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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE HISTÓRIA

MATRIZES DO PENSAMENTO HISTORIOGRÁFICO DO SÉCULO XX

CAROLINA DO NASCIMENTO ÁVILA

TULLYO ROBSON FURTADO LOBATO

RESENHA BIOGRAFICA PHILIPPE ARIES

BELÉM-PA

2017
Philippe Ariès nasceu em 21 de julho de 1914 em Blois, França,
passando maior parte de sua vida em Paris. Cresceu em uma família
tradicional burguesa, católica, aristocrática e conservadora de relações sociais
elitistas, ativa do partido monarquista francês, o Ação Francesa (Action
Française), um movimento reacionário, contrarrevolucionário e nacionalista
francês de 1898, que reagia a revitalização da extrema-esquerda. Ariès
estudou no colégio jesuíta Saint-Louis-Gonzague, posteriormente, no Liceu
Janson-de-Sailly, onde se interessa pela história, principalmente pelo avô
materno e professor de História do Liceu. Em 1930, durante sua formação em
História na Sorbonne, escreveu e militou em prol da Action Française,
incentivando a participação de estudantes a movimentos reacionários com
publicações na revista estudantil “O estudante francês” com outros parceiros
intelectuais de movimento, dando-lhe relativo destaque como jornalista.

A influência tradicional e conservadora de que fora constituída a


formação de Ariès, intrinsecamente fora moldando-se para uma análise sobre a
sociedade, as relações sociais e da intervenção do Estado, quanto à existência
de ações para o que posteriormente iria se atribuir à História Social. O ano de
1943 fora expressivo para Ariès, que sofreu duas reprovações no concurso da
cátedra de Sorbonne, o que o fez determinar para a ocupação em cargos de
administração e documentação em departamentos do  l'Institut des fruits et
agrumes coloniaux, ainda recusando o convite para lecionar no Liceu de
Rennes. Nesse contexto, foi nesse período que Ariès conheceu e se
aprofundou da literatura dos Annales, nas fontes de Lucien Febvre e Marc
Bloch. Era o início da rejeição das narrativas de movimentos reacionários e do
nacionalismo autoritário na ação política de contrarrevolução sociocultural da
Ação Francesa. Na medida em que conciliava seus estudos com as influências
com os pensadores dos Annales e a aversão a historiografia reacionária, Ariès
defendia “uma história que reduza o lugar do Estado e das ideologias, em
benefício de uma cultura mais etnográfica” (Ariès, 1994, apud Silva, 2012).
Sobre o contato com os fundadores dos Annales, afirmou que preferiria manter
distância desses grandes homens (Febvre e Bloch) tendo somente um breve
contato posteriormente com Fernand Braudel nos EUA em 1976.
Ainda em 1943, Philippe Ariès publica seu primeiro livro “As Tradições
Sociais no País da França” (Les Traditions sociales dans les pays de France).
Na sua autobiografia ele descreve a obra como um estudo sobre a origem e
força “dos diversos hábitos religiosos, políticos, econômicos, sociais ou
literários que, ao se acumularem, deram a algumas das regiões francesas seu
caráter próprio e à França inteira sua estrutura e seu rosto” (ARIÈS, 1989, p.10
apud SILVA). É visível, a partir dessa obra, sua preocupação em buscar ir além
da ação política ao tratar de regiões francesas.

Em 1948, publica seu estudo intitulado “História da população francesa


e de suas atitudes diante da vida desde o século XVIII” (Histoire des
populations françaises et de leurs attitudes devant la vie depuis le XVIIIe siècle).
O tema morte também é precípuo em suas obras. Em “Attitudes devant la vie et
devant la mort du XVII au XIX” e “L'Homme devant la mort” (respectivamente
na tradução brasileira: “História da morte no Ocidente” e “O homem diante da
morte”), Philippe Ariès discute, em suma, a mentalidade coletiva acerca da
morte e as atitudes do homem ocidental perante ela. Ademais, em 1957 ele
escreve uma coletânea com oito textos sobre a história e suas várias
concepções, intitulada como “Le Temps de l'histoire” (“O tempo da história”).

Essas obras, e outras que não foram citadas, tiveram considerável


relevância e são representativas da história das mentalidades e/ou de uma
história mais social, mas sua obra considerada como mais importante é a
“L’Enfant e la vie familiale sous l’Ancien Régime”, (publicada no Brasil como
“História social da Criança e da Família”), de 1960. Esta iria alterar
definitivamente o conhecimento e a visão dos outros sobre esse historiador,
contribuindo para que, enfim, ele ganhasse maior reconhecimento dos colegas
de ofício. Além, é claro, de transformar a história sobre as crianças.

Nesta obra, Ariès argumenta que não havia na Idade Média um


sentimento de infância, ou seja, a criança não era vista de modo particular,
como dotada de especificidades e distinta dos adultos. Fazendo muito uso de
quadros e gravuras (e também de tratados de moral e civilidade, diários,
contos, testamentos, etc.), ele atenta para o modo como o tema infantil era
abordado – ou não - nestes, ressaltando as diferenças do universo mental de
cada época, que, influenciado pelos campos religioso, econômico, político,
enfim, pelo social, engendrava modos diversos de enxergar um mesmo
elemento da sociedade e, por conseguinte, diferentes relações entre adultos e
crianças.

Esse livro, que demorou mais de dez anos para ser escrito, é dividido
em três grandes capítulos, a saber: “O sentimento da infância”, “A vida
escolástica” e “A família”. E, além do argumento acima citado, nele ele defende
a tese de que a mudança em relação à infância, ocorrida no que se
convencionou chamar de Idade Moderna, altera também a família, o
sentimento em relação a ela. E essa mudança nos sentimentos, como reitera
Campos (2012), é um movimento de longa duração e não linear.

Desse modo, mesmo que algumas das teses desse historiador tenham
sido revistas, e em certa medida refutadas, é grande a contribuição de Ariés
para o entender de que o que comumente se considera como algo natural é
fruto, ao contrário, da construção humana, construção cultural; desde como se
lida com a morte até a concepção do que é a criança. Ademais, muitos
aspectos de suas obras são consonantes com a nova história defendida pelos
Annales, como a busca por uma história total, não factual, e o enfoque para
além de aspectos políticos; não é a toa que Ariès foi considerado como um dos
principais da terceira geração dos Annales.

Posteriormente, outra contribuição ímpar de Ariès, volta-se para o


estudo do sentimento das pessoas diante da morte compreendida através da
história, considerando o debate da morte como de notória importância para
discussão na construção social. Em 1975 publica a obra “Ensaios sobre a
morte no Ocidente: da Idade Média até hoje” (Essais sur l'histoire de la mort en
Occident : du Moyen Âge à nos jours) a qual está incorpora o estudo intitulado
“O homem diante da morte” (L'Homme devant la mort) de 1977.

As características de Philippe Ariès em suas narrativas historiográficas


condicionaram suas publicações e suas temáticas como construções sociais
compreendidas através da História das Mentalidades. Logo, a partir de 1960,
como anteriormente citado, Philippe Ariès fora considerado “herdeiro” desta
modalidade historiográfica que compete a relação entre as condições objetivas
da sociedade (pensamentos, ideologias, compreensões), competidas narração
no tempo. A pesquisa historiográfica de Ariès sobre a criança, a família, a
morte, a educação e a vida, assim como Michael Foucault em seu período, fora
considerada representante da História das Mentalidades por sua contribuição
ao tratar as representações mentais de estruturas coletivas da sociedade da
infância e da morte, através do em seu espaço no tempo. O brilhantismo do
autor pioneiro na História das mentalidades e da evolução do homem – da
infância à morte - encerrou sua jornada em 8 de fevereiro de 1984 em
Toulouse, França.

Publicações em francês

 Les Traditions sociales dans les pays de France, Éditions de la


Nouvelle France, 1943.
 Histoire des populations françaises et de leurs attitudes devant la
vie depuis le XVIIIe, 1948.
 Attitudes devant la vie et devant la mort du XVII e au XIXe, quelques
aspects de leurs variations, INED. 1949.
 Sur les origines de la contraception en France, from Population 3
(July–September). 1943, pp. 465–72.
 Le Temps de l'histoire, Éditions du Rocher, 1954.
 Deux contributions à l'histoire des pratiques contraceptives,
from Population 4 (October–December): pp. 683–98, 1954.
  L'Enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime, 1960.
 Essais sur l'histoire de la mort en Occident: du Moyen Âge à nos
jours, Seuil, 1975.
 L'Homme devant la mort, Seuil. 1977.
 Un historien du dimanche (with Michel Winock), Seuil, 1980.
 Images de l'homme devant la mort, Seuil, 1983
 Histoire de la vie privée, (with Georges Duby), 5 volumes: I. De
l'Empire romain à l'an mil; II. De l'Europe féodale à la Renaissance; III. De la
Renaissance aux Lumières; IV. De la Révolution à la Grande guerre; V. De
la Première Guerre mondiale à nos jours, Seuil, 1985–1987.
 Essais de mémoire: 1943–1983. Seuil.
 1997. Le présent quotidien, 1955–1966, Seuil. Collection of articles
published in La Nation française, 1955-1966.
 Histoire de la vie privée, (with Georges Duby), le Grand livre du mois,
2001.
Publicações em português

 ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro:


LTC, 1981.
 ARIÈS, P. Um historiador diletante. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1994
 ARIÈS, P. O Tempo da História. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1989.
 ARIÈS. P. O homem diante da morte. São Paulo: UNESP, 2014
 ARIÈS. P. História da morte no Ocidente. Ediouro, 2003.
 ARIES,P, DUBY, G. (Org.) História da vida privada. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990-1992. 5 v. 
 ARIES,P. Para uma história da vida privada. In: ARIES, Philippe,
CHARTIER, Roger (Org.) História da vida privada: Da Renascença ao
século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Referências bibliográficas

CAMPOS, R. D., Philippe Ariès: a paixão pela história. Cadernos de História


da Educação – v. 11, n. 1 – pp. 269-284. jan./jun. 2012.

SILVA, M. Philippe Ariès: um historiador marginal. Universidade Federal de


Sergipe.pp.1-12.Disponível em: <http://pt.slideshare.net/simonelanden/philippe-
aris-um-historiador-marginal> Acessado em: 26/01/2017.

Philippe Ariès biografia. Disponível em: <


https://fr.wikipedia.org/wiki/Philippe_Ari%C3%A8s#cite_note-:0-1>. Acesso em
27 de janeiro de 2017.

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