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1.

MEDO DE PERDER

Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e
significativa é o medo de perder, sobretudo, o medo de perder alguém, o medo de
perder alguém que nós dizemos amar, o medo de perder a esposa ou o esposo, os
filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente.
Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital.
O medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual
nos relacionamos.
O medo de perder se reveste de mil e uma formas, aparece sob mil disfarces: medo
de sermos criticados por alguém, medo de que falem mal de nós, medo de que nos
humilhem, medo de sermos abandonados, medo de sermos rejeitados, medo de não
sermos importantes, medo de não sermos ilustres, medo de sermos menosprezados,
medo de não sermos amados, medo da solidão. E tudo isso pode ser designado mais
claramente por uma palavra: CIÚME.
O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém, de não vir a ser “dono”
de alguém.
Na relação ciumenta colocamos nós e o outro como objetos. Nesta relação, pessoa e
objeto são a mesma coisa.
No ciúme, temos medo de ser algum dia, considerados inúteis, dispensáveis à outra
pessoa. Esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apelo, a emoção da relação
confusa, misturada, dependente, e o que a agrava é que na nossa cultura
aprendemos o ciúme como sendo amor e o ciúme é justamente o contrário. O ciúme
é o oposto do amor.
Na relação amorosa existe identidade – “eu sou, independentemente de você”. Na
relação ciumenta, por outro lado, na relação objetal, perde-se a identidade – “eu sem
você não valho nada, você é tudo para mim”.
O amor é solto, é livre, vem de querência íntima, está diretamente ligado ao sentido
de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina.
Com esta emoção eu já não sou eu, sou o que o outro quer que eu seja. Eu sou o que
o outro quer que eu seja para que ele também seja o que eu quero que ele seja.
No ciúme há um pacto de destruição mútua em que cada qual usa o outro como
garantia de que não estará sozinho. Eu me abandono para que o outro não me
abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito
para que o outro não me desrespeite, eu me destruo para que o outro não me
destrua.
O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém e o mais grave talvez esteja aqui – nós
passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros, um dia, o que
nós já somos, totalmente dispensáveis.

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O homem é por definição dispensável, transitório, efêmero, aquilo que passa, e isto é
bastante real. Em todas as relações que temos hoje somos substituíveis. O mundo
sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Nós
somos necessários, aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois.
O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte, que também é real.
O medo da morte é o ciúme da vida, é a vontade real, falsa, de sermos eternos,
permanentes e imutáveis.
O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem à pena se forem
eternas, permanentes e duráveis. Uma relação só tem valor, neste caso, se nós
tivermos garantia de que sempre será assim como é, e como tudo é transitório, como
tudo é mutável, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a
um estado contínuo de sofrimento.
As conseqüências do ciúme são muito claras. Se eu tenho medo de que me
abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de
fazer tudo para ser cada vez mais, para ser cada vez melhor, eu vou gastar toda a
minha vida, todas as minhas energias, para provar aos outros que eu já sou mais, que
eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro. Ao invés de empenhar esforços para ser
um marido, por exemplo, cada vez melhor, um filho cada vez melhor, uma esposa
cada vez melhor, um pai ou mãe cada vez melhores, um chefe cada vez melhor, um
empregado cada vez melhor, eu gasto as minhas energias para provar à minha
mulher, aos meus amigos, aos meus filhos, ao meu marido, ao meu chefe, ao meu
empregado, que eu já sou o melhor pai do mundo, o que é mentira; o melhor marido
do mundo, o que é mentira; o melhor amigo do mundo, o que é mentira; o melhor
chefe do mundo, o que é mentira; o melhor empregado do mundo, o que é mentira.
E assim por diante.
O ciúme nos conduz a um delírio de onipotência. Os nossos atos, as nossas
iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, tudo
é para mostrar aos outros que nós já somos bons, fortes, capazes e perfeitos. Aqui
está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar.
O medo de perder é assim: ganhamos, ninguém vai nos tomar. Gastaremos todas as
energias para defender o que já possuímos, para conservarmos o que já ganhamos.
Nós já chegamos ao ponto máximo, só temos que perder.
A vontade de ganhar, por outro lado, é assim: estaremos sempre ativos, descobrindo
as oportunidades do ganho. Procuraremos ganhar cada vez mais, ao invés de nos
preocuparmos com possíveis perdas.
O que nós temos de mais sagrado é a nossa própria vida. Esta, nós já vamos perder.
Todas as outras perdas são secundárias.
O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo. As pessoas ciumentas estão
sempre com um pé atrás, outro na frente, sempre se prevenindo para não perder,
sempre se preparando, sempre conservando. As pessoas com vontade de ganhar
estão sempre ativas, sempre optando, arriscando.

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O medo de perder é a vivência do futuro, é a vivência antecipada do futuro, é
preocupação. A vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente e a
vivência da beleza do presente.
Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades. No medo da
perda a pessoa só vê os riscos; na vontade de ganhar, a pessoa vê os riscos, mas,
sobretudo, vê também as oportunidades.
Cada momento da vida é um desafio para o crescimento. A vontade de ganhar a qual
nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo, ser cada vez
mais, estar sempre disposto a dar um passo à frente, estar sempre disposto a crescer
um pouco mais.
É importante termos sempre para nós que hoje podemos crescer um pouco mais do
que éramos ontem, descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo, que a
idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade. Não
existe pessoa madura, existe sim, a pessoa em amadurecimento.
Todo o nosso sofrimento vem de uma paralisação do crescimento pessoal e cada um
de nós sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, onde
não está havendo expansão da nossa própria energia.
Ainda não vimos até hoje, um relacionamento se deteriorar sem a presença marcante
do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e
controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa a quem
dizemos amar.
O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo, e
consequentemente, um desamor ao outro. Pelo ciúme se estabelece uma relação
“dominador X dominado”.
O ciúme é dor da incerteza com relação aos sentimentos de alguém no futuro, é a
raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento do futuro, é a tristeza
de não saber o que vai acontecer amanhã. Aliás, o que dói no ciúme é a insegurança
no futuro, é a insegurança do desconhecido - a loucura está aí. Passamos a vida
inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos: segurança. A segurança não
existe. Não existe nada. Ser seguro não significa acabar com a insegurança, mas
aceitá-la como inerente à natureza humana.
Ninguém pode acabar com o risco do amor, por isso, só é possível estarmos em
estado de amor se sabemos estar em estado de risco. Desperdiçamos o único
momento que temos, que é o AGORA, em função de um momento inexistente: o
FUTURO. Parece que as pessoas só valem para nós no futuro - nós não curtimos hoje
um relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, sofrendo pela
possibilidade de um dia não sermos queridos por eles.
O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã, quando crescer,
quando se formar, quando casar, quando trabalhar, etc. Até hoje ainda não
conhecemos o pai preocupado com o futuro dos filhos, que estivesse brincando com
eles. Em geral, não tem tempo, porque estão muito preocupados em assegurar-lhes
um futuro brilhante.
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O ciúme é a incapacidade de vivermos o hoje, a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro
dia do resto da nossa vida, querendo ou não. Hoje estamos começando e viver é
considerar cada segundo de novo, a cada dia o seu próprio cuidado.
O medo daquilo que me pode acontecer, tira a minha alegria de estar aqui e agora. O
medo da morte tira a minha vontade de viver. O medo de perder alguém tira a minha
beleza de estar com ele agora. Aliás, quando temos medo de perder alguém é porque
imaginamos que as pessoas são nossas. Ninguém pode perder o que não tem e nós
sabemos que ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e exclusivamente dela
mesma. Esta é outra falsidade: podemos perder um livro, um isqueiro, um baralho,
uma bolsa, porém jamais uma pessoa.
O sinônimo do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar. O que é a obsessão
do primeiro lugar? É colocarmos nos ombros a tarefa impossível de sermos sempre
os primeiros, em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Se é em casa,
queremos ser o primeiro; no trabalho, queremos ser o primeiro; numa reunião,
queremos ser o primeiro; no futebol, queremos ser o primeiro; num assunto
específico, queremos ser o primeiro; em outro assunto qualquer, sempre o primeiro.
O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, ao passo que o segundo lugar é
esperançoso, é enverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha, só
lhe resta um caminho, começar a descer.
No segundo lugar ainda temos para onde ir, para onde crescer. A postura do segundo
lugar nos leva ao crescimento, ao crescimento contínuo.
Por que você não se decreta em segundo lugar, mesmo quando esteja ocupando
socialmente e eventualmente o primeiro lugar? O segundo lugar, não em relação ao
outro, mas em relação a você mesmo, ou seja, ainda teremos por onde crescer e
melhorar.
Você sabe por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a
humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo.
Sabendo receber, tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros
acima de todos os rios, não seria o mar, mas uma ilha. Toda sua água iria para os
outros e ele estaria isolado e, além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a
morte faz parte.
É impossível vivermos satisfatoriamente, se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e
a morte. Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Não é possível
ganhar sem saber perder; não é possível andar sem saber cair; não é possível acertar
sem saber errar; não é possível viver sem saber morrer. Em outras palavras, se temos
medo de cair, andar será muito doloroso; se temos medo da morte, a vida é muito
ruim; se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações.
Esta é a figura do fracassado dentro do sucesso: pessoas que quanto mais ganham,
quanto mais melhoram na vida, mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar
pobre, quanto mais dinheiro tem, mais preocupada fica; para a pessoa que tem medo
do fracasso, quanto mais sobe na escala social, mas desgraçada é a sua vida. Em

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compensação, se você aprende a perder, a cair, a errar, ninguém o controla mais,
pois o máximo que pode acontecer a você é cair, é errar, é perder e isto você já sabe.
Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade o ganho
e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.

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