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Minha infância com meus pais

Chico Pedrosa

A sua infância foi risonha? fui calçar, ele não deu, o corte de pano ruim E Benedito dava mais um
Calma, não responda era menor que meu pé. que de presente ganhei empurrão
agora! A velha acendeu o facho E os casais de namorados
Por favor não vá embora, Mamãe fez logo um banzé me olhou de cima a baixo agradeciam
que vai chegar a sua hora. Chamou meu pai de E disse: -- pode ir cimbora sentados por mais uma
A minha foi muito ingrata, sovino ele Que daqui pra quinta-feira rotação.
tipo caldo de batata Ele pegou um compasso e eu emendo essa porqueira
sem substância nenhuma. disse: com fé em nossa Senhora! Sentei-me numa cadeira
Infância desenxabida, -- Ainda hoje eu faço o ao lado da namorada
dessas coisas que na vida sapato do menino! E de fato emendou! Senti logo uma zonzeira
pobre só aguenta uma. Pegou um taco de couro Outra coisa ela não fez: e a natureza enjoada
de boi Na calça cabiam 2 e no o Carrossel embalou...
Minha Escola foi o campo, que a seca matou paletó mais de 3 O meu paletó inchou,
minha caneta, a enxada, E disse pise aqui, meu E a gravata? E a camisa? ficou igual a um balão
meu brinquedo, o louro! Meu pai disse: não À vista ficou escura
pirilampo Eu pisei. Ele traçou! precisa, e o povo gritou:
vigilante da baixada. Sisudo de cara feia, tem as do meu casamento -- Seeeguuuura, caaabra
Armei pedra de quixó, cortou, enfiou Corrêa há muitos anos guardada do peletozão!
cacei preá e mocó, E achando a medida Tão um pouco desbotada, Vomitei toda gelada que
atirei de baladeira, exata, disse: mas o pano é 100% antes tinha bebido
cavei peba em tabuleiro -- Vai Ficar barato! E perdi a namorada para
e tirei inchu verdadeiro Nem fez um par de Mãe fez um apelo com um sujeito mais sabido
nas moitas da capoeira. sapato, muita diplomacia Fui me lavar um riacho
nem fez um par de pra cortar o meu cabelo na e quando passei por baixo
Todo tipo de doença apracata: antiga freguesia dum poleiro
que se contrai na infância fez um troço parecido uma Ele disse: eu não uma galinha abriu a porta
sofri por Indiferença bainha de foice, combino, traseira
da nossa ignorância curvado, meio comprido, o cabelo do menino e despejou a sujeira na
Mamãe era benzedeira um pouco estreito no só eu sei como é que minha bela roupinha.
Rezava oiado, papeira, coice, presta
dor de dente, bucho se esqueceu do pé direito, Sentou-me sobre um Pronto, adoeci de novo!
inchado, Fez os 2 do mesmo jeito caixão, E agora, o que faço
febre, espinhela caída, Que sem admitir enganos agarrou um tesourão então?
inchação, tosse comprida, Me deu ordem pra calçar e começou cortar da testa Voltar pro meio do povo...
arroto choco e puxado. Dizendo: Deixou a minha cabeça Desse jeito?! olto não!
-- Saiba zelar que é sapato como um carneiro sem lã. Tirei a roupa e lavei sem
Cresci na fralda da Serra pra dez anos! Depois disse não se sabão
ouvindo a voz do vaqueiro esqueça E pendurei numa rama de
Que pega, derruba, se E minha roupa de festa que a festa é logo cipó.
ferra já compraram? Perguntei. amanhã. Lá pra alta madrugada,
pra seu patrão fazendeiro. Ele disse: hora é essa! A igreja está acanhada veio uma vaca pintada,
Como nativo da selva, Não sabe que eu já A rua está enfeitada comeu calça e paletó
pisando a delgada relva comprei O Carrossel já chegou Sobrou o par de apracata,
a caminho do roçado, terna de segunda feira? E inté o caramanchão a cueca samba-canção
E recebendo dos meus E quem vai ser a que vai ser o leilão A camisa e a gravata,
pais costureira O padre já aprontou. dinheiro, nenhum tostão!
os conselhos naturais Vai ser a comadre A miserável da vaca
Do meio em que foi criado. Dondom, Afinal, chegou o dia 12 comeu a última pataca.
do sítio do Bicho do Mato do mês de dezembro, Deixei a festa e a farra.
No fim do ano uma festa! que além de cobrar barato, festa de Santa Luzia Toquei o pé no caminho,
E com ela uma Roupa sabe costurar raiom. Ainda hoje me lembro... E no terreiro do ranchinho
Nova, Parece que eu estou Eu calçado de apracata, cheguei ao quebrado da
Porque numa época desta, vendo paletó e gravata... barra.
Os pais da gente o meu primeiro paletó parecia um coronel !
dão prova de a velha Dondom cozendo Entupido de gelada Cheguei como fugitivo
solidariedade. usando uma vista só. chamei minha namorada que foge de uma cadeia
Vão às lojas da cidade... para correr carrossel Cabisbaixo, pensativo,
Compram terno, cinturão, Dom era costureira, com medo de levar peia.
sapato, gravata e cheiro Nas horas vagas parteira A concertina tocava a Contei o que se passou,
E nos dão algum dinheiro E birrenta, mal criada, música do açum preto minha mãe acreditou
pra o parque de diversão Nunca pegou numa escala E a velha roda girava e pai entendeu muito mais.
Pra mim, compraram um Deu meia volta na sala, sobre a luz de carbureto E para finalizar, resolvi
sapato estava medida tirada O dono com um apito apresentar
com solado de pneu Comigo ela fez assim... apitava a infância com meus pais.
Couro grosso, bico chato, No dia que lhe entreguei

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