Você está na página 1de 33

EDITORA 34

Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3811-6777 www.editora34.com.br

Copyright© Editora 34 Ltda., 2014


Tradução, apresentação e notas ©Herdeiros de Paulo Vizioli, 2014
Posfácio e notas adicionais ©José Roberto O'Shea, 2014

A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL E CONFIGURA UMA


APROPRIAÇÃO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR.

A tradução de Paulo Vizioli foi publicada originalmente


pela editora T. A. Queiroz, de São Paulo, em 1988.

Ilustrações:
Xilogravuras de autoria anónima extraídas da segunda edição
de The Canterbury Tales, de Geoffrey Chaucer,
impressa por William Caxton em Londres em 1483.
Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica:
Bracher & Malta Produção Gráfica / ]ulia Mota
Revisão:
Fabrício Corsaletti
Alberto Martins
Beatriz de Freitas Moreira

1ª Edição - 2014 (2ª Reimpressão - 2020)

CIP - Brasil. Catalogação-na-Fonte


(Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil)
Chaucer, Geoffrey, e. 1342-1400
C437c Os Contos de Canterbury / Geoffrey Chaucer;
edição bilíngue; tradução do inglês médio, apresentação
e notas de Paulo Vizioli; posfácio e notas adicionais de
José Roberto O'Shea; xilogravuras da edição de
William Caxton de 1483 - São Paulo: Editora 34, 2014
{13 Edição).
784 p.

ISBN 978-85-7326-562-0

1. Literatura inglesa - Séc. XN. I. Vizioli, Paulo,


1934-1999. II. O'Shea, José Roberto. III. Caxton,
William, e. 1420-1492. N. Título.

CDD - 820
The Milleres Tale

Here folwen the wordes bitwene the Host and the 11illere.

Whan that the Knight had thus his tale y-told,/ ln al the
route nas ther yong ne old/ That he ne seyde it was a noble storie,/
And worthy for to drawen to memorie;/ And namely the gentils
everichoon./ Our Hoste lough and swoor, 'so moot I goon,/ This
gooth aright; unbokeled is the male;/ Lat see now who shal telle
another tale:/ For trewely, the game is wel bigonne./ N ow telleth
ye, sir Monk, if that ye conne,/ Sumwhat, to quyte with the
Knightes tale.'/
The Miller, that for-dronken was al pale,/ So that unnethe
up-on his hors he sat,/ He nolde avalen neither hood ne hat,/ Ne
abyde no man for his curteisye,/ But in Pilates vois he gan to crye,/
And swoor by armes and by blood and bones,/ 'I can a no ble tale
for the nones,/ With which I wol now quyte the Knightes tale.'/
Our Hoste saugh that he was dronke of ale,/ And seyde:
'abyd, Robin, my leve brother,/ Som bettre man shal telle us first
another:/ Abyd, and lat us werken thriftily. '/

152 The Milleres Tale


O Conto do Moleiro

Seguem-se aqui as palavras entre o Albergueiro e o Moleiro.

Quando o Cavaleiro acabou de contar a sua história, não havia jo-


vem ou velho, em toda a comitiva, que não a proclamasse uma narrativa
nobre e digna de ser conservada na memória, do agrado principalmente
das pessoas requintadas. Nosso Albergueiro riu e praguejou: "Que eu me
dane, mas a coisa está indo que é uma beleza! E agora que abriram a fi-
vela da mala, vamos ver quem vai contar a história seguinte; pois não há
dúvida de que a brincadeira começou muito bem. Senhor Monge, conte-
-nos agora, se puder, algo que se equipare à história do Cavaleiro".
O Moleiro, que estava pálido de bêbado e mal conseguia equilibrar-
-se em cima do cavalo, .não se mostrava disposto a tirar o chapéu, ou o
capuz, para fazer cortesia a quem quer que fosse. Assim, com voz de Pi-
latos no teatro, pôs-se a gritar, jurando pelos braços, pelo sangue e pelos
ossos de Jesus: "Eu conheço uma história que vem a calhar para a oca-
sião, e é com ela que vou igualar o conto do Cavaleiro".
Nosso Albergueiro, percebendo que ele tomara uma bebedeira de cer-
veja, disse: "Devagar aí, Robin, meu querido irmão. Alguém melhor que
você é quem vai contar primeiro. Calma! Vamos fazer as coisas direito".

O Conto do Moleiro 153


'By goddes soul,' quod he, 'that wol nat I;/ For 1 wol speke,
or elles go my wey.'/ Our Hoste answerde: 'tel on, a devei wey!/
Thou art a fool, thy wit is overcome. 'I
'Now herkneth,' quod the Miller, 'alle and some!/ But first
l make a protestacioun/ That I am dronke, 1 knowe it by my
soun;/ And therfore, if that I misspeke or seye,/ Wyte it the ale of
Southwerk, 1 yow preye;/ For 1 wol telle a legende anda lyf/ Bothe
of a Carpenter, and of his wyf,/ How that a clerk hath set the
wrightes cappe.'/
The Reve answerde and seyde, 'stint thy clappe,/ Lat be thy
lewed dronken harlotrye./ lt is a sinne and eek a greet folye/ To
apeiren any man, or him diffame,/ And eek to bringen wyves in
swich fame./ Thou mayst y-nogh of othere thinges seyn. '/
This dronken Miller spak fui sone ageyn,/ And seyde, 'leve
brother Osewold,/ Who hath no wyf, he is no cokewold./ But
1 sey nat therfore that thou art oon;/ Ther been fui gode wyves
many oon,/ And ever a thousand gode ayeyns oon badde,/ That
knowestow wel thy-self, but-if thou madde./ Why artow angry
with my tale now?/ I have a wyf, pardee, as well as thou,/ Yet
nolde 1, for the oxen in my plogh,/ Taken up-on me more than
y-nogh,/ As demen of my-self that 1 were oon;/ 1 wol beleve wel
that 1 am noon./ An housbond shal nat been inquisitif/ Of goddes
privetee, nor of his wyf./ So he may finde goddes foyson there,/ Of
the remenant nedeth nat enquere. '/
What sholde I more seyn, but this Millere/ H e nolde his w ordes
for no man forbere,/ But tolde his cherles tale in his manere;/ M e
thinketh that 1 shal reherce it here./ And ther-fore every gentil
wight 1 preye,/ For goddes love, demeth nat that 1 seye/ Of evel
entente, but that I moot reherce/ Hir tales alle, be they bettre or
werse,/ Or elles falsen som of my matere./ And therfore, who-so list
it nat y-here,/ Turne over the leef, and chese another tale;/ For he
shal finde y-nowe, grete and smale,/ Of storial thing that toucheth
gentillesse,/ And eek moralitee and holinesse;/ Blameth nat me if
that ye chese amis./ The Miller is a cherl, ye knowe wel this;/ So
was the Reve, and othere many mo,/ And harlotrye they tolden
bothe two./ Avyseth yow and putte me out of biame;/ And eek men
shal nat make ernest of game./

154 The Milleres Tale


"Por Deus", berrou o outro, "isso é que não! Ou falo agora mesmo,
ou vou-me embora." Respondeu o Albergueiro: "Diabos, pois que fale!
Você não passa de um tolo; não está certo da cabeça".
"Muito bem", disse o Moleiro, "agora escutem todos! Mas antes
devo declarar que estou bêbado ... Sei disso pelo som de minha voz. Por-
tanto, peço-lhes que, se por acaso eu falar ou disser qualquer coisa im-
própria, deixem isso por conta da cerveja de Southwark. Vou narrar-lhes
a história e a vida de um carpinteiro e de sua mulher, e como um estu-
dante fez aquele artesão de bobo."
Nesse ponto, o Feitor o interrompeu: "Feche essa matraca, esqueça
as suas obscenidades de bêbado libertino! Além de grande besteira, é
pecado ofender ou difamar um homem e manchar a reputação das mu-
lheres. Há muitas outras coisas sobre o que falar".
Imediatamente, o bêbado do Moleiro retrucou: "Oswald, meu caro
irmão, só quem não tem mulher não pode ficar cornudo. Não estou di-
zendo com isso que você seja um, mesmo porque há muitas mulheres
boas - umas mil para cada uma que não presta. A menos que esteja
louco, até você sabe disso. Então, por que ficar tão furioso com minha
história? Por Deus, assim como você, eu também tenho mulher; mas,
pelos touros do meu arado, eu é que não vou ficar imaginando mais coi-
sas do que convém e achar que tenho cornos. Pelo contrário, prefiro
acreditar que não. Um marido não deve querer saber nem os segredos de
Deus, nem os de sua mulher. Basta que tenha a seu dispor aquilo de que
precisa; quanto ao resto, é melhor não indagar".
Tudo o que posso acrescentar é que esse Moleiro não se calou em
consideração por ninguém, contando a sua história indecente como bem
entendeu. Lamento ter que reproduzi-la aqui. Por isso, peço às pessoas
mais refinadas que, pelo amor de Deus, não atribuam qualquer propósi-
to maldoso a meu relato; apenas repito os contos de todos eles, bons ou
ruins, porque senão estaria falseando uma parte de minha matéria. Assim
sendo, quem não desejar ouvi-la, tudo o que tem a fazer é virar a página
e escolher alguma outra narrativa. Há de encontrar diversas, longas e
breves, de assuntos históricos concernentes à fidalguia, bem como à mo-
ral e à santidade. Se vocês escolherem mal, a culpa não será minha. O
Moleiro é um grosseirão, e isso ninguém ignora. O mesmo se pode dizer
do Feitor - entre muitos outros mais - e ambos só sabiam falar de
coisas obscenas. Estejam de sobreaviso; depois, não culpem a mim. Além
disso, para que levar a sério uma simples brincadeira?

O Conto do Moleiro 155


Here endeth the prologe.

Here biginneth the Millere his tale.

Whylom ther was dwellinge at Oxenford/ A riche gnof, that


gestes heeld to bord,/ And of his craft he was a Carpenter./ With
him ther was dwellinge a povre scoler,/ Had lerned art, but al his
fantasye/ Was turned for to lerne astrologye,/ And coude a certeyn
of conclusiouns/ To demen by interrogaciouns,/ If that men axed
him in certein houres,/ Whan that men sholde have droghte or elles
shoures/ Or if men axed him what sholde bifalle/ Of every thing, 1
may nat rekene hem alle./
This clerk was cleped hende Nicholas;/ Of derne love he
coude and of solas;/ And ther-to be was sleigh and ful privee,/
And lyk a mayden meke for to see.I A chambre hadde he in that
hostelrye/ Allone, with-outen any companye,/ Ful fetisly y-dight
with herbes swote;/ And he him-self as swete as is the rote/ Of
licorys, or any cetewale./ His Almageste and bokes grete and
smale/ His astrelabie, longinge for his art,/ His augrim-stones
layen faire a-parti On shelves couched at his beddes heed:/ His
presse y-covered with a falding reed./ And al above ther lay a
gay sautrye,/ On which he made a nightes melodye/ So swetely,
that al the chambre rong;/ And Angelus ad Virginem he song;/
And after that he song the kinges note;/ Ful often blessed was his
mery throte./ And thus this swete clerk his tyme spente/ After his
freendes finding and his rente./
This Carpenter had wedded newe a wyf/ Which that he lovede
more than his lyf;/ Of eightetene yeer she was of age./ Ialous he
was, and heeld hir narwe in cage,/ For she was wilde and yong,

156 The Milleres Tale


Aqui termina o prólogo.

Aqui inicia o Moleiro o seu Conto.

Vivia antigamente em Oxford um velho rico e mau, carpinteiro de


profissão, que aceitava pensionistas em casa. Com ele morava um estu-
dante pobre, que fizera o curso de artes, mas cuja inclinação era toda
para a astrologia; tanto assim que, quando perguntado em certas horas,
era capaz, por meio de cálculos, de fazer prognósticos para saber quando
iria chover ou fazer seca, ou o que iria acontecer com referência a muitas
coisas - eu nem poderia dizer todas.
Esse estudante era conhecido como o "belo Nicholas". Vivia à cata
de prazeres e aventuras amorosas, e agia sempre com esperteza e discri-
ção, escondendo-se atrás de uma aparência delicada de moça. Tinha na
hospedaria um quarto só para si, sem companhia alguma, graciosamen-
te enfeitado com ervas aromáticas; aliás, ele próprio tinha o perfume da
raiz do alcaçuz ou da zedoária. Seu Almagesto 62 e os seus demais livros,
grandes e pequenos, o astrolábio, 63 necessário ao exercício de sua arte, e
as pedras de seu ábaco jaziam espalhados em prateleiras junto à cabecei-
ra de sua cama. O guarda-roupa era revestido de frisa escarlate, e sobre
ele descansava um alegre saltério, instrumento que tocava todas as noites
tão docemente que o quarto inteiro ressoava com sua música. Cantava o
Angelus ad Virginem e depois o Hino do Rei, e quem o ouvia, frequen-
temente abençoava sua garganta melodiosa. E assim passava o seu tempo
esse gentil estudante, graças à ajuda dos amigos e ao que ele próprio
conseguia apurar.
Quanto ao carpinteiro, casara-se, não fazia muito, com uma mulher
que ele amava mais que a própria vida, e que tinha dezoito anos de idade.
Era ciumento, mantendo-a sob sete chaves, pois, como era velho, e ela

62 Palavra árabe que significa "O Maior", é o nome de um tratado de Astronomia


escrito no século II por Claudius Ptolomaeus, de Alexandria. A obra, uma coleção de
treze livros, contém o mais completo catálogo de estrelas (cerca de mil) da Antiguidade
e foi utilizado amplamente pelos árabes e europeus até a Alta Idade Média. (N. da E.)
63 Disco de metal que traz 0 mapa dos céus, com várias partes móveis sobrepostas,
usadas para calcular a posição relativa de diferentes corpos celestes. O próprio Chaucer
traduziu um tratado explicando o seu uso. (N. da E.)

O Conto do Moleiro 157


and he was old/ And demed him-self ben lyk a cokewold./ He knew
nat Catoun, for his wit was rude,/ That bad man sholde wedde his
similitude./ Men sholde wedden after hir estaat,/ For youthe and
elde is often at debaat./ But sith that he was fallen in the snare,/ He
moste endure, as other folk, his care./
Fair was this yonge wyf, and ther-with-al/ As any wesele
hir body gent and smal./ A ceynt she werede barred al of silk,/ A
barmclooth eek as whyt as morne milk/ Up-on hir lendes, ful of
many a gore./ Whyt was hir smok, and brouded al bifore/ And eek
bihinde, on hir coler aboute,/ Of col-blak silk, with-inne and eek
with-oute./ The tapes of hir whyte voluper/ Were of the sarne suyte
of hir coler;/ Hir filet brood of silk, and set ful hye:/ And sikerly
she hadde a likerous ye./ Ful smale y-pulled were hir browes two,/
And tho were bent, and blake as any sloo./ She was ful more blisful
on to see/ Than is the newe pere-ionette tree;/ And softer than
the wolle is of a wether./ And by hir girdel heeng a purs of lether/
Tasseld with silk, and perled with latoun./ ln al this world, to seken
up and doun,/ There nis no man so wys, that coude thenche/ So
gay a popelote, or swich a wenche./ Ful brighter was the shyning
of hir hewe/ Than in the tour the noble y-forged newe./ But of
hir song, it was as Ioude and yerne/ As any swalwe sittinge on a
berne./ Ther-to she coude skippe and make game,/ As any kide
or calf folwinge his clame./ Hir mouth was swete as bragot or the
meeth,/ Or hord of apples leyd in hey or heeth./ Winsinge she was,
as is a Ioly colt,/ Long as a mast, and upright as a bolt./ A brooch
she baar up-on hir lowe coler,/ As brood as is the bos of a bocler./
Hir shoes were Iaced on hir legges hye;/ She was a prymerole, a ·
pigges-nye/ For any lord to leggen in his bedde,/ Or yet for any
good yeman to wedde./
Now sire, and eft sire, so bifel the cas,/ That on a day this
hende Nicholas/ Fil with this yonge wyf to rage and pleye,/ Whyl
that hir housbond was at Oseneye,/ As clerkes ben ful subtile and
ful queynte;/ And prively he caughte hir by the queynte,/ And

158 The Milleres Tale


fogosa e jovem, tinha medo de ser corneado. Não sendo instruído, des-
conhecia Dionísio Catão, 64 que recomendava o casamento entre iguais.
Os homens devem procurar sempre alguém nas mesmas condições, dado
que a juventude e a idade muitas vezes entram em atrito. Mas, tendo
caído na armadilha, tinha, como tantos outros, que conviver com essa
preocupação.
A jovem esposa era encantadora, com seu corpo pequeno e esbelto
de doninha. Usava um cinto com debruns de seda, e, preso em torno dos
quadris, um avental branquinho como o leite da manhã, todo cheio de
babados. Branca também era a camisa, com uma gola bordada, na fren-
te e atrás, de seda preta como carvão, tanto dentro quanto fora. As trenas
da touca branca combinavam com a gola, e a fita larga nos cabelos, ata-
da no alto, também era de seda. E, sem dúvida, seus olhos eram malicio-
sos, sob duas sobrancelhas depiladas, arqueadas e negras como o abru-
nho. Ela era mais bonita de se ver do que a pereira nova, e mais suave do
que a lã do cordeirinho. Pendia-lhe da cintura uma bolsa de couro, com
borlas de seda e contas de latão. Por mais sábio que seja, não há homem
neste mundo - mesmo que o tenha percorrido de alto a baixo-capaz
de imaginar tão graciosa bonequinha, ou moça igual. Sua tez luzia mais
que uma moeda de ouro recém-cunhada na Torre de Londres. Quanto a
seu canto, era forte e vivo como o da andorinha quando pousa num ce-
leiro. Saltava e brincava como o cabritinho ou o bezerro atrás da mãe.
Sua boca era gostosa como cerveja doce ou hidromel, ou como pilha de
maçãs por sobre o feno ou urze. Era irrequieta como um potro brinca-
lhão, comprida como um mastro e reta como uma flecha. Fechava_;lhe o
decote um broche grande como a protuberância no centro dos escudos.
Subiam-lhe pelas pernas as tiras com que atava os seus sapatos. Era uma
primavera ou cardamina, digna de ser levada para a cama por um fidalgo
ou desposada por um rico lavrador.
Então meu senhor. e meu senhor ali, deu-se o caso que um dia o
' '
belo Nicholas começou a rir e a brincar com a jovem esposa, aproveitan-
do-se de que o marido estava fora, em Osney65 ( os estu dantes sao
- mmto .
espertos e sabidos); e nisso, furtivamente, apanhou-a pela boceta, dizen-

64 Escreveu uma coleção de máximas latinas, Disticha de Moribus ad Filium. To-


das as menções a Catão, no livro de Chaucer, referem-se a esse escritor. (N. do T.)
65 Localidade ribeirinha a oeste de Oxford. (N. da E.)

O Conto do Moleiro 159


seyde, 'y-wis, but if ich have my wille,/ For derne love of thee,
lemman, I spille.'/ And heeld hir harde by the haunche-bones,/ And
seyde, 'lemman, love me al at-ones,/ Or I wol dyen, also god me
save!'/ And she sprong as a colt doth in the trave,/ And with hir
heed she wryed faste awey,/ And seyde, 'I wol nat kisse thee, by my
fey / Why lat be ' quod she 'lat be Nicholas,/ Or 1 wol crye out
' ' ' ' '
"harrow" and "allas. "/ Do wey your handes for your curteisye !'I
This Nicholas gan mercy for to crye,/ And spak so faire, and
profred hir so faste,/ That she hir love him graunted atte laste,/
And swoor hir ooth, by seint Thomas of Kent,/ That she wol been
at his comandement,/ Whan that she may hir leyser wel espye./
'Myn housbond is so fui of Ialousye,/ That but ye wayte wel and
been privee,/ 1 woot right wel 1 nam but deed,' quod she./ 'Ye
moste been ful derne, as in this cas. '/
'Nay ther-of care thee noght,' quod Nicholas,/ 'A clerk had
litherly biset his whyle,/ But-if he coude a Carpenter bigyle. '/
And thus they been acorded and y-sworn/ To wayte a tyme, as 1
have told biforn./ Whan Nicholas had doon thus everydeel,/ And
thakked hir aboute the lendes weel,/ He kist hir swete, and taketh
his sautrye,/ And pleyeth faste, and maketh melodye./
Than fil it thus, that to the parish-chirche,/ Cristes owne
werkes for to wirche,/ This gode wyf wente on an halida y;/ Hir
forheed shoon as bright as any day,/ So was it wasshen whan
she leet hir werk./ Now was ther of that chirche a parish-clerk,/
The which that was y-cleped Absolon./ Crul was his heer, and as
the gold it shoon,/ And strouted as a fanne large and brode;/ Fui
streight and even lay his Ioly shode./ His rode was reed, his eyen
greye as goos;/ With Powles window corven on his shoos,/ ln hases
rede he wente fetisly./ Y-clad he was fui smal and proprely,/ AI in a
kirtel of a light wachet;/ Fui faire and thikke been the poyntes set./
And ther-up-on he hadde a gay surplys/ As whyt as is the blosme
up-on the rys./ A mery child he was, so god me save,/ Wel coude he
laten blood and clippe and shave,/ And make a chartre of lond or
acquitaunce./ ln twenty manere coude hetrippe and daunce/ After
the scole of Oxenforde tho,/ And with his legges casten to and
fro,/ And pleyen songes on a small rubible;/ Ther-to he song som-
tyme a loud quinible;/ And as wel coude he pleye on his giterne./
ln al the toun nas brewhous ne taverne/ That he ne visited with his

160 The Milleres Tale


do: "Meu amor, se você não me der o que desejo, esta minha paixão vai
me matar". Em seguida, agarrando-a firme pelos quadris, sussurrou:
"Meu bem, venha comigo agora mesmo, senão - que Deus me ajude
- vou morrer!". Ela, porém, saltou como o potro que está no cercadinho
para ser ferrado, e, desviando rapidamente a cabeça, respondeu: "Eu é
que não vou beijar você! Ora, deixe disso, Nicholas; deixe disso, ou co-
meço a gritar 'socorro', 'acudam'. Faça-me o favor de não pôr mais as
mãos em mim!".
Nicholas passou então a implorar piedade. E falou tão bonito e fez
tantas promessas que ela afinal acabou cedendo, jurando-lhe por São
Tomás de Kent que estaria a seu dispor assim que surgisse a primeira
oportunidade. "Meu marido", explicou ela, "é tão ciumento que, se vo-
. cê não tiver muita paciência e muita discrição, tenho certeza de que será
o meu fim. É preciso agir com o máximo cuidado neste caso."
"Ora, pode deixar ", retorquiu Nicholas; "por certo teria desperdi-
çado o seu tempo o estudante que não fosse capaz de enganar a um car-
pinteiro." E assim, como eu já disse, eles combinaram e prometeram
aguardar a ocasião apropriada. E Nicholas, tendo jurado isso, após afa-
gar muitas vezes as coxas da jovem e após beijá-la com ardor, apanhou
o seu saltério e se pôs a tocá-lo e a cantar alegremente.
Pouco depois aconteceu que, tendo chegado um dia santo, a boa
mulher foi à igreja da paróquia cumprir os seus deveres cristãos. Luzia-
-lhe a testa como o próprio dia, de tanto que a lavara ao terminar o seu
trabalho. Ora, havia nessa igreja um sacristão de nome Absalon. Seu
cabelo encaracolado, repartido ao meio numa linha reta, tinha o brilho
do ouro, esparramando-se atrás como um leque grande e largo. Sua pele
era rosada; seus olhos, cinzentos como o ganso. Seus sapatos estavam
cheios de aberturas rendilhadas, que lembravam as janelas da igreja de
São Paulo. Com belas calças de cor escarlate, andava sempre bem-arru-
madinho dentro de uma túnica azul-clara muito bonita, inteiramente
'
recoberta de rendas aplicadas. Sobre ela vestia alegre sobrepeliz, alva
como um ramo em plena florescência. Era, de fato, um rapaz muito jo-
vial, ouça-me Deus! Além de tudo, sabia fazer sangrias, barbear, cortar
cabelo, e redigir escrituras de terras e recibos; sapateava e dançava de
vinte modos diferentes, como era prática naquele tempo em Oxford,
atirando as pernas para a frente e para trás; também tocava canções
num pequeno alaúde, e, às vezes, cantava com voz aguda e poderosa,
acompanhando-se com a guitarra. Não havia na cidade cervejaria ou

O Conto do Moleiro 161


solas,/ Ther any gaylard tappestere was./ But sooth to seyn, he was
somdel squaymous/ Of farting, and of speche daungerous./
This Absolon, that Iolif was and gay,/ Gooth with a sencer
on the haliday,/ Sensinge the wyves of the parish faste;/ And many
a lovely look on hem he caste,/ And namely on this carpenteres
wyf./To loke on hir him thoughte a mery lyf,/ She was so propre
and swete and likerous./ I dar wel seyn, if she had been a mous,/
And he a cat, he wolde hir hente anon./ This parish-clerk, this Ioly
Absolon,/ Hath in his herte swich a love-longinge,/ That of no wyf
ne took he noon offringe;/ For curteisye, he seyde, he wolde noon./
The mone, whan it was night, ful brighte shoon,/ And
Absolon his giterne hath y-take,/ For paramours, he thoghte for to
wake./ And forth he gooth, Iolif and amorous,/ Til he cam to the
carpenteres hous/ A litel after cokkes hadde y-crowe;/ And dressed
him up by a shot-windowe/ That was up-on the carpenteres wal./
He singeth in his vois gentil and smal,/

'Now, dere lady, if thy wille be,


I preye yow that ye wol rewe on me,'

Ful wel acordaunt to his giterninge./ This carpenter awook, and


herde him singe,/ And spak un-to his wyf, and seyde anon,/ 'What!
Alison! herestow nat Absolon/ That chaunteth thus under our boures
wal?'/ And she answerde hir housbond ther-with-al,/ 'Yis, god wot,
Iohn, I here it every-del. '/
This passeth forth; what wol ye bet than wel?/ Fro day to day
this Ioly Absolon/ So woweth hir, that him is wo bigon./ He waketh
al the night and ai the day;/ He kempte hise lokkes brode, and made
him gay;/ He woweth hir by menes and brocage,/ And swoor he wolde
been hir owne page;/ He singeth, brokkinge as a nightingale;/ He
sente hir piment, meeth, and spyced ale,/ And wafres, pyping hote out
of the glede;/ And for she was of toune, he profred mede./ For som
folk wol ben wonnen for richesse,/ And som for strokes and som for
gentillesse./ '

162 The Milleres Tale


taverna, com alegres garçonetes, que ele não visitasse em suas estripu-
lias. Mas, para dizer a verdade, era um pouco implicante em matéria de
peidos, e tinha uma língua perigosa.
Esse Absalon, tão divertido e brincalhão, foi quem naquele dia san-
to carregou o turíbulo, jogando incenso nas mulheres da paróquia. E, ao
mesmo tempo, atirava sobre elas muitos olhares amorosos - principal-
mente sobre a mulher do carpinteiro. Pareceu-lhe que só de olhar para
ela já gozava o paraíso, de tanto que era formosa e doce e provocante.
Eu até diria que, se ela fosse um ratinho e ele um gato, pularia em cima
dela ali mesmo. Este sacristão, este alegre Absalon tinha tal espírito de
galanteador, que recusava os donativos das senhoras para não ferir (dizia)
o cavalheirismo.
Naquela noite a lua brilhava esplendorosa, e Absalon tomou de sua
guitarra com a intenção de despertar suas amadas. E lá se foi, feliz e
enamorado, até que chegou à casa do carpinteiro logo após cantar o
galo; e, postando-se sob o peitoril de uma janela, entoou com voz doce e
gentil, bem afinada ao som de sua guitarra:

"Se teu querer, oh dama, for assim,


Volta o teu pensamento para mim."

O carpinteiro acordou, escutou a música, e logo se virou para a


mulher: "Quê? Alisson, você não está ouvindo o Absalon, a cantar sob
a janela de nosso quarto?". Respondeu ela ao marido: "Sim, por Deus,
John; estou ouvindo, sim".
E assim caminharam as coisas. Afinal, o que se pode desejar melhor
que o ótimo? Dia após dia, o alegre Absalon vinha cortejá-la com insis-
tência, a tal ponto que já começava a desesperar-se. Já não dormia noite
e dia; penteava a cabeleira esparramada e se enfeitava; solicitava-a por
intermediários e por procuração; jurava tornar-se o seu criado; cantava
e gorjeava como um rouxinol; mandava-lhe vinho temperado com espe-
ciarias, hidromel, cerveja aromatizada, e bolos chiando de quentes; e,
como ela era da cidade, chegava a ofertar-lhe dinheiro. 66 Pois há quem se
deixe conquistar por riquezas, quem por pancadas, quem por afagos.

66
Era uma dádiva mais atraente para as moças que moravam na cidade, pois ti-
nham como gastá-lo. (N. do T.)

O Conto do Moleiro 163


Somtyme, to shewe his lightnesse and maistrye,/ He pleyeth
Herodes on a scaffold hye./ But what availleth him as in this cas? I She
loveth so this hende Nicholas,/ That Absolon may blowe the bukkes
horn;/ He ne hadde for his labour but a scorn;/ And thus she maketh
Absolon hir ape,/ And al his ernest turneth til a Iape./ Ful sooth is
this proverbe, it is no lye,/ Men seyn right thus, 'alwey the nye slye/
Maketh the ferre leve to be looth.'/ For though that Absolon be
wood or wrooth,/ By-cause thathe fer was from hir sighte,/ This nye
Nicholas stood in his lighte./
Now bere thee wel, thou hende Nicholas!/ For Absolon may
waille and singe 'allas.'/ And so bifel it on a Saterday,/ This carpenter
was goon til Osenay;/ And hende Nicholas and Alisoun/ Acorded
been to this conclusioun,/ That Nicholas shal shapen him a wyle/
This sely Ialous housbond to bigyle;/ And if sobe the game wente
aright,/ She sholde slepen in his arm al night,/ For this was his desyr
and hir also./ And right anon, with-outen wordes mo,/ This Nicholas
no lenger wolde tarie,/ But doth ful softe un-to his chambre carie/
Bothe mete and drinke for a day or tweye,/ And to hir housbonde
bad hir for to seye,/ If that he axed after Nicholas,/ She sholde seye
she niste where he was,/ Of al that day she saugh him nat with ye;/
She trowed that he was in maladye,/ For, for no cry, hir mayde coude
him calle;/ He nolde answere, for no-thing that mighte falle./
This passeth forth al thilke Saterday,/ That Nicholas stille in
his chambre lay,/ And eet and sleep, or dide what him leste,/ Til
Sonday, that the sonne gooth to reste./ This sely carpenter hath
greet merveyle/ Of Nicholas, or what thing mighte him eyle,/ And
seyde, '1 am adrad, by seint Thomas,/ It stondeth nat aright with
Nicholas./ God shilde that he deyde sodeynly!/ This world is now fui
tikel, sikerly;/ 1 saugh to-day a cors y-born to chirche/ That now, on
Monday last, 1 saugh him wirche./
Go up,' quod he un-to his knave anoon,/ 'Clepe at his dore, or
knokke with a stoon,/ Loke how it is, and tel me boldely. '/

The Milleres Tale


164
Uma vez, para mostrar sua agilidade e seu talento, representou He-
rodes no tablado. 67 Entretanto, de nada lhe serve tudo isso: ela ama
tanto o belo Nicholas que, não importa o que o outro faça, a paga para
os seus esforços sempre há de ser o desprezo. É como se ela visse em
Absalon apenas um macaquinho, transformando em zombaria o que ele
fazia com seriedade. Com efeito, é muito certo o provérbio que diz:
"Longe dos olhos, longe do coração". Pois, por mais que Absalon deli-
rasse ou se enfurecesse, estando longe de sua vista, perdia o lugar para
Nicholas, que estava sempre ao redor dela.
Por isso, vá adiante, belo Nicholas; e esqueça Absalon, com seus
lamentos e seus cantos cheios de "ais"! E foi o que se deu num sábado;
quando, tendo outra vez o carpinteiro viajado para Osney, o belo Nicho-
las e Alisson acertaram que poriam em prática um estratagema para en-
ganar aquele marido ciumento e simplório; e que, se tudo corresse bem,
ela dormiria a noite inteira em seus braços, como era desejo dele e tam-
bém dela. Logo em seguida, sem dizer outras palavras, Nicholas, não
pretendendo perder mais tempo, sorrateiramente levou para o seu quar-
to comida e bebida para um dia ou dois, pedindo à jovem que dissesse a
seu marido, caso perguntasse por ele, que não sabia onde estava, pois não
pusera os olhos nele o dia todo; que achava que devia estar doente, por-
que a criada o chamara aos gritos, e ele, apesar de tudo, não dera respos-
ta alguma.
Assim se passaram as coisas naquele sábado. E Nicholas permaneceu
quietinho em seu quarto, comendo, bebendo ou distraindo-se como jul-
gou melhor, até domingo, quando o sol se recolheu. O tolo do carpintei-
ro ficou muito preocupado com Nicholas, imaginando o que estaria acon-
tecendo, e disse: "Por São Tomás, receio que Nicholas não esteja passan-
do bem. Queira Deus que ele não morra de repente! Na verdade, este
mundo é tão imprevisível! Hoje mesmo vi levarem para a igreja um ca-
dáver que ainda na última segunda-feira estava trabalhando!".
"Vá até lá" ordenou ele a um criado. "Chame à porta, ou bata com
'
uma pedra; olhe como estão as coisas e venha correndo contar-me tudo!"

67 Célebre personagem do teatro medieval, i.e., dos chamados Mistérios Medievais.


(N. da E.)

O Conto do Moleiro 165


This knave gooth him up ful sturdily,/ And at the chambre-
dore, whyl that he stood,/ He cryde and knokked as that he were
wood: - / 'What! how! what do ye, maister Nicholay?/ How may ye
slepen al the longe day?'/
But al for noght, he herde nat a word;/ An bole he fond, ful
lowe up-on a bord,/ Ther as the cat was wont in for to crepe;/ And
at that hole he looked in ful depe,/ And at the laste he hadde of him
a sighte./ This Nicholas sat gaping ever up-righte,/ As he had kyked
on the newe mone./ Adoun he gooth, and tolde his maister sone/ ln
what array he saugh this ilke man./
This carpenter to blessen him bigan,/ And seyde, 'help us, seinte
Frideswyde!/ A man woot litel what him shal bityde./ This man is
falle, with his astromye,/ ln som woodnesse or in som agonye;/ 1
thoghte ay wel how that it sholde be!/ Men sholde nat knowe of
goddes privetee./ Ye, blessed be alwey a lewed man,/ That noght
but oonly his bileve can!/ So ferde another clerk with astromye;/
He walked in the feeldes for to prye/ Up-on the sterres, what ther
sholde bifalle,/ Til he was in a marle-pit y-falle;/ He saugh nat that.
But yet, by seint Thomas,/ Me reweth sore of hende Nicholas./ He
shal be rated of his studying,/ If that I may, by Iesus, hevene king!/
Get me a staf, that I may underspore,/ Whyl that thou, Robin,
hevest up the dore./ He shal out of his studying, as I gesse' - / And
to the chambre-dore he gan him dresse./ His knave was a strong
carl for the nones,/ And by the haspe he haf it up atones;/ ln-to the
floor the dore fil anon./ This Nicholas sat ay as stille as stoon,/ And
ever gaped upward in-to the eir./ This carpenter wende he were in
despeir,/ And hente him by the sholdres mightily,/ And shook him
harde, and cryde spitously,/ 'What! Nicholay! what, how! what!
loke adoun!/ Awake, and thenk on Cristes passioun;/ I crouche
thee from elves and fro wightes!'/ Ther-with the night-spel seyde
he anon-rightes/ On foure halves of the hous aboute,/ And on the
threshfold of the dore with-oute: -/

166 The Milleres Tale


O criado subiu as escadas, resolutamente, deteve-se diante da porta
do quarto, chamou e bateu como louco: "Ei! Que se passa? Que faz aí,
senhor Nicholas? Como pode dormir o dia inteiro?".
Foi tudo inútil: não ouviu sequer uma palavra. Descobriu então um
buraco, numa tábua mais embaixo, que o gato usava para entrar e sair;
espiou por ali, e finalmente conseguiu vislumbrá-lo. Nicholas, parado,
estava com o olhar fixo no alto, como se perscrutasse a lua nova. O cria-
do desceu a escada aos pulos, e logo contou ao patrão em que estado
havia encontrado o homem.
O carpinteiro começou a persignar-se e foi dizendo: "Que Santa
Fridesvida nos proteja! 68 Uma pessoa nunca sabe o que o futuro lhe re-
serva. Este homem deve estar sofrendo de algum tipo de loucura ou an-
gústia, tudo por causa de sua 'astromia'. Sempre achei que essa história
tinha que acabar assim! A gente não pode querer saber os desígnios de
Deus. Sim, abençoado é o ignorante, que só conhece o próprio credo!
Houve um outro estudante de 'astromia' que teve o mesmo destino: saiu
pelo campo para olhar as estrelas e ver o que estava para acontecer, quan-
do caiu num buraco margoso. Isso ele não previu. Apesar de tudo, por
São Tomás, eu tenho muita pena do belo Nicholas. Ele vai levar um bom
pito por causa destes seus estudos; e sou eu que vou dá-lo, juro por Cris-
to-Rei! Robin, arranje-me uma vara para eu forçar a porta por baixo
enquanto você a levanta. Aposto que desta vez nós o arrancamos dos tais
estudos". E foi postar-se diante da entrada do quarto. Seu criado, que era
um rapaz forte como exigia a ocasião, agarrou sem demora o ferrolho, e
logo pôs abaixo a porta. Nicholas continuou imóvel como uma pedra,
sempre com o olhar perdido no alto. O carpinteiro, julgando-o fora de
si, segurou-o com força pelos ombros e o sacudiu violentamente, ao mes-
mo tempo em que berrava: "Que é isso, Nicholas? Que é isso agora?
Vamos! Olhe para mim! Acorde, e pense na paixão de Cristo! Eu vou
benzer você contra duendes e maus espíritos". E imediatamente rezou o
esconjuro noturno 69 nos quatro cantos da casa e no batente da porta que
dava para a rua:

68
Santa padroeira de Oxford. (N. da E.)
69 Esse esconjuro, também conhecido como o "Padre-Nosso Branco", era uma es-
pécie de reza contra 0 feitiço. Quanto à obscura referência à irmã de São Pedro, talvez
não passe de uma deturpação da invocação a Santa Petronilha, filha do santo. (N. do T.)

O Conto do Moleiro 167


'Iesu Crist, and seynt Benedight,
Biesse this hous from every wikked wight,
For nightes verye, the white pater-noster!
Where wentestow, seynt Petres soster?'

And atte laste this hende Nicholas/ Gan for to syke sore, and
seyde, 'alias!/ Shal al the world be lost eftsones now?'/
This carpenter answerde, 'what seystow?/ What! thenk on god,
as we don, men that swinke. 'I
This Nicholas answerde, 'fecche me drinke;/ And after wol 1
speke in privetee/ Of certeyn thing that toucheth me and thee;/ 1 wol
telle it non other man, certeyn. '/
This carpenter goth doun, and comth ageyn,/ And broghte
of mighty ale a large quart;/ And whan that ech of hem had
dronke his part,/ This Nicholas his dore faste shette,/ And doun
the carpenter by him he sette./ He seyde, 'lohn, myn hoste lief and
dere,/ Thou shall up-on thy trouthe swere me here,/ That to no
wight thou shalt this conseil wreye;/ For it is Cristes conseil that 1
seye,/ And if thou telle it man, thou are forlore;/ For this vengaunce
thou shalt han therfore,/ That if thou wreye me, thou shalt be
wood!'/
'Nay, Crist forbede it, for his holy blood! '/ Quod tho this sely
man, 'I nam no labbe,/ Ne, though I seye, I nam nat lief to gabbe./
Sey what thou wolt, I shal it never telle/ To child ne wyf, by him
that harwed helle!'/
'Now John,' quod Nicholas, 'I wol nat lye;/ I have y-founde in
myn astrologye,/ As I have loked in the mone bright,/ That now, a
Monday next, at quarter-night,/ Shal falle a reyn and that so wilde
and wood/ That half so greet was never Noes flood./ This world,'
he seyde, 'in lasse than in an hour/ Shal al be dreynt, so hidous is
the shour;/ Thus shal mankynde drenche and lese hir lyf. '/
This carpenter answerde, 'allas, my wyf!/ And shal she
drenche? alias! myn Alisoun!'/ For sorwe of this he fil almost
adoun,/ And seyde, 'is ther no remedie in this cas ?' /
'Why, yis, for gode,' quod hende Nicholas,/ 'If thou wolt
werken after lore and reed;/ Thou mayst nat werken after thyn
owene heed./ For thus seith Salomon, that was ful trewe,/ "Werk
ai by conseil, and thou shalt nat rewe. "I And if thou werken wolt

168 The Milleres Tale


"Jesus Cristo e também meu bom São Bento
'
Guardai-nos contra o espírito maldito!
Que o Padre-Nosso Branco nos dê paz.
Oh, irmã de São Pedro, onde estarás?"

Depois de longo tempo, o belo Nicholas começou a suspirar profun-


damente, exclamando: "Ai, outra vez o mundo todo terá que ser destruí-
do?".
Atalhou o carpinteiro: "O que você está dizendo? Ora, pense em
Deus, como nós que trabalhamos".
Respondeu Nicholas: "Traga-me algo para beber. Depois, quero
falar-lhe em particular de uma coisa que interessa a você e a mim. É algo
que não pretendo contar para mais ninguém".
O carpinteiro desceu, e voltou trazendo uma jarra grande, com um
quarto de galão de cerveja das mais fortes; e, depois de cada qual haver
bebido a sua parte, Nicholas fechou bem a porta, fez o carpinteiro sen-
tar-se a seu lado, e disse: "John, meu caro e estimado hospedeiro, você
vai jurar-me aqui, por sua honra, que não há de revelar este segredo pa-
ra pessoa alguma - pois é um segredo de Cristo o que lhe vou contar. E
se você não guardá-lo para si, estará perdido, porque, se trair-me, ocas-
tigo que vai sofrer será a loucura".
"Não, Deus me livre, pelo sagrado sangue de Jesus", exclamou o
simplório. "Não costumo dar com a língua nos dentes e, ainda que eu
mesmo o diga, nunca fui mexeriqueiro. Pode falar o que quiser, não vou
contar nada para nenhuma mulher ou criança ... Juro por aquele contra
quem o inferno não pôde prevalecer."
"Nesse caso, John " , continuou Nicholas, "não vou mentir para vo-
cê. Descobri, por meio de minha astrologia, enquanto examinava a lua
nova, que agora, na próxima segunda-feira, um pouco antes do amanhe-
cer, vai cair uma chuva tão pesada e violenta que, comparado com ela, o
dilúvio de Noé não chegou nem à metade. O Mundo", prosseguiu -ele,
"em menos de uma hora ficará inundado, tão terrível será a tempestade;
e a humanidade inteira vai se afogar e morrer."
O carpinteiro apavorou-se: "Oh, minha mulher! Ela também vai se
afogar? Oh, minha Alisson!". E quase desmaiou de dor. Depois pergun-
tou: "Não há nenhum remédio para essa desgraça?".
"Claro que sim, por Deus", replicou o belo Nicholas. "Basta orien-
tar-se pela ciência e por conselhos ... O que você não deve é seguir a pró-

O Conto do Moleiro 169


by good conseil,/ 1 undertake, with-outen mast and seyl,/ Yet shal 1
saven hir and thee and me/ Hastow nat herd how saved was Noe,/
Whan that our lord had warned him biforn/ That al the world
with water sholde be lorn?'/
'Yis,' quod this carpenter, 'fui yore ago.'/
'Hastow nat herd,' quod Nicholas, 'also/ The sorwe of Noe
with his felawshipe,/ Er that he mighte gete his wyf to shipe?/ Him
had be lever, 1 dar wel undertake,/ At thilke tyme, than alle hise
wetheres blake,/ That she hadde had a ship hir-self allone./ And
ther-fore, wostou what is best to clone?/ This ask,e th haste, and
of an hastif thing/ Men may nat preche or maken tarying./ Anon
go gete us faste in-to this in/ A kneding-trogh, or elles a kimelin,/
For ech of us, but loke that they be large,/ ln whiche we mowe
swimme as in a barge,/ And han ther-inne vitaille suffisant/ But for
a day; fy on the remenant!/ The water shal aslake and goon away/
Aboute pryme up-on the nexte day./ But Robin may nat wite of
this, thy knave,/ Ne eekthy mayde Gille 1 may nat save;/ Axe nat
why, for though thou aske me,/ 1 wol nat tellen goddes privetee ./
Suffiseth thee, but if thy wittes madde,I To han as greet a grace as
Noe hadde./ Thy wyf shal 1 wel saven, out of doute,/ Go now thy
wey, and speed thee heer-aboute./ But whan thou hast, for hir and
thee and me,/ Y-geten us thise kneding-tubbes three,/ Than shaltow
hange hem in the roof ful hye,/ That no man of our purveyaunce
spye./ And whan thou thus hast doon as I ha ve seyd,/ And hast
our vitaille faire in hem y-leyd,/ And eek an ax, to smyte the corde
atwo/ When that the water comth, that we may go,/ And broke
an hole an heigh, up-on the gable,/ Unto the gardin-ward, over
the stable,/ That we may frely passen forth our way/ Whan that
the grete shour is goon away -/ Than shaltow swimme as myrie, ·
1 undertake,/ As doth the whyte doke after hir drake./ Than wol
1 clepe, "how! Alison! how! John!/ Be myrie, for the flood wol
passe anon. "/ And thou wolt seyn, "hayl, maister Nicholay!/ Good
morwe, I se thee wel, for it is day. "/ And than shul we be lordes
al ourlyf/ Of al the world, as Noe and his wyf./ But of o thyng I

The Milleres Tale


170
pria cabeça, pois, como dizia Salomão, que falava sempre a verdade:
'Siga os conselhos e nunca se arrependerá'. Por isso, se você se deixar
guiar por bons conselhos, garanto-lhe que, mesmo sem velas ou mas-
tros, hei de salvar a ela, a você e a mim. Nunca ouviu falar de como Noé
se salvou, ao ser avisado por Nosso Senhor de que o mundo inteiro se
perderia sob as águas?"
"Sim", murmurou o carpinteiro, "há muito tempo atrás."
"E também não ouviu falar das dificuldades de Noé com os que o
acompanhavam? " , insistiu Nicholas. "Teve tanto trabalho em levar sua
mulher 70 para dentro da arca que aposto como teria dado todas as suas
ovelhas negras para que ela pudesse ter um barco só para si. Então você
já sabe o que convém fazer, não sabe? A situação exige rapidez; e, num
assunto urgente, não se deve perder tempo com palavreado e com demo-
ras. Traga depressa a esta casa dornas ou tinas de madeira para cada um
de nós ... Mas que sejam grandes. Elas nos servirão de barcos. Dentro
delas coloque alimentos para um dia, um dia apenas ... Não se preocupe
com o resto ! As águas irão baixar e desaparecer no meio da manhã do
dia seguinte. Robin, porém, não deverá saber disso, o seu criado; nem
sua criada Gill. Não poderei salvá-los. Nem me pergunte por quê, pois,
ainda que insista, não vou contar os segredos do Senhor. Se estiver bom
do juízo, há de bastar-lhe ter recebido uma graça tão grande quanto a de
Noé. Quanto a sua mulher, não tenha receio, que vou salvá-la. Agora vá,
não perca tempo. E quando tiver arranjado aquelas três tinas {para ela,
para você e para mim), pendure-as bem alto no teto, para que ninguém
descubra os nossos preparativos. Depois de ter feito tudo como eu disse,
depois de ter arrumado dentro delas os alimentos - e também machadi-
nhas, para partirmos as cordas e libertarmos as tinas quando as águas
subirem-, depois de ter feito um buraco no alto da cumeeira - para
que possamos passar livremente por sobre o estábulo em direção ao jar-
dim - e depois de ter cessado a grande chuva, então aposto como você
há de flutuar feliz como a patinha branca atrás do pato. Aí eu vou cha-
má-los: 'Ei, Alisson! Ei, John! Podem sorrir, o dilúvio está passando'. E
você vai responder-me: 'Olá, Nicholas! Bom dia. Já posso vê-lo, ama-
nheceu!'. Então seremos donos de nossas vidas e de todo o mundo, co-

70 Nas peças teatrais de então, os populares "milagres", a mulher de Noé, numa


espécie de interlúdio cômico, era geralmente representada como uma esposa rabugenta,
que só a muito custo se decidia a entrar na arca. (N. do T.)

O Conto do Moleiro 171


warne thee ful right,/ Be wel avysed, on that ilke night/ That we
ben entred in-to shippes bord,/ That noon of us ne speke nat a
word,/ Ne clepe, ne crye, but been in his preyere;/ For it is goddes
owne heste dere./ Thy wyf and thou mote hange fer a-twinne,/ For
that bitwixe yow shal be no sinne/ No more in looking than ther
shal in dede;/ This ordinance is seyd, go, god thee spede!/ Tomorwe
at night, whan men ben alle aslepe,/ ln-to our kneding-tubbes wol
we crepe,/ And sitten ther, abyding goddes grace./ Go now thy wey,
I have no lenger space/ To make of this no lenger sermoning./ Men
seyn thus, "send the wyse, and sey no-thing;" / Thou art so wys, it
nedeth thee nat teche;/ Go, save our lyf, and that I thee biseche. 'I
This sely carpenter goth forth his wey./ Ful ofte he seith 'alias'
and 'weylawey,'/ And to his wyf he tolde his privetee;/ And she was
war, and knew it bet than he,/ What al this queynte cast was for to
seye./ But nathelees she ferde as she wolde deye,/ And seyde, 'allas!
go forth thy wey anon,/ Help us to scape, or we ben lost echon;/ I
am thy trewe verray wedded wyf;/ Go, dere spouse, and help to save
our lyf.'/
Lo! which a greet thyng is affeccioun!/ Men may dye of
imaginacioun,/ So depe may impressioun be take./ This sely carpenter
biginneth quake;/ Him thinketh verraily that he may see/ Noes flood
come walwing as the see/ To drenchen Alisoun, his hony dere./ He
wepeth, weyleth, maketh sory chere,/ He syketh with ful many a sory
swogh./ He gooth and geteth him a kneding-trogh,/ And after that a
tubbe anda kimelin,/ And prively he sente hem to his in,/ And heng
hem in the roof in privetee./ His owne hand he made laddres three,/
To climben by the ronges and the stalkes/ Un-to the tubbes hanginge
in the balkes,/ And hem vitailled, bothe trogh and tubbe,/ With breed
and chese, and good ale in a Iubbe,/ Suffysinge right y-nogh as for a
day./ But er that he had maad al this array,/ He sente his knave, and
eek his wenche also,/ Up-on his nede to London for togo./ And on
the Monday, whan it drow to night,/ He shette his dore with-oute
candel-light,/ And dressed al thing as it sholde be./ And shortly, up
they clomben alle three;/ They sitten stille wel a furlong-way./
'Now, Pater-noster, dom!' seyde Nicholay,/ And 'dom,'
quod John, and 'dom,' seyde Alisoun./ This carpenter seyde his
devocioun,/ And stille he sit, and biddeth his preyere,/ Awaytinge
on the reyn, if he it here./

172 The Milleres Tale


mo Noé e sua mulher. Mas tenho que preveni-lo de uma coisa: cuidado
para que, na noite em que subirmos a bordo, não mais se diga uma pa-
lavra, nem apelos nem gritos; apenas se deve rezar, pois esta é a preciosa
determinação de Deus. Outra coisa: pendure a sua tina e a de sua mu-
lher bem afastadas uma da outra, para que não haja pecado entre vocês
dois ... se não por atos, por simples trocas de olhares. São essas as reco-
mendações. Vá! Deus o proteja. Amanhã à noite, quando todos estive-
rem dormindo, subiremos até as nossas tinas e, sentados dentro delas,
aguardaremos a graça do Senhor. Agora vá fazer o que é preciso ... Não
tenho tempo para alongar este sermão. Dizem que 'para bom entende-
dor meia palavra basta'. Você é bom entendedor: não preciso dizer mais
nada. Vá, e salve as nossas vidas ... é o que lhe peço."
O otário do carpinteiro foi então cuidar de suas tarefas, murmuran-
do a todo instante "ai de mim!" e "que desgraça!". Também confidenciou
a história a sua mulher. Embora ela estivesse a par de tudo e soubesse
melhor do que ele todo o propósito da artimanha, comportou-se como
se fosse morrer, exclamando: "Ai, então corra. Ajude-nos a escapar, senão
morremos todos. Sou sua fiel, legítima esposa; vá logo, meu maridinho
adorado, e ajude a nos salvar".
Oh, que coisa poderosa é o sentimento! Há quem morre por causa
da imaginação, tão profundas podem ser as impressões. O carpinteiro
ingênuo começa a tremer: parece ter ante os olhos o dilúvio de Noé, ro-
lando como os vagalhões do oceano para afogar Alisson, a sua queridi-
nha. Chora, geme, desespera-se; grunhe e suspira sem parar. Depois vai,
arranja uma tina em forma de amassadeira, e mais uma dorna e mais
outra, e as despacha secretamente para casa, onde as pendura no teto.
Com as próprias mãos fez três escadas, com os degraus e as laterais,
para o acesso até as tinas presas às vigas. Em seguida, abasteceu a tina e
as dornas com pão, queijo e uma jarra de boa cerveja, suficiente para um
dia. Antes, porém, de se entregar a esses arranjos,.enviou seu criado e sua
criada para Londres, com uma incumbência qualquer. E na segunda-
-feira, quando a noite se aproximava, trancou a porta da rua sem acender
luz de vela, arrumou tudo como devia, e lá se foram os três pelas escadas
acima. Ficaram sentados quietos um bom pedaço.
Nicholas quebrou o silêncio: "Agora, um Padre-Nosso e... psiu!". E
"psiu!" disse John, e "psiu!" disse Alisson. O carpinteiro fez as suas
orações e então calou-se; depois rezou mais um pouco e novamente se
calou, à espera da chuva e atento para ouvi-la.

O Conto do Moleiro 173


The \<lede sleep, for wery bisinesse,/ Fil on this carpenter right,
as I gesse,/ Aboute corfew-tyme, or litel more;/ For travail of his
goost he groneth sore,/ And eft he routeth, for his heed mislay./
Doun of the laddre stalketh Nicholay,/ And Alisoun, ful softe
adoun she spedde;/ With-outen wordes mo, they goon to bedde/
Ther-as the carpenter is wont to lye./ Ther was the revel and the
melodye;/ And thus lyth Alison and Nicholas,/ ln bisinesse of
mirthe and of solas,/ Til that the belle of laudes gan to ringe,/ And
freres in the chauncel gonne singe./
This parish-clerk, this amorous Absolon,/ That is for love
alwey so wo bigon,/ Up-on the Monday was at Oseneye/ W ith
companye, him to disporte and pleye,/ And axed up-on cas a
cloisterer/ Ful prively after Iohn the carpenter;/ And he drough
him a-part out of the chirche,/ And seyde, 'I noot, I saugh him
here nat wirche/ Sin Saterday; I trow that he be went/ For timber,
ther our abbot hath him sent;/ For he is wont for timber for to go,/
And dwellen at the grange a day or two;/ Or elles he is at his hous,
certeyn;/ Wher that he be,I can nat sothly seyn. '/
This Absolon ful Ioly was and light,/ And thoghte, 'now is
tyme wake al night;/ For sikirly I saugh him nat stiringe/ Aboute
his dore sin day bigan to springe./ So moot I thryve, I shal, at
cokkes crowe,/ Ful prively knokken at his windowe/ That stant
ful lowe up-on his boures wal./ To Alison now wol I tellen ali
My love-longing, for yet I shal nat misse/ That at the leste wey
I shal hir kisse./ Som maner confort shal I ha ve, parfa y,/ M y
mouth hath icched al this longe day;/ That is a signe of kissing
atte leste./ Al night me mette eek, I was ata feste./ Therfor I w ol
gon slepe an houre or tweye,/ And al the night than wol I wake
and pleye.'/
Whan that the firste cok hath crowe, anon/ Up rist this Ioly
lover Absolon,/ And him arrayeth gay, at point-devys./ But first he
cheweth greyn and lycorys,/ To smellen swete, er he had kembd
his heer./ Under his tonge a trewe love he beer,/ For ther-by wende
he to ben gracious./ He rometh to the carpenteres hous,/ And
stille he stant under the shot-windowe;/ Un-to his brest it raughte,

The Milleres Tale


174
· Contudo, na hora do toque de recolher, ou talvez um pouco mais
t~rde, can~a~o de tanto trabalho, caiu num sono profundo. Sentindo-se
a1n~a opnm1do, deu alguns gemidos agoniados; depois, devido à má
posição da cabeça, passou a roncar.
Logo Nicholas deslizou escada abaixo, seguido silenciosamente por
Alisson; sem dizer palavra, foram ambos para a cama, a cama do carpin-
teiro. E lá houve diversão e melodia. E lá ficaram Alisson e Nicholas nos
labores da alegria e do prazer, até que o sino dos laudes71 tocou e os
frades na capela começaram a cantar.
Enquanto esses fatos todos se passavam, aquele sacristão galantea-
dor, Absalon, que vivia atormentado pela paixão, na segunda-feira tam-
bém fora com alguns amigos a Osney para espairecer e divertir-se. E lá,
por mero acaso, encontrou-se com um membro da abadia local, a quem
perguntou discretamente a respeito de John, o carpinteiro. Saindo com
ele da igreja, respondeu-lhe o outro: "Não sei. Desde sábado que não
vem aqui trabalhar. Acho que nosso abade o mandou buscar madeira,
pois ele costumava ir buscar madeira e demorar-se um ou dois dias na
granja. Ou talvez esteja em casa. O fato é que não sei dizer com certeza
onde se encontra ".
Absalon, todo aceso e feliz, pensou: "Esta noite tenho que ficar acor-
dado, pois a verdade é que hoje não o vi passar pela porta de sua casa
desde que o dia raiou. Por minha alma, assim que o galo cantar vou
bater de leve àquela janela baixa de seu quarto. Então vou dizer a Alisson
toda a minha paixão, e tenho certeza de que pelo menos conseguirei
beijá-la. Por minha fé, algum consolo acho que vou obter. Afinal, minha
boca coçou o dia inteiro, e isso no mínimo é sinal de beijos. Além de
tudo, também sonhei que estava numa festa. Por isso, agora vou tratar
de dormir uma hora ou duas, e depois passarei acordado o resto da noi-
te e vou me divertir".
Ao canto do primeiro galo, Absalon, o alegre conquistador, já esta-
va de pé, todo atarefado em se vestir com elegância. Antes de tudo, porém
- antes mesmo de pentear a cabeleira -, mastigou um grão de car-
damomo e alcaçuz para perfumar o hálito. E, a fim de se tornar mais
atraente ainda, colocou sob a língua o raminho de uma planta que dava
sorte no amor. Em seguida, caminhou até a casa do carpinteiro, dirigiu-se

71 Cantos de louvor, geralmente entoados pela manhã. {N.·da E.)

O Conto do Moleiro 175


it was so lowe;/ And softe he cogheth with a semi-soun - / 'What
do ye, hony-comb, swete Alisoun?/ My faire brid, my swete
cinamome,/ Awaketh, lemman.myn, and speketh to me!/ Wel litel
thenken ye up-on my wo,/ That for your love 1 swete ther 1 go./
No wonder is thogh that I swelte and swete;/ 1 moorné as doth a
lamb after the tete./ Y-wis, lemman, 1 have swich love-longinge,/
That lyk a turtel trewe is my moorninge;/ 1 may nat ete na more
than a mayde.'/
'Go fro the window, Iakke fool,' she sayde,/ 'As help me god, it
wol nat be "com ba me,"/ 1 love another, and elles 1 were to biame,/
Wel bet than thee, by Iesu, Absolon!/ Go forth thy wey, or 1 wol caste
a ston,/ And lat me slepe, a twenty devei wey!'/
'Allas,' quod Absolon, 'and weylawey!/ That trewe love was
ever so yvel biset!/ Than kisse me, sin it may be no bet,/ For Iesus
love and for the love of me.' I
'Wiltow than go thy wey ther-with?' quod she./
'Ye, certes, lemman,' quod this Absolon./
'Thanne make thee redy,' quod she, 'I come anon;'/ And un-to
Nicholas she seyde stille,/ 'Now hust, and thou shall laughen al thy
fille. '/
This Absolon doun sette him on his knees,/ And seyde, '1 am
a lord at alie degrees;/ For after this 1 hope ther cometh more!/
Lemman, thy grace, and swete brid, thyn ore!'/
The window she undoth, and that in haste,/ 'Have do,' quod she,
'com of, and speed thee faste,/ Lest that our neighebores thee espye. 'I
This Absolon gan wype his mouth ful drye;/ Derk was the
night as pich, or as the cole,/ And at the window out she putte hir
hole,/ And Absolon, him fil no bet ne wers,/ But with his mouth he
kiste hir naked ers/ Ful savourly, er he was war of this./ Abak he
sterte, and thoghte it was amis,/ For wel he wiste a womman hath
no berd;/ He felte a thing al rough and long y-herd,/ And seyde, 'fy!
allas! what have 1 do?'/
'Tehee!' quod she, and clapte the window to;/ And Absolon goth
f orth a sory pas./
'A berd, a berd!' quod hende Nicholas,/ 'By goddes corpus, this
goth faire and weel !'/
This sely Absolon herde every deel,/ And on his li ppe he gan
for anger byte;/ And to him-self he seyde, 'I shal thee quyte!'/

176 The Milleres Tale


à ja~ela do quarto (que, de tão baixa, lhe tocava o peito) e deu alguns
tossidos abafados: "O que você está fazendo, meu favo de mel, minha
doce Alisson, meu lindo passarinho, minha canela perfumada? Acorde,
meu amor, e venha falar comigo. Você nem se preocupa com meu sofri-
mento, nem pensa em mim, que por você estou sempre a derramar o meu
suor. E não é de se admirar que eu chore e sue por você, pois ando balin-
do como o cordeirinho atrás da teta. É tão grande, meu bem, minha
paixão, que meu lamento é igual ao da fiel pombinha. Estou comendo
tão pouco quanto uma donzela".
"Saia daí, grande idiota", respondeu a jovem. "Que Deus me ajude,
não quero saber de beijoquinhas. Por Jesus, Absalon, amo um outro bem
melhor do que você ... Boba de mim se não amasse. Por isso, caia fora, ou
jogo-lhe uma pedra. E deixe-me dormir em paz - com vinte diabos!"
"Ai, pobre de mim", resmungou Absalon, "como o amor sincero é
maltratado. Então, já que não posso ter coisa melhor, me dê pelo menos
um beijo, pelo amor de Jesus e por amor a mim."
"Mas depois você vai-se embora?", perguntou ela.
"Claro, meu bem", garantiu o sacristão.
"Então prepare-se", disse ela, "que eu já vou." E cochichou para
Nicholas: "Agora preste atenção, que você vai morrer de rir".
Lá fora Absalon ajoelhou-se e murmurou: "Tudo está indo às mil
maravilhas, pois depois disso espero que muito mais há de vir. Sua graça,
meu amor; e sua mercê, oh meu gentil passarinho!".
Ela abriu a janela sem tardança, dizendo: "Vamos, acabe logo com
isso, antes que os vizinhos vejam".
Absalon enxugou os lábios. A noite estava escura como carvão, ou
como breu; e ela pôs a bunda para fora da janela. Absalon, que não en-
xergava nada, deu-lhe, antes que percebesse, um ardoroso beijo bem no
cu. Logo pulou para trás, achando que alguma coisa estava errada. Sabia
que as mulheres não têm barba; no entanto, sentira uma coisa áspera e
cabeluda. Gritou então: "Oh, meu Deus, o que é que eu fiz?"·
"Ah ah ah", foi a resposta de Alisson, batendo-lhe com força aja-
nela na cara. E Absalon foi-se afastando com passos melancólicos.
"Uma barba, uma barba!", gargalhava o belo Nicholas. "Pelo santo
corpo de Deus, essa foi ótima." .
O ingênuo Absalon, que ainda teve t~mpo de ouv~r tu~o, ~omeçou
a morder os lábios de raiva e a dizer consigo mesmo: Voce vai me pa-
gar!".

O Conto do Moleiro
177
Who rubbeth now, who froteth now his lippes/ With dust, with
sond, with straw, with clooth, with chippes,/ But Absolon, that
seith ful ofte, 'allas!/ My soule bitake I un-to Sathanas,/ But me wer
lever than al this toun,' quod he,/ 'Of this despyt awroken for to
be!/ Allas!' quod he, 'allas! I ne hadde y~bleynt!'/ His hote love was
cold and ai y-queynt;/ For fro that tyme that he had kiste hir ers,/
Of paramours he sette nat a kers,/ For he was heled of his maladye;/
Ful ofte paramours he gan deffye,/ And weep as dooth a child that
is y-bete./ A softe paas he wente over the strete/ Un-til a smith men
cleped daun Gerveys,/ That in his forge smithed plough-harneys;/ He
sharpeth shaar and culter bisily./ This Absolon knokketh ai esily,/
And seyde, 'undo, Gerveys, and that anon. '/
'What, who artow?'
'It am I, Absolon. '/
'What, Absolon! for Cristes swete tree,/ Why ryse ye so rathe,
ey, benedicite!I What eyleth yow? som gay geri, god it woot,/ Hath
broght yow thus up-on the viritoot;/ By seynt Note, ye woot w el
what I mene. '/
This Absolon ne roghte nat a bene/ Of ai his pley, no w ord
agayn he yaf;/ He hadde more tow on his distaf/ Than Gerveys knew,
and seyde, 'freend so dere,/ That hote culter in the chimenee here,/ As
Iene it me, I have ther-with to clone,/ And I wol bringe it thee agayn
fui sone.'/
Gerveys answerde, 'certes, were it gold,/ Or in a poke nobles
alle untold,/ Thou sholdest have, as Iam trewe smith;/ Ey, Cristes
foo! what wol ye do ther-with?'/
'Ther-of,' quod Absolon, 'be as be may;/ I shal wel telle it thee
to-morwe day' -/ And caughte the culter by the colde stele./ Fui sofre
out at the dore he gan to stele,/ And wente un-to the carpenteres wal./
He cogheth first, and knokketh ther-with-al/ Upon the windowe,
right as he dide er./
This Alison answerde, 'Who is ther/ That knokketh so? I
warante it a theef.'/

178 The Milleres Tale


Quem agora esfrega, quem limpa a boca, com pó, com areia, com
palha, com pano, com lascas, senão Absalon, a gritar a todo·instante "ai
de mim"? "Mesmo que eu tenha que entregar minha alma a Satanás",
rosnou ele, "prefiro vingar tal afronta a ser dono de toda esta cidade." E
prosseguiu: "Ai, por que naquela hora não virei o rosto?". Seu amor
ardente arrefecera e se apagara; e, a partir daquele beijo no cu, estava
curado de sua doença, achando que todas as amantes do mundo não
valiam juntas um pé de agrião. E chorava como criança que apanhou.
Com passos ligeiros foi-se pela rua até a oficina de ferreiro de mestre
Gervase, que, especialista em forjar peças de arado, estava, naquele ins-
tante, ocupado em afiar relhas e segas. Absalon bateu de leve: "Abra,
Gervase, depressa" .
"Quem está aí?"
"Sou eu, Absalon."
"O quê? Absalon? Pela cruz de Cristo, acordado tão cedo?! Bendito
seja Deus, o que está acontecendo? Aposto como alguma bela rapariga é
quem anda lhe roubando o sossego. Por São Neot, 72 você sabe muito bem
aonde quero chegar."
O outro fez-se de surdo diante dessas caçoadas. Não respondeu pa-
lavra, pois outras coisas, de que Gervase sequer suspeitava, lhe andavam
pela cabeça. Apenas disse: "Meu caro amigo, será que poderia emprestar-
-me esta sega em brasa aqui no fogo? Preciso dela para um servicinho;
prometo que logo a devolvo".
Gervase lhe respondeu: "Claro, nem que fosse ouro ou uma sacola
com moedas sem conta, asseguro-lhe, assim como sou um bom ferreiro,
que haveria de emprestar-lha. Mas, pelo inimigo de Cristo, o que vai
fazer com ela? " .
Absalon replicou: " Quanto a isso, deixe estar. Conto-lhe tudo outra
vez,,. E apanhando a barra de ferro pela ponta que estava fria, passou
porta afora de mansinho e foi direto à janela do carpinteiro. Primeiro
tossiu, depois bateu, como fizera anteriormente.
Logo ouviu a voz de Alisson: "Quem está batendo aí? Aposto como
é um ladrão,,.

72São Neot, de Cornwall, na Inglaterra, é também conhecido como o Santo Pig-


meu. Dizem que media cerca de 1,30 m (4 pés) ou, conforme reza a lenda, que media até
menos de 30 cm (15 polegadas). (N. da E.)

O Conto do Moleiro 179


'Why, nay,' quod he, 'god woot, my swete leef,/ 1 am thyn
Absolon, my dereling!/ Of gold,' quod he, 'I have thee broght a ring;/
My moder yaf it me, so god me save,/ Ful fyn it is, and ther-to wel
y-grave;/ This wol I yeve thee, if thou me kisse!'/
This Nicholas was risen for to pisse,/ And thoghte he wolde
amenden al the Iape,/ He sholde kisse his ers er that he scape./ And up
the windowe dide he hastily,/ And out his ers he putteth prively/ Over
the buttok, to the haunche-bon;/
And ther-with spak this clerk, this Absolon,/ 'Spek, swete brid, I
noot nat wher thou art. '/ This Nicho las anon leet flee a fart,/ As greet
as it had been a thonder-dent,/ That with the strook he was almost
y-blent;/ And he was redy with his iren hoot,/ And Nicholas amidde
the ers he smoot./ Of gooth the skin an hande-brede aboute,/ The
hole culter brende so his toute,/ And for the smert he wende for to
dye./ As he were wood, for wo he gan to crye - / Help! water! water!
help, for goddes herte!'/
This carpenter out of his slomber sterte,/ And herde oon cryen
'water' as he were wood,/ And thoghte, 'Allas! now comth Nowelis
flood!'/ He sit him up with-outen wordes mo,/ And with his ax he
smoot the corde a-two,/ And doun goth al; he fond neither to selle,/
Ne breed ne ale, til he cam to the celle/ Up-on the floor; and ther
aswowne he la y./
Up sterte hir Alison, and Nicholay,/ And cryden 'out' and
'harrow' in the strete./ The neighebores, bothe smale and grete,/
ln ronnen, for to gauren on this man,/ That yet aswowne he lay,
bothe pale and wan;/ For with the fal he brosten hadde his arm;/
But stonde he moste un-to his owne harm./ For whan he spak, he
was anon bore doun/ With hende Nicholas and Alisoun./ They
tolden every man that he was wood,/ He was agast so of 'N owelis
flood'/ Thurgh fantasye, that of his vanitee/ He hadde y-boght him
kneding-tubbes three,/ And hadde hem hanged in the roof above;/
And that he preyed hem, for goddes lave,/ To sitten in the roof, par
companye./
The folk gan laughen at his fantasye;/ ln-to the roof they kyken
and they gape,/ And turned al his harm un-to a Iape./ For what so
that this carpenter answerde,/ It was for noght, no man his reson
herde;/ With othes grete he was so sworn adoun,/ That he was holden
wood in ai the toun;/ For every clerk anon-right heeld with other./

180 The Milleres Tale


"Oh não, por Deus, meu doce amor", disse ele; "é o seu Absalon,
minha adorada. Vim lhe trazer um anel de ouro ... Pela salvação de minha
alma, quem o deu para mim foi minha própria mãe. É de grande valor, e
todo trabalhado. Será seu, se você me der um beijo."
Nicholas, que tinha se levantado para ir mijar, ouviu essa conversa
ao passar por ali, e achou que poderia pregar-lhe uma peça ainda maior:
desta vez faria Absalon beijar seu próprio cu. Assim, abriu sem perda de
tempo a janela e logo pôs todo o traseiro para fora, das nádegas até às
coxas.
Absalon, o sacristão, sussurrou: "Fale, meu gentil passarinho; não
consigo ver onde você está". Em resposta, Nicho las soltou um peido
forte como o trovão, uma lufada que quase o deixou cego. Mas Absalon
estava pronto com o ferro quente em riste, e atingiu Nicholas em pleno
olho do cu. E lá se foi bem um palmo de pele em toda a volta. A sega em
brasa queimou tanto o seu traseiro, que ele pensou que fosse morrer de
dor naquele instante. Então pôs-se a gritar como louco: "Socorro! Água!
Água! Socorro, pelo amor de Deus!".
Nisso o carpinteiro despertou, e, ao ouvir que alguém gritava "água"
desesperadamente, imaginou: "Ai de mim, aí vem o dilúvio de 'Noel' !".
Ato contínuo, sentou-se na tina com o tronco ereto, cortou a corda com
a machadinha, e despencou. Não parou para vender nem o pão nem a
cerveja até estatelar-se no chão. E lá ficou desmaiado.
Alisson e Nicholas saíram em disparada, gritando "ai" e "socorro"
pela rua. Os vizinhos acorreram todos, grandes e pequenos, postando-se
em torno do homem que jazia sem sentidos, branco e pálido, porque na
queda havia quebrado um braço. Mas assim mesmo teve que engolir
suas misérias, pois logo que começou a falar foi prontamente desmenti-
do por Alisson e pelo belo Nicholas: contaram os dois a todos que ele
havia enlouquecido; e que ficara tão obcecado pelo dilúvio de "Noel"
que, em seu delírio fantasioso, comprara três tinas e as pendurara no
teto, pedindo a eles, pelo amor de Deus, que também subissem lá e lhe
fizessem companhia.
O povo então começou a rir de sua extravagância. As pessoas olha-
vam e examinavam o teto e tratavam o seu infortúnio como se fosse
'
uma piada. As palavras do carpinteiro não faziam diferença: tudo era
inútil, ninguém lhe dava ouvidos. Pelo contrário, repeliam-no com mal-
dições e grandes pragas, e a cidade inteira o considerou louco varrido.
Mesmo os mais esclarecidos, quando conversavam entre si, diziam: "É,

O Conto do Moleiro 181


They seyde, 'the man is wood, my leve brother; '/ And every wight
gan laughen of this stryf./
Thus swyved was the carpenteres wyf,/ Foral his keping and
his lalousye;/ And Absolon hath kist hir nether ye;/ And Nicholas
is scalded in the toute./ This tale is doon, and god save al the
route!/

Here endeth the Millere his tale.

182 The Milleres Tale


caro irmão! O homem ficou doido". E todo o mundo ria daquele grande
rebuliço.
Dessa forma, apesar de toda a vigilância e todo o ciúme, comeram
a mulher do carpinteiro; e Absalon lhe beijou o olho de baixo; e Nicholas
queimou a bunda. E assim chega ao fim esta história, e Deus nos abençoe
a todos!

Aqui o Moleiro termina o seu conto.

183
O Conto do Moleiro

Você também pode gostar