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INTRODUÇÃO: A TRAIÇÃO TEM PERDÃO?

Esse, com certeza, é um dos temas que mais aparecem.


Neste ebook, quero esclarecer e descrever melhor o tema
da traição — não somente traição amorosa, mas também
a traição que cometemos que envolve familiares, amigos.

Também pretendo responder a algumas perguntas de


vocês: “É possível amar alguém e, ainda assim, traí-lo(a)?”;
“A traição tem perdão? Por que?”, dentre outras que são
recorrentes. Começaremos, então, a esclarecer, neste
ebook, esse assunto a partir de agora!
RESPOSTA ANTECIPADA : SIM,
MAS O PERDÃO NÃO É TUDO

Sim. A resposta é essa: sim.



Antes de esclarecer o motivo pelo
qual a resposta é sim, é importan-
te que você perceba que a própria
pergunta: “é possível amar alguém
e ainda assim trair?” revela algo
importantíssimo — e que muitos
talvez não perceberam.

Revela o quê?

Revela o fato de que a maioria das


pessoas não entende qual é o
mecanismo principal das relações
humanas. Como as relações
humanas funcionam? Já parou
para pensar sobre isso?

O comportamento humano
diante da realidade é muito dife-
rente daquele imaginado pelas
pessoas que fazem essa pergunta
da qual estamos falando.

Para ilustrar a resposta dada,


vamos usar um exemplo
conhecidíssimo — e bíblico!
SÃO PEDRO, O PRÍNCIPE
DOS APÓSTOLOS
São Pedro, escolhido por Cristo para
ser a pedra fundamental de Sua Igreja, o
mais importante dos Apóstolos, amava
profundamente Cristo. Isso não podemos
negar. Os Evangelhos narram isso e, atra-
vés deles, podemos ver que, realmen-
te, Pedro nutria um verdadeiro amor por
Cristo, como é evidente quando vemos
seus atos narrados nos Evangelhos —
apesar da sua impetuosidade.

Mas… O que São Pedro tem a ver
com o que estamos falando?

Voltando o nosso olhar sobre aqueles


momentos no sinédrio, onde o Cristo era
acusado e apontado como criminoso por
ter dito que era o Filho de Deus, vemos
entrar em cena aquele mesmo Pedro
que, poucas horas antes, havia dito ao
seu Mestre que O seguiria onde quer que
Ele fosse.

No entanto, o que ocorre? Todos nós
nos lembramos. Pedro comete não ape-
nas um, mas três atos seguidos de trai-
ção, previstos por Cristo na Última Ceia.
Vamos relembrar? Leia com atenção, eu
trouxe alguns detalhes importantes.
Em um dado momento, alguns anos atrás, havia ali três ho-
mens. Eles estavam em um barco, extremamente desolados,
descontentes com a vida, e o motivo era uma oportunidade
de mudar de vida que deixou de existir.

Todos os três tinham um amigo em comum que era um cara


incrível. Esse amigo havia apresentado uma oportunidade
para aqueles três que estavam no barco: ele mudou a cabe-
ça deles da água para o vinho. Os três se tornaram pessoas
muito melhores por conta desse amigo.

E esse amigo prometeu mundos e fundos para eles, dizendo


que tudo seria diferente – só que ele foi assassinado. Então,
você imagina a situação daqueles três: completamente de-
solados, sem rumo... O cara que prometeu que iria fazer tudo
por eles, morreu. E eles haviam abandonado a profissão de-
les.
Eles ficaram completamente perdidos. E, daqueles três,
havia um que não estava só com o olhar perdido: ele estava
com um olhar destruído. Porque ele, de alguma maneira, se
sentia cúmplice daquele assassinato.

Ele ficava martelando no pensamento que, em determina-


do momento, ele teria tido a oportunidade de ajudar aque-
le amigo, de o ter honrado, de ter falado: “Não... Eu sou teu
amigo. Eu estou aqui, do teu lado”, mas ele teve medo. Teve
medo de morrer também, e aí acabou abandonando aquele
amigo na hora H.

Na hora em que o amigo que morreu mais precisou, ele o


traiu. Abandonou aquele amigo. Aquele amigo que ele falou
que não iria abandonar nunca e, na primeira oportunidade,
o abandonou.

Então, você imagina o sentimento gigantesco de culpa


que ele carregava. Esse homem pensava nisso enquanto
estava ali naquele barquinho... Com o olhar meio perdido, ele
olha para a beirada do lago em que eles estavam e há um
homem na praia, acendendo um fogo e assando um pei-
xe.
Daqueles três que estavam no bar-
co, o mais jovem, que tinha a vista
melhor, percebe aquele movimento
na praia... fita aquele homem com
vontade e fala: “Esse homem não
me é estranho”.

Eis que o mais velho se desespe-


ra, na hora que ele vê o homem na
praia: “Será que é ele? Será que é
aquele amigo que foi morto, que
foi assassinado?”. Ele veste a roupa
rápido, cai na água e sai nadando
desesperadamente.

Ele chega na margem, ofegante. E,


quando ele se aproxima, era exata-
mente aquele amigo. Aquele amigo
assassinado. Ele olha para o amigo
com um olhar inexplicável, e aquele
amigo diz para ele: “Tu me amas?”

E ele fala: “Sim, Senhor, eu te amo”.


Aquele amigo olha de novo e fala
assim “Pedro, tu me amas?”. Pedro
responde: “Sim, Senhor, eu te amo”.
Ele olha pela terceira vez a ele e
fala: “Pedro, tu me amas mesmo?”
Ele fala: “Senhor, Tu sabes tudo, Tu
sabes de todas as coisas, Tu sabes
que eu te amo. Eu te amo mesmo”.
Naquele momento ali, Jesus não questiona o porquê de
Pedro o ter traído. Ele não questiona por que Pedro O havia
negado... Jesus poderia ter pedido o seguinte a Pedro: “Pe-
dro, senta aqui. Converse comigo. Por que você me negou?
Você prometeu que iria comigo até a última das circunstân-
cias e, na primeira das oportunidades, você falou que não
me conhecia. Por quê?”

Jesus não perguntou nada disso. Jesus só perguntou uma


coisa: “Tu me amas?” Depois das 3 perguntas, Jesus olha
para ele e fala: “Então vai e apascenta as minhas ovelhas”.

Pedro, o líder dos apóstolos, que não podemos acusar de


não amar a Cristo, porque deixa o seu trabalho como pes-
cador para, junto ao Cristo, tornar-se pescador de homens, e
que a Ele jura seguir até o fim, O trai nesse momento crítico.
Podemos dizer que não amava a Cristo? Não.

O ato de reconstrução, após uma traição, não é olhar para


aquele ser humano que está diante da gente. O ato de re-
construção é olhar para aquele ser humano que pode se
tornar, para quem ele pode ser. É aquele olhar que transcen-
de a carne daquele ser humano que está diante de você.
O Cristo olha para um pecador – aquele pesca-
dor simples, um homem comum, um pescador.
Jesus olha para ele e diz: “Tu vais ser pescador de
homens”. “Tu és Pedro”, tu és rocha. O Cristo não
estava olhando para ele. Estava olhando através
dele.

Você não vai conseguir perdoar, você não vai


conseguir recomeçar, depois de todas as brigas,
todas as humilhações, todas as broncas, todas
as coisas de errado que ele fez, todas as coisas
de errado que você fez... Vocês não vão conse-
guir recomeçar. Vocês não vão nem começar.
Não tem jeito.

Sem esse exercício de sair de si e olhar para o


outro com esse olhar descrito acima, não tem
como. É por isso que o seu ato tem que passar
por esse movimento. “Você me ama?”
Agora ficou claro o motivo de ter escolhido este evento
para ilustrar a resposta dada no capítulo anterior?

E, agora, chegamos a um dos pontos centrais desse


ebook: não existe virtude quando não há a possibilidadede
não exercê-la.
NÃO EXISTE VIRTUDE SEM A
OPORTUNIDADE DE NÃO TÊ-LA

O que pensar, então, daqueles que dizem
serem fiéis, leais em seus casamentos?

“Ah, eu sou fiel!”, mas em que condições a pessoa que
afirma isso está? Quais as circunstâncias ao seu redor?

Vamos supor que seja um homem. Analisando a situa-


ção do sujeito, vemos que ele está pobre, endividado, feio,
esculhambado, gordo, preguiçoso… Acho que é evidente o
motivo de por que ele “é fiel”, certo?

Ele “é fiel” porque nenhuma outra pessoa o quer.
Na circunstância em que ele está, é fácil que seja fiel.

É preciso, para comprovar que há virtude, que, na
oportunidade de não exercê-la, o sujeito tenha preferido
a virtude à traição dela.
“Sou um homem justo”, você
já teve a oportunidade de não
sê-lo? Se não, não pode afir-
mar que é justo. Se você, so-
zinho, encontra um maço de
dinheiro, pega-o e procura o
seu dono e o entrega, aí, en-
tão, você foi um homem justo,
porque, tendo a oportunidade
de ser injusto, preferiu a Justi-
ça.

Sem a oportunidade da
não virtude, não existe virtude.

A maioria das pessoas


não tem a oportunidade da
não virtude, e quando tem a
oportunidade, é uma “opor-
tunidade” — tão fraca que
seria melhor não a ter tido.

“Sou fiel. Um pedreiro
me assobiou na rua e eu não
olhei.” Isso não é exemplo de
fidelidade.

Portanto, só somos virtuo-
sos quando, na oportunidade
de negar a virtude, a preferi-
mos a qualquer outra coisa
mais “vantajosa”.
A OPORTUNIDADE É CRIADA COM
A DESATENÇÃO NO DIA A DIA

Vou contar uma outra história para vocês:


você já deve ter conhecido alguém assim. O
Carlos é um cara bom, comprometido com
seu trabalho, que entrega bem, é equilibrado e
trabalha na mesma empresa que você.

Ao conversarem, na hora do cafezinho, ele


sempre fala “eu não posso trair minha espo-
sa, eu sou um homem fiel”. Realmente, ele tem
uma bela esposa, são uma família decente e
honesta como tantas outras.

Todos os dias, ele vai embora sempre no mes-


mo horário, uma vez que ele sempre faz o que
precisa cumprir no prazo. Nessa hora, vem a
secretária dele e fala “você me dá uma caro-
na?” Ele pensa: “é só uma carona”. Ela fala que
mora perto dele, ele fica um pouco reticente
(“eu não posso ter interação com uma mulher
que minha esposa não conheça”). Ele sabe
que ele não pode. Ele tem esta consciência
moral, de que é uma interação que não é no
trabalho, com uma mulher que não é a dele.
É uma interação boba, mas que pode gerar uma imagem
ruim. Ele iria, por acaso, dar carona para a secretária e, em
seguida, falar para sua esposa: “meu bem, eu dei carona
para uma fulana”? Não, certo? A esposa dele iria brigar e ele
não iria voltar a fazer. Só que ele não vai contar.

Porque ele sabe que a esposa vai brigar. Porque ele sabe
que é errado e ele sabe que não é a esposa quem está fa-
lando que é errado – é moralmente errado e ele sabe disso.
Porque ele abriria essa porta? Isso é olhar para a verdade e
negá-la.

Ele olha para a realidade, a consciência o alerta, mas ele


nega. Ele dá carona. Dá carona uma segunda vez. Dá caro-
na uma 3° vez. Na 4° vez, ela pede um beijo a ele. E o que ele
faz? Ele dá. Porque ele já abriu mão dos preceitos morais lá
atrás. Ele abriu mão de toda a moralidade ao negar o errado
no começo.

Ele se entrega e dá o beijo. Daqui a pouco, ela fala “eu não


quero só um beijo, eu quero ir pra cama com você”. Ele diz
que é um homem casado. Ela diz que já se beijaram mes-
mo... Consegue ver onde isso vai parar? Até onde uma pe-
quena negligência pode chegar?
Isso vai escalonando. Talvez
isso não aconteça exata-
mente assim com você, mas
é uma possibilidade aber-
ta a todo ser humano. Pode
acontecer com qualquer um,
fisiologicamente falando. Eu
ou você não somos melhores
que o Carlos da história.

Se você não sabe por que seu


marido te traiu ou por que sua
mulher te traiu, a raiz é sem-
pre essa: lá atrás, ele(a) abriu
mão de um preceito moral
que ele(a) sabia que não po-
deria abrir. Ele(a) sabia que
não podia abrir mão daquele
princípio moral – e abriu.

Essa ação “impensada” de-


corre do imaginário corrom-
pido. Há quem fale: “não é
assim”. Você pode até argu-
mentar isso agora, mas é por-
que você está se utilizando da
sua inteligência, não do seu
imaginário.

E, quando você usa sua inte-


ligência, é muito fácil tomar
sua decisão. Porque quan-
do você usa sua inteligência,
você usa a sua moral. Ao se
utilizar do imaginário para to-
mar uma decisão rápida (em
regra, é assim que acontece),
você tropeça e cai por não ter
boas referências.
A solução? Mantenha, no seu dia a dia,
ao seu alcance, pequenas leituras ou pe-
quenos vídeos sobre pessoas que tenham
sido realmente boas. Pessoas nas quais se
pode buscar ter como um exemplo. Pes-
soas com ações dignas e corretas – não
perfeitas, mas que buscaram a perfeição.
Essa é a melhor forma de “limpar” o seu
imaginário corrompido pela cultura da
atualidade.

A traição é, sim, uma possibilida-


de para todos nós. Em gêneros musicais
como o sertanejo, grande parte das letras
das músicas fala sobre traição. Até mes-
mo em outros gêneros musicais. Em no-
velas. Em filmes. Se você se mantém ou-
vindo, internalizando e reabsorvendo esse
tipo de cultura, a traição logo será algo
inaceitável para você.

Mas, a realidade é que a traição não é


apenas contra o cônjuge. Você pode trair
a confiança de um amigo. Pode trair uma
promessa sua.

A traição, ao fim e ao cabo, é contra seus


princípios – contra sua biografia, no fim
das contas. Mas há como reparar essa
biografia manchada. Sempre há uma re-
denção para quem a busca.
ENTRE HITLER E SÃO MAXIMILIANO:
ATROCIDADE X SANTIDADE

Não adianta espernear, gritar, se persignar


ou protestar: todos nós temos a capacida-
de de cometermos as maiores atrocidades
e horrores, ou sermos exemplo de santi-
dade e de virtude. Dentro de nós há esses
dois polos.

Para ser didático, podemos usar o


exemplo de duas figuras do século XX: Hi-
tler, o genocida e grande ditador da Ale-
manha, e São Maximiliano Kolbe, sacerdo-
te preso em um campo de concentração,
que oferece a sua vida em lugar da de um
judeu pai de família.

Eu posso ser um novo Hitler ou um


novo São Maximiliano. Nós temos essa po-
tencialidade.

É necessário, portanto, tirar da cabeça


a ideia de que não seríamos capazes de
fazer algo. Isso nos amputa a realidade.

Colocando os pés no chão e pensando


bem, sabemos que, se tivéssemos a opor-
tunidade, poderíamos fazer igual — ou pior.
E isso é importante pelo seguinte motivo:

É impossível entender o movimento
da traição se não olhamos para esse fato
de que somos capazes de errar.
Apenas duas pessoas, em toda a história hu-
mana, não se incluem nessa regra. Com exce-
ção desses dois judeus, todos temos pecados
dentro de nós mesmos.

Se São Pedro, que viveu com o Verbo En-
carnado diariamente e que, num momento de
tensão, foi capaz de traí-Lo, imagine o que nós
não faríamos, nós que somos menores que ele!

O movimento de traição vai ocorrer de for-
ma recorrente em nossa vida.

Cada um de nós sabe quem somos de


verdade. Eu sei de mim, você sabe de você.

Se eu sei que sou incapaz, fraco, débil…


ao olhar para o outro, verei o outro com esses
mesmos adjetivos. Colocar-se no lugar do ou-
tro, que é falho, portanto.
Colocar-se no lugar do outro
não é, então, a primeira coisa
a ser feita.

E qual a primeira coisa a
ser feita?

Admitir, diante da realida-
de, que eu sou capaz de trair
o outro. Somente se reconhe-
cendo capaz de trair é que
você se torna capaz de lutar
contra isso. Sempre se come-
ça um exorcismo chamando
o demônio pelo seu nome.

Tenho uma blusa em que


está escrita uma frase mui-
to dita por Winston Churchill,
a frase “Si vis pacem, para
bellum”. “Se queres a paz,
prepara-te para a guerra”.

Então, assim como a paz
é fruto direto da guerra, a vir-
tude é fruto da guerra contra
si mesmo — e nem sempre
você irá vencer.
O DIVÓRCIO É A DESISTÊNCIA DE SI MESMO

Qual é a pior decisão possível para quem


está num momento de desafio? É a de de-
cidir ser um desertor.

O homem ou uma mulher que decidem


abrir mão da palavra dada se torna exa-
tamente isso: um desertor. Em épocas de
guerra, quando nós temos um desertor —
ou seja, aquele que decide desistir — a sua
punição é a morte.

Em épocas de guerra, a punição para o


desertor é a morte. Por quê? Porque o de-
sertor é aquele que é inimigo dos seus ini-
migos e inimigo dos seus amigos. Ele é o
que a gente chama de persona non gra-
ta. Ele continua sendo contra os inimigos,
mas também, a partir daí, ele é contra os
próprios amigos.

Não achem vocês que a desistência do


casamento vai trazer paz – pelo contrário.
A única coisa capaz de trazer paz para o
casamento é enfrentar a guerra.

Do contrário, serão um homem e uma


mulher destinados à morte, independen-
temente do que aconteça. Não pode se
refugiar com os amigos, não pode se refu-
giar nos inimigos: está destinado à morte.
O desertor não desiste da guerra, ele de-
siste de si mesmo. Um homem ou uma
mulher que se decide por terminar o ma-
trimônio não está desistindo do matrimô-
nio: ele está desistindo de si mesmo.
A solução para o movimento do desertor é o serviam. O que
é o serviam? O serviam é uma espécie de convocação, de
compromisso. Um chamado ao compromisso: “eu vou lutar,
eu vou para a guerra. Eu não serei um desertor.” Serviam sig-
nifica “servirei”, no futuro. Servirei. Eu servirei.

Essa palavra, serviam, carrega um peso enorme, como quem


diz “eu não serei um desertor”. Essa palavra é como aque-
le homem que acorda às 3 da manhã ao som de bombas e
tiros… tenho uma história pessoal parecida com isso.
A GUERRA E O CASAMENTO
Foi uma experiência quase teatral. Servi ao Exército em 2014-
2015. Em 2014, fiz um curso de formação de oficiais, e, nes-
se curso, ao final, havia uma imersão de 4 dias no meio do
campo. Foi ordenado que passássemos 4 dias e 3 noites no
meio do mato, na selva, fazendo exercícios militares.

Recordo-me que, na primeira noite, por volta das 22 horas –


que era quando terminaram as formações – estávamos no
meio da selva. O responsável por todos nós, o tenente, disse
o seguinte: “agora, vocês vão montar o próprio abrigo de vo-
cês”. Nós éramos 16, entre homens e mulheres.

Éramos todos profissionais: fisioterapeutas, médicos, enfer-


meiras, veterinário. Fomos ordenados a montar nosso pró-
prio abrigo. Começou a chover – montamos o abrigo debai-
xo de chuva – mas conseguimos.
Colocamos no centro do abrigo as mulheres, as armas e os
mantimentos e fizemos uma rotina de troca de guarda. Fo-
ram colocados 4 homens, um em cada ponto do acampa-
mento, para que pudesse protegê-lo. Quem já fez exercício
militar sabe que isso é necessário.

Você precisa proteger aquele acampamento e estar atento.


Eu me lembro de ter emendado 3 ou 4 turnos seguidos, por-
que os meninos eram meio fracos e, na época, ainda tinham
algum tecido adiposo para poder sustentar. Então eu fiquei
mais tempo ali de guarda.

Vestindo um poncho, que é uma espécie de lona, que come-


ça no pescoço e desce; capacete, pingando água na cabe-
ça o tempo todo; um frio terrível, com um rifle na frente, qua-
se dormindo, tentando me segurar aqui, e em um segundo
ali, assim eu fechei um pouco mais o olho, e estouraram
uma bomba de efeito moral perto de mim.
Era uma bomba de efeito psicológico,
claro. Por mais que soubéssemos que
era um exercício, já sabíamos que po-
deria ser esperada alguma coisa do
tipo: independentemente de qualquer
coisa, a prontidão com que eu me le-
vantei se deu em um átimo de segun-
do – não só eu, aqueles que estavam
lá também.

Os homens levantaram, as mulheres


continuaram no centro. A prontidão
com que eu me levantei e me colo-
quei em postura de guerra ali, foi um
negócio rápido, fantástico. Eu nunca
tinha sentido aquela sensação. Na-
quele minuto, naquele exato segundo,
eu entendi o que significava serviam.

O que é o serviam? O serviam é assim:


não dá tempo de pensar, a tua família
precisa de você. A tua casa precisa de
você. A tua mulher precisa de você.

O teu marido precisa de você. Não dá


tempo de pensar. Você levanta o mais
rápido que pode. Coloca teu coturno
e tua farda, pega a tua arma, e se co-
loca pronto para a guerra. Isso é ser-
viam. Isso é a cura da vontade
de desertar.
Muitas e muitas vezes, por não aplicar a
mentalidade de estar sempre de pron-
tidão (serviam), traímos os nossos ob-
jetivos: se não íamos comer doce, aca-
bamos por comer; se íamos fazer dieta,
acabamos a deixando; se não íamos
mais ser preguiçosos, encostados e
maus trabalhadores, vamos lá e traímos
o intento.

O tempo todo estamos traindo.

Se nos conscientizamos disso, en-


tendemos que, realmente, a vida é uma
guerra, e paramos de julgar o outro
com o olhar de condenação.

Mas, além disso, há o lado positivo:


é uma guerra que se vence com o servir.
O AMOR SÓ É REAL DIANTE DA
POSSIBILIDADE DE TRAIÇÃO.

O que quer dizer isso? “O amor só é real
diante da possibilidade de traição”?

Novamente, vamos recorrer a um
exemplo.

Por que o amor divino é um amor pleno?

Deus, no momento em que somos cria-


dos, nos entrega algo que se chama
livre arbítrio, ou seja, a possibilidade de
negá-Lo, a liberdade de não O aceitar
como Senhor e, diante dessa possibili-
dade, o movimento do amor nasce.

“E se eu me relacionar com esse ho-


mem e ele me trair?”, “E se eu me rela-
cionar com essa mulher e ela me trair?”,
“E se eu fizer tudo pelos meus filhos e
eles me negarem?”, “E se eu me doar
por esse amigo e ele me trair?”.

Só é amor de verdade se você reconhe-


ce essa possibilidade!

Se você não reconhece a possibilidade


de traição ao servi-lo, ajudá-lo… Você
não o está amando de verdade. Você é
como um barco que vai para o alto mar
com boias ao lado e amarrado ao porto
por uma corda. Você ainda não entrou
na vida adulta de verdade.
Olhar para a possibilidade de tomar um toco, de ser des-
pedido, de adoecer, de ser traído e dizer “Ainda assim eu es-
colho por encarar amar e servir” é o movimento que falta no
peito da maioria de quem está lendo este ebook
nesse momento.

Se isso não for entendido, a traição


também jamais será entendida.
ORGULHO, O PECADO
IMPERDOÁVEL
É comum, no meu perfil, falar a respeito da
preguiça, mas, quando a pergunta é “Qual o pior
dos pecados?”, facilmente vem a resposta: o or-
gulho, a soberba, o pecado que derrubou Sata-
nás.

É considerado um pecado imperdoável por-


que o soberbo não consegue sobrepujar seu ego
e seu orgulho para pedir perdão. O ato de pedir
perdão é um ato de humildade.

Qual virtude é oposta ao orgulho?

É a virtude da humildade.

E é impossível que a humildade


conviva com o orgulho: os opos-
tos se excluem. Ou seja: só tem o
perdão quem quer ser perdoado.
O orgulhoso, por definição, não o
quer - assim, não terá o perdão.

Mas o que você fará para ser


mais humilde?

Sirva alguém que você sabe


que irá virar-lhe as costas.
Se você foi traído e ainda
assim consegue se doar
a essa pessoa, seja por
um irmão, um primo, um
amigo, um namorado, um
marido… Esse é um ato de
humildade. É a virtude que
combate o orgulho.

Essa virtude faz brotar
no peito de quem a realiza
o amor verdadeiro.

Não achar-se melhor


que ninguém, esse é o re-
sumo do que essa virtude
significa.

O ato da cruz é o ato


supremo de humildade.

Cristo sabia que a


maioria das pessoas iria
negá-Lo, como ocorreu
quando curou os 10 lepro-
sos e apenas 1 voltou para
agradecer-Lhe. O ápice da
sua humildade foi, saber
que o ser humano O nega-
ria, e, ainda assim, conti-
nuar o sacrifício do mesmo
modo.
Às vezes, mulheres que são traídas
por seus maridos me perguntam
o que devem fazer, assim como os
maridos que são traídos também me
perguntam, e eu respondo: lute por
elas, porque isso irá torná-lo uma
pessoa melhor e abrirá a possibili-
dade de que ela também se torne
uma pessoa mulher.

Se você consegue entender esse
movimento, você sai de você.

Amar e servir de verdade é muito
mais do que você imagina, e muito
mais simples.

A sua vida continua uma porca-


ria porque você só olha para o seu
próprio umbigo.

E um ótimo exercício para quem


tem esse mal é se dedicar, durante 1
semana, a olhar menos para o pró-
prio umbigo e servir àqueles que não
irão agradecê-lo, que irão voltar os
olhos para outro lugar – que, talvez,
até mesmo lhe deem as costas ou
venham a trair você em algum mo-
mento.
O SERVIR NÃO PRESSUPÕE O PERDÃO

É importante salientar o seguinte: não


estou falando sobre perdão.

Às vezes, as pessoas me pergun-


tam se, quando traídas devem perdo-
ar, e o que posso responder é:

Se você não for capaz de servir e


amar aquela pessoa que o traiu, você
não será capaz de perdoá-la verda-
deiramente, porque você ainda não se
colocou em um patamar acima.

“Como assim? Em um patamar


acima?”

Sim, porque o perdão é uma dá-


diva dada por Deus — ele, o perdão, é
digno de ser dado somente pela divin-
dade.

Ao perdoarmos alguém, estamos
assumindo uma postura divina, logo,
uma postura superior à da pessoa que
pede o perdão. Mas você só pode fazer
isso se você servi-la e amá-la.

Se você não é capaz de fazer isso,
você também não é capaz de perdoá-
-la.
Você, naturalmente, não é capaz de perdoar. Amadureça,
aprenda a amar e sirva àqueles que você não gosta, como
o seu vizinho chato ou seu colega de turma que
enche a paciência.

Há uma história sensacional que pode


ilustrar isso muito bem.
SERVIR: HUMILHAÇÃO OU HUMILDADE?

A palavra “humildade” e a palavra “humilhação” têm o mes-


mo radical: humilhare, que significa, de alguma maneira, se
rebaixar. A raiz da palavra humilhare é uma outra palavra:
húmus. Humilhare vem de húmus. Húmus significa “terra”.
Dito de uma maneira mais interessante: o movimento de
servir é um movimento ou de humildade ou de humilhação.

O que muda de um para o outro? O movimento de humilha-


ção é aquele movimento em que você se rebaixa sem amor.
É quando você desiste. Quando você deserta.

É quando você se rebaixa sem amor – isso é uma humilha-


ção. Assim como o outro também vai se sentir humilhado,
porque não sente amor. Aquele que se rebaixa sem amor,
ele simplesmente só se humilha.
Mas quando, por um ato de amor,
você resolve se rebaixar… a pala-
vra muda. Não é humilhação mais,
é humildade. Ambos serão terra, só
que a primeira terra é uma terra in-
fértil. E a segunda é uma terra extre-
mamente fértil.

A terra infértil nada gera. Mas aque-


le que se rebaixa por puro amor, ele
se rebaixa por humildade. E aí, é ter-
ra fértil.

“Nós somos merda. Cada um de


nós. Nós somos merda mesmo. E,
enquanto merda, a gente tem que
tomar uma decisão: se eu somen-
te irei feder e atrapalhar a vida dos
outros, ou se eu me tornarei adubo
para servir a alguém”: sempre digo
isso.

Quando eu tomo a decisão por ser


adubo... eu “ressignifico”. É como a
Cruz: antes daquele homem, a cruz
era um instrumento de tortura. A
cruz, depois daquele homem, Jesus,
que é Deus, se torna outra coisa.

A traição que houve no seu casa-


mento, se não há amor e humil-
dade, se há só a sensação de hu-
milhação, continuará sendo só a
traição do teu casamento. Se você
pensa e age assim, você deserta.
Desiste. Você escolhe feder.
Quando você está passando por tudo isso, e você olha para
o outro e pensa: eu vou ser adubo. Eu vou escolher parar de
feder e vou ser adubo. Ou seja, você vai colocar amor naqui-
lo que está fazendo. Nesse exato momento, você é capaz de
dizer aquela palavrinha: serviam. Eu vou servir. Então, tudo
muda. Sirva.

Se você fizer isso durante 1 semana, perceberá que os


movimentos como a humildade, a servidão, o amor cari-
dade, surgirão no seu peito, e tudo irá melhorar — mas esse
movimento é seu.

Se não olhar para si mesmo e se reconhecer como uma


pessoa falha, nada do que for escrito aqui irá adiantar.

É preciso reconhecer que, no fundo, se tivesse todas as


oportunidades, faria errado — e talvez fizesse pior ainda.
SANTA TERESINHA E O ATO
ABNEGADO DE SERVIR
Santa Teresinha do Menino Jesus era
uma jovem freira que, no convento, es-
tava sempre servindo a todos: capinava
a grama, arrumava as camas, servia co-
mida…

Contudo, entre todas as freiras do
convento havia uma que ela servia mui-
to mais, e era a sua melhor amiga.

Ela estava sempre tentando agra-


dá-la, mas o mais curioso é que, quan-
do Santa Teresinha morre e pegam seus
diários, ela dizia que, no convento, havia
uma irmã que lhe era insuportável, de
tal modo que até a voz a irritava — e era
exatamente a melhor amiga dela, aque-
la a quem ela mais servia e por quem
mais se doava.

Até um cão ama quem lhe dá algo


em troca. Isso é muito fácil. Abraçar, ser-
vir e se doar para alguém que você sabe
que irá retribuir é fácil. Difícil, e verdadei-
ramente humano, é estar disposto a fa-
zer isso por quem irá virar-lhe as costas.

Essa é a verdadeira prova de amor.
Essa é a verdadeira prova de serviço.

É próprio do ser humano e de quem


tem um coração pulsante servir àqueles
que não lhe darão nada em troca. Esse,
sim, é o amor de verdade.

Isso é ser alguém de verdade.


A TRANSFORMAÇÃO GERADA PELO SERVIÇO

Eu não preciso amar para servir ao outro; não é amando que


eu vou servir ao outro. Eu preciso servir para amar o outro,
exatamente o contrário.

As pessoas acham que, depois que o casamento foi desfei-


to, eu não consigo servir porque eu não amo mais. Acontece
que não é assim. É o ato de servir é que vai fazer com que
você ame a outra pessoa.

Geralmente, esse servir no relacionamento é um ato do di-


álogo: um “bom dia”, um “boa noite”, um “como você está”.
Mas, quando as coisas não estão indo bem, o movimento
que acontece é de parar de procurar o outro.

É a partir daí que o relacionamento começa a morrer, que


a intimidade começa a ser desconstruída e é por isso que,
a primeira coisa que um casal em reestruturação precisa, é
conversar: mas como é que se coloca dois desconhecidos
para conversar?

É difícil. O que é necessário para funcionar o diálogo? Três


coisas. Primeiro, o assunto, segundo a disposição e terceiro
a presença. Sem essas três coisas, o diálogo não acontece
como deveria: tenham assunto, disposição e presença.
E QUANDO SÓ UM DOS DOIS
ESTÁ DISPOSTO A SERVIR?
Na maioria das vezes, apenas uma dos dois está tentando
reconstruir o casamento. Talvez essa pessoa pense:
“mas, e se ele não quer, como que eu faço?”
É assim: Quando existem esses dois polos e uma discussão
começa, o egoísmo toma conta e vocês se afastam um do
outro. O amor é um verbo.

O verbo, numa relação a dois, num diálogo, é como se fos-


se um prisma. Se você imaginar um prisma entre as duas
vertentes (o que eu sou e o que eu posso ser), seu olhar
vai além. Quando você vê seu cônjuge através desse pris-
ma que é o amor, você a vê por quem ela pode ser, não por
quem ela é. Seu olhar transcende.

Quando eu vejo meu marido através desse prisma, meu


olhar transcende. Eu vejo ele por quem ele pode ser, não por
quem ele é. A partir daí, seu olhar precisa ter amor – aque-
le mesmo Amor que viu Pedro e todas as possibilidades que
ele tinha de ser um bom homem.

É nesse momento que seu olhar precisa transcender.


CONCLUSÃO

A pergunta que deu mote a esse ebook,


“É possível amar e ainda assim trair?”,
foi respondida, mas talvez você tenha
percebido que o centro desse ebook,
na verdade, foi uma palavra: servir.

A medida de amar é amar sem
medida, e ama verdadeiramente
aquele que aceita a possibilidade de
traição do outro — e, mesmo assim,
aceita servi-lo.

A mensagem central que eu
quero que você leve é: saia de si e
sirva o outro. Quem não sabe servir,
não sabe perdoar.

Espero que tenha gostado e tire


proveito do que foi ensinado aqui.

FIM.

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