
principais e personagens com nome na estória (0,44), em contraposição ao seu
desfavorecimento na fala de personagens secundários e sem nome na história (0,23). O
efeito associado aos personagens não-humanos e não-animados (0,40) ainda carece de
interpretação consistente, na linha do raciocínio aqui desenvolvido. Novas análises
ainda precisam de ser levadas a cabo para estes e, também, para os demais personagens.
1

SÍNTESE:
¾ FAVORECEM RELATIVAMENTE O IMPERATIVO NA FORMA INDICATIVA:

1) estruturas afirmativas (Faz o gol!);


2) estruturas com me antes do verbo (Agora, me conta...);
3) presença de vocativo nas estruturas (“Psst! Não faz escândalo, Cebolinha!!”);
4) verbos com menos sílabas na forma infinitiva (dar, ir, vir, ler; olhar, deixar);
5) paradigmas irregulares de oposição menos marcada (dá/dê, sai/saia,
vem/venha, esquece/esqueça, sobe/suba) e verbos regulares da 1a. conjugação
com vogal precedente mais aberta na forma conjugada (espera, fala, olha);
6) imperativo precedido por imperativo na forma indicativa;
7) fala de personagens que simbolizam o vernáculo ou que têm mais destaque nas
histórias.

¾ FAVORECEM RELATIVAMENTE O IMPERATIVO NA FORMA SUBJUNTIVA:

1) estruturas negativas (Da próxima vez, não fale a verdade!);


2) estruturas com se antes do verbo (... e si alembre...) ou estruturas com clítico
depois do verbo (Permita-me demonstrar!, Divirta-se!);
3) ausência de vocativo nas estruturas (Volte aqui!);
4) verbos com mais sílabas na forma infinitiva (imaginar; experimentar; esperar);
5) paradigmas irregulares com oposição mais marcada ou paradigmas regulares
mais marcados (faz/faça, traz/traga, diz/diga, pede/peça; vender, abrir) e
verbos regulares da 1a. conjugação com vogal precedente menos aberta na
forma conjugada (desculpe, mande, conte, vire);
6) imperativo precedido por imperativo na forma subjuntiva;
7) fala de personagens que simbolizam o vernáculo ou que têm menos destaque
na histórias.

CONCLUSÃO
As análises do imperativo no português brasileiro revelam um sistema
inerentemente variável, sem ligação evidente com a pessoa verbal, mas com sutilezas
que estão sendo atualmente descritas. Análises levadas a cabo, entre as quais esta se
insere, evidenciam distanciamento considerável entre norma e uso no português
brasileiro contemporâneo falado e escrito. Em verdade, a norma da tradição gramatical
reflete o uso do português europeu, o uso do português brasileiro de épocas anteriores e
o uso parcial do português brasileiro contemporâneo. A fala de aproximadamente 110
milhões dos cerca de 170 milhões de falantes do português brasileiro e a escrita de
autores brasileiros os mais diversos não se encontram contempladas nos registros da
tradição gramatical (cf. Scherre, 2002). A análise apresentada neste texto demonstra, em
especial, que restrições que governam a variação na fala governam também a variação
1

na escrita, reforçando-se a existência de um processo de mudança em curso, já bastante


avançado nas regiões sul, sudeste e centro-oeste.
Com criatividade e sensibilidade, os diálogos das revistas em quadrinhos
genuinamente brasileiras de Maurício de Sousa, nas suas versões do final do século XX,
deixam refletir o vernáculo contemporâneo de cerca de dois terços dos falantes do
português brasileiro. Os diálogos das 10 primeiras histórias da Turma da Mônica,
escritas no início da década de 70 e republicadas em 2002, com a manutenção de todas
as características da época de publicação, sob análise em andamento, revelam um
percentual de apenas 8% do imperativo na variante indicativa, em um texto repleto de
pronomes átonos à direita do verbo – o que reflete outra fase do português no Brasil,
ainda sem todos os matizes do português brasileiro. Em síntese, esta modalidade de
escrita documenta de forma singular a complexa e rica rede de fatores que operam na
variação e na mudança lingüística.
A nova norma estabelecida, sem relação evidente com o tipo de pessoa verbal,
ocupa os espaços escritos, pelo fato de não ser marcador de classe social e de não se
encontrar envolvida em processos de estigma ou de (auto)avaliação negativa. Assim, a
despeito do ensino gramatical, os falantes das regiões sul, sudeste e centro-oeste usam
naturalmente o sistema adquirido em circunstâncias naturais e a naturalidade deste
sistema se reflete com precisão na prosa e no verso da escrita contemporânea dos mais
diversos autores brasileiros, entre os quais se inserem Maurício de Sousa e sua equipe.

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2

[2] SOBRE O IMPERATIVO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO


CONTEMPORÂNEO FALADO
AS REGIÕES SUL, SUDESTE E CENTRO-OESTE APRESENTAM USO GENERALIZADO DO
IMPERATIVO ASSOCIADO ÀS FORMAS DO MODO INDICATIVO EM CONTEXTO
DISCURSIVO DO PRONOME VOCÊ

Portanto, no uso efetivo, podemos ter, por exemplo, a predominância das


formas:
♦ falA, abrE, faz, para o imperativo afirmativo singular, no contexto discursivo do
pronome você

2.1 Uso do imperativo: diferenciação geográfica em diálogos da língua falada

♦ 100% de forma indicativa na fala espontânea de Goianésia – centro-oeste – do


final da década de 90 - contexto exclusivo do pronome você (Ferreira & Alves,
2001)
♦ 95% a 98% de forma indicativa na fala espontânea de Brasília – centro-oeste –
da década de 90 - contexto de predominância do pronome você (Scherre et alii,
1998; Rodrigues, 1993)
♦ 98% de forma indicativa na fala do Rio de Janeiro – sudeste – em diálogos de
mãe-filho da década de 80 - contexto de alternância dos pronomes você/tu
(Morais, 1994:12)
♦ 94% de forma indicativa na fala do Rio de Janeiro – sudeste – em entrevistas
da década de 90 - contexto de alternância dos pronomes você/tu (Sampaio,
2001:109; Paredes Silva, 1998)
♦ 100% de forma indicativa na fala espontânea de Florianópolis – sul – da década
de 90 - contexto de alternância do pronome tu/você (Bonfá, Pinto & Luiz,
1997:10-11; Loregian, 1996:21)
♦ 28% de forma indicativa na fala de Salvador – nordeste – em entrevistas da
década de 90 - contexto de predominância do pronome você (Sampaio, 2001:79-
80)
♦ 34% de forma indicativa na fala de João Pessoa – nordeste – em entrevistas da
década de 90 - contexto de predominância do pronome você (Alves, 2001:54)
♦ 100% de forma indicativa na fala espontânea de Lages – sul – da década de 90 -
contexto exclusivo do pronome você, paradoxalmente, em interações de menor
intimidade; 0% de forma indicativa na fala espontânea de Lages – sul – da
década de 90 - contexto exclusivo do pronome você, paradoxalmente, em
interações de maior intimidade (Bonfá, Pinto & Luiz, 1997:10-11)
2

2.2 Uso do imperativo: diferenciação de tipo e formalidade do evento de fala em


diálogos de língua falada e em diálogos de discurso falado da década de 90
(Scherre et alii, 1996:8;10)

Tipo e formalidade do evento de fala Freqüência da


forma indicativa
♦ evento informal de fala natural 93%
♦ evento formal de fala natural 79%
♦ eventos de fala de programas de televisão 88%
♦ eventos de fala de um talkbook 38%

2.3 Uso do imperativo: diferenciação etária em diálogos de língua falada e em


diálogos de discurso falado da década de 90
♦ em amostra diversificada (Scherre et alii, 2000):
Faixa Etária Freqüência da forma indicativa
Menos de 15 anos 100%
15-30 anos 93%
31-45 anos 85%
46-60 anos 70%

♦ na fala de Salvador (Sampaio, 2001:102)


Faixa Etária Freqüência da forma indicativa
20-35 anos 42%
36-55 anos 24%
Mais de 55 anos 22%

♦ na fala do Rio de Janeiro (Sampaio, 2001:121)


Faixa Etária Freqüência da forma indicativa
20-35 anos 100%
36-55 anos 90%
Mais de 55 anos 94%

• *
Agradeço à Ana Mattos e à Daisy Bárbara Borges Cardoso pela leitura atenta do manuscrito
deste artigo e pelas correções e sugestões valiosas. Agradeço também a Eduardo Brasil, pela
participação ativa nas fases iniciais da pesquisa, como bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Eventuais equívocos de análise ou de redação são, todavia, de minha inteira responsabilidade..
1
As 15 revistas da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, publicadas pela Editora Globo em
1998 e em 1999, são: três da Mônica - números 75, 140 e 154; três do Cebolinha - números 52, 54 e 141;
três do Cascão - números 46, 53 e 54; três da Magali - números 21, 22 e 23; três do Chico Bento -
números 46, 52 e 54.
2

2
(.... ) it is the comparison of the effects of any two factors in a factor group (as measured by
their difference) which is important, and not their individual values.”(Sankoff:1988a:989).
3
Interpretação semelhante para os dados de Salvador foi feita por Sampaio (2001) com base no
princípio de coesão estrutural proposto por Dante Lucchesi (2000)..
4
Correio Braziliense, 25 de junho de 1999. Manchete do Caderno Mundo.
5
Propaganda do Governo Federal, em 1998.
6
Propaganda da Embratel, empresa de telefonia no Brasil.
7
Correio Braziliense, 8 de novembro de 2001, Opinião, p.4.
8
São 54 os casos de plural nas 15 revistas analisadas, todos na forma subjuntiva: Esperem um
pouco! Os casos que ocorrem no escopo de sempre e nunca só se encontram também na forma
subjuntiva: Sempre guarde um tijolo na bolsa! Nunca mais fale comigo. Estes casos serão retomados em
análises futuras.
9

Quando participei da banca da dissertação de Sampaio, com muita honra e satisfação, refiz por
curiosidade a contagem dos dados e verifiquei que, nos dados de Salvador que constam dos anexos da
dissertação, o verbo deixar se apresenta com mais formas imperativas associadas ao indicativo -
18/40=45% -, do que o verbo olhar, outro verbo com, relativamente, mais formas associadas ao
indicativo (65/211=31%). Os dados de Salvador exibem um percentual médio de 28% de formas
imperativas associadas ao indicativo.
10
Estão sendo levantados mais dados das revistas da Turma da Mônica. Quando houver dados
suficientes, serão feitos subagrupamentos de verbos em termos de classes morfológicas ainda mais
naturais, a saber: sai/saia, lê/leia, por um lado, e vem/venha; põe/ponha; tem/tenha, por outro, que
envolvem, segundo a presente análise, diferenciação em termos de semivogais não-nasalizadas e
nasalizadas, respectivamente.
11
Em outro momento, vamos discutir em mais detalhes o efeito destas duas variáveis no discurso
escrito e no discurso falado. As semelhanças são mais evidentes do que as diferenças, mas há diferenças.
Os dados de discurso falado analisados até o presente momento indicam que os verbos de paradigma
especial têm comportamento semelhante ao dos verbos de paradigma irregular de oposição mais marcada
(ambos desfavorecendo, relativamente, a variante imperativa no indicativo) e que o número de sílabas
apresenta um efeito mais contundente, com uma posição muito polarizada entre verbos monossílabos, por
um lado (0,71), e verbos de mais de três sílabas, por outro (0,12) (cf. Scherre et alii, 2000).

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