Você está na página 1de 3

https://www1.folha.uol.com.

br/colunas/itamar-vieira-junior/2022/07/ciencia-
enfrenta-desafio-de-reconquistar-espaco-e-aumentar-
inclusao.shtml?fbclid=IwAR01wYKczWzdyeVzgkhIgwOhcMgvJb8ENEXuP6Eh4
0HEfpZw07VFUU4HAb4

Ciência enfrenta desafio


de reconquistar espaço e
aumentar inclusão
FOLHA 24/07/22
Jaqueline Goes de Jesus- cientista preta, baiana, biomédica que mapeou o
genoma do coronavírus, mestre em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa e
Doutora em Patologia Humana e Experimental

Produção de conhecimento precisa envolver saberes


originários, quilombolas, ribeirinhos e das favelas

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que


celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus
espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do
Brasil. Quem escreve é Jaqueline Goes de Jesus, biomédica e
pesquisadora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e
do Instituto de Medicina Tropical da USP. A iniciativa é do
Instituto Serrapilheira e da Maranta Inteligência Política.

A ciência, cujos benefícios para a humanidade eram, até tempos
recentes, inquestionáveis, vem sendo atacada por movimentos
negacionistas que ganharam projeção mundo afora nos últimos
tempos, sobretudo no Brasil, pondo em xeque sua aplicabilidade
e confiabilidade.
Afinal, o que é ciência? As definições são muitas, mas podem ser
sintetizadas como o conjunto de conhecimentos sistematizados,
advindos da observação, reflexão e experimentação e baseados
em metodologias rigorosas. Podemos, por meio dela, desvendar
e elucidar diversos fenômenos, separando o erro da verdade, a
qual é passível de mudanças frente ao aparecimento de
evidências que possam refutá-la.
Impulsionada por motivações políticas, a negação da ciência
entre nós tem sido usada como ferramenta de manipulação das
massas, tirando o foco dos problemas reais que o país enfrenta.
O mesmo avanço tecnológico que permitiu o acesso à
informação, facilitado pelas redes sociais, serve de munição para
a desinformação.
Ao ser atropelado pela pandemia de Covid-19, o mundo viveu um
dos períodos mais críticos de sua história recente.
Para além da crise sanitária que se instalou em todos os
continentes, com a rápida dispersão de um vírus para o qual não
existia tratamento nem estratégias de prevenção em massa,
fomos também atingidos por um mal conhecido como infodemia:
o excesso de informações, precisas ou não, associadas a um tópico
específico, que ao se multiplicarem exponencialmente, numa
velocidade espantosa, dificultam a checagem de fontes idôneas e
confiáveis.
A infodemia tem levado boa parte da população a acreditar em
informações cientificamente refutadas por inúmeras evidências
metodológicas. Ressalte-se que seu uso para fins de manipulação
não começou com a pandemia —arrisco dizer que se trata de um
projeto de desvio da atenção das pessoas com a finalidade de
eleger políticos cujo objetivo é basicamente o enriquecimento
ilícito.
A criação e o compartilhamento em massa de notícias que
estruturalmente parecem verdadeiras, mas, em seu cerne, são
falsas, acabam por gerar o caos que mascara as intenções de seus
disseminadores.
Como as fake news fazem tantas vítimas? Para entender o
fenômeno, precisamos examinar o sucateamento das instituições
responsáveis por educar, estimular e promover o pensamento
crítico. O esboroamento da educação, aliado à distância que as
próprias categorias da ciência impõem à comunidade geral,
contribuiu para o empobrecimento intelectual e a capacidade de
reflexão dos brasileiros.
Com isso, as fake news encontram terreno fértil para se proliferar,
e as pessoas acabam tendo a falsa sensação de conhecimento e
especialização em determinado assunto.
Está mais que claro que o Brasil precisa de reconstrução. Pois bem:
como a ciência pode contribuir para essa tarefa? A ciência brasileira
é extremamente competente e produtiva, não há dúvida, mesmo
com a falta de estrutura, incentivo e valorização.
Diante do cenário atual, porém, ela precisa, antes de mais nada
reconquistar seu espaço como instituição geradora de
conhecimento baseado em evidências. Mas isso precisa se dar sob
uma nova óptica, menos soberba e sobretudo mais inclusiva.
É preciso primeiro envolver a sociedade civil, em especial as
comunidades, detentoras de uma epistemologia que tem sido
ignorada ao longo dos anos —me refiro aos saberes dos povos
originários, dos quilombolas, dos ribeirinhos, e também das favelas
nos grandes centros urbanos. A construção do conhecimento, a ser
feita em parceria com a sociedade civil, deve estar intimamente
relacionada às necessidades da população.
O conhecimento científico aguça o pensamento crítico e a
capacidade de discernir entre informações embasadas e meras
opiniões, fortalecendo a habilidade de perceber as fragilidades de
um sistema, seja ele político, econômico ou social, e oferecendo
ferramentas para o questionamento e mudanças da ordem vigente.
É a aliança entre academia e sociedade que irá promover a
retomada de crescimento. Investir na ciência é investir também no
desenvolvimento econômico do Estado, que por sua vez acarretará
uma mudança de mentalidade política, assim retroalimentando o
fortalecimento da própria ciência.

Você também pode gostar