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PROBLEMATIZANDO A “ESCOLA”

Algumas experiências pedagógicas.Apesar das mudanças, visíveis ou não, o conceito de escola


mantém‐se inalterado. Não há escola se não houveralunos para aprenderem, professores para
ensinarem e fazerem aprender, pais/encarregados de educaçãopara ajudarem (e desajudarem) e
conteúdos para serem transmitidos (e assimilados!), o chamado currículo no seu todo formal,
informal e oculto, este último muito importante. E, sendo a escola um local tão polémico,ponto de
encontro de “culturas” tão divergentes dos vários intervenientes no processo educativo, não
admiraque, na gestão escolar, se tenha de gerir e lidar com a/s indisciplina/s geradas no seu seio.
Mais do que teorizar sobre o que seria a escola ideal numa base utópica, temos de nos confrontar
com a escola real do quotidiano que não se compadece com uma procura de soluções rápidas num
qualquer manual à mão de semear. As vivências boas e más foram‐se e vão‐se arrumando nos
escaninhos da memória e, para alguns, a motivação mantém‐se desde a primeira hora, por amor à
camisola, por teimosia, por vocação, se bem que esta palavra cause controvérsia. Estes são os
professores carismáticos, que conseguem transformar as situações mais problemáticas em situações
mais motivadoras para a aprendizagem pelo insólito e desusado e alterar a carga energética das
experiências negativas em positivas. Normalmente, estes professores são os que estipulam regras na
sala de aula sem serem inflexíveis. Têm o chamado jogo de cintura e sabem ouvir os alunos, sem
nunca os abandonarem. Depois, há os outros a quem tudo acontece, pois desde logo abdicam da sua
autoridade sendo subjugados. E a grande maioria situa‐se numa zona cinzenta e vão enfrentando ou
procuram enfrentar a difícil tarefa de ensinar com alguma competência e eficácia.
“Disse um pedagogo italiano que para ensinar Latim ao João, mais do que saber Latim, é preciso
conhecer o João. Acho que em todas as etapas a relação afetiva que se estabelece entre o professor e
os alunos é uma constante. Os alunos aprendem daqueles professores que amam e, por sua vez,
quando o professor ama a sua missão e ama as pessoas, torna possível o processo educativo e o
processo de aprendizagem, porque o verbo aprender, tal como o verbo amar, não se podem conjugar
no imperativo.

Não se pode obrigar uma pessoa a apaixonar‐se por outra, tal como não se pode obrigar alguém a
aprender. Despertar o desejo de aprender; despertar o desejo de ser uma pessoa melhor, só se
consegue com amor.” (Guerra, Miguel Santos; A vida de professor é apaixonante; p.10).
A primeira questão que se coloca é, pois: O que é um professor e qual a sua função? “Missão,
sacerdócio… Penso que são expressões que têm a ver com o reconhecimento de que a função de
professor não é a de um mero funcionário que está a cumprir um horário. Tem de ter uma
compreensão muito grande da importância decisiva daquilo que está a fazer.

E isso dá uma espécie de quase sacralidade à Mas ensinar não é informar; ensinar é constituir uma
rede de conhecimentos, é sistematizar; dar pistas de orientação… É cruzar. Não é introduzir
informação em pacotes, em bytes. Portanto, quanto mais informatizada é a sociedade, quanto mais
ela é capaz de autonomamente introduzir informação nos sistemas sociais, mais importante é o papel
do professor. Porque o professor ‐ e agora não estou a falar do educador  ‐  é aquele que oferece uma
cartografia, um mapa, no interior do qual as várias informações podem encontrar o seu lugar… O
trabalho do professor é a articulação, a relacionação…” (Pombo, Olga; A Escola é o lugar onde a
memória se faz futuro; pp. 10‐12).
Apesar do que aqui cito e com o qual concordo plenamente, a professora Paula Pombo caminha
depois, ao longo dessa entrevista, num sentido com que não concordo ao querer espartilhar o ensino
dentro das paredes de uma sala de aula.
Em 1 de junho de 2009, publiquei no Povo de Guimarães este artigo: “O que é um bom professor?
Esta foi a pergunta que me coloquei, mas depois achei que ia perder tempo a enumerar uma série de
caraterísticas sobre o perfil do professor que outros, muito mais capazes, já enumeraram nos
normativos e de tal forma que todos quantos as leem se consideram maus professores ou indignos de
se intitularem como tal.
Optei, assim, por ser mais direta e por lançar aos ventos o meu grito... não sei se de dor, de revolta,
de angústia, de raiva,…   E pensei que, para se ser professor, nos dias que correm, é necessário ser
cego, surdo, mudo, obstinado, teimoso, ator, sonhador.
CEGO para não ver, fingir não ver o que está mesmo à frente do nariz‐ o desinteresse dos alunos, a
falta de concentração, a falta de empenho nos trabalhos, a falta de motivação pela escola; por outro
lado, a desconsideração e falta de respeito demonstrados por pais e entidades oficiais.
SURDO para fingir não ouvir o «diz‐se diz‐se» das bocas do mundo (alunos, pais, mesmo colegas) que
nunca constroem, antes procuram amesquinhar e maltratar (conscientemente, quantas vezes com
requintes de malvadez) os que querem trabalhar e se empenham no que fazem. (…)
MUDO para calar a voz que quer soltar o seu grito de dor, de revolta, numa ânsia de levar tudo à sua
frente, de pôr os pontos nos is, de pôr em sentido quem fala aos ventos por falar, de exigir que ouçam
a sua voz de pessoa qualificada para o ensino (…)
OBSTINADO para continuar firme no seu posto apesar de todos os vendavais, de todos os temporais e
capitanear a nave impedindo o seu naufrágio, impondo regras à sua tripulação e não a deixando
desistir.

Continuar a trabalhar nas condições atuais tem exigido aos professores muitos sacrifícios e muita
vontade, mas isso não tem preocupado minimamente quem está no poder.

TEIMOSO para ser como a mosca e continuar a bater contra a vidraça ‐uma e outra vez‐ sempre
esperando que esta desapareça e surja um buraquinho por onde possa passar, ou seja, é necessário
que não se canse de remar contra a maré. Apesar da pouca importância que lhe dão, que seria da
educação em Portugal se os professores se abstivessem da sua função de ensinar?

ATOR para ser capaz de fingir que está tudo bem quando tudo vai mal, para ser capaz de deixar a vida
pessoal ao portão da escola mesmo quando ela se impõe aos gritos, para ser capaz de se transformar
numa multiplicidade de personagens de que os alunos possam necessitar (pai, mãe, psicólogo,
assistente social,…) para transformar o que é aborrecido numa diversão, para chorar e rir com os
alunos, para… para…
SONHADOR para nunca perder a esperança na juventude e no mundo, para pensar com criatividade
na sua profissão e nunca estagnar, para começar cada novo dia com um sorriso nos lábios e um
pensamento positivo, para continuar a achar que o melhor do mundo são as crianças”.
Ser Professor é não recear quebrar barreiras, não temer ir contra a maré, não ser mais um carneiro do
rebanho.

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