Nietzsche foi um crítico da tradição racionalista ocidental. Segundo ele, antes
que o império da razão se estabelecesse no ocidente, o ser humano vivia mais integrado consigo mesmo e com a natureza, aceitando a “tragicidade” da vida expressa na dicotomia instinto e razão, liberdade e destino (o não domínio da própria sorte). Não obstante, diante da crise de valores que acometeu a Grécia no século V, Sócrates desprezou o homem trágico (a dimensionalidade humana da arte, dos sentimentos, da sensualidade, da paixão, dos instintos, da desordem) e propôs o homem teórico, racional, que tem a pretensão de conhecer a si mesmo (identificar o próprio eu com o intelecto – buscar uma essência definidora de seu ser, colocando-se numa posição superior aos demais). Para Nietzsche, esta opção pelo homem ideal (que não se verifica na realidade) levou à decadência a cultura ocidental, pois, não considerando o fato de que, não somos primeiro razão, mas sim, sensibilidade e intuição, bem como não considerando a relatividade e historicidade dos valores, a tradição filosófica antiga pretendeu criar uma moral absoluta e impô-la como uma verdade paradigmática, dando início ao engodo da ditadura do conceito (conceito é linguagem, interpretação do real, não o conhecimento de sua essência). Tendo tudo isso em conta, pode-se dizer que, a base sobre a qual se assenta o pensamento de Nietzsche é a ideia de que, a realidade consiste numa explosão de forças desordenadas. Apolíneo (referente ao deus da ordem, Apolo) e dionisíaco (referente ao deus do vinho, da embriaguez, das paixões, Dionísio) são figuras usadas pelo filósofo para representar essas forças como sendo duas dimensões constitutivas do ser humano – razão/instinto, ou, ordem/caos). Diante dessa explosão de potência, que não pode ser refreada por nenhuma lei da razão, é possível ao ser humano dupla atitude: a de fraqueza (a consciência de rebanho, submissão à autoridade de um grande outro), ou a de força e poder (Super-homem, traduzido mais fidedignamente como além-do- homem). Segundo Nietzsche, os rebanhos, diante da potência, inventam a religião, e junto com ela, uma série de preceitos que, embora sejam imanentes (valores humanos), são atribuídos ao transcendente (ao sagrado), pois temem a morte, o inferno, o sofrimento, o futuro, à própria possibilidade de assumir a vida com tudo aquilo que ela tem a oferecer de bom e de ruim. Já a ética do Super-homem (Além-do-homem) é o triunfo da própria personalidade, o projetar-se para além do bem e do mal. O Além-do-homem é o ser que se eleva além dos limites da norma estabelecida, da supremacia das massas, vence o niilismo (a negação do mundo da vida, das pulsões, dos desejos, dos afetos, das energias, da carne, em nome de valores absolutos), supera a velha forma de homem e todos os seus humanismos ultrapassados e crenças supersticiosas. Nessa perspectiva, Nietzsche lança a seguinte pergunta: “você aceitaria viver a sua vida uma vez mais, e outra, e outra, repetidamente?” Essa pergunta como que sintetiza a ideia do filósofo a respeito do “conceito” do “eterno retorno”. Nietzsche usa dessa categoria para se referir ou sugerir que a vida e a existência portam certa circularidade, que as coisas tendem a retornar exatamente iguais (algumas situações sempre retornam, em contextos diferentes, mas sempre trazendo as mesmas problemáticas). Segundo ele, o fato de que as coisas se repetem nos torna ainda mais responsáveis por nossas escolhas e atitudes. Ademais, se de fato tudo retorna, tudo se repete, então a vida provavelmente não tem um sentido delineado, uma finalidade pré-estabelecida, um fundamento último; e é exatamente essa situação paradoxal que abre possibilidades para que sejamos artistas, como tais, responsáveis pela nossa própria criação e recriação, ou melhor, pela nossa construção, desconstrução e reconstrução. Portanto, o eterno retorno é o niilismo que combate o próprio niilismo; o nada enquanto condição de possibilidade para que algo emerja e confronte as ilusões idealistas que negam a realidade como ela é. Ele é o “sem sentido” que propicia ao homem se tornar um criador de valores, transvalorizar os valores, e fazer com que a vida se justifique por si mesma (a vida tem valor por si, não por possuir algum fundamento metafísico). Por essa razão, o homem sempre precisa escolher e criar pensando: “viveria isso eternamente?”. O eterno retorno é um desafio ético posto para o ser, ou seja, a oportunidade dele superar aquilo frente ao qual a vontade humana é absolutamente impotente: a temporalidade. Ao pensar o drama da vida humana na perspectiva do tempo, constatamos que, o passado é aquilo que não é mais, o futuro é aquilo que ainda não é, e o presente é aquilo que deixa de ser no momento em que é. Como suportar isso sem recorrer a subterfúgios metafísicos Resgatando a impotência, acolhendo a vida como ela é, não em um sentido conformista, mas sim, na perspectiva de querer viver cada instante da existência como se ele pudesse se repetir eternamente (articular repetição e eternidade), viver de maneira a não se arrepender de nenhum instante da vida. Aqui, dá- se a relação entre a repetição e o novo, e se desvela um horizonte de futuro possível.