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— Perdão, meu comandante, acho que confundi as máscaras.

"Está carregada." - Os olhos de Frather rosnavam em meio a escuridão.

O Recepcionista sorria suavemente para a arma que estava nas mãos do


mais novo; ele a abaixou depois que o outro demônio deu dois passos para
trás.

— Vá embora.

— Boa Noite, Comandante — O outro acendeu sua lamparina com um rosto


gentil

Frather suspirou tentando se acalmar do susto que levara quando chegou, e


deu as costas.

— Meu senhor cheira a humano. Como vão as coisas acima de nós? —


Frather ignorou o Recepcionista que mantinha alguns centímetros de
distância enquanto seguia o da frente. Então ele insistiu — Está sabendo dos
boatos?

— Tenho coisa mais importante pra fazer.

— Nossa senhora vai armar uma guerra.

Um soco atingiu seu estômago, Frather olhou para o Recepcionista com


desdém mas não parou de caminhar

— É mentira.

— Não sei, são boatos. — O recepcionista sorriu simplesmente

— É mentira. — Frather afirmou. - "Não podemos ter uma guerra, não agora"

Ambos ficaram alguns segundos em silêncio. Ouvia-se sussurros de outros


Recepcionistas, gritos que vinham dos salões mais próximos e grunhidos que
Frather não sabia identificar. O comandante estava ocupado demais
organizando as informações que recebeu para se importar com o demônio
que o seguia; e de qualquer modo, a luz do fogo era de grande ajuda. O
Recepcionista contava dos Bordéis que abriram recentemente, das crateras
do plano que começaram a ficar maiores e das fofocas cotidianas que
circulavam entre outros Recepcionistas. Os dois andaram mais alguns
minutos quando o Recepcionista comentou em um tom de zoação:

— O meu senhor é mais quieto que teu parentesco.

"Bezum?" — Frather se virou — O que quer dizer com isso?

— Ah, — O outro gargalhou mexendo no fogo da lamparina — Seu sangue


lamenta mais alto que os penados.

— FRATHER!

O mesmo percebeu que já estava nos portões do quartel. Ele se virou de


supetão para Bezum que descia em desespero pelas escadas da entrada. O
Recepcionista já não estava mais ali quando o militar foi mandá-lo embora de
novo.

— Frather! — Os porteiros sem expressão abriram os portões para o soldado


enquanto o Comandante entrava — Achou ele? — Perguntou Bezum,
ofegante

— Ele quem?

— O Vanbu!

— Vanbu saiu do quartel?

— Aarh! — Bezum puxou o irmão pelas escadas — Onde você tava?

— Londres — Frather abaixou o tom — Eu estava

— Meu Comandante! — Antes que eles pisassem no último degrau, uma


demônio com várias pastas e papéis abriu as portas esperando por eles — A
reunião com as cabeças acabou a 15 minutos, ela está te esperando na sala
principal.

— Merda, esqueci disso. — Frather soltou a mão do irmão e começou a


andar em direção as escadas
— Nos dê cinco minutos! — Protestou o gêmeo para ambos, — Frather, as
crises do Vanbu aumentaram. Um recepcionista levou ele mas

— Meu Comandante — A secretária interrompeu, Frather parou — Ela não


está de bom humor... — a mesma olhou para Bezum como se pedisse
desculpas. Frather suspirou.

— Frather!

— Eu já volto, Bezum. Vai ser rápido

— Mas

— Eu mandei você esperar! — Bezum encolheu. O Comandante deu as


costas e começou a subir.

Ao passar do primeiro andar, Frather viu que o quartel não estava tão cheio
então acalmou o fôlego. Na entrada da Biblioteca, um pequeno aglomerado
se reunia mas ele não tinha tempo para saber o que era ou onde o resto das
pessoas estavam. Frather abriu sua caderneta e voltou a analisar as
informações que conseguira

"Eu dei dois meses de férias pra ela. Mas ela sumiu! Não sou um chefe ruim e
eu preciso daquela mulher."

“Tem alguma coisa a mais com ela?”

“Ela que segura essa empresa em questões financeiras. Só.. Encontra ela!”

Frather repassava as conversas de novo e de novo ‐ "Mais alguma coisa, tire


mais alguma coisa" - Dizia para si mesmo.

“Ela é muito gata. Mas nunca falei com ela”

“Sei lá, ela me dá medo"

“Dizem que ela é amante do chefe, só isso que eu sei”

“Eu vi ela mês passado, disse que as chaves estavam com a moradora do
andar de cima”
"Acho que brigamos. Não sei onde ela está."

“Lunnie.. Lunnie… Ah! A garotinha rebelde. Ela me ajuda com meus gatinhos.
Um doce de menina.”

“Tenho muitos clientes, só lembro dela porque tinha uns caras e duas moças
com ela. Tão estranhos quanto.”

“Cadê você briguenta... ” — Frather sentiu lágrimas na beirada dos olhos


quando uma lamentação de seu irmão veio à mente. “Por favor esteja viva..”
— Lamentou a si mesmo

— Tsk, cala a boca sua coisa. — Uma ordem baixa quebrou seus
pensamentos

Quando ergueu a cabeça, viu um demônio de preto sentado no chão, com


suas botas sujas pisando na cabeça de um ser com cabelos castanhos e
raspados. O mesmo ficou tenso quando viu as asas brancas. Frather se
aproximou.

— Ele está

— Shh! — O caçador fez sinal de silêncio e apontou para a porta da sala no


fim do corredor, Frather percebeu uma melodia abafada saindo de lá — Estão
cantando pra ela — O Comandante relaxou os ombros e ignorou a insolência
do serviçal. O mesmo se virou para o Arcanjo caído

— Ele está sujando o chão. — Sussurrou.

— Depois eu limpo. — O caçador fez o mesmo, indicando o anjo com o


queixo — É um presente. Hoje tá um dia foda pra nossa rainha.

O machucado grunhiu olhando para Frather, que parecia enorme sendo visto
do chão. O iluminado, como chamava Vanbu, parecia lutar para manter os
olhos abertos

"Socorro" — Seus olhos gritavam — "Socorro, Socorro, Socorro"


Frather se lembrou da prova onde teve que "cuidar" do seu primeiro arcanjo
quando cadete; vários deles já haviam desistido de tentar respirar. Seus
lábios sorriram quando lembrou também, que sua companheira perdida foi a
única que reprovou.

O caçador também sorriu confundindo os olhares. Frather fechou a cara —


Não deixe ele gritar — e deu as costas.

Os quadros nas paredes encaravam Frather quando ele se aproximou da


porta. A melodia ficou melhor. Eram lindas vozes femininas, pareciam ser três
ao total que eram seguidas de um doce e forte violino. Com atenção, ele
reconheceu a música, sim, era a mesma que ele cantou em um coral no dia
do “A Manhã” quando pequeno; o violino fazia o papel de um piano.

Mas eles pararam no momento em que as portas foram abertas.

Duas das demônios também eram caçadoras, lindas e armadas, uma delas
estava sentada na mesa; o violinista vestia uma roupa formal mas toda suja
com manchas vermelhas - "Um dono de salão." - Ele supôs. A voz que
cantava pertencia à chefe da Família Tivanya, suave e ordenada.

Charlotte levantou a cabeça lentamente enquanto os quatro encaravam


Frather.

— Perdão minha senhora, eu

— Saiam. Falo com vocês quando acabar — Ordenou ela, olhando para as
meninas mais novas — Você fica. — Apontou ela para o homem da direita
que sorriu erguendo o queixo.

As mulheres se dirigiram à porta, elas pareciam ser da mesma remessa que


ele, ou mais novas. Frather ouviu as caçadoras saltitando até o Arcanjo. Brio,
a chefe, tocou o ombro dele com uma expressão de lamentação. Talvez
estivesse falando de Vanbu?

Charlotte fez um gesto para que o soldado se aproximasse quando a porta se


fechou, então ele o fez.

A General se levantou e limpou a sujeira invisível que tinha no ombro que


Brio tocou — Dance comigo, 209. — Não foi um pedido.
— Algo em especial, Senhora? — Perguntou o violinista.

— O de sempre — Frather tentou não demonstrar confusão enquanto se


posicionava e o violinista começava a tocar.

O Comandante era um pouco menor que ela. Mesmo com cicatrizes,


Charlotte era linda, tinha um cheiro forte, mas agradável; seus cabelos cor de
nuvem suspiravam enquanto eles se moviam pela sala. O rapaz tentou se
concentrar em seus pés, Charlotte sorriu e sussurrou:

— Parece exausto, minha criança — "Minhas crianças"; A maioria dos


soldados, até os formados, eram chamados assim depois da última tragédia
que aconteceu no quartel, os ouvidos de Frather doíam sempre que escutava.
— Eu sei que estão cansados, vejo seus esforços. Vocês correm tanto
— Lamentou ela — Matam tanto, tudo por mim? Não, eu sei que é por nós.
Eu valorizo vocês, percebo vocês, vejo vocês, minhas crianças. Reconheço
cada rosto desde que receberam sua.. benção

Charlotte passou a mão por cima da blusa do soldado onde ficava seu
código. O mesmo ficou tenso.

— Me sinto tão bem vendo o quanto vocês estão crescendo, o tanto que
vocês conquistaram — Ambos rodopiavam pela sala, Frather tentava se
lembrar das aulas de valsa enquanto escutava Charlotte. Cada palavra era
um corte quente, gentil e forçado.— Mas… planejo algo para vocês. Para
nós.

"Não diga guerra, não diga guerra, não diga guerra"

— Então por isso, peço que esperem, peço que sigam firme e continuem
confiando em mim. — Charlotte o olhou nos olhos, tocou seu rosto e então
sorriu. De algum modo estranho e torto, o rapaz se sentiu compreendido,
acolhido por um certo tempo

O violino parou junto com Charlotte, perto de seu assento na ponta da mesa.
Todo aquele sorriso dócil e charmoso se desfez quando ela se sentou
novamente e pegou uma folha de papel que estava por baixo de outras
pastas
— Está incompleto, mas Brio disse que está muito "seco e diplomático". O
que acha?

Frather quis rasgar o papel quando o leu. Todas aquelas belas palavras
estavam gravadas na folha com uma escrita ligeira. “Falso. Tudo é sempre
tão falso.”

— Se minha palavra vale algo — Murmurou o violinista — Está esplêndido,


minha senhora.

— Não preciso que seja “esplêndido”. Preciso que seja convincente.

— O que te convenceu a matar o 202?

Os batimentos do soldado era o som mais alto do lugar. O olhar de Charlotte


era tão cortante quanto o silêncio que se fez; a mesma fez um sinal quase
mínimo em direção ao violinista que abaixou o queixo e saiu da sala. Quando
estavam totalmente sozinhos, a General encostou-se na cadeira enquanto
Frather encarava o papel.

— O que te convenceu a sair essa manhã? — Charlotte sorriu — Uma


resposta por outra, que tal?

“Odeio seus joguinhos” — Frather abaixou o papel e suspirou, sem pensar


muito nas consequências — 215 está viva. Eu sei disso — O maxilar de
Charlotte ficou tenso. Ela interrompeu antes que o garoto continuasse:

— Pensei ter sido clara quando anunciei que seus coleguinhas estavam
mortos, quatro anos atrás. — A General pegou seu discurso barato quando
ele disse:

— A senhora não me respondeu.

Charlotte bufou — Ele ia atirar em mim por causa daquela coisinha


insignificante que treinava com vocês. Então o deixei de castigo.

— Pra sempre?!

— Sim. Para todo o longo e vazio sempre, assim como sua amiguinha. Você
já é adulto 209, cresça. — a General juntou os papéis soltos quando Frather
pareceu cabisbaixo. Talvez o tiro que matou Zygga doeria menos. — “Vamos
desistir” —, pensou ele em sugerir para seu irmão e seu ‘tio’.

— O que aconteceu com Vanbu? — Ele murmurou. Não é como se tivesse


muito a perder no momento.

A General deu um suspiro cansado — Saiu daqui bêbado e chorando nos


ombros de um Recepcionista que esbarrou no 208. — Charlotte riu —
Lamentável.

Frather ergueu as sobrancelhas — “Seu sangue lamenta mais alto que os


penados.” — O recepcionista havia dito. Talvez ele esteja em algum lugar da
metrópole

— Vou buscá-lo.

— Não. — Ela interrompeu antes que o soldado desse as costas — Está


proibido de sair desse quartel, no mínimo por uns dois meses.

O sangue de Frather esfriou — O que?

Charlotte não sorriu e não tirou os olhos dos papéis — Está de castigo,
Frather. Isso também vale para o seu irmão.

— Ele não tem culpa! E eu tenho minhas missões! — Sua voz saiu mais alta
do que devia

— Agora ele tem, e eu não me importo. Está dispensado.

— Mas

— Está. Dispensado. Saia da minha sala.

Frather bateu os pés para fora da mesma antes que quebrasse aquela mesa;
antes que a porta se fechasse os caçadores obrigaram o Arcanjo a andar
pelo corredor até a sala. As mulheres sorriram.
Bezum estava parado no pé da escada, ele não sorria, não tinha muita
expressão. Frather exitou em se aproximar
— Podemos ir agora?

O Comandante ficou calado por uns instantes. Seu peito apertou, seus dedos
tremiam — Não podemos sair do quartel.

Bezum arregalou os olhos, parecia congelar

— … Por quê? — O outro não se mexeu — Frather o que você fez?!

Frather suspirou. Depois de discutirem, o Comandante pediu para um


soldado que ali passava ir atrás de Vanbu, mas ele voltou sozinho quando a
noite chegou.

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