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REVISTA

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15.7.2022

CASAGRANDE
TÁ NA ÁREA

15
“ANTES DE SER
JOGADOR, ANTES DE
ESCREVER LIVRO, ANTES
DE SER COMENTARISTA,
EU SOU CIDADÃO
BRASILEIRO E TENHO
A OBRIGAÇÃO DE ME
POSICIONAR SOBRE AS
COISAS QUE ACHO QUE
ESTÃO ERRADAS”
/ Editorial
4 | A festa era do Mickey, delegada?, por
Renato Rovai

/ Capa
CASAGRANDE
6 | Nunca foi só futebol, por Plinio Teodoro
edição #15

/ Eleições 2022
20 | FA e Bolsonaro têm roteiro para
tumultuar eleições, por Mauro Lopes
conteúdo |

28 | Bolsonaro enfurecido
33 | Michelle: oi, sumida!

Política
38 | O assassinato de Marcelo Arruda e a
violência bolsonarista
49 | O bolsonarismo mata, por Cynara
Menezes

/ Educação
53 | Assentada do MST, estudante de 9
anos ganha medalha em olimpíada de
Astronomia

/ HQ
63 | Pô, amar é importante, por Piu Gomes

/ Global
70 | A arma que matou Shinzo Abe

74 / Expediente
EDITORIAL
Renato Rovai

A festa era do
Mickey, delegada?

A delegada Camilla Cecconello, responsável


pelo caso que levou à morte o militante petista
Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, afirmou nesta
sexta-feira (15) que Jorge Guaranho não teve
motivação política para cometer o assassinato.
A delegada age como se fôssemos todos uns
patetas numa festa do Mickey. Afinal, era esse o
tema do aniversário de Arruda, certo, delegada?
Foi por ter visto pelo celular de um amigo
diretor da Aresf (entidade onde ocorreu a festa)
que tinha acesso às câmeras do local que as
pessoas brincavam com temas da Disney que
o assassino Guaranho se dirigiu a uma rua sem
saída, que não era o caminho da sua casa, e
começou a gritar aqui é Bolsonaro, aqui é mito
e colocou música do presidente genocida em
som alto na frente da festa, certo, delegada?
Foi por isso que ele começou a agredir
verbalmente Marcelo Arruda e sua família e
também foi por isso que apontou a arma para
eles antes de voltar para casa com sua esposa e
filha e retornar depois para praticar o assassinato
que poderia ter se tornado uma chacina não
fosse a reação de Arruda, né, delegada?
É de uma canalhice atroz a decisão desta
delegada escalada a dedo pelo governo do
Paraná para limpar a barra de Bolsonaro, o
dedo que disparou o revólver de Guaranho.
Sim, Bolsonaro é parça de Guaranho no
assassinato de Marcelo Arruda. Como essa
delegada se torna cúmplice de toda essa
canalhice ao tentar negar o óbvio: se o tema
do aniversário de Marcelo Arruda não fosse o
PT e Lula ele estaria vivo hoje. Que ele só foi
morto porque seu assassino foi até ele quando
comemorava seus 50 anos para agredi-lo. E
que no âmbito da agressão, o matou.
Chegamos a um ponto absurdo de
insensatez no Brasil. Num ponto onde o óbvio
é negado e a lei é desrespeitada com uma cara
de pau escancarada.
Essa delegada precisa ser processada
urgentemente pela família. Precisa ser
investigada. E tem que ser confrontada com
todos os instrumentos legais possíveis para
que nenhuma outra autoridade aja como ela.
Afinal, a festa não era do Mickey. E o campo
democrático brasileiro não pode mais ser
tratado como pateta.w
Capa

Foto Reprodução Facebook

Casagrande
Nunca foi
só futebol
por Plinio Teodoro
Q
uando, em 12 de dezembro de 1982,
aos 19 anos, entrou no gramado do
estádio Cícero Pompeu de Toledo, o
Morumbi, para disputar a final do Campeonato
Paulista contra o São Paulo, Walter Casagrande
Júnior já sabia que não era só futebol. “Nós
éramos a Democracia Corinthiana”, disse em
entrevista ao Fórum Sindical.
À época, menos de um ano após o retorno
ao Corinthians - depois da breve passagem pela
Caldense, de Poços de Caldas (MG), onde foi
parar por se rebelar contra o autoritarismo do
técnico Oswaldo Brandão -, Casão começou a
compreender com Sócrates, Vladimir, Biro-Biro,
Zenon, Ataliba e Adilson Monteiro Alves, então
presidente do clube, que aquilo que sentia ainda
garoto tinha nome. E era motivo de luta.
“Eu sempre tive um comportamento
democrático desde criança, sem saber que
aquilo era democracia. Eu sempre gostei
de dividir as coisas, sempre gostei de fazer
coisas em grupo e gosto que todos se sintam
importantes”, disse Casão ao lembrar que ao
iniciar no futebol, aos 16 anos, já era “hiper
rebelde”. “Rebeldia de não aceitar a coisa
autoritária. As pessoas pediam as coisas pra
mim, eu fazia tranquilamente. Quando recebia
uma ordem, eu travava literalmente”.
Das conversas com o pai, Walter
Casagrande, herdou a paixão pela música,
pelo Corinthians e histórias do futebol, como
a tragédia de Superga, que no dia 4 de maio
de 1949 matou em um acidente aéreo todo
o elenco do Torino, clube da classe operária
de Turim, onde Casão jogou e fez a partida
mais emblemática de sua vida, na vitória por 2
a 0 contra a Juventus, time do empresariado
burguês da cidade.
“Nesse jogo eu fiz os dois gols. E quando
acabou o jogo a cidade parou. Metade da
cidade estava em festa e eu pensei: caramba,
eu fiz feliz a classe operária da cidade. Eu senti
isso aquele dia. Os donos da Juventus são os
donos da Fiat, da Ferrari. E os torcedores do
Torino são aqueles que trabalham nas fábricas.
É uma representatividade muito importante.
Eu coloco esse jogo como o mais importante,
porque não era só futebol, com o adversário
envolvido. Era a classe alta contra a classe
operária de Turim”.
Leia os principais trechos da entrevista de
Walter Casagrande Júnior ao Fórum Sindical

Sócrates: um caso de amor


“Depois do Carnaval [de 1982] eu joguei
pela primeira vez com o Magrão, em Fortaleza,
contra o Fortaleza. Cara, foi 4 a 2 para o
Corinthians, eu participei de todos os gols. Eu
Foto Reprodução Facebook
Com Sócrates, amigo e mentor, participou da Democracia Corinthiana

e o Magrão, a gente tabelava, dava a bola para


eu fazer o gol, dava calcanhar. E era a primeira
vez que eu tinha entrado no campo com o cara.
Quando acabou o jogo, eu não tinha amizade
com ninguém. Nós jantamos e eu fiquei sentado
no sofá na recepção do hotel. Aí, entrou o
Raimundo Fagner e falou: você viu o Magrão
por aí? Eu falei: ele está lá dentro. Aí saíram
o Magrão e o Fagner. O Magrão olhou para o
sofá e falou: ai, garoto, o que você vai fazer?
Falei: Não sei, vou ficar aqui. ‘Então vem com a
gente’. E eu saí com os dois. Eu tinha 18 anos
ali. Eu tinha acabado de jogar com o Sócrates,
aí saio junto com o Fagner. E o Magrão me
deixou muito à vontade, os dois me deixaram
à vontade, e aquilo me seduziu. E lá dentro eu
fui percebendo que caí em um grupo em que
as pessoas pensavam como eu. Só que os
caras eram mais maduros que eu. Então, eu
aprendi muito, principalmente com o Magrão,
que eu andava o tempo todo, com o Vladimir,
e fui desenvolvendo aquilo que já tinha dentro
de mim e não sabia como desenvolver. Eu
conversava muito com o Magrão. Foi passando
o tempo e as coisas começaram a ficar mais
legais até fora de campo. Chegou uma vez que
ele olhou para minha cara e falou assim: Big -
ele me chamava de Big - eu olho para você,
eu me vejo com 18 anos. Eu falei: Pô, Magrão,
quando eu chegar com 27 quero ser que nem
você. E aí começou um romance. Uma questão
de relacionamento amoroso, de querer ouvir,
falar, se divertir.”

Democracia Corinthiana
“A Democracia Corintiana, o rótulo, veio
bem depois. Veio depois da Copa de 82 que
nós começamos a jogar com Democracia
na camisa. Mas tudo já estava acontecendo
democraticamente. Só não tinha o rótulo.”

Perseguição pela Ditadura


e ficha no Dops
“Os generais ligavam no Corinthians e
falavam: não é para colocar democracia na
camisa. O Adilson (Monteiro Alves) chegava na
gente e falava: ‘é o seguinte, o negócio está
ficando pesado, os generais estão falando para
não colocar o nome democracia na camisa.
O que nós vamos fazer? Nós vamos colocar
“EU SOU
ROK’N’ROLL
DESDE GAROTO.
AQUELA COISA
DE ROCK’N’ROLL
É ATITUDE E EU
ABRACEI LOGO
CEDO”
Fotos Reprodução
democracia na camisa’. Nós começamos a
desafiar, a bancar o negócio. No meu caso, eu
era o cara mais visado, alvo principal: eu tinha
18, sou do rock’n’roll, tinha a cabeça igual a do
Magrão e pensava que tinham que me cobrar
o treino e o jogo, na hora que eu tiver livre vou
para qualquer lugar, num show de rock, num
barzinho. E os caras começaram a dar blitz
em mim, 3 ou 4 vezes por semana, muitas
delas muito agressivas. Uma bem pesada
na Marginal, estava eu e três amigos e os
caras deixaram meus amigos sem roupa, me
socando o estômago, falando: ‘vocês estavam
fumando maconha no carro’. E me socando. Os
caras queriam que a gente falasse que estava
fumando maconha, de qualquer jeito. E isso aí
foi o ano todo. Essa perseguição existiu, mas eu
só fui saber que era espionado pelas pessoas
do DOPS quando fui escrever meu primeiro
livro, que o Gilvan (Ribeiro, amigo, jornalista e
co-autor) falou: ‘meu, me falaram que você tem
ficha no DOPS’. Eu falei: ‘não estou sabendo
disso, acho que não’. Eu fui com o Gilvan e
estava lá ficha minha, do Magrão, do Vladimir.”

Amizade com Gonzaguinha e show no PT


“Estava escrito [em minha ficha no DOPS]
sobre um jogo que fizemos de manhã com
artistas no domingo. À noite tinha um show
para o PT, em 1982, e eu peguei amizade com
o Gonzaguinha aquele dia. O churrasco era do
outro lado do clube e nós fomos conversando,
eu e o Gonzaga. Tomamos cerveja no bar da
Torre. Eu levei ele para o hotel, fui pra casa,
apresentei o show. Os caras da organização
do show falaram assim: ‘Casão, você precisa
fazer uma coisa para nós. Tem que buscar
o Gonzaguinha lá no TUCA, porque ele é
imprescindível. Eu falei: ‘gente eu conheci o
cara hoje, não sou amigo, não conheço’. E
eles falaram: ‘nós conhecemos ele e ele não
fica conversando com ninguém. Se ele ficou
conversando é porque ele gostou de você’.
Aí, eu fui, entrei no camarim. E ele falou para
mim: ‘Casão, eu sou pela democracia, mas
não sou de partido algum e não vou participar
de um show direcionado a um partido’. Aí,
falei pra ele: ‘oh, Gonzaga, esquece partido,
o negócio é democracia mesmo, a gente
tem que lutar para tirar a Ditadura Militar’. Fiz
um minidiscurso e ele virou pra mim e falou:
‘porra, moleque, você é bom na fala, você me
convenceu’. E ele foi comigo.”

Futebol, discurso de ódio


e assasinato de Marcelo Arruda
“Não existe universo do futebol. O futebol
faz parte do universo da sociedade brasileira.
Você vai no estádio e acha que pode agredir o
jogador, pode ser homofóbico, racista, machista
Fotos Reprodução
“NÓS VAMOS TER
QUE REFAZER O
PAÍS, REFAZER
A SOCIEDADE
BRASILEIRA
COMO UM TODO,
PORQUE ESTÁ
DESMORONANDO
O NEGÓCIO”
e acha que não tem problema nenhum. Eu não
vejo assim. O futebol faz parte do universo da
sociedade. Os crimes são iguais, só não são
tratados como é tratado fora. Apesar que agora
muitos crimes vão para sigilo de 100 anos, né?
[...] Eu acho que a mudança tem que vir da
sociedade para o estádio, não do estádio para a
sociedade. No estádio tem muito menos gente
violenta do que na sociedade. O presidente
Bolsonaro alimenta essa violência, sempre disse
sobre liberação das armas. Semana passada foi
assassinado um líder petista em Foz do Iguaçu.
Foi um pontapé inicial: podem matar quem
vocês quiserem, começou o jogo. Então, o que
está acontecendo no futebol, está acontecendo
na sociedade.”

Bolsonaro nocivo e a Refazenda do Brasil


“O cara é nocivo. O cara é destruidor.
Ele está destruindo o país em todos os
segmentos. Nós vamos ter que refazer o país.
É a Refazenda, do Gilberto Gil. É refazer a
sociedade brasileira como um todo, porque está
desmoronando o negócio”.

Jogadores de futebol
e a distância da realidade
“Cada um faz o que quer. Mas os jogadores
postam Ferrari, iates, mansões, festas e a
realidade do povo brasileiro nesse momento
não é essa. A maioria não tem o que comer.
Esse tipo de postagem é para quem tem café,
almoço e janta. Aí vai achar engraçado a Ferrari,
a mansão do cara. Mas quem não tem uma
refeição por dia, quem tem 4 ou 5 filhos e está
desempregado, com a inflação lá em cima,
o preço dos alimentos lá em cima, não acha
engraçado quando alguém fica ostentando.”

Democracia, drogas e rock’n’roll


“Eu sou rok’n’roll desde garoto. Aquela
coisa de rock’n’roll é atitude eu abracei logo
cedo. E por muito tempo a atitude do rock foi
importante para a sociedade mundial. Mas
chegou um momento em que o rock teve que
tomar atitude e começamos a ser surpreendidos
por atitudes que a gente não esperava. Eric
Clapton... O Roger [do Ultraje a Rigo] é meu
amigo. É bolsonarista, mas é meu amigo. E
nunca ninguém se mostrou dessa maneira.
Tiveram oportunidade de se mostrar dessa
maneira. Depois que caiu a Ditadura, esses caras
poderiam se manifestar contra a democracia,
porque eles estão se manifestando hoje, depois
que o Bolsonaro apareceu, depois que o Trump
apareceu, eles criaram coragem de se manifestar
contra uma democracia ou a favor de um cara
completamente descompensado, no mínimo,
que é o que nós temos no país - e não é ele, é a
família dele. Eu fiquei surpreso e decepcionado
Fotos Reprodução
O negacionista Eric Clapton: “não consigo deixar de ouvir”

com o Eric Clapton. Mas não consigo deixar de


ouvir, não consigo tirar o quadro dali. Eu olho o
Eric Clapton e olho o rock’n’roll - a parte pessoal
dele, eu já esqueci. Eu já tive muita vontade de
conhecer o Eric Clapton porque ele me ajudou
muito na minha internação. Quando estava
internado, eu fiquei uns quatro, cinco meses
revoltado, não queria me tratar, não me achava
doente. Eu ganhei no Natal, de uma paciente,
a biografia do Eric Clapton. O cara se internou
diversas vezes por drogas diferentes. Ele foi
dependente de alguma coisa: heroína, cocaína,
álcool, às vezes de tudo. E quando acabei de ler,
falei: ‘eu consigo ser como esse cara, eu consigo
sair dessa, me recuperar’. Eu estava entregue.
Achava que eu era assim mesmo, que nunca iria
parar. Eu falava: ‘eu não me vejo lá na frente sem
usar droga, eu quero administrar’. E quando li o
livro de Eric Clapton, falei: ‘não quero administrar
nada, quero parar mesmo’. E fui pra cima.”
Cidadão do Brasil e a saída da Globo
“Eu não mudei desde que cheguei na TV
Globo. O saudoso Marco Mora, que era diretor
da TV Globo, me contratou e disse: ‘eu estou
contratando o comentarista da ESPN, aquele
cara que dá opinião direta, que não tem medo
de falar, não vem aqui na Globo mudar seu
jeito de falar’. Quando falou isso, entendi que
podia falar. Eu cheguei em 1997, a época era
outra, não tinha esse radicalismo, essa guerra
toda. Meus posicionamentos sempre foram
mais incisivos no meu trabalho, no futebol, eu
colocava a sociedade nos meus comentários,
mostrava os problemas da sociedade por
meio do estádio de futebol, que representa a
sociedade brasileira. E nunca ninguém chegou
em mim e disse: ‘essa questão você não pode
falar’ ou ‘manera’. Desde 2017, na realidade,
eu estou em conflito de opiniões com o novo
presidente [Jair Bolsonaro], antes mesmo
dele ser presidente. Ele editou uma parte de
uma entrevista que dei no Morning Show, que
eu contei da história de Lúcifer - e não sou
satanista, nada, tenho uma fé em Cristo do
caramba. Contei isso e meu relacionamento
com Cristo. Ele editou essa partezinha que
fala de Lúcifer e falou: ‘olha o cara que vocês
ouvem, é satanista’. Eu achei isso de uma
covardia, de uma perversidade enorme. E
eu continuei. Eu fui na Fátima [Bernardes]
quinze dias antes de sair da TV Globo e falei
o que achava do governo Bolsonaro, que era
covarde, perverso, cruel e mentiroso. Essas
quatro características são as mais marcantes.
Isso daí não dá para você ficar batido, em
qualquer lugar que você trabalhe. Eu plantei
minhas opiniões, não sabia qual seria a reação
da Globo, nem nada. É uma coisa dentro de
mim e eu não vou me omitir. Porque antes de
qualquer coisa, antes de ser jogador, antes de
escrever livro, antes de sair uma série, antes de
ser comentarista, eu sou cidadão brasileiro. A
minha profissão vem depois, tanto faz minha
profissão. O mais importante é que sou cidadão
brasileiro e tenho a obrigação de me posicionar
sobre as coisas que acho que estão erradas
e fora de contexto dentro de uma sociedade
democrática. Teve um desgaste final e a
separação foi o melhor que aconteceu entre
os dois lados. O desgaste foi como trabalhar
dentro do esporte, que saiu do jornalismo e
foi para o entretenimento. E daí tudo começou
a ser muito engraçado. É obrigado tudo ter
uma gracinha. E eu venho de uma escola da
TV Globo dos anos 90 em que o esporte era
jornalismo, informação, era uma coisa séria. E
pra mim é sério.”w
Eleições 2022

Foto Reprodução
Exclusivo
Forças Armadas
e Bolsonaro têm
roteiro para tumultuar
eleição em 2
de outubro
Questionamentos das Forças Armadas ao TSE,
em conluio com Bolsonaro, indicam como será
a tentativa de anular as eleições; deputados
dos EUA querem investigação sobre ação dos
militares contra o tribunal
por Mauro Lopes

A
s 88 perguntas que as Forças Armadas
endereçaram ao Tribunal Superior
Eleitoral em cinco ofícios desde
dezembro de 2022 desenham o roteiro do
que pode ser a ação desestabilizadora do
bolsonarismo no pleito de 2 de outubro. As
evidências são tamanhas que um grupo de
deputados democratas dos EUA solicitou nesta
semana uma investigação sobre o assunto,
segundo reportagem do jornalista Brian Mier no
site Brazil Wire.
Há pelo menos três perguntas das Forças
Armadas ao TSE que indicam claramente o
ânimo militar contra as eleições e como eles
sinalizam o percurso para a conturbação no
dia 2 de outubro. Segundo a advogada Maíra
Recchia, presidenta do Observatório Eleitoral
da OAB-SP, “não há precedente para a atual
ingerência das Forças Armadas no processo
eleitoral”. Ela falou ao Fórum Café na última
sexta-feira (8) e afirmou taxativamente: “Há uma
tempestade anunciada para as eleições”.
Também nesta semana, na quinta-feira,
o ex-deputado José Genoino, uma das mais
expressivas lideranças do PT, havia advertido,
em entrevista ao Fórum Café: “Temos que
acabar com a lógica de confiar nos militares”.
O clima de tensão no TSE e no STF é
evidente. A ponto de o atual presidente da
Corte Eleitoral, Edson Fachin, ter afirmado
na última quarta-feira nos EUA que “nós
poderemos ter um episódio ainda mais
agravado do que 6 de janeiro daqui do
Capitólio”, referindo-se à invasão do Congresso
dos EUA pelos trumpistas. Fachin fez afirmação
“Há uma
tempestade
anunciada para as
eleições”
Maíra Recchia

grave numa palestra no Wilson Center em


Washington, um importante centro de estudos e
debates dos EUA, com uma seção dedicada ao
diálogo com o Brasil, o Brazil Institute.
Na noite de quinta-feira em sua live semanal,
Bolsonaro soprou seu “apito de cachorro” (dog
whistle) sinalizando para a malta bolsonarista
a ofensiva em articulação contra as eleições:
“não preciso dizer o que eu tô pensando e o
que você está pensando, você sabe como
você deve se preparar”. Pouco antes, na live,
Bolsonaro afirmou que “se o comando de
defesa cibernética do Exército detectar fraude
esse trabalho não valerá nada porque o senhor
Fachin disse que isso não muda o resultado
eleitoral”. Ou seja: na narrativa bolsonarista,
haverá fraude, a eleição será “roubada”, as
Forças Armadas irão identificar a fraude e é
preciso “agir”.
Agir como? O roteiro das perguntas dos
militares ao TSE indica o cenário armado para 2
de outubro.
“Temos que acabar
com a lógica
de confiar nos
militares”
José Genoino

Em meio às 88 perguntas, três delas


indicam o alvo: os ataques aos lacres das urnas
eletrônicas como caminho para tumultuar e
exigir a anulação das eleições.

Pergunta 57
“Quando do recebimento de urna com lacre
violado, quais são os procedimentos adotados no
caso dela conter votos e no caso dela não conter?”
A resposta do TSE sobre a hipótese de
violação de lacre de urna depois de realizada
a votação indica o caminho da possível ação
dos bolsonaristas em 2 de outubro e qual o seu
resultado: “recomenda-se a abertura de uma
investigação, cabendo ao juiz eleitoral decidir
se os votos serão válidos ou não”. Ou seja:
os votos da urna de lacre rompido poderão
ser invalidados - na verdade, nessa hipótese,
certamente o serão, segundo advogados
especializados em Direito Eleitoral.
A pergunta 64 é chave, porque indica
claramente o “caminho das pedras” e o
objetivo comum dos militares e de Bolsonaro: a
anulação das eleições.

Pergunta 64
“Caso uma eleição seja decidida por um
número de votos menor do que o total que foi
desconsiderado por falha na mídia eletrônica, como
será resolvida uma possível incoerência que pode
advir da desconsideração, total ou parcial, de votos?”
A resposta do TSE indica que os ministros
entenderam a armadilha contida na pergunta:
“Na remota hipótese de impossibilidade de
recuperação dos votos de uma urna eletrônica,
cabe ao juiz eleitoral da respectiva zona
eleitoral determinar a anulação integral da
seção eleitoral. Num cenário em que os votos
perdidos (anulados) façam diferença para a
determinação do resultado serão realizados os
procedimentos previstos nos artigos 147 e 201
do Código Eleitoral”.
A Corte Eleitoral sequer redigiu “in totum” a
resposta ao questionamento militar, remetendo
a dois artigos do Código Eleitoral, para,
certamente, evitar enunciar a consequência da
pergunta maliciosa. O artigo 147 é de menor
relevância, mas o 201 põe a nu o objetivo militar.
Artigo 201 do Código Eleitoral: “De posse do
relatório referido no artigo anterior, reunir-se-á o
Tribunal, no dia seguinte, para o conhecimento
do total dos votos apurados, e, em seguida,
Foto Reprodução
As forças de segurança mobilizadas pela Justiça Eleitoral nas eleições são
tradicionalmente as Forças Armadas e as Polícias Militares, que estão largamente
contaminadas pelo bolsonarismo

se verificar que os votos das seções anuladas


e daquelas cujos eleitores foram impedidos
de votar, poderão alterar a representação de
candidato eleito pelo princípio majoritário,
ordenará a realização de novas eleições”.
Ou seja: anulação das eleições.
Uma advertência sobre o ataque às urnas
com o objetivo de romper os lacres. As forças
de segurança mobilizadas pela Justiça Eleitoral
nas eleições são tradicionalmente as Forças
Armadas e as Polícias Militares, que são,
segundo a lei, uma força auxiliar e reserva do
Exército. Tanto a cúpula das Forças Armadas
como as das PMs e as tropas estão largamente
contaminadas pelo bolsonarismo, em muitos
casos em conexão com as milícias e grupos
armados civis de extrema direita. Ou seja: todo
o mapeamento e controle do trânsito das urnas
estará ao alcance da mão do bolsonarismo.
É patente, pelas pesquisas, que a provável
diferença entre Lula e Bolsonaro será tamanha
que uma ação em larga escala para romper
os lacres das urnas eletrônicas a ponto de
colocar em risco o resultado das eleições será
praticamente impossível. Mas ações isoladas
que sejam realizadas em diversos Estados
serão imediatamente utilizadas como evidência
de “fraude” e abrirão a campanha pela anulação
do pleito.
A pergunta 81 das Forças Armadas em seu
questionário é tão agressiva e patenteia que as
eleições estão sob ameaça direta dos militares
em consórcio com Bolsonaro que o TSE limitou-
se a uma resposta genérica, agradecendo as
“sugestões” e garantindo “a integridade do
processo eleitoral”.
Leia a seguir e veja o tamanho da ousadia
militar com uma ameaça direta, explícita, contra
as eleições. A pergunta 81 sequer é uma
pergunta, retoma o tema do “voto impresso” e
afirma ameaçadoramente que “não foi possível
visualizar medidas a serem tomadas em caso
da constatação de irregularidades nas eleições”.

Pergunta 81
“Considerando o voto como um direito e um
dever inarredáveis de cada cidadão, sugere-se
a adoção de medidas que permitam a validação
e a contagem de cada voto sufragado, mesmo
que, por qualquer motivo, as respectivas mídias
ou urnas eletrônicas sejam descartadas. Destaca-
se que, a despeito do esforço em se prever
ações em face da observância de falhas durante
o pleito eleitoral, até o presente momento, salvo
melhor juízo, não foi possível visualizar medidas
a serem tomadas em caso da constatação de
irregularidades nas eleições. Nesse diapasão,
propõe-se a previsão e divulgação antecipada de
consequências para o processo eleitoral, caso
seja identificada alguma irregularidade”.
O clima de tensão em relação a 2 de
outubro não é exclusividade da Justiça Eleitoral
e do STF. Há enorme preocupação nos
partidos políticos. Mais que preocupação, há
um grande medo sobre o que pode acontecer
nos integrantes “chão da fábrica” do dia das
eleições, compostos por mesárias e mesários
e demais membros das seções eleitorais.
Mesários e mesárias serão mais de um milhão
em 2 de outubro, 400 mil apenas no Estado de
São Paulo. Segundo a advogada Recchia, “os
mesários das seções eleitorais estão com medo
do que pode acontecer em 2 de outubro”.
O dia das eleições no Brasil já foi de
festa. Em 2 de outubro de 2022, a julgar pelo
movimento militar-bolsonarista, será um dia
de guerra.w
Eleições 2022

Foto Presidência da República


Opinião
Assassinato de
petista e declaração
de Anitta a Lula
enfurecem Bolsonaro,
que teme perder
(mais) votos
por Plinio Teodoro

O
assassinato do guarda municipal
petista Marcelo Arruda pelo policial
bolsonarista Jorge José Guaranho que
teve como consequência a adesão da cantora
Anitta à campanha de Lula (PT) pode provocar
um estrago bem maior na campanha de Jair
Bolsonaro (PL) que os recentes escândalos do
governo com os pastores no MEC e a cultura
de assédio sexual na Caixa.
A violência do apoiador, que apenas
respondeu ao chamado “dog whistle” - o
apito de cachorro na linguagem política - de
Jair Bolsonaro, enfureceu o presidente, que
se vê aprisionado em seu próprio discurso
de tensionar ainda mais o ambiente eleitoral
incitando o discurso de ódio na horda mais
radical que o apoia.
O plano de Bolsonaro, até então, era
incendiar apoiadores, enquanto angaria apoio
de outra horda, da cúpula militar, para poder
propagar ódio - inclusive e principalmente no 7
de Setembro - ameaçando o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Assim, levaria a eleição ao
segundo turno, quando poderia construir a tese
golpista sobre fraude nas urnas eletrônicas.
No entanto, o extremismo de Guaranho, que
invadiu uma festa temática do PT e assassinou
um guarda municipal por ódio político, fez
com que Bolsonaro voltasse atrás e fosse às
redes condenar a “violência contra opositores”,
discurso que está mais do que colado nele.
A mídia liberal - dada a “equilibrar” a
cobertura - teve que descer do muro e, aos
poucos, mostrar quem realmente “polariza” a
disputa presidencial.
Nas redes, Bolsonaro e seu clã tiraram Celso
Daniel e Adélio da cartola para tentar equipararo
Foto Divulgação

caso e minimizar o estrago em meio aos


apoiadores, que não encontraram discurso para
justificar o crime de ódio. Alas menos radicais,
ligadas à defesa do neoliberalismo foram
levadas até mesmo a se questionarem.
No Centrão, a avaliação é que as
desculpas de Bolsonaro não sairão da bolha,
impossibilitando qualquer chance de angariar
os votos necessários para levar a disputa ao
segundo turno.
A “bomba” Anitta
Não bastasse o estrago feito por Jorge José
Guaranho, a declaração de apoio a Lula feita
pela cantora Anitta, que tem quase 120 milhões
de seguidores nas redes - sendo mais de 17
milhões somente no Twitter, palco político da
internet -, deixou o clã presidencial ainda mais
em polvorosa.
Coordenador do gabinete do ódio nas redes,
Carlos Bolsonaro tratou logo de vasculhar vídeos
da cantora - já tão surrada entre bolsonaristas -
para tentar desqualificá-la. Em vão.
Levantamento do DataFórum mostra que
a decisão tomada por Anitta em razão do
assassinato de Marcelo Arruda estourou a bolha
e atingiu 61% das menções no universo político/
cultural pesquisado pela ferramenta exclusiva da
Fórum para monitorar o Twitter.
O cenário deve ser projetado nas próximas
pesquisas de intenção de votos. A menos de
3 meses das eleições e diante de um cenário
econômico que tende a se agravar mesmo com
a proposta kamikaze de distribuir dinheiro, um
novo deslize nas pesquisas pode ser fatal para
os planos de Bolsonaro.
Uma vitória acachapante de Lula no
primeiro turno sepultaria, de vez por todas, a
possibilidade de um golpe para se manter no
poder - e longe da cadeia.
Foto Ricardo Stuckert
Uma vitória acachapante de Lula no primeiro turno sepultaria, de vez por todas,
a possibilidade de um golpe para Bolsonaro se manter no poder

Em seus primeiros passos, Bolsonaro


mostra que tende a elevar o discurso de ódio
e volta a subir o tom contra ministros do TSE,
além de Lula. No entanto, sabe que uma nova
tragédia - possível - pode dar uma facada fatal
em seus planos. E, desta vez, não terá Adélio
que o salve de uma derrota.w
Foto Frame vídeo
Eleições 2022

Oi, sumida!
Fontes palacianas já não escondem que
Michelle Bolsonaro não quer se envolver na
corrida eleitoral do marido. Entenda quais
seriam as razões para isso
por Henrique Rodrigues

J
air Bolsonaro foi a um encontro com cinco
mil mulheres evangélicas em Imperatriz,
no Pará, e foi ovacionado pela fatia da
população que mais dá sustentação em sua
campanha eleitoral. Falou empolgado ao lado
de pastores, recebeu aplausos e gritos de
“mito”, mas uma ausência era notada por todos:
a da primeira-dama Michelle.
Não é de agora que a imprensa que cobre
o mundo político vem notando que a esposa
do presidente parece evitar os compromissos
eleitorais do chefe do Executivo federal, que
tenta mais um mandato de quatro anos à
frente do Palácio do Planalto. Em outras
oportunidades, sobretudo em eventos que
envolvem mulheres, e que sua presença seria
indispensável, Michelle também não apareceu,
assim como se negou peremptoriamente a
gravar para as inserções de TV do partido do
marido, o PL, que foram ao ar em junho.
Bolsonaro tem uma rejeição imensa entre
as mulheres. O último Datafolha, no fim do mês
passado, mostrou que 61% das brasileiras
não votariam de forma alguma nele, e elas
formam 53% do total de eleitores no país. Sem
alguma adesão a mais do voto feminino, sua
já combalida campanha será sepultada de vez
e é por isso que Michelle é fundamental. Mas
afinal, mesmo sendo mais do que indispensável
neste momento, por que a primeira-dama
resolveu “abandonar” o barco eleitoral do líder
de extrema direita?
Fontes palacianas que sempre falam sob
anonimato absoluto têm listado três fatores para
que a esposa do presidente tenha se retirado de
cena num momento tão crucial. A primeira delas
tem algum peso, mas não é a mais importante.
Michelle passou a ser muito questionada, e
até bastante ridicularizada, pelas intervenções
religiosas públicas que protagonizou num
Foto Divulgação/Frente Parlamentar Evangélica
De joelhos e em lágrimas, Michelle Bolsonaro participa de culto da
Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados

passado recente. Pular “falando em línguas”


na aprovação pelo Senado do nome do agora
ministro do STF André Mendonça foi um dos
casos, assim como a oração ajoelhada e
aos berros numa comissão da Câmara dos
Deputados, pouco tempo depois.
Um outro revés também deixou Michelle
em maus lençóis: a prisão do ex-ministro
da Educação Milton Ribeiro, que é pastor e
foi defendido pela primeira-dama desde sua
nomeação, que inclusive teria sido pressão dela.
Ribeiro está enrolado até o pescoço no caso
de corrupção ocorrido no MEC e que segue em
apuração pela Polícia Federal (PF) e o Ministério
Público Federal (MPF).
A defesa que Michelle fez do pastor-ministro,
mesmo após sua demissão do cargo por fortes
indícios de compor um grupo de pastores que
pediam propina de dentro da Esplanada dos
Foto Carolina Antunes/PR
Envolvido em caso de corrupção no MEC, o ex-ministro
Milton Ribeiro foi defendido por Michelle até quando ele foi demitido

Ministérios, foi muito enfática e terminou por


envolver diretamente o núcleo palaciano na
encrenca protagonizada por Ribeiro.
Por fim, o que mais tem pesado para que a
mulher de Jair Bolsonaro desaparecesse dos
compromissos públicos eleitorais do esposo,
de acordo com funcionários próximos da
primeira-dama, é o excesso de proximidade
do presidente com duas ex-esposas, Rogéria
(Nantes) Bolsonaro, mãe de seus três filhos mais
velhos, que entrou para a política e deve ser o
nome como suplente do senador Romário (PL-
RJ), e Ana Cristina (Valle) Bolsonaro (Podemos-
DF), que se lançará possivelmente a uma
cadeira como deputada distrital no DF.
Michelle, seja por razões óbvias ou por
motivos não esclarecidos, não estaria gostando
nada desse excesso de aproximação, que
ocorreria com a anuência do marido.w
ACESSE PARA
SABER MAIS
veneta.com.br/produto/
como-derrotar-o-fascismo/
Política

Foto Reprodução
Mortes, agressões, ameaças

Violência
bolsonarista
Assassinato de Marcelo Arruda por bolsonarista
em Foz do Iguaçu não é isolado. Desde 2018,
lista de mortes, agressões e ameaças de
apoiadores de Bolsonaro contra militantes de
esquerda só cresce. Confira
por Ivan Longo

O
assassinato do guarda-civil petista
Marcelo Arruda, que foi morto a tiros
em Foz do Iguaçu (PR) pelo bolsonarista
Jorge José da Rocha Guaranho, num atentado
terrorista com motivações políticas, não é um
caso isolado. Ainda em 2018 e até mesmo
antes da eleição que alçou Jair Bolsonaro (PL)
à presidência, mortes, agressões e ameaças
feitas por bolsonaristas contra petistas e
militantes de esquerda já eram registradas e,
desde então, não pararam de crescer.
O assassinato de Marielle Franco e Anderson
Gomes em 14 de março de 2018 já anunciava
o clima de ódio que serviria como base para a
atuação de bolsonaristas na campanha eleitoral
e durante o governo Bolsonaro. Além do fato
de que os milicianos envolvidos na morte da
vereadora do PSOL tinham relações com o atual
presidente, bolsonaristas debocharam e seguem
debochando do assassinato brutal, que se
tornou um símbolo da violência política no país.

NAQUELE ANO, BOLSONARO JÁ FALAVA


EM “FUZILAR A PETRALHADA” E, ASSIM
COMO FAZ ATÉ HOJE, INCENTIVA A
VIOLÊNCIA CONTRA OPOSITORES, PREGA O
ARMAMENTO DA POPULAÇÃO E FACILITA O
ACESSO A ARMAS DE FOGO.

O resultado disso é uma escalada sem


precedentes de violência política, que envolve
assassinatos, agressões e ameaças, não só
contra petistas mas também contra militantes
de esquerda ou pessoas que simplesmente se
opõem ao atual governo.
Para se ter uma ideia, somente entre janeiro
de 2020 e fevereiro de 2021 foram registrados
69 casos de violência praticada por bolsonaristas
contra cidadãos no geral, lideranças de
movimentos sociais e políticos, segundo
memorial elaborado pelo PT e entidades.

“Vamos
fuzilar a
petralhada!”

Relembre alguns casos de


violência política de bolsonaristas
contra opositores

15 de novembro de 2017
Mulher é agredida por bolsonarista ao
dizer que votaria em Lula
Uma mulher foi agredida em uma padaria
de São Paulo (SP) por um apoiador de Jair
Bolsonaro simplesmente por ter dito que, entre
o então deputado e o ex-presidente Lula,
votaria em Lula nas eleições do ano seguinte. R*
contou, no relato que postou no Facebook, que
parou com uma amiga para comer na padaria
Bologna, na rua Augusta, em São Paulo, antes
de ir para casa. No local, dois homens que
comiam no mesmo balcão que ela começaram
a incomodá-la e, em dado momento, um
deles perguntou se em um segundo turno
nas eleições de 2018 ela votaria em Lula
ou Bolsonaro. Bastou ela dizer que votaria
no petista para que o homem começasse a
destilar uma série de ofensas de cunho racista
e classista. A princípio, R* conta que ignorou
as ofensas e se dirigiu ao caixa para pagar a
conta e ir embora mas, diante da ofensiva dos
dois homens, resolveu rebater. Um funcionário
da padaria, então, teria entrado entre eles para
intervir e, em um momento de distração, um
dos apoiadores de Bolsonaro desferiu um soco
em seu olho.

27 de março de 2018
Caravana de Lula é atacada com tiros no PR
Um dos ônibus que acompanhava uma
caravana de Lula no Paraná, no trajeto entre
Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, foi
atingido por pelo menos três disparos de arma
de fogo. Ninguém ficou ferido. Além dos tiros,
opositores armaram emboscadas na rodovia
com pregos para furar os pneus dos veículos.

6 de outubro de 2018
Carreata de apoio a Haddad é atacada por
bolsonarista
Uma carreata de apoio ao então candidato
à presidência Fernando Haddad (PT) em
Maringá (PR) foi atacada por um bolsonarista.
O agressor, que dirigia uma motocicleta com
um adesivo de campanha de Jair Bolsonaro,
avançou contra o ato de rua, arrancou
bandeiras dos militantes e as usou para
quebrar os vidros das janelas do carro onde
estava a presidente do Sindaen (Sindicato dos
Trabalhadores nas Empresas de Água, Esgoto e
Saneamento de Maringá e Região Noroeste do
Paraná), Vera Pedroso, que teve a mão cortada
por conta dos estilhaços. Ela foi atendida em
uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) local
e levou cinco pontos. Os militantes presentes na
passeata tentaram conter o motociclista até a
chegada da polícia, mas instantes depois outros
quatro homens apareceram para ajudá-lo e, em
meio a mais agressões, conseguiram fugir.

7 de outubro de 2018
Bolsonaristas atropelam cineasta
O cineasta Guilherme Daldin vestia uma
camiseta com a imagem do ex-presidente
Lula e estava acompanhado de amigos nas
proximidades da Rua Trajano Reis, no centro de
Curitiba, quando foi atropelado por um carro.
Daldin estava parado ao lado de um bicicletário.
“Eu conversava com os amigos e o carro foi
jogado contra mim, o pneu passou por cima
dos meus pés. O carro saiu em disparada e,
quando amigos conseguiram chegar perto do
motorista, ele ameaçou dizendo que portava
uma arma”. A placa do carro foi identificada e
através dela foi possível encontrar o perfil do
Facebook do motorista que revela em suas
postagens ódio e pedido de morte a quem
apoia o PT.

8 de outubro de 2018
Mestre Moa do
Katendê é assassinado
a facadas
O mestre de capoeira
Moa do Katendê, de 63
anos, foi assassinado
a facadas por dizer que apoiava Fernando
Haddad, então candidato do PT à presidência,
em Salvador (BA). O crime ocorreu após o
primeiro turno das eleições. O assassino é
eleitor de Jair Bolsonaro e matou o capoeirista
por discordar das suas posições políticas.
Quando foi atacada, a vítima estava em um bar
com o primo Germino, de 52 anos, que também
foi ferido com os golpes de faca.

10 de outubro de 2018
Bolsonaristas armados atacam Casa do
Estudante em Curitiba
Um estudante da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) foi agredido por bolsonaristas
pelo fato de estar usando, na ocasião, um boné
do MST. Ele estava com alguns amigos na praça
do campus universitário quando foi espancado
pelo grupo, que gritava “Aqui é Bolsonaro”.
Armados, os bolsonaristas ainda depredaram a
Casa do Estudante da universidade.

28 de novembro de 2019
Bolsonarista mata idoso a socos por
divergência política em SC
Apoiador de Jair Bolsonaro, Fábio Leandro
Schwindlein, de 44 anos, matou o idoso
Antônio Carlos Rodrigues Furtado, de 61
anos, após agressão com socos e pontapés
por discussão sobre política. Rodrigues teria
um posicionamento mais à esquerda e Fábio
Leandro já demonstrou em diversas publicações
nas redes sociais ser bolsonarista. O crime
ocorreu na Avenida Alvin Bauer na região
central de Balneário Camboriú. Segundo
boletim de ocorrência feita pela polícia, Fábio
Leandro estava “muito alterado e proferindo
palavras impróprias de cunho ofensivo”, quando
começou a agredir o idoso “A vítima foi para
a calçada e em seguida, F.L.S iniciou com as
agressões. Após o ato, a vítima caiu no chão, e
o autor continuou a agredi-lo. Em ato contínuo,
a vítima levantou-se e pediu para cessar com a
agressão, pedido este ignorado pelo autor do
fato. Neste momento, a vítima caiu novamente
no chão, desta vez, desacordado”, diz o
boletim. Rodrigues teve uma parada cardíaca
no local e morreu.

18 de março de 2021
Rodrigo Pilha é
preso por faixa contra
Bolsonaro e sofre
tortura na prisão
O ativista Rodrigo Pilha,
preso no dia 18 de março
de 2021 por estender uma faixa chamando
o presidente Jair Bolsonaro de genocida, foi
espancado e torturado na prisão. Enquanto
esteve na Polícia Federal prestando depoimento,
Pilha foi tratado de forma respeitosa, mas ao
chegar no Centro de Detenção Provisória II,
área conhecida como Covidão, em Brasília,
alguns agentes já o esperavam perguntando
quem era o petista. A recepção de Pilha foi
realizada com crueldade. Ele recebeu chutes,
pontapés e murros enquanto ficava no chão
sentado com as mãos na cabeça. Enquanto
Pilha estava praticamente desmaiado, o agente
que o agredia, e do qual a família e advogados
têm a identificação, perguntava se ele com 43
anos não tinha vergonha de ser um vagabundo
petista. E dizia que Bolsonaro tinha vindo para
que gente como ele tomasse vergonha na cara.
15 de outubro de 2021
Bolsonarista armado ameaça radialista
Jerry Oliveira
Em 15 de outubro de 2021, a 8ª Delegacia
de Polícia de Campinas (SP) informou que
estava investigando o caso do radialista Jerry de
Oliveira, da Rádio Noroeste, que estava sendo
ameaçado por um bolsonarista que mora no
seu bairro, chamado Lourival Bento. Ele relata
que, além de intimidações verbais, o filho de
Lourival chegou a se dirigir a ele com uma arma
na mão dizendo que “ninguém mais falaria mal
do Bolsonaro”.

12 de dezembro de 2021
Equipe da TV Bahia é agredida por
seguranças e apoiadores de Bolsonaro ]
em Salvador
Uma equipe de jornalistas da TV Bahia,
uma afiliada da Rede Globo, foi agredida
em Itamaraju, sul da Bahia, por seguranças
e militantes bolsonaristas. Os jornalistas
agredidos são Camila Marinho e o cinegrafista
Cleriston Santana, que aguardavam a
chegada do presidente Jair Bolsonaro. Após
deixar o helicóptero, o presidente seguiu em
direção ao estádio municipal Juarez Barbosa
acompanhado de um séquito de bolsonaristas e
cercado por seguranças. Quando os repórteres
da TV Bahia e da TV Aratu, afiliada do SBT,
tentaram se aproximar do carro em que o
presidente estava, foram impedidos pelos
seguranças. Um dos seguranças deu o golpe
“mata-leão” na jornalista Camila Marinho. Os
jornalistas da TV Aratu Xico Lopes e Dário
Cerqueira também foram agredidos.

15 de junho de 2022
Usando drone,
bolsonarista
despeja fezes e
urina em apoiadores
de Lula durante ato em
Uberlândia
Apoiadores do ex-presidente Lula que
aguardavam o início de um ato político do
petista em Uberlândia (MG) com Alexandre
Kalil (PSD), ex-prefeito de Belo Horizonte e pré-
candidato do governo de Minas Gerais, foram
surpreendidos por um drone que sobrevoou
o local jogando um líquido fétido no público
presente. A presença do drone de pulverização
- usado normalmente para agricultura -
provocou uma correria no local. O responsável
pelo ataque foi preso.

7 de julho de 2022
Bolsonarista lança explosivos contra ato
de Lula na Cinelândia
Explosões foram registradas durante o ato
político que o ex-presidente Lula (PT) realizou
recentemente na Cinelândia, Rio de Janeiro
(RJ). Segundo testemunhas, o artefato foi
lançado da parte de fora da área onde estava
o público, cercada por grades, e explodiu no
chão, próximo às pessoas que prestigiavam o
evento. O autor do ataque foi preso.

7 de julho de 2022
Bolsonaristas atacam
juiz que prendeu Milton
Ribeiro
O juiz federal Renato
Borelli, da 15ª Vara Federal
de Brasília, que deu a
ordem de prisão do ex-ministro da Educação
Milton Ribeiro no caso que apura corrupção e
propinas no MEC, foi atacado por bolsonaristas
com uma quantidade grande de fezes e ovos
enquanto dirigia, indo de casa para o trabalho.
Ele trafegava pela capital federal quando seu
carro foi atingido pelos excrementos e ovos, que
cobriram quase todo o para-brisa do veículo,
tirando toda sua visibilidade. O magistrado
precisou dirigir alguns quilômetros, quase sem
enxergar, para conseguir fugir e chegar a um
local seguro.w
Opinião

O bolsonarismo
mata
Quantas vidas serão ceifadas
até pararmos a ideologia do ódio?
por Cynara Menezes

As vítimas do bolsonarismo: Marcelo Arruda, Marielle Franco, Dom Phillips,


Bruno Pereira, Moa do Katendê e Genivaldo de Jesus
Ilustrações @crisvector
O
petista Marcelo Arruda, casado e pai de
quatro filhos (o mais novo um bebê de 40
dias), foi assassinado no sábado em Foz
do Iguaçu por causa de um bolo de aniversário.
Marcelo comemorava seus 50 anos e fez uma
festa privada onde a decoração utilizava temas
relacionados ao PT e ao ex-presidente Lula. Foi
o bastante para encher de ódio um seguidor de
Jair Bolsonaro, que invadiu a festa e assassinou a
tiros o aniversariante. Guarda municipal, Marcelo
estava armado e conseguiu atingir o assassino
em legítima defesa.
Essa é a história do que ocorreu no último final
de semana no Paraná. Quem falar em “troca de
tiros” está mentindo. Quem, de alguma maneira,
tentar culpar Marcelo pela própria morte está
mentindo. Quem igualar a virulência bolsonarista
ao discurso do PT está mentindo. Bolsonaro
fez do ódio seu principal instrumento desde
que surgiu na política. Chegou ao poder pelo
ódio. Governa pelo ódio. Engaja seguidores pelo
ódio. Mente pelo ódio. Se alimenta de ódio. É
sinônimo de ódio. Se tirar o ódio, o que sobra do
bolsonarismo? Nióbio?
Observe algumas das frases de Bolsonaro
em eventos públicos recentemente. Ele não
Foto Reprodução
Em 1999, o então deputado federal Jair Bolsonaro já
defendia que o presidente da República, FHC, fosse “fuzilado”

fala de saúde, de educação, de alimentação,


de moradia; só fala em armas. Parece mais
um representante comercial da Taurus do que
um presidente da República. “Um tiro só mata
todo mundo e uma granadinha mata todo
mundo”, disse, em maio, comentando sobre
seus opositores na eleição de 2018. No Paraná,
Estado onde ocorreu o crime, disse, no mesmo
mês: “Quero que todo cidadão de bem possua
sua arma de fogo”.
Nunca foi diferente. Em 1999, o então
deputado federal Jair Bolsonaro defendeu que
o presidente da República de então, Fernando
Henrique Cardoso, fosse “fuzilado”, mesmo
termo que usou em relação aos petistas durante
a campanha de 2018 e agora diz ter sido “em
sentido figurado”. E não foi literalmente o que
ocorreu em Foz? Um bolsonarista não fuzilou
um petista? Leniente com o disseminador do
ódio que surgia, a Câmara dos Deputados
não fez nada contra ele após ameaçar FHC.
Também não fez nada quando ele homenageou
em plenário um torturador, Brilhante Ustra,
“o terror de Dilma Rousseff”, a quem já tinha
desejado que morresse “de infarto ou câncer”.

MARCELO NÃO É O PRIMEIRO A SER


ASSASSINADO PELO ÓDIO BOLSONARISTA
NEM SERÁ O ÚLTIMO SE O BRASIL NÃO
PARAR A IDEOLOGIA DO ÓDIO CAPITANEADA
POR BOLSONARO.

Em outubro de 2018, o capoeirista Moa


do Katendê foi morto com 12 facadas pelas
costas por um bolsonarista. E tampouco foi o
primeiro: a rigor, todo crime político que ocorreu
no país nos últimos anos deve ser creditado ao
bolsonarismo, a começar pelo assassinato da
vereadora Marielle Franco e de seu motorista,
Anderson Gomes, em março de 2018 – um dos
assassinos, Ronnie Lessa, aliás, era vizinho de
Jair Bolsonaro no Vivendas da Barra, e o outro,
Élcio Queiroz, aparece em foto com o então
candidato.
Direta ou indiretamente, Marielle e Anderson
foram vítimas do ódio político alimentado pelo
bolsonarismo. Ou Bolsonaro irá negar que a
frase “vamos fuzilar a petralhada” tinha como
Foto Reprodução
Ainda candidato, Bolsonaro disse que não haveria “nem um centímetro
demarcado para reserva indígena e para quilombola”

alvo políticos como Marielle, mulher negra, de


esquerda, ou Marcelo Arruda? A morte bárbara
do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno
Pereira numa Amazônia que o bolsonarismo
transformou em terra sem lei, empoderando as
queimadas, a pesca e o garimpo ilegais e por
consequência o narcotráfico, deve ser creditada
a quem? Ao PT é que não é.
E o aumento das mortes de indígenas por
invasores de terras e garimpeiros desde que
Bolsonaro chegou ao poder? Não terá pesado
sobre isso o fato de o então candidato ter
garantido que, em seu governo, não haveria
“nem um centímetro demarcado para reserva
indígena e para quilombola”? Ter dito diversas
vezes que indígena “tem terra demais” ou que
o tamanho de área indígena é “abusivo” não
é um convite à violência? Não deixa os povos
Foto Reprodução
“E daí? Não sou coveiro”: também devem ser creditadas ao bolsonarismo
as quase 700 mil mortes pela Covid-19

indígenas vulneráveis? Afirmar que debaixo do


solo das reservas há “trilhões de reais”, como
faz o presidente, não é expô-los ao perigo?
Há mais mortes na conta do bolsonarismo.
Se um político defende que “bandido bom é
bandido morto”, está defendendo que policiais
façam Justiça com as próprias mãos, o que o
então governador bolsonarista do Rio, Wilson
Witzel, deixou claro ao prometer que a polícia ia
“mirar na cabecinha e... fogo”. Portanto, todas
as mortes de pessoas inocentes em decorrência
da violência policial devem ser creditadas a essa
ideologia do ódio – como a de Genivaldo de
Jesus Santos, em maio, morto por asfixia ao
ser colocado no porta-malas de um camburão
e sufocado com gás lacrimogêneo por policiais
rodoviários federais.
Também devem ser creditadas ao
bolsonarismo as quase 700 mil mortes pela
Covid-19, quando se sabe que pelo menos um
terço delas poderia ter sido evitada, não fosse a
inércia, a inépcia ou a sabotagem escancarada
do governo federal ao combate à pandemia.
Enquanto as pessoas morriam e o ministério
da Saúde fazia negociatas com a vacina,
Bolsonaro chamava a Covid-19 de “gripezinha”,
desobedecia à recomendação de usar máscaras,
imitava gente chegando ao hospital com falta
de ar, dizia “e daí? Não sou coveiro” e oferecia
cloroquina até às emas do Palácio da Alvorada.

É DISSO QUE A ESQUERDA FALA


QUANDO CHAMA O BOLSONARISMO DE
“NECROPOLÍTICA”. BOLSONARO TEM
CHEIRO DE MORTE. NÃO É UMA QUESTÃO
DE “ATRIBUIR CULPA” A ELE OU NÃO, E SIM
DE ESMIUÇAR UMA IDEOLOGIA BASEADA
EM ÓDIO E RESPONSABILIZÁ-LA PELA
VIOLÊNCIA QUE PLANTOU.

Ou a masculinidade tóxica promovida pelo


bolsonarismo não tem responsabilidade alguma
por termos um estupro a cada 10 minutos e
um feminicídio a cada 7 horas no país? Quem
foi que disse que só não estupraria uma colega
porque “ela é muito feia”? Um presidente
Foto Reprodução
Brasil do bolsonarismo: um estupro a cada 10 minutos
e um feminicídio a cada 7 horas

que diz que uma repórter “queria dar o furo”


é exemplo de respeito às mulheres? E quem
é que defende que criança tenha filho de
estuprador? A esquerda é que não.
Infelizmente, para arrancar o PT do poder
no tapetão, a mídia comercial alimentou o ódio
à esquerda de que hoje o presidente se nutre,
rumina e regurgita sobre seus seguidores. O
que é mais lamentável é ver parte da mídia
neste momento, auxiliada por políticos movidos
pelo rancor, em vez de ajudar Lula a tirar o país
do lodaçal de sangue em que se encontra,
continuarem a irrigá-lo, e da mesma forma que
fazem os bolsonaristas: culpando a vítima.w
Educação

Foto Divulgação/MST
MST

Do campo às
estrelas
Ana Gabriela Kochem dos Anjos, assentada
do MST, ganha medalha de bronze na Olimpíada
de Astronomia e Astronáutica
por Ivan Longo

O
Assentamento 9 de Novembro, do
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), em Água Doce (SC),
está em festa. A jovem Ana Gabriela Kochem
dos Anjos, que mora no local, conquistou a
medalha de bronze na Olimpíada Brasileira
de Astronomia e Astronáutica (OBA), evento
realizado pela Sociedade Astronômica Brasileira
(SAB), anualmente, desde 1998, com alunos
de escolas previamente cadastradas de todo o
país. A premiação será em outubro.
Filha e neta de assentados, Ana Gabriela
tem 9 anos e cursa o 4º ano do Ensino
Fundamental I no Centro Educacional Municipal
Cultivando o Saber. Trata-se de uma escola de
campo dentro do assentamento inaugurada em
2019 após décadas de luta dos sem-terra. A
unidade de ensino, inclusive, tem como diretor
Adílio da Silva Paz, militante do MST e que
coordena o setor de educação do movimento
em Santa Catarina.
A mãe de Ana Gabriela, Marisete Kochem,
é professora na escola e já chegou a dar aulas
para a própria filha. “O orgulho é dobrado.
Orgulho como mãe e como educadora
da escola”, disse Marisete, que vive no
assentamento 9 de Novembro há 29 anos, em
entrevista à Fórum. No local, os assentados
produzem milho e feijão, além de outros
alimentos para consumo próprio, como batatas
e mandiocas.
Para a mãe orgulhosa, a conquista de Ana
Gabriela traz visibilidade para a escola rural
e ajuda a quebrar preconceitos que algumas
pessoas ainda têm contra assentados e o MST.
“Ainda existem muitos preconceitos, e isso [a
medalha conquistada por sua filha] vem para
provar que escola boa é aquela em que a criança
é incentivada a correr atrás dos seus sonhos,
seus objetivos. É uma quebra de preconceito,
mostra que independente de lugar, de classe
social, todo mundo, tendo oportunidade, tem
chance de ser bom”, atesta Marisete.

Futura astrônoma?
Ana Gabriela, apesar da timidez, também
conversou com a reportagem da Fórum.
Extremamente estudiosa, ela diz que está muito
feliz por ter ganhado a medalha de bronze na
Olimpíada de Astronomia e Astronáutica e já
pensa em ser astrônoma quando crescer.

PERGUNTADA SOBRE DE ONDE VEIO


SEU INTERESSE POR ASTRONOMIA, A
“SEM TERRINHA” DISSE QUE “SÓ QUERIA
APRENDER UM POUCO SOBRE AS COISAS”.
“EU LEIO UM POUCO”, DECLAROU DE
FORMA MODESTA.

Sobre ser astrônoma quando crescer, Ana


Gabriela confirma que sim, tem esse interesse,
mas deixa aberto todo um mundo - ou melhor,
universo - de oportunidades. “Eu quero ser
[astrônoma]. Mas talvez...”.

Educação transformadora
Atualmente, há mais de 2 mil escolas em
Foto Reprodução
Adílio da Silva Paz: liderança do setor de educação do MST
e diretor da escola onde Ana Gabriela estuda

acampamentos de sem-terra e assentamentos


em todo o país. Essas escolas são
equipamentos públicos vinculados a estados e
municípios. Não são, portanto, escolas do MST,
mas em muitas delas o movimento desenvolve
trabalho educacional e pedagógico - para além
do fato de que foi o movimento social que lutou
pela existência desses espaços de ensino.
O Centro Educacional Municipal
Cultivando o Saber, escola de Ana Gabriela
e que fica no Assentamento 9 de Novembro,
especificamente, tem como diretor Adílio da
Silva Paz, do setor de educação do MST.
À Fórum, Adílio afirmou que a conquista
de Ana Gabriela é importante para a escola
e “gratificante para a luta do movimento”. Ele
conta que muitas pessoas em Água Doce
sequer sabem da existência da unidade de
ensino e do trabalho que é desenvolvido no
local, e que, por ser uma região de fazendeiros,
há preconceito com o MST. “O trabalho
pedagógico que procuramos desenvolver é
voltado não para conseguir prêmios, mas por
uma educação transformadora”, declara.
Segundo o diretor, apesar da escola ser
do município de Água Doce, no local são
desenvolvidas tarefas “dentro das propostas
do MST”. “Queremos que todos tenham
conhecimento, todas as crianças. A nossa
forma de fazer é diferente”, diz.
Para Adílio, o fato de Ana Gabriela ganhar
uma medalha na Olimpíada de Astronomia
quebra paradigmas sobre o MST. “Como de que
nós doutrinamos crianças, essa coisa toda...
É para mostrar que estamos aqui fazendo
um trabalho sério, que o movimento faz um
trabalho sério e quer contribuir na formação de
pessoas conscientes e capazes de lutar por uma
sociedade mais justa, mais digna”, considera.
“Muitas vezes não podemos bater tão de
frente com esse governo, mas dentro de nossa
proposta pedagógica estamos lutando pra
construir um país mais justo”, finaliza o diretor.w
Foto Reprodução

HQ

Pô, amar é
importante
por Piu Gomes
T
á puxado, como se ouve nas ruas.
Inflação, desgoverno, guerra, pandemia,
incitação ao ódio e à violência... Mas a
editora Nemo dá um descanso merecido com
quatro lançamentos de histórias em quadrinhos
que falam de amor em situações distintas:
Gioconda, Suzette – ou o grande amor, A
Adoção e Um Oceano de Amor são gibis para
quem quer adoçar o cotidiano com histórias
belas e singelas.
Gioconda conta a história de Francisco,
imigrante brasileiro que trabalha na equipe de
limpeza do Louvre e é apaixonado por ninguém
menos que... a Mona Lisa! Quando encontra
uma jovem no metrô extremamente parecida
com a pintura, sua vida sofre uma reviravolta
que envolve coincidências e desapego a uma
leitura cartesiana da vida, e ele vai viver o amor
de verdade. Além do romance que se inicia, a
história da própria Mona Lisa é abordada, sendo
que a musa do sorriso enigmático tece belos
comentários na trama.
O roteiro de Felipe Pan surgiu de uma visita
de seus alunos à exposição sobre Leonardo
da Vinci e foi concebido originalmente para o
cinema. Depois de publicar sua primeira HQ,
ele se uniu a Olavo Costa, que entre outros
trabalhos ilustrou O Astronauta, único quadrinho
Gioconda
Autores: Felipe Pan,
Olavo Costa e
Mariane Gusmão
Editora NEMO,
112 págs., R$ 64,90

que Lourenço Mutarelli apenas escreveu.


Contemplados no PROAC do Governo de São
Paulo, produziram o álbum, que tem cores de
Mariane Gusmão.
O trabalho dela é muito sensível, alternando
tons ocres e vibrantes, realçando a arte de
Olavo, que abusa de retículas e traz personagens
que flertam com a caricatura, num traço leve e
agradável, repleto de citações a obras de arte e
pinceladas de aquarela. A falta de requadro até
nos recordatórios (os textos apresentados fora
do balão, que conduzem a narrativa) incorporam
a leveza também na diagramação.
Depois de A Odisseia de Hakim, Fabien
Toulmé está de volta com Suzette. Depois da
morte do avô, Noémie descobre que a vida
conjugal de sua avó Suzette não foi exatamente
Suzette
Autor: Fabian Toulmé
Tradutor: Fernando Scheibe
Editora NEMO,
336 págs., R$ 94,90

como ela imaginava. A descoberta de um


romance anterior ao casamento, numa pequena
vila italiana, levam as duas protagonistas, que
estão em diferentes momentos da vida, a dividir
suas visões sobre relacionamentos, sexualidade,
fidelidade e o papel social da mulher. Uma road
trip rumo à Itália trará consequências não só para
Suzette, mas também para Noémie, que está
experimentando pela primeira vez a vida a dois.
O traço de Toulmé continua sutil e bem-
humorado, e a paleta de cores está mais
vibrante. A diagramação clássica traz quadros
definidos, e explode em quadros de página
inteira para dividir quase em capítulos a
trama. Através de diálogos interessantes,
vamos aprendendo sobre a forma como
cada personagem enxerga o mundo, e
A adoção
Autores: Zidrou e Monin
Tradutora: Renata Silveira
Editora NEMO,
136 págs., R$ 74,90

os preconceitos, sobretudo sobre amor e


sexualidade, são desnudados.
A Adoção, de Zidrou e Monin, explora a
relação entre Gabriel, um burguês aposentado
de 75 anos, e a recém-chegada Qinaya,
uma órfã peruana de 4 anos, vítima de um
terremoto e adotada por seu filho Alain. O
velho turrão inicialmente não se deixa seduzir,
mas a convivência com a garotinha acaba por
transformá-lo em um avô mais presente do que
foi quando pai. Uma surpresa o levará ao Peru e
a um novo olhar sobre sua vida.
A arte de Arno Monin honra a escola
franco-belga, com personagens que
misturam realismo e caricatura com aguadas
de aquarela. Os cenários são repletos de
detalhes e trazem cores fortes. O clássico
Um oceano de amor
Autores: Lupano e
Panaccione
Editora NEMO,
224 págs., R$ 79,80

roteiro do belga Zidrou traz questionamentos


importantes, como quando um personagem se
pergunta: “Todo o amor que não demos... ele
vira o quê? Ninguém nunca pensou em fazer
contâineres de reciclagem?”.
A proposta mais ousada vem com Um
Oceano de Amor, que abre mão dos diálogos
para contar a odisseia de Monsieur, um
pescador da Bretanha que é pego por um
gigantesco navio-fábrica e arrastado para uma
acidentada viagem mar afora. Paralelamente,
sua esposa decide tentar encontrá-lo e também
partirá para uma jornada atribulada.
O roteiro de Lupano traz muito humor
e também momentos de tensão, além de
incorporar a participação especial de Fidel
Castro. A arte de Panaccione é deslumbrante,
com personagens caricatos, uma paleta de
cores que se alterna conforme as emoções
descritas nas passagens e uma diagramação
que inclui cortes de imagem e tempo
sensacionais, usando com maestria pranchas
de página dupla que enchem os olhos.
Todos os gibis trazem outras reflexões ao
falar de amor. Suzette aborda com sensibilidade
um tema importante como o etarismo –
preconceito de idade que atinge idosos em
todo o mundo; Gioconda mostra que o amor
pela arte se estende à vida; A Adoção exibe
preconceitos pequeno-burgueses da classe
média francesa e Um Oceano de Amor
traça comentários sobre o lixo nos oceanos.
Eles reforçam que o amor é um sentimento
revolucionário e, quando o praticamos, nos
abrimos para um mundo melhor. w
Global

Foto Reuters
A arma que
matou Shinzo
Abe
Japão tem controle rigoroso, mas “onda” de
crimes com o uso de armas caseiras, como a
utilizada por um extremista para matar o ex-
premiê Shinzo Abe, preocupa autoridades
por Henrique Rodrigues

O
assassinato do ex-primeiro-ministro
japonês Shinzo Abe a tiros, no meio
da rua, durante um comício eleitoral
na cidade de Nure, cometido por um ex-militar
extremista que usou uma escopeta caseira,
fez surgir dúvidas sobre como funciona a lei de
armas no Japão, famoso por sua segurança e
por índices de criminalidade baixíssimos.
Desde 1958 o Japão adota uma lei de armas
que é baseada na proibição, e que foi revisada
em 2014. Em vias gerais, ninguém pode ter
uma arma e a partir daí surgem as exceções.
Se de alguma forma um cidadão japonês quiser
adquirir um desses objetos perigosos, ele deve
saber de antemão que os únicos possíveis são
espingardas de calibre leve e as de pressão,
que sequer são consideradas “armas de fogo”.
Só que a coisa não para por aí.
O interessado deve passar por algumas
aulas que duram o dia inteiro, depois precisa
realizar uma prova na qual deverá ter uma nota
elevada, para então realizar testes de tiro e ter
que acertar no alvo mais de 95% dos disparos.
Se alcançar essa façanha, terá que realizar
testes psiquiátricos em hospitais públicos,
para posteriormente sofrer um processo de
investigação social no qual familiares, vizinhos
e colegas de trabalho são entrevistados, além
de apresentar um certificado de que não
tem antecedentes criminais. Nem policiais
podem portar arma fora do horário de serviço,
deixando esses objetos na base quando vão
embora para casa.
Por fim, as autoridades podem indeferir ou
ficar protelando a autorização para a compra de
uma espingarda de baixa potência que não pode
ser automática, lembrando que a cada três anos
Tetsuya Yamagami foi preso logo após realizar os
disparos em Shinzo Abe. Ao lado, a arma caseira
fabricada pelo assassino

é necessário realizar todos os testes e cursos


novamente. Revólveres e pistolas, que podem
ser carregados de forma velada, na cintura, por
exemplo, são terminantemente proibidos. Em
síntese: ninguém consegue uma arma legalmente
no Japão e quem tiver uma ilegalmente pode
receber uma pena de prisão em regime fechado
de no mínimo três anos e meio.
Todo esse controle trouxe resultado depois
de décadas e o país praticamente não registra
assassinatos cometidos com revólveres,
pistolas, rifles ou fuzis. Para se ter uma ideia,
num país com 126 milhões de habitantes (60%
da população do Brasil), apenas um homicídio
com arma de fogo foi registrado em 2021,
enquanto por aqui foram 47.503.

Armas caseiras
A arma usada pelo ex-militar do braço
naval das Forças de Defesa do Japão,
Tetsuya Yamagami, de 41 anos, que matou
Abe, foi fabricada por ele mesmo, utilizando
canos, uma empunhadura, fita isolante, fios
e outras bugigangas. O que parece exótico e
totalmente incomum, na verdade, tornou-se
um problema no país asiático, já que a cada
ano vem aumentando o número de pessoas
que se dedicam a produzir artesanalmente
essas armas, sobretudo após o surgimento das
impressoras 3D.
Há 10 anos o Japão condenava pela
primeira vez alguém com base na Lei de
Controle de Armas de Fogo por ter produzido
um artefato caseiro usando uma dessas
impressoras. Yoshitomo Imura, um jovem
que trabalhava no Instituto de Tecnologia
em Kanagawa, vinha se exibindo na internet
com seus “brinquedos”, que funcionavam de
verdade poderiam matar alguém.
Em 2002 o país já vinha sendo afetado
por armas de fabricação artesanal. Um caso
notório, naquele ano, foi o de um idoso
que disparou num vizinho com quem tinha
desavenças enquanto o homem passeava com
seu cão, na cidade de Osaka. De lá para cá,
alguns episódios de morte, ameaças, lesões
corporais e posse ilegal desses mecanismos de
fundo de quintal vêm sendo registrados na Terra
do Sol Nascente.w
REVISTA

expediente | edição #15

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Plinio Teodoro
_ Mauro Lopes
_ Henrique Rodrigues
_ Ivan Longo
_ Cynara Menezes
_ Piu Gomes

Designer
_ Marcos Guinoza
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