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100 Anos Psicologia Das Massas
100 Anos Psicologia Das Massas
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2021
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Foto de Capa: Samantha Hurley
Revisão: Os Autores
AN615
100 anos Psicologia das Massas: atualizações e reflexões / Jacqueline de Oliveira Moreira,
Ana Carolina Dias Silva (organizadoras) – Curitiba : CRV, 2021.
262 p.
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-1665-5
ISBN Físico 978-65-251-1664-8
DOI 10.24824/978652511664.8
2021
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andrea Vieira Zanella (UFSC)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Edna Lúcia Tinoco Ponciano (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Érico Bruno Viana Campos (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Francisco Nilton Gomes Oliveira (UFSM)
Celso Conti (UFSCar) Helmuth Krüger (UCP)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................9
Jacqueline de Oliveira Moreira
Ana Carolina Dias Silva
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INTRODUÇÃO
PAIXÃO E POLÍTICA: subsídios para uma discussão crítica.......................... 15
Carlos Roberto Drawin
Jacqueline de Oliveira Moreira
SEÇÃO I
O (IN)ATUAL AUTORITARISMO BRASILEIRO
SEÇÃO II
DESILUSÃO E DEMOCRACIA: algumas facetas
SEÇÃO IV
ERA DIGITAL: duas leituras
SEÇÃO V
COLONIALIDADE
ÍNDICE REMISSIVO...................................................................................251
SOBRE OS AUTORES................................................................................257
APRESENTAÇÃO
Ocaso do século
(Wislawa Zsymborska)
Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX.
Agora já não tem mais jeito,
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partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz, aos quais se
juntaram no curso do tempo os educadores, instrutores e, como uma hoste
inumerável e indefinível, todas as demais pessoas do meio (o próximo, a
REFERÊNCIAS
BALIBAR, Étienne. Psychologie des masses et analyse du moi: Le moment
du transinsdividuel. Research in Psychoanalysis, n. 21, 2016, p. 29-49. Dis-
ponível em: https://www.cairn.info/revue-research-in-psychoanalysis-2016-
1-page-43a.htm.
Não temos outra pretensão para o nosso texto senão proporcionar uma breve
introdução ao assunto. O seu ponto de partida repousa numa convicção óbvia:
a contribuição freudiana somente pode ser justamente avaliada, sem ser arti-
ficialmente agigantada ou minimizada, quando inserida no domínio muito
mais amplo da história das ideias.
A problemática da inter-relação de paixão e política já pode ser nitida-
mente discernida no nascedouro da experiência civilizacional do Ocidental.
A questão reverbera ainda mais intensamente em nosso tempo, no qual o
tence originariamente. “Os afetos humanos, como são o amor, o ódio, a ira, a
inveja, a glória, a misericórdia e as restantes comoções do ânimo” não devem
ser vistos como “vícios da natureza humana”, mas como “suas propriedades”
e a sua compreensão não é uma domesticação por meio da razão, mas, antes, a
sua transfiguração na positividade do desejo (SPINOZA, 1966, p. 12). Somente,
então, seria possível pacificar a multiplicidade contraditória dos afetos na ale-
gria e na beatitude e nesta paixão benéfica e fundamental a política encontraria
a sua legítima vocação, a de colocar-se a serviço da sabedoria ou, segundo as
suas palavras, ao conhecimento orientado “ao mais elevado contentamento da
alma” que é o “o amor intelectual de Deus” (SPINOZA, 1965 b, p. 330-331).
O percurso filosófico até aqui traçado não teve outro propósito senão
oferecer algumas indicações do vasto campo especulativo no qual se entre-
cruzam a teoria das paixões e da política. A visão clássica não era ingênua,
pois a força dos afetos na mobilização e direcionamento das ações sempre
foi um dado evidente na compreensão espontânea do Homem acerca de si
mesmo. A indagação filosófica não negava essa evidência, mas procurava
escavar na experiência humana outras possibilidades e alternativas viáveis
para a construção de uma regulação social e política razoavelmente justa e
pacífica. No curso do processo de modernização os desafios não minoraram,
antes se agigantaram. Conforme a hipótese proposta do início do nosso texto
o avanço da secularização, o enfraquecimento da força de legitimação da
teologia e das instituições cristãs, pôs em questão os referenciais simbólicos
que serviam como parâmetros de convergência das duas demandas funda-
mentais das comunidades humanas: a ordem e o sentido. A implosão das
crenças numa miríade de perspectivas heterogêneas colidiu com a proposição
de Spinoza segundo a qual somente a integração numa totalidade de sentido
poderia levar às paixões positivas da paz e da alegria. A versão mais chã e
pragmática da teoria de Hobbes parece ter triunfado. Insubmissas à razão e
à sabedoria caberia ao Estado disciplinar as paixões e a sua autoridade, não
teria outra justificação, senão o seu poder em ser bem-sucedido na tarefa de
modelar a matriz de todo movimento pulsional: o medo e a esperança, pois,
se a energia das ações provém das paixões, então o Estado deve ser capaz de
coloca-las a ao seu objetivo de contê-las e configurá-las. O círculo vicioso
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itinerário, seja porque não há como separá-la do conjunto complexo que forma
as diversas etapas na construção de sua metapsicologia. Limitamo-nos a algu-
mas observações básicas (BERCHERIE, 1988).
No período de criação da psicanálise – cuja datação se estende da “Comu-
nicação Preliminar” de 1893 colocada como introdução aos “Estudos sobre
histeria” escrito em colaboração com Joseph Breuer até a publicação da
“Interpretação dos sonhos” em 1900 – pode-se observar ao menos três des-
locamentos teóricos essenciais na demarcação da originalidade da concepção
nem pela aposta utópica no futuro. Por isso, o refúgio no Eu somente se manti-
nha para os poucos que tinham o privilégio de contar com energias intelectuais
e criativas suficientemente fortes para configurar novas formas de expressão.
Para a maioria dos indivíduos, carentes de tais energias, ao esvaziamento do
sentido restava a busca desesperada da segurança, alavancando o Eu combalido
na fusão emocional dos movimentos de massa (SCHORSKE, 1988; JANIK;
TOULMIN, 1972, p. 13-91; LE RIDER, 1992, p. 11-129).
Esses fatores internos e externos convergem na crescente radicalização
da teoria e da prática psicanalíticas. Estas irão evidenciando que o Eu não é
uma fortaleza, assentada em seus interesses de autoconservação e capaz de
resistir aos ataques da sexualidade infantil. Por quê? Porque, do ponto de vista
da metapsicologia, o Eu não resulta de um seguro desenvolvimento biológico
e cognitivo, na circunvolução de seu suposto amadurecimento não há um
núcleo duro e estável, porque, como na imagem da cebola, ele se constitui
de camadas heterogêneas e deslizantes de identificação, o que lhe impõe
contínuos remanejamentos afetivos e mediações autorreflexivas no esforço
de remediar as suas cisões estruturais. Não sendo um bloco monolítico a sua
fragilidade torna-se facilmente visível num mundo enfraquecido em seus
vínculos simbólicos comuns, e caracterizado pelo movimento centrífugo das
crenças e valores. Nele o Eu estimulado para a busca incessante de objetos
imaginários sempre cambiantes e sempre perdidos, se lança numa corrida
vertiginosa para o esgotamento e o nada. Essa fuga niilista, aprisiona dos
afetos no labirinto da vida fantasmática não propicia o fortalecimento de sua
canalização egóica, atestando a estabilidade precária do Eu como agente social
e sua oscilação humoral entre a expansão e a contração.
O Eu desprovido do apoio dos laços sociais, antes alimentados pelos vín-
culos comunitários mais próximos e pela herança de referências tradicionais,
mergulha na vertente compensatória que pode levar tanto para a voragem do
consumo e a sua proteção em bolhas narcísicas, quanto nos investimentos
afetivos intensos e enceguecidos proporcionados pelos movimentos de massa.
Essas vias não são excludentes, podendo bem ser complementares, pois ambas,
a violência e o consumo, substituem a perquirição do sentido existencial e da
ordem razoável, levando, pela exacerbação de paixões básicas como o medo e
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tolera qualquer demora entre o seu desejo e a realização dele. Tem o sentimento
da onipotência; a noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa
[...] Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela
não conhece dúvida nem incerteza” (FREUD, 1921/2011, p. 25-26). Todavia
a teoria do narcisismo evidencia que a onipotência e exaltação afetiva as mas-
sas pode se perder facilmente na impotência e dispersão de suas forças, daí a
sua receptividade ao líder “ele também fascinado por uma forte crença (numa
ideia), para despertar crença na massa; ele tem de possuir uma vontade forte,
imponente, que a massa sem vontade vai aceitar” (FREUD, 1921/2011, p. 30).
Recortamos alguns poucos elementos teóricos do longo e intrincado
desenvolvimento do pensamento freudiano sem a intenção de prosseguirmos
na análise de seus desdobramentos e implicações. Se o fizéssemos ficaria mais
clara a sua contribuição para a psicologia política e o quanto a sua teoria do
narcisismo pode nos ajudar na compreensão da oscilação entre impotência e
onipotência tão presentes como componentes essenciais do caldo ideológico
no qual estamos mergulhados. Abordar a problemática dos afetos ou das
paixões em seu importante papel na vida política nada tem a ver com erigir
o indivíduo como explicação das dinâmicas e estruturas sociais. Nada tem a
ver com a regressão ao individualismo metodológico que toma o indivíduo
como explanans e não como explicandum, isto é, “como um ponto de partida
explicativo e não como uma coisa a ser explicada” (LORDON, 2013, p. 9).
A psicanálise pode ser grandemente elucidativa para uma teoria crítica
da sociedade e, em especial, para a compreensão da inter-relação entre paixão
e política na configuração das formas ideológicas contemporâneas. Nosso
texto tem o intuito restrito de oferecer a um possível leitor fragmentos que
possam sirvam como estímulo e subsídios para as suas próprias pesquisas e
discussões mais aprofundadas.
Gostaríamos de concluir com uma observação talvez óbvia, mas não
irrelevante. A psicanálise não contrapõe afetividade e razão como realidades
independentes e opostas da vida psíquicas e nem pretende hierarquizá-las na
perspectiva de submeter as paixões à razão, como quer de modo exemplar
o estoicismo. Freud se afastou da utopia ilustrada da perfectibilidade racio-
nal da humanidade ao estabelecer, ainda na Primeira Tópica, a pertinência
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REFERÊNCIAS
BERCHERIE, Paul. Genesis de los conceptos freudianos. Buenos Aires/Bar-
celona/México: Paidós, 1988.
FREUD, Sigmund (1921). Psicologia das massas e análise do Eu. In: FREUD,
Sigmund. Obras Completas. Vol. 15. Tradução Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2011.
GARRETT, Don. Teoria ética de Spinoza. In: GARRETT, Don (org.). Spinoza.
Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2011. p. 333-387.
LORDON, Frédéric. La Société des affects. Pour une structuralisme des pas-
sions. Paris: Éditions du Seuil, 2013.
TAYLOR, Charles. Uma era secular. São Leopoldo RS: Editora Unisi-
nos, 2010.
VA|Z, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia II. Ética e cultura. São Paulo:
Edições Loyola, 1988 b.
SEÇÃO I
O (IN)ATUAL
AUTORITARISMO BRASILEIRO
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A PSICOLOGIA DAS MASSAS
E O RECRUDESCIMENTO
AUTORITÁRIO BRASILEIRO:
um diálogo em duas cenas
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Introdução
No entanto, uma reflexão tão complexa nos exigirá dialogar com outros
campos do saber. Para tanto, recorremos a Adorno (2019), com o intuito de
abordarmos a característica psicológica da personalidade autoritária. O “pen-
samento de poder”, que o autor descreve como manifestações aparentemente
ao acaso de potência, possibilitará a compreensão de uma dificuldade de sua
inscrição no simbólico da cultura advinda da castração.
Ainda no espírito de articulação da psicanálise com outros campos, gos-
taríamos de refletir sobre o processo histórico de ironização geral das condutas
Bolsonaro posa sorrindo para uma foto em que segura uma placa com a gíria “CPF Cancelado”, expressão
utilizada no meio policial para se referir a uma pessoa que morreu. A imagem foi criticada nas redes sociais por
manifestar desprezo ao índice de mortes causadas pela COVID 19. Uma jornalista diz: “O senhor foi criticado,
presidente, sobre uma foto postada dizendo ‘CPF cancelado’ em um momento de tantas pessoas morrendo”.
Você não tem o que perguntar, não? Deixa de ser idiota3, respondeu Bolsonaro.
Dias depois, ele se reúne com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. Ao ser perguntado sobre o seu
estado de saúde, ele volta a se definir como imbroxável, se categorizando também como imorrível e incomível.
O presidente declarou: Fica tranquilo, já falei que sou imorrível, imbroxável e também sou incomível4.
2 Trata-se da relação do analisante com sua análise. Para outros detalhes, ver Dunker (2013).
3 Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/idiota-bolsonaro-ataca-jornalista-que-o-
-questionou-sobre-deboche-com-cpf-cancelado. Acesso em: 20 abr. 2021.
4 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/17/sou-imorrivel-imbroxavel-e-
-tambem-sou-incomivel-declara-bolsonaro.htm. Acesso em: 17 maio 2021.
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5 Neste ponto, vale destacarmos que a base eleitoral de Bolsonaro se sustentou nestes dois grupos artificiais
(militares e evangélicos). Para uma análise sociológica que, partindo da velha questão arendtiana “como isso
foi possível?”, tenta explicar a conjuntura bolsonarista dando o devido relevo para as forças militares e para
o neopentecostalismo, conferir Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil
(2013-), de Gabriel Feltran (2020).
6 Freud (1914/2004).
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 53
e libido do objeto, além do conceito de ideal de eu. É nesse texto que Freud faz
uma distinção entre narcisismo primário e secundário e apresenta o narcisismo
primário como estado inicial da libido, autoerótico, anterior à constituição do eu.
No narcisismo primário, anterior ao fenômeno edípico, ocorre uma iden-
tificação com o Eu ideal. Nesse momento da constituição psíquica, o Eu é
dotado de toda a perfeição e completude. Somente após a angústia da castra-
ção, será possível o reconhecimento do outro como alteridade.
Vale lembrarmos que o conceito do narcisismo é utilizado como operador
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“Presidente, hoje tivemos mais de 300 mortes. Quantas mortes o senhor acha que...”, indaga um
repórter quando o presidente o interrompe.
Ô, cara, quem fala de... Eu não sou coveiro, tá certo?7
Bolsonaro declarou.
O repórter, então, tentou fazer novamente a pergunta.
Não sou coveiro, tá?, ele repetiu.
Pela manhã, ao sair do Palácio da Alvorada, ao fazer um comentário sobre a epidemia, Bolsonaro disse
que 70% da população será contaminada e “não adianta querer correr disso”.
Ora, há pelo menos dois pontos cruciais a serem destacados do que nos
diz o filósofo, os quais nos ajudarão a definir o que entendemos por “autoridade
cínica”. Primeiro, a astúcia cínica presente na conjugação do que é aparente-
mente contrário, que, no Brasil, logo se materializou em uma elite a um só
tempo liberal e escravocrata. Segundo, a despreocupação em deixar escancarada
a espoliação subjacente à lógica mercantil – lembremos que o escravo, mais
ainda que o trabalhador que vende sua força de trabalho, era nada mais que
uma mercadoria –, o que redundou na inversão da famosa definição marxista
do funcionamento fetichista da ideologia, “eles não sabem o que fazem, mas o
fazem”, que, dotada de um suplemento cínico, passa a se enunciar na seguinte
forma: “eles sabem muito bem o que fazem, mas mesmo assim o fazem”9.
9 Essa inversão peculiar a uma “falsa consciência esclarecida”, enquanto um traço próprio ao nosso tempo,
foi elaborada, primeiramente, por Peter Sloterdijk (1983/2012) em Crítica da razão cínica.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 57
lidade cínica, que parece encontrar na atual conjuntura brasileira o seu ápice,
está presente no cerne do conceito psicanalítico de supereu, cuja pertinência
para a compreensão da política foi magistralmente demonstrada por Freud
(1921/2011) neste livro, que, hoje, completa seu centenário. Não sem motivos,
dois dos pensadores contemporâneos mais exemplares no que tange à assimi-
lação política da psicanálise freud-lacaniana no Brasil e no mundo, como é
o caso de Slavoj Zizek (1992) e Vladimir Safatle (2008), dão relevo especial
ao que poderíamos chamar de “anatomia cínica do supereu”.
Isso porque é próprio à figura do líder mobilizador da economia libidi-
nal das massas se constituir por meio de uma estrutura dual a um só tempo
moralmente exigente e perversamente cruel. Trata-se de uma síntese entre a
figura paterna introjetada enquanto consciência moral na travessia do édipo e
a figura pré-edípica do pai primevo não castrado. Uma instância assim descrita
aparecerá de maneira mais clara na teorização de Lacan (1953-1954/2009, p.
140) sobre o supereu, que, por meio dessa dupla gênese, se apresentará como
puro imperativo (tanto para a repressão quanto para o gozo):
10 O título deste poema se dá em referência ao de outro: A N. Senhor Jesus Cristo com atos de arrependido
e suspiros de amor (MATOS, 1997, p. 22).
58
Considerações finais
11 Vale lembrarmos que a formalização filosófica da estrutura ambígua do supereu se apresenta, na obra
lacaniana, com a afirmação de que a verdade do imperativo categórico na filosofia moral de Immanuel Kant
se encontra no imperativo ao gozo na literatura perversa de Marquês de Sade (LACAN, 1963/1998a).
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REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor Wiesengrund. A teoria freudiana e o padrão da propa-
ganda fascista (1951). In: ADORNO, Theodor Wiesengrund. Ensaios sobre
psicologia social e psicanálise. São Paulo: Ed. da UNESP, 2015. p. 153-189.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
DOR, Joël. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991.
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu (1921). In: FREUD, Sig-
mund. Obras Completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. v. 15, p. 9-100.
FREUD, Sigmund. Totem e tabu (1913). In: FREUD, Sigmund. Edição Stan-
LACAN, Jacques. Kant com Sade (1963). In: LACAN, Jacques. Escritos.
Rio de Janeiro: Zahar, 1998a. p. 776-803.
ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia.
Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
O FENÔMENO DO BOLSONARISMO E A
NEGAÇÃO DA ALTERIDADE: notas sobre
psicanálise e política no Brasil contemporâneo
Evilene Abreu Silva
Emanuel Ramos Sales
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
12 O poema de Bertolt Brecht (1898-1956), An die Nachgeborenen, foi publicado em 1939 e traduzido como À
posteridade por Manuel Bandeira.
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A partir dos anos 60, a América Latina conheceu uma série de regimes de
exceção que se distanciavam mais e mais das formas clássicas das ditaduras
autóctones. Esses regimes caracterizavam-se pelo aspecto altamente racional
não somente da repressão, cujo lugar central ocupado pelas forças armadas
Na guerra ocorre uma ruptura dos elos eróticos que fazem do eu objeto
de amor do outro e do outro objeto de amor do eu. Para existir matanças,
genocídios nas proporções queque temos sidos obrigados a aceitar como
reais é preciso ter havido cortes de laços muito arcaicos. Nas guerras a noção
de outro semelhante sofre um corte, e no seu lugar surge o “estrangeiro”, o
“diferente” e o “inferior” (MIGUELEZ, 2007, p. 36).
O Brasil foi o único país dos que viveram ditaduras na América Latina que
não puniu os agentes públicos do Estado que participaram das engrenagens do
grande aparato repressivo que produziu violência em grande escala em nosso
país, instaurando diante do trauma social uma política de silêncio e de esqueci-
mento. À sociedade não foi possível a elaboração de eventos traumáticos expe-
rienciados no período ditatorial. De acordo com O memoricídio, ao contrário do
que pensa o senso comum, não é cometido por homens ignorantes de seus atos
66
e do poder dos livros, é cometido por pessoas que entendem muito bem o que
estão praticando. O memoricídio é um ato muito bem estudado de dominação...”.
Memoricídio significa “destruição da memória”. No sentido mais literal da
tradução da palavra pode ser algo como “assassinato a memória”. Sales (2016,
p. 20) afirma que o memoricídio consiste na eliminação de todo o patrimônio,
seja ele tangível ou intangível, que simboliza resistência a partir do passado.
Báez (2010, p. 288) afirma: “um povo sem memória, é como um homem amné-
foram temas sobre os quais Freud se debruçou. A partir de dos conceitos psi-
canalíticos de libido e regressão, o texto, quando lido à luz dos nossos tempos,
elucida o imbricamento entre mecanismos inconscientes de identificação e as
novas lógicas de poder tão presentes no surgimento dos populismos de direita
do século XXI, inserindo-se o Brasil como mais um caso paradigmático.
Sabe-se que as figuras sociais passíveis de representarem o Pai da Horda
ou o Pai Simbólico não se dissolvem em situações de crise social, mas são
“investidas na política com a promessa de retorno de um pai forte e arcaico,
uma lealdade ao passado e aos seus mortos, principalmente, quando não se sabe
nada a seu respeito (GAGNEBIN, 2006).
Primo Levi (2016) persiste, desde seu escrito Os afogados e os sobreviven-
tes, escrevendo sobre o desejo nazista de apagar a possibilidade de uma história
dos campos de extermínio, assim nada seria recordado, quer dizer, a legitimi-
dade das narrativas dos sobreviventes seria anulada, devastando a memória
de um povo inteiro e toda uma face sombria da história. O esquecimento dos
mortos e a denegação do extermínio consentem assim o assassinato sem culpa
(GAGNEBIN, 2006).
Este escrito se alia à missão importante, mas sem glória, de apresentar e
manter acessa a memória dos sem-nome, ser leal aos mortos que não puderam
e não podem ser velados.
Resistir contra o esquecimento é também resistir contra a repetição do
horror que se reproduz no nosso cotidiano com o genocídio, o etnocídio e o
memoricídio. Tarefa fortemente política e igualmente ética e, em uma acepção
ampla, especificamente psíquica, uma vez que, as letras de psicanalistas pos-
sibilitam enterrar os mortos de outrora e a cavar um túmulo para aqueles que
foram impossibilitados.
O trabalho de luto ajuda os vivos a lembrarem dos mortos para melhor
viverem no presente, daí ser direito de cidadania e dever do Estado. Assim,
a preocupação com a verdade do passado se conclui na reivindicação de um
presente que, também, possa ser verdadeiro (GAGNEBIN, 2006).
Estas notas sobre política se embasam na potência da psicanálise para
iluminar o quão perverso é o fenômeno do bolsonarismo, especificamente,
no que tange a este escrito, no memoricídio que insiste em perpetrar. Nosso
compromisso com a academia se sustenta na ética e na política, na resistência
e na aposta de que a produção coletiva de memória inclui nossos testemunhos
como cidadãos.
74
REFERÊNCIAS
ACHILLES, D.; GONDAR, J. A memória sob a perspectiva da experiência.
Revista Morpheus: estudos interdisciplinares em memória social, v. 9, n. 16,
p. 147-196, 2016.
BERADT, Charlotte. Sonhos no terceiro reich. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
Introdução
que eles são a defesa da democracia, ao mesmo tempo em que lançavam mão
de termos psicanalíticos como justificativa de sua posição política. Eles afir-
mavam que a democracia consistia em saber conviver com o conflito e que a
solução para esse conflito não poderia ser outra que não sua elaboração. Em
relação a esse posicionamento adotamos a crítica do psicanalista argentino
Sérgio Sabalza (2019), que afirma que
Dois anos antes, em 2017, uma situação parecida ocorreu em outro país
latinoamericano. Dessa vez, um grupo de psicanalistas levantam um debate
intitulado “Crise na Venezuela” e que se materializou em uma publicação
homônima, no site Lacan Quotidien. As discussões giram em torno de ques-
tões geopolíticas relacionadas ao país vizinho, em um contexto em que o
deputado Juan Guaidó tenta – sem sucesso – cooptar militares venezuelanos
para que possam dar base aos seus planos futuros de se autodeclarar presidente
do país. A Organização dos Estados Americanos (OEA) novamente desem-
penha um papel importante na situação, uma vez que seu Secretário Geral,
Luis Almagro, decide reconhecer Guaidó como o presidente autodeclarado
da Venezuela. No entanto, diferentemente do que aconteceu na Bolívia, os
militares venezuelanos não embarcaram na aventura. Essa recusa, além de
demonstrar que militares ainda são fiéis da balança para uma ordem insti-
tucional, fez com que o debate levantado pelos psicanalistas girassem em
torno de termos como “neomarxismo” (GOMEZ, p. 3, 2017), “despotismo
oscurantista de izquierda” (DELMONT, p. 4, 2017), “socialismo del siglo
XXI” (PORTILLO, p. 5, 2017), “extrema izquierda” (MÁRQUEZ, p. 8, 2017),
Com outra passagem, que clama por uma intervenção militar, quando
diz que
não lhe é dada a escolha, se deseja ou não ingressar numa massa desse
tipo; a tentativa de desligamento é desestimulada ou severamente punida
(FREUD, 1921, p. 35).
entender ou ter ideia do que se passava ali. Ainda sobre nossos símbolos nacio-
nais, Ab’Sáber (2015) chama atenção para como o lema Ordem e Progresso da
nossa bandeira faz referência e chega a materializar uma noção de ordem “vaga,
mas ativa, indefinida, mas muito afirmativa [...] usada em momentos estratégicos
por homens de Estado” (AB’SÁBER, 2015, p. 97). Ainda de acordo com o autor,
dependendo de suas coordenadas imaginárias e simbólicas, essa ordem pode se
“colocar em clara oposição à ideia moderna de Lei” (AB’SÁBER, 2015, p. 97).
É o caso, por exemplo, da Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831 que proibia a
importação de negros escravizados. No entanto, ainda assim, mais de 750 mil
negros entraram no país na condição de escravos, o que demonstra como a ordem
se encontra antinômica à Lei. Ainda segundo o autor, esse ordenamento encontra
sua garantia de execução nas autoridades militares e/ou paramilitares. Assim,
os capitães-de-assalto dos séculos XVII e XVIII, as forças policiais criadas no
Brasil-Império no século XIX, as Forças Armadas que tutelaram os governos
civis durante boa parte do século XX por meio de golpes de estado são a atuali-
zação constante de uma figura que Ab’Sáber chama de “protofuncionário público
brasileiro” (AB’SÁBER, 2015, p. 102), responsável por situar esse ordenamento
na raiz de toda e qualquer construção nacional possível.
Ainda nos dias de hoje – 36 anos após o fim da Ditadura Militar – é
possível testemunhar a presença maciça de autoridades militares em cargos
públicos não relacionados às suas áreas de formação e atuação. Segundo
reportagem veiculada no jornal Brasil de Fato (2021), existem cerca de 6.300
militares em postos civis do governo federal. É o caso, por exemplo, dos
Generais de Exército Eduardo Pazuello (Ex-ministro da Saúde durante uma
crise sanitária sem precedentes), Hamilton Mourão (Responsável formal pelas
principais estratégias de combate ao desmatamento na Floresta Amazônica
num período em que as queimadas consomem sua fauna e flora e se tornam
manchete mundial), Walter Braga Netto (Ex-ministro da Casa Civil).
Essa questão do significante militar insidiosamente se introduz nos modos
de subjetivação brasileira encontramos também em programas televisivos
de entretenimento – com índices de audiência consideráveis – que exibem
a rotina de trabalho de policiais militares nas periferias de grandes centros
urbanos, sucesso corrente da TV brasileira há aproximadamente 30 anos. Há
86
Essa passagem nos remete ao fato de que a presença dos militares na his-
tória da democracia brasileira é constante. Em outro momento histórico, em
dois tempos específicos do governo Sarney (1985-1990), um militar assume
novamente o protagonismo. Trata-se do General Leônidas Pires Gonçalves
que faz a leitura da nova constituição como se Ulysses Guimarães, presidente
do Congresso, fosse autoridade superior ao próprio Sarney, vice-presidente a
ser empossado com a morte de Tancredo Neves. O General Leônidas e outros
militares gozaram de certo prestígio no Estado Brasileiro nessa época. É também
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poderia ser prevista pelo simples fato de sua campanha presidencial ter sido
bombardeada por propagandas e fake news anticomunistas. Se os militares
sempre estiveram à frente de momentos importantes do Brasil, esse governo
se diferencia pois foi a primeira vez que uma pessoa declaradamente contra
a Ditadura Militar ascendeu ao cargo mais importante do país.
Todos esses movimentos, de modo comum, figuram como o efeito de
um evento anterior que exige uma intervenção militar. Trata-se de um sinal
claro de um dano no narcisismo das Forças Armadas e Militares. Nesse con-
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Mais adiante, o psicanalista francês nos lembra que esse dano só pode
se manifestar num registro imaginário, na medida em que a relação da mãe
com a criança está longe de ser uma relação de harmonia. Segundo Lacan
(1956-57, p. 71), trata-se de uma relação duplicada pela via imaginária e pela
via real e por esse mesmo motivo a perda de objeto só pode se dar em um
nível que “que permanece definitivamente mítico”. Essa leitura é interessante
pois ao demonstrar como o dano imaginário só pode fazer referência a uma
perda mítica, ela nos fornece ferramentas teóricas para pensarmos em uma
psicologia das massas militares brasileiras e suas queixas. Ainda sobre as
Transições, Silva (2021) lembra que
90
do Brasil e a história dos militares, essa questão nos deixa às voltas com o fato
de que o PECIM é, na verdade, uma estratégia de cooptação das classes menos
abastadas, uma vez que as pessoas desse recorte social não frequentam as ins-
tituições particulares. Essa questão ainda assume uma forma muito específica
de assistencialismo quando lemos que um dos princípios e objetivos, listado
no Art. 3, linha II, é “o atendimento preferencial às escolas públicas regulares
em situação de vulnerabilidade social” (BRASIL, s/p). Dar atendimento mili-
tar à população em situação de vulnerabilidade social trata-se menos de uma
do sujeito na trama familiar. Esse processo adquire uma força maior no fim
da infância e começo da adolescência. Nesse momento, a escola seria um
dos pilares que oferecem ao sujeito os balizadores para que este realize uma
busca sobre o desfecho dessa mudança que lhe acomete. Nos Três Ensaios
sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) nos fala de uma operação de
escolha de objeto sexual que se dá para o sujeito sob dois tempos, sendo
eles a infância e a adolescência. Esse segundo tempo da escolha opera um
desarranjo na economia pulsional em função das mudanças trazidas com
a puberdade. A partir daí, as correntes tenra e sensual que até então se
encontravam separadas no período de latência, passam a se conjugar no (re)
encontro com um único objeto. É exatamente por esse novo objeto conseguir
conjugar em si essas duas correntes que esse reencontro assume sempre as
características de um movimento difícil para o sujeito.
A educação cívico-militar por sua vez acaba operando uma espécie de
promoção ao laço militar, que como vimos anteriormente, apresenta sérios
problemas quando a diferença sexual é colocada em questão. Assim, é possível
afirmar que esse modelo de escola realiza um impasse pulsional que se destaca
na medida em que tenta envolver com uma roupagem Imaginária aquilo que
acomete o sujeito em sua dimensão Real. O final da infância e começo da
adolescência se caracteriza por uma violência pulsional embasada na própria
dificuldade de significação das mudanças que acometem o sujeito no nível
do discurso. O sujeito não consegue encontrar as palavras necessárias para a
estabilização de um discurso sobre seu desejo. A escola cívico-militar duplica
essa dimensão violenta na medida em que a roupagem imaginária cedida aos
alunos antecipa desde a infância esse exílio na linguagem, oferecendo uma
espécie de tamponamento a esse buraco pulsional que funciona como uma
violência às avessas. Nesse contexto, os ditos bons comportamentos e as
supostas boas atitudes do sujeito são na verdade suturas operadas pelo discurso
militar diretamente sob os corpos que frequentam esses locais. Aqui, as esco-
las cívico-militares dão provas da originalidade do projeto militar brasileiro
quando tomam do sujeito a própria capacidade de lidar com a falta estrutural
que lhe atravessa durante os anos escolares. É uma expansão do significante
militar na constituição da subjetividade.
94
Conclusão
REFERÊNCIAS
AB’SÁBER, Tales. Ordem e violência no Brasil. In: KUCINSKI, Bernardo
(org.). Bala Perdida: A violência policial no Brasil e os desafios para sua
superação. São Paulo: Editora Boitempo, 2015, p. 97-102.
DELMONT, Juan Luis. Nota. In: Lacan Quotidien n° 735 – Le lien social
– Lectures, par Bernard-Henri Lévy – Syrie – Lampedusa – Crisis in Vene-
zuela. Lacan Quotidien. 2017. Disponível em: https://lacanquotidien.fr/blo-
g/2017/06/lacan-quotidien-n-711/. Acesso em: 10 jun. 2021.
96
GOMEZ, Amílcar. Lacan. Nota. In: Lacan Quotidien n° 735 – Le lien social
– Lectures, par Bernard-Henri Lévy – Syrie – Lampedusa – Crisis in Vene-
zuela. Lacan Quotidien. 2017. Disponível em: https://lacanquotidien.fr/blo-
g/2017/06/lacan-quotidien-n-711/. Acesso em: 10 jun. 2021.
THE INTERCEPT. Mídia americana finalmente admite que era falho relatório
da OEA que ajudou a espalhar e levou a golpe na Bolívia. 2020. Disponível
em: https://theintercept.com/2020/06/09/midia-americana-oea-eleicao-boli-
via/. Acesso em: 20 jun. 2021.
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SEÇÃO II
algumas facetas
DESILUSÃO E DEMOCRACIA:
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RECORDAR, REPETIR E... REPETIR:
as massas e os autoritarismos
de ontem e de hoje
Domingos Barroso da Costa
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O estranhamento
23 Este texto retoma trabalho anterior (COSTA, 2016), especialmente o tópico Questões contemporâneas
de Política, que compõe o capítulo segundo da referida obra. Aqui, os argumentos são editados e
complementados conforme o propósito deste artigo.
102
24 Valendo-nos dessa palavra, que deriva de indivíduo, pretendemos ressaltar o quanto uma tal perspectiva
trai a própria psicanálise e sua concepção fundante de sujeito do inconsciente, que tem por pressuposto
uma dimensão social.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 103
[...] Lacan tinha uma expressão muito interessante, quando dizia que “o
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25 São muitas, antigas, conhecidas e abalizadas as afirmações no sentido de que a história se repete, talvez
sendo de autoria de Marx a que se tornou mais célebre. Reportando a Hegel, segundo o qual importantes
fatos históricos se repetem ao menos duas vezes, Marx complementou pontuando que enquanto a primeira
ocorrência se dá como tragédia, a segunda se dá como farsa.
26 Disponível em: https://declaracao1948.com.br/declaracao-universal/declaracao-direitos-humanos/?gclid
=Cj0KCQjwxJqHBhC4ARIsAChq4asJRwyE77HsFVeonDfV-3t8X8Q60o9z772dllANioRgn2zCZabOQOUa
AlULEALw_wcB
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 105
27 A história da América do Sul bem demonstra que a cruzada democratizante norte-americana se moveu a
partir de ditaduras e golpes militares, os de outrora mais ruidosos e sangrentos que aqueles a que atualmente
podemos estar expostos, os quais, segundo os costumes linguísticos brasileiros, se poderia definir como
golpes brancos (o branco a representar brandura, leveza, suavidade). Contemporaneamente, o emprego de
repressão estatal violenta em face de escolhas políticas da população não é medida simpática aos olhos do
mundo, sendo preferível a interpretação distorcida da lei e da Constituição, a perseguição jurídica (lawfare),
a morte da palavra – logo, da lei – e a degradação do compromisso político em substituição a formas mais
cruas e antiquadas de dominação.
28 Não no sentido psicanalítico.
29 Disponível em: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/07/christian-dunker-falta-ao-brasileiro-verdadeira-
tristeza.html. Acesso em: 06 jul. 2016.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 107
gente como ela? Fica corajosa para caramba. Essa soberba e o desdém pelo
outro são muito potencializados quando se está no ambiente virtual. E o
sofrimento decorrente disso também é brutal. O cara vai vivendo numa
bolha e, quando sai da internet, tem uma descompressão narcísica que
dá embolia. Se você saiu da internet e as massas não se levantaram a seu
favor, é porque você tem um problema. E no fundo o neoliberalismo está
inoculando a ideia de que você dá errado por sua causa (2016).
São muitos, em nossa época, os que acima de tudo não querem ver que
isso constitui um desvio, em outras palavras, uma perversão suplementar,
já que o discurso democrático é completamente invertido ou derrubado.
Com efeito, a democracia era o que devia permitir aos indivíduos ter acesso
ao governo de si mesmos, implicando um controle das próprias paixões,
caso contrário estaria fora de questão aspirar ao governo dos outros. Ora,
vinculada ao mercado, tragada pela promoção do simples direito, para
todos, de consumir – direito extremamente teórico, no fim das contas –,
a democracia torna-se o exato contrário disso, pois passa a rimar com
satisfação pulsional (DUFOUR, 2013, p. 319-320).
torna um fardo para o sujeito que prefere submeter-se a peias de toda ordem
a ter que por ela responder.
Para os incapazes de sustentar uma condição adulta e autônoma, o lugar
vazio em torno de qual se organiza uma democracia para melhor fazer circu-
lar o poder (LEFORT, 2011; LEBRUN, 2004, 2008) torna-se insuportável, a
demanda por segurança dispensando a liberdade e reclamando um Pai forte que
libere o sujeito do peso de pensar e decidir os próprios rumos por si mesmo.
É de incapacidade de liberdade que tratamos, portanto, quando analisamos as
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massas e sua entrega submissa ao autoritarismo, sua escolha por não escolher.
Freud sabia disso.
referimos visa não somente à máxima redução das estruturas estatais – o que
tem por efeito o estreitamento da dimensão pública –, mas à sua apropriação
pelo capital, que também atende pelo nome de mercado. Em termos mais
concretos, além de retirar do Estado o dever de ampla proteção à população,
o mercado dele pretende socorro irrestrito quando enfrentar suas crises.
E parece-nos não menos que óbvia a gravidade e extensão da catástrofe
que um tal projeto representa para os países pobres, em que a maioria da
população depende do Estado para sobreviver com um mínimo de dignidade,
32 Que parece ter sido um dos focos da atenção de Freud ao escrever o texto em comento, como se infere de sua
referência à massa socialista como constituída de laços que substituíam os estabelecidos pela religião, gerando,
inclusive, intolerância em relação aos que deles não compartilhassem, os de fora ([1921]/2011, p. 31).
112
33 Não estranha a repetição insistente por parte de Jair Bolsonaro do versículo 32 do capítulo 8 do evangelho
de João (“e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”), na medida em que o faz do lugar de um
líder mitificado – um messias –, portando-se como detentor exclusivo da verdade.
34 Noutras palavras, ainda que estabeleça verdades e, assim, produza efeitos reais, o discurso do líder não
afeta a realidade mesma que procura desmentir.
114
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universi-
tária, 2010.
COSTA, Domingos Barroso da. Proibido era mais gostoso: o desejo de ontem,
o gozo de hoje e o tédio de amanhã. Curitiba: Juruá, 2016.
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LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limites: ensaio para uma clínica psi-
canalítica do social. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.
35 Cf. PEREIRA, M. R. A impostura do mestre. Belo Horizonte: Fino Traço/Argvmentvm, 2008 – no qual o
presente capítulo se baseia e o atualiza.
118
uma de suas forças advém do fato dessa ficção admitir, numa sequência de
eventos trágicos, toda dialética histórica de dominação e, por conseguinte, a
elucidação de aspectos da civilização até então inexplicados.
Não há como negar que o par execração-veneração, forjado por Freud para
sua horda primeva, gerou críticas e mal-entendidos, inclusive sobre a noção de
ambivalência em relação ao pai simbólico. Tal noção não deixa de ter origem
numa posição afetiva do filho, segundo um ruidoso dualismo que Lévi-Strauss
([1949]/1982) não perdoou – mesmo que o tenha revisado no final da sua vida
o autor não objeta o pai; muito pelo contrário, o salva. Dá a ele a função de
interdição fundadora. No entanto, se admitirmos esse pai como exceção, ou seja,
como o único que se supõe gozar irrefreavelmente de todas as mulheres e a quem
só podemos invocar através da linguagem, talvez possamos entender que é essa
linguagem, e não propriamente o morto, que nos inflige interdição. Por sermos
falantes, estamos barrados de gozar. Falamos justamente por ser impossível
repetir o ato (de gozo) daquele que supomos situar no nível da exceção. Não
é necessário identificar o pai como estrangeiro, “grande proibidor” e fundador
É sabido que no decorrer dos anos 1970 o nome do pai não era mais
ligado, exclusivamente, à metáfora paterna. Com isso, ele adquiriu maior auto-
nomia em relação à fornalha fálica dos ideais sociais que o ligava formalmente
ao complexo de Édipo e aos enredos imaginários advindos dessa ligação. Com
essa nova acepção, os nomes do pai – agora no plural – ganharam uma função
mais facilmente formalizável, sem nada perder de sua eficácia significante.
Eles funcionam mesmo quando não se tenha ali um pai que o simbolize. Os
nomes do pai apontam para o fato de que são várias as possibilidades da sua
substituição, de tal maneira que eles são, todos, mitos da perda de gozo. Desse
modo, tais nomes recolocam em jogo o equívoco no próprio nível do conceito
operatório que serviu para estabelecer as condensações de Freud. O complexo
de Édipo, exemplo de uma dessas condensações, não é exclusivamente a lei
geral de um desejo parricida e incestuoso, mas um discurso que guarda um
saber com pretensão de verdade. Se há Édipo, esse só é o de Freud, de sua
própria análise, uma verdade de si que serviu de ponto zero para instituir a
psicanálise que ele mesmo criou (LACAN, [1969-1970]/1992).
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 125
falta à teoria um nome que explique o real. Ele nomeia sem se contar; ele faz
furo. Isso é reconhecer o complexo como uma função de quarto elemento
junto aos três anéis do nó borromeano – um ponto zero, talvez. Tomar Édipo
como um dos nomes é ir além da crítica que o próprio Lacan fizera a esse
complexo. Ele parece ter-lhe redourado o brasão, ao recolocá-lo no nível
lógico, emparelhando-o a um possível nome entre tantos outros nomes do
pai. Nisso Lacan não salva o pai à maneira de Freud, mas, provavelmente,
salve o próprio Freud das leituras ortopédicas que se fizeram de seus escritos
– escritos de si – que o próprio autor se autoanalisou a partir de Sófocles.
No entanto, desconsiderando esse possível debate, um exército crescente
de psicanalistas de orientação lacaniana tem posto o complexo de Édipo na
berlinda36. Desde fins dos anos 1980, isso tem se radicalizado. Miller (1992,
p. 3), por exemplo, chega a afirmar logo de saída que “desde então, o que
chamamos entre nós ‘o discurso analítico’ é a psicanálise além de Édipo, em
outras palavras, a psicanálise sem o desejo de Freud”.
Aliás, todo debate sobre o declínio do pai, de seus emblemas institucio-
nais modernos ou da sua imago, ressoa diretamente no empalidecimento do
Édipo, pois o complexo da versão freudiana está do lado do discurso do mestre
precisamente pelo pai, nela contido, reduzir tudo à lei que agencia através
do significante primordial. Isso é situar o Édipo no avesso da psicanálise, já
que o discurso do mestre, como sentenciou Lacan ([1969-1970]/1992), é o
avesso do discurso do analista.
Mas manejemos isso com prudência. Se o complexo de Édipo, com seu
excesso simbólico, faz a psicanálise correr o decisivo risco de aproximar-se
da religião e dos mitos, sem esse complexo a psicanálise delira.
Como afirmamos em outra parte (PEREIRA, 2014), isso obriga-nos a
examinar o que resta do freudiano estatuto edípico do pai no contexto da
realidade dos filhos dos filhos da democracia que, à diferença dos tempos de
Freud, se chafurdam na pós-modernidade e não nos deixam saber ao certo se
o complexo de Édipo e o pai ali enodado ainda são operadores lógicos de suas
36 Cf., por exemplo, o número especialmente dedicado ao tema: “Au-delà de l’Œdipe” [Além do Édipo], escrito
por 24 autores. In: Revue de l’École de la Cause Freudienne, 21, 1992.
126
38 Em alusão a ŽIŽEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2003.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 129
tem mostrado que uma sociedade cujo gozo não se acha regulado é justamente
uma sociedade mais deprimida e melancólica, como é a nossa. Entretanto, a
torrente de imagens, virtualidades e superficialidades que nos afoga ansiosa-
mente vêm nos servindo para anestesiar nossas próprias melancolias, isto é,
nosso desencanto com o mundo, nossa desilusão com perspectivas futuras,
nossa lassidão do ser. Eis o mal-estar na civilização pós-moderna. Como a
prevalência do imaginário é bastante evanescente, expirando logo que surge,
tendemos a buscar mais e mais imagens, virtualidades e superficialidades, uma
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39 Em menção a FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão (1927). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v.
17. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
130
Ideal do Eu Objeto do eu
Eu
Objeto
externo
ideal, não deseja porque experimenta o caos, a anomia e o pânico que podem
provocar o puro desborde, a pura moção pulsional, frente ao horror do vazio
de não ter alguém ou algo com o que se identificar. A existência ou não do
ideal passou a ser então um grande embaraço para Freud.
No entanto, como debato num trabalho recente (PEREIRA, 2021), a
noção definitiva das três fontes da identificação, proposta pelo próprio Freud,
pode nos ajudar a resolver o embaraço e a refletir acerca dos sujeitos pós-mo-
dernos com ou sem um ideal, ou seja, com ou sem um objeto externo para
compor os ideais de Eu dos filhos dos filhos da democracia. As três fontes
são: a identificação primária (o traço unário no nível do ser), a secundária (o
traço unário no nível do ter) e a terciária (por meio do sintoma).
Uma mudança subjetiva de cada um que compõem a massa significaria
uma mudança no seu próprio ideal do Eu, no nível da identificação primária
(ser igual ao objeto) ou da secundária (ter ou possuir o objeto). Trata-se da
internalização no seu ideal do Eu de um traço unário extraído do objeto para
fazê-lo seu, ou seja, um traço mínimo e único que une o sujeito a seu objeto
como um lugar simbólico e social.
Imaginemos três sujeitos na Figura 2 – três Eus/ideais do Eu –, que
realizam a mesma operação de identificação com três objetos, porém os três
coincidem com o mesmo objeto externo, que poderia ser qualquer um que
represente o ideal da cultura: um líder, um mestre, uma ideia, um amado, um
hipnotizador etc. Algo ou alguém nessa posição de objeto externo está sendo
investido pelos três sujeitos, a fim de sacar dele um traço unário, que será
único para cada um. Essa identificação entre eles, devido à internalização de
um traço unário do mesmo objeto externo em cada Eu (no nível do seu ideal
de Eu), é o que Freud estabelecerá como a terceira fonte de identificação, ou
seja, a que ocorre por meio do sintoma – o sintoma de todos elegerem simul-
taneamente o mesmo objeto externo identificando-se entre si. Isso justificaria
para o autor a existência das massas ou grupos primários.
Essa terceira fonte de identificação talvez nos aponte uma solução
para o desencantado mundo pós-moderno em que nos encontramos. Vive-
mos em tempos de naufrágio dos ideais da modernidade que, bem sabemos,
não conseguem mais figurar-se na posição de objetos externos a capturar os
132
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: Edição Standart
Brasileira das Obras Completas, v. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura (1781). São Paulo: Abril Cultu-
ral, 1980.
LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: LACAN, Jacques. Outros
escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
PORGE, Erik. Como é dito do pai. In: MOINGT, Joseph et al. Littoral: do
pai. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2002.
SEÇÃO III
POPULISMO:
algumas leituras
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O TIPO DE ESCOLHA OBJETAL
NARCISISTA E A CONSTITUIÇÃO
DAS MASSAS DE FREUD:
uma releitura a partir de Ernesto Laclau
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Introdução
Sabe-se disso há muito tempo. A ideia imaginária do todo tal como é dada
pelo corpo – como baseada na boa forma da satisfação, naquilo que, indo
aos extremos, faz esfera –, foi sempre utilizada na política, pelo partido da
pregação política. O que há de mais belo, mas também de menos aberto?
E o que se parece mais com o fechamento da satisfação? A colusão dessa
imagem com a ideia de satisfação, eis contra o quê temos que lutar cada
vez que encontramos alguma coisa que faz nó no trabalho de que se
trata, o do descobrimento pelas vias do inconsciente. É o obstáculo, o
limite, ou melhor, é a névoa na qual perdemos a direção e onde nos vemos
(LACAN, 1969-1970/1992, p. 29).
Ideal do Eu Objeto
Eu
Objeto
externo
primário, frente ao qual o Ideal do Eu exerce sua influência. Além disso, tanto
no que tange ao Eu ideal quanto ao Ideal do Eu está em jogo uma possibilidade
de assegurar a satisfação narcisista, que se reflete no investimento de objeto.
Assim, defenderemos que os tipos de relações do eu com o objeto locali-
zados na escolha narcisista, apontados por Freud (1914), parecem nos elucidar
o que está em jogo a respeito da satisfação narcísica permitida pela constitui-
ção libidinal de uma identidade coletiva. Em seguida, tentaremos identificar
quais consequências essa proposta tem, a partir da leitura de Ernesto Laclau
a respeito do populismo como categoria de análise política, no ponto em que
o teórico político argentino propõe que a consideração do grau de distância
entre o Eu e o Ideal do Eu pode nos levar a localizar a constituição do social
de maneiras diferentes.
A seguir, vamos trabalhar a respeito do conceito do narcisismo, que
embasa, antecede e provoca o investimento libidinal do ser humano nos obje-
tos do mundo externo, condicionando essa etapa do desenvolvimento do Eu.
Partindo da ideia que atribui a Paul Näcke40, psiquiatra alemão que desen-
volve um conceito para caracterizar alguém que trata o próprio corpo como
um objeto sexual, sendo tal atitude considerada uma perversão que assume a
totalidade da vida sexual, Freud ([1914]/2010, p. 14) indica que dessa obser-
vação se abre uma reflexão de que “uma alocação da libido que denominamos
narcisismo poderia apresentar-se de modo bem mais intenso e reivindicar um
lugar no desenvolvimento sexual regular do ser humano”.
Assim, longe de considerar o narcisismo na ordem da perversão, Freud
propõe uma releitura da teoria da libido a partir de tal fenômeno.
Ao observar o quadro de megalomania no contexto da esquizofrenia, e ao
buscar abordá-la a partir da teoria da libido, em contraposição aos desenvol-
vimentos de Jung, Freud identifica que “a libido afastada do mundo externo é
40 Em nota de rodapé acrescentada em 1920 aos seus Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade, no ensaio sobre
as “Transformações da puberdade”, Freud indica que o termo foi criado, na realidade, por Havellock Ellis.
144
dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada
de narcisismo”. No desinteresse pelo mundo externo característico de quadros
como a esquizofrenia, mas também na situação de dor orgânica, no desejo
de dormir e na hipocondria, Freud ([1914]/2010) observa que se apresenta
um represamento da libido que o faz conceber tal narcisismo secundário, do
retorno do investimento ao próprio eu, o que o leva a formar a suposição
“de um originário investimento libidinal do Eu, de que algo é depois cedido
aos objetos, mas que persiste fundamentalmente, relacionando-se aos inves-
Passemos agora ao segundo destino da libido do Eu, que opera uma supe-
ração do narcisismo originário, e que institui uma diferenciação no próprio
Eu. Na medida em que o ser humano é incapaz de abrir mão da satisfação
que outrora desfrutou em relação ao seu eu-real, forma-se uma instância na
expectativa de conservar todo o valor de perfeição, que se torna alvo do amor
próprio do Eu e que Freud chamou de Eu ideal. Por outro lado, desdobra-se
ainda, a partir da influência crítica dos pais e diversos atores sociais alteritários
subsequentes a essas figuras primárias, um agente crítico que Freud chamou de
Ideal do Eu. Sobre essa instância, Freud articula uma forte influência do exte-
rior e o caráter que tomaremos aqui como compensatório no que diz respeito
à transferência do narcisismo primário: “O desenvolvimento do Eu consiste
num distanciamento do narcisismo primário e gera a um intenso esforço para
reconquistá-lo. Tal distanciamento ocorre através do deslocamento da libido
para um ideal do Eu imposto de fora, e a satisfação, através do cumprimento
desse ideal” (FREUD, ([1914]/2010, p. 48).
146
muitos, essa diferenciação no interior do Eu não vai mais longe do que para
a criança” (p. 184). Podemos pensar que a satisfação narcísica via Eu Ideal,
por ser de caráter que aqui chamaremos de “conservador” de todo valor de
perfeição do narcisismo primário, não leva em grande consideração a per-
turbação direta da castração, o que, entendemos, faz com que essa distância
entre Eu e Ideal do Eu diminua.
Nesse sentido, nosso adendo ao grafo de Freud, na tentativa de depreen-
der mais consequências de seu questionamento a respeito da constituição
libidinal das massas, é que o objeto pode ser colocado no lugar do Eu ideal,
situação em que a distância entre o Eu e o Ideal do Eu é menor.
Nesse sentido, entendemos ainda que a valorização do objeto a partir do
que o próprio Eu é, parece acrescentar um detalhe relevante ao grafo:
Eu ideal Objeto
Eu
Objeto
externo
traz para tal fenômeno uma equivalência entre psicologia individual e psico-
logia social. O que se coloca então para Laclau, são lógicas sociais baseadas
em graus variados de constituição, que o autor toma da “análise do Eu” freu-
diana. Ele pontua que:
Se minha leitura de seu texto for correta, tudo gira em torno da noção primor-
dial de identificação, e o ponto de partida para explicar uma pluralidade de
alternativas sociopolíticas deve ser encontrado no grau de distância entre o Eu
e o ideal de Eu. Se essa distância aumenta – e por que aumenta é a pergunta que
devemos nos fazer –, encontramos a situação fundamental descrita por Freud:
a identificação entre os pares enquanto membros do grupo e a transferência
do papel do ideal do Eu para o líder. Nesse caso, os princípios fundantes da
ordem comunitária transcenderão o líder e, de acordo com esse princípio, a
identificação de equivalência entre os membros do grupo aumentará. Se, ao
contrário, a distância entre o Eu e o ideal do Eu for menor, ocorrerá o processo
que descrevi anteriormente: o líder será o objeto escolhido pelos membros do
grupo, mas ele também fará parte do grupo, participando do processo geral
de mútua identificação. Nesse caso, haverá um processo parcial de imanência
da base da ordem comunitária. Finalmente, na situação imaginária de redução
ao absurdo (reductio ad absurdum) em que a brecha entre o Eu e ideal do Eu
seja inteiramente transposta, nós nos veremos diante de uma situação também
contemplada pela teoria freudiana como num caso-limite: a total transferência
das funções do indivíduo à comunidade, através da organização. Os vários
mitos de uma sociedade totalmente reconciliada, o que supõe invariavelmente
a ausência de liderança, isto é, o esvaziamento do político, compartilham esse
último tipo de visão (LACLAU, 2013, p. 110, grifos nossos).
REFERÊNCIAS
DUARTE, André Macedo; CÉSAR, Maria Rita de Assis. Negação da Política
e Negacionismo como Política: pandemia e democracia. Educação & Reali-
dade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, p. 1-22, 2020.
Um pouco de história
41 Na edição Standard que utilizamos como referência o título do texto de Freud é “Psicologia de Grupo e
Análise do Ego”, como está nas referências bibliográficas. Contudo, optamos pelo uso da palavra “massas”
que se aplica melhor àquilo que Freud elaborou em seu texto.
42 Ao longo do texto, optamos por utilizar o destaque em itálico para os termos que tratamos como significantes
(no sentido lacaniano) em determinado contexto ou discurso.
154
43 O termo patrimonialismo é fonte de debates, sobretudo na sua aplicação à realidade brasileira (CAMPANTE,
2003). A origem está em Max Weber, que o utilizou para se referir aos Estados Absolutistas. Não vamos
adentrar em debates nesse texto, optamos por utilizar uma definição sucinta para levar a cabo o argumento.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 155
viola a esperada distinção entre as prerrogativas que sua posição lhe confere,
por representar outras pessoas – geralmente ligadas às relações, objetivos ou
interesses institucionais e grupais – e seu interesse pessoal, que pode estar
relacionado a qualquer vontade, desejo ou paixão. Segundo este autor, quando
isso ocorre, a necessária separação entre a lógica pública e a privada se rompe
e ocorre, então, a “fratura do símbolo”, abrindo espaço para um “esvaziamento
semântico” dos significantes que definem as relações de poder.
O efeito disso seria que
A formação da massa
44 Utilizaremos no texto massa ou grupo dependendo do que for melhor em cada contexto em que tais palavras
serão usadas. Porém, conforme nota anterior, a melhor tradução em português é “massa” e que, de forma
geral, quando utilizamos as elaborações freudianas estamos nos referindo à mobilização de um número
grande de pessoas.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 157
Populismo e ideal
46 Por exemplo, os “marajás” do serviço público, nomeados pelo então candidato Fernando Collor em 1989.
160
de fato teríamos nos livrado de uma realidade social cuja matriz fundamental
de relação é a guerra e a religião”.
O que parece claro é que o populismo sempre envolve a tomada do Estado
por aquele que encarna o ideal de reordenar a sociedade e redistribuir o gozo.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
CAMPANTE, Rubens Goyatá. O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a
Sociologia Brasileira. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
v. 46, n. 1, p. 153-193, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/
Kg8PPsPjsvMMPg5zBZWrsmk/?lang=pt. Acesso em: 11 jun. 2021.
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Populismo digital
der. Mas antes disso, seria preciso somar ao já complexo problema delineado
pela construção técnico-discursiva da identidade do povo uma outra chave
de complexidade que diz respeito aos artifícios tecnológicos utilizados nessa
construção e as possibilidades inéditas que eles abrem.
A categoria “populismo digital” (CESARINO, 2020) torna-se central
para a compreensão das consequências dessas possibilidades inéditas abertas
pelos aparatos tecnológicos. Esta categoria procura destacar a importância
da utilização de agências não humanas, como emissores robotizados e algo-
ritmos emocionais.
necessita nenhuma ordem lógica dos argumentos; deve pintar nas cores
mais fortes, deve exagerar e repetir a mesma coisa diversas vezes (LE
BON apud FREUD, p. 89).
víduo que estivesse só, fora da influência das massas. A título de exemplo,
um homem, trabalhador da construção civil, de cerca de 45 anos, atendido
no serviço de Psicologia da UFMT, queixa-se com a estagiária que o atende
que “as pessoas estão muito sensíveis” e que alguns de seus familiares evitam
contato com ele “só por que” (sic) ele encaminhou para o grupo da família
uma mensagem que recebeu no grupo de WhatsApp “Acorda, Brasil!”. A
mensagem referida pelo paciente, que fez questão de mostrá-la à estagiária, é
composta por uma imagem dos corpos de sujeitos, que supostamente haviam
cometido assassinatos e assaltos e foram executados pela polícia. Juntamente
com essas imagens grotescas de corpos ensanguentados perfurados por balas,
uma mensagem escrita: “Deviam deixar os cachorros comerem o rosto des-
ses filhas da puta e fazer o mesmo com quem acha que tem que defender
bandido.” Outros participantes do grupo respondem em concordâncias com
emojis, congratulando os policiais pela execução dos “bandidos”. Sobre o
fato de alguns de seus familiares evitarem contato com o paciente por causa
dessa mensagem, o paciente reconhece que “claro que é uma imagem forte...
ver um bandido morto”, mas acrescenta “ainda é pior ver quantos cidadãos
de bem são mortos por culpa desses bandidos”. Na sequência o paciente se
justifica reafirmando sua posição: “Se eles ficaram tão incomodados, vai ver
é porque defendem bandido também”.
Esta anedota é bastante ilustrativa da dinâmica comunicacional presente na
operação discursiva da simplificação. Ela se estabelece não por mera descrição
simplificada da realidade, mas atua fortemente nos elementos da identificação.
A fronteira “cidadão de bem X bandido” se estabelece de tal modo que a rejei-
ção ou o questionamento da simplificação faz com que o sujeito refratário à
simplificação seja situado quase automaticamente no campo do inimigo. Como
o interlocutor também não deseja ser identificado como “bandido” acaba sendo
levado a aceitar a simplificação por meio de uma coerção sutil. Assim, nosso
interlocutor privilegiado encontra-se discursivamente vedado a outros tipos
de questionamento sobre seu próprio comportamento ou do sentido atribuído
ao afastamento dos familiares. O afastamento é automaticamente interpretado
como um suposto pertencimento dessas pessoas ao campo do inimigo.
172
O que podemos aprender dessas três fontes pode ser assim resumido: pri-
meiro, a identificação constitui a forma original de laço emocional com um
objeto: segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 173
gido seu objetivo de estabelecer uma sólida base de traços comuns entre os
membros do grupo, lança-se a infraestrutura libidinal para o estabelecimento
da identificação dos membros com a sua liderança. Existem diversos aspec-
tos que podem ser alçados ao estatuto de qualidade comum, mas sobretudo
os traços de revolta e insatisfação difusa do cidadão médio são explorados
meticulosamente no discurso do populismo digital. A liderança torna-se uma
personificação do traço comum do grupo, o líder, antes de se apresentar como
alguém que pode dar fim às insatisfações populares, simplesmente ocupa o
lugar de porta-voz dessas demandas, aquele que tem o poder de nomeá-las.
• salvador ou ungido, pessoa que recebeu uma benção, foi escolhida por
uma divindade ou apresenta-se como a divindade ela mesma, e, portanto,
é capaz de operar milagres; • guerreiro ou justiceiro, pessoa que faz jus-
tiça de modo rigoroso, que luta e aplica sanções de forma muitas vezes
impiedosa; • abnegado ou honesto, sujeito dotado de moral ímpar, que não
busca acumular bens materiais, é incorruptível; • pícaro, sujeito esperto,
sagaz, dotado de bom humor e capaz de despertar o riso nas situações
que encena; • pessoa comum, ou seja, um cidadão como outro qualquer,
parte do povo, em oposição às elites; • pai dos pobres, que ou aquele que
representa os desvalidos, benemérito (CHAGAS, 2021, p. 182-3).
Vemos agora que o objeto está sendo tratado da mesma maneira que nosso
próprio ego, de modo que, quando estamos amando, uma quantidade con-
siderável de libido narcisista transborda para o objeto. Em muitas formas
de escolha amorosa, é fato evidente que o objeto serve de sucedâneo para
algum ideal do ego inatingível de nós mesmos. Nós amamos por causa
da perfeição que nos esforçamos por conseguir para nosso próprio ego
e a que agora gostaríamos de adquirir, dessa maneira indireta, a fim de
satisfazer nosso narcisismo (FREUD, 1922, p. 122).
São estes comportamentos considerados pelos não apoiadores ou adver-Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
sários como absurdos e incompatíveis com o cargo de presidente que justa-
mente produzem os efeitos calculados de proximidade com seus seguidores.
O fato de que os gestos e a linguagem sejam realidades sobre determinadas e
polissêmicas, permite que, rapidamente, a memética reverta o comportamento
que poderia ser considerado bizarro em uma imagem de espontaneidade, que
refletiria a suposta honestidade e a coragem do líder.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 181
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Considerações finais
Observações como estas nos fazem notar que as fronteiras entre o popu-
lismo digital e o fascismo ainda são difíceis de determinar. Maurizio Lazza-
rato, por exemplo, insiste que o nome correto dessa forma de governo seria
o neo-fascismo, segundo este, chamar o governo de Bolsonaro ou Trump de
governos “populistas ou neo-liberais autoritários, são maneiras de tapar o sol
com a peneira” (LAZZARATO, p. 20, 2019). Devido a essa zona de indistin-
ção é que análises como a de Theodor Adorno sobre a propaganda fascista são
em grande parte compatíveis com uma análise dos procedimentos discursivos
no populismo digital. Tanto no fascismo quanto no populismo poderíamos
supor uma espécie de Psicologia, autores como Byung Chul-Han a chamariam
de uma Psicopolítica. Seja como for, trata-se, em ambos os casos, de modos
de fazer política que estão intimamente implicados com modos de produção
de subjetividade e gestão dos afetos. O retardo da compreensão das estraté-
gias do discurso populista, esteja no fato de que talvez muitos de nós, ainda
hoje, não estejam, ao contrário de Freud em 1922, prontos para “dispensar a
ilusão liberal de que o progresso da civilização automaticamente nos traria
um aumento da tolerância e um afrouxamento da violência contra os grupos
externos” (ADORNO, 1978, tradução nossa, p. 129). Apesar das proximidades
com o fascismo acreditamos que um ponto importante e inédito até o advento
do momento populista é a convergência entre política e mercado do ponto
de vista da experiência psicológica, o populismo é uma grande estratégia
de marketing que consiste em vender uma imagem do povo para si mesmo,
vender uma explicação simples sobre a insatisfação e vender a solução na
forma da liderança populista. Uma estratégia de marketing toda calcada nas
identificações e seus efeitos. A justaposição entre mercado e política nos
revelou que na política populista um fluxo incessante de memes pode ser mais
decisivo em uma eleição do que o método do debate público de propostas e
projetos de governo.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 183
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda.
In: ARATO, A.; GEBHARDT, E. (ed.). The Essential Frankfurt School
Reader, Oxford: Blackwell. 1978. v. I. p. 118-37.
CESARINO, Letícia. Como vencer uma eleição sem sair de casa. Internet &
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LACLAU, Ernesto. On Populist reason. New York and London: Verso. 2005.
SEÇÃO IV
duas leituras
ERA DIGITAL:
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A PSICOLOGIA DAS MASSAS
FREUDIANA E AS ATUAIS MASSAS
DIGITAIS: totalitarismo, distopia e sonhos
Rose Gurski
Cláudia Perrone
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48 Expressão utilizado por Mark Edmundson ao referir-se aos dois vienenses da belle époque, o infame Adolf
Hitler e o radioso Dr. Sigmund Freud, no livro “La mort de Sigmund Freud: L’Heritage de ses derniers jours”
(PAYOT; RIVAGE, 2007 apud ROUDINESCO, 2016).
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 189
Uma das chaves de leitura que temos utilizado a fim de melhor com-
preender os impasses trazidos pelos atuais tempos sombrios é a reflexão sobre
o retorno de práticas políticas totalitárias. A professora de teoria política da
Universidade de Bogaçizi, Zeynep Gambetti (2019), no recente livro “Agir
em tempos sombrios”, diz que para compreender as novas formas de totali-
tarismo da contemporaneidade, é preciso, pensar sobre as variáveis trazidas
pelo neoliberalismo e não esperar que o fascismo assuma as mesmas formas
que assumiu há décadas atrás. A cientista política diz que as estruturas de
Nas relações sociais dos seres humanos acontece o mesmo que a pesquisa
psicanalítica descobriu no desenvolvimento da libido individual. Esta se
apoia na satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como seus
primeiros objetos as pessoas que tomam parte nessa satisfação. E, como
no indivíduo, também no desenvolvimento de toda a humanidade apenas
o amor atuou como fator cultural no sentido de uma mudança do egoísmo
para o altruísmo (FREUD, 1921/2013, p. 96).
49 “Os julgamentos de personalidade feitos pelo computador têm maior validade externa ao prever os resultados
da vida, tais como uso de substâncias, atitudes políticas e saúde física [...]” (YOUYOU; KOSINSKI;
STTILLWELL, s/p, 2015).
50 O poder consiste em tornar as coisas fáceis (tradução livre).
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 195
51 Informação fornecida por Gurski durante a Conferência “Educação, tecnologia e pandemia: desafios
e perspectivas” proferida durante a Aula Inaugural dos Cursos de Psicologia e Direito da PUCMG em
março de 2021.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 197
REFERÊNCIAS
ADORNO, W. T. Teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista. In:
ADORNO, W. T. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo:
Editora UNESP, 2015. (Texto original publicado em 1951).
FREUD, S. Psicologia das Massas e Análise do Eu. Porto Alegre: L&PM, 2013.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 199
FREUD, S. Totem e tabu. In: FREUD, S. Obras completas (v. 11). São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. (Texto original publicado em 1913).
GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Cia das Letras, 2012.
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SAFATLE, V. Anota aí: sou ninguém: Entrevista com Vladimir Saflate. Idéias,
Campinas, SP, v. 10, p. 1-38, e019009, 2019.
[...] modos de elaboração e respostas culturais dos jovens que fazem parte de
dada classe, portanto, filiam-se à cultura de sua classe e às condições vividas
por esta classe. Entretanto, como diferencial do modo como a cultura de classe
é vivida pelos adultos, a subcultura juvenil carrega uma resposta peculiar
destes jovens, dada sua posição etária e geracional (GROPPO, 2015, p. 21).
202
Sobre o TikTok
Aspectos metodológicos
Lucas diz do mesmo processo de descoberta de si: “meus amigos diziam que
eu era antes, mas só depois me considerei. Acho que foi pelo Instagram e
Tiktok, que descobri”.
Tal perspectiva nos remete ao fenômeno da identificação que, sob o olhar
da psicanálise, pode ser definido como o
num grupo, o indivíduo é colocado sob condições que lhe permitem arrojar
de si as repressões de seus impulsos instintuais inconscientes. As carac-
terísticas aparentemente novas que então apresenta são na realidade as
manifestações desse inconsciente, no qual tudo o que é mau na mente
humana está contido como uma predisposição (FREUD, 1921/1996, p. 47).
Ao refletirmos acerca dos grupos que vêm tomando forma a partir das redes
sociais, especificamente da rede social TikTok, se faz importante considerar
que as relações e afetações interpessoais que ocorrem no interior desses se dão,
na maior parte das vezes, em ambiente virtual. Dentre os entrevistados, 83,3%
afirmaram terem contato com outras pessoas de seu grupo somente (ou priorita-
riamente) de forma online, enquanto 16,7% relataram conhecer algumas dessas
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pessoas pessoalmente, mas sem possuir laços mais estreitos com elas.
Diante disso, uma questão que se coloca é a de como tais grupos surgiram
e se popularizaram. No caso das/os e-girls/boys, Jasmia diz do que considera
ter sido o evento disparador do grupo: “Diferente da maioria, que está conhe-
cendo agora, eu acompanho [o grupo das e-girls] desde 2018, quando saiu a
trend da ‘fábrica de e-girls’. [...] Era uma trend com uma música específica
(o nome da música é MEMEME), onde uma garota era puxada para uma
porta com uma plaquinha escrita ‘fábrica de e-girl’. Lá, era feito maquiagem,
penteado, ela colocava uma roupa característica (geralmente uma t-shirt preta,
com uma blusa manga longa preta e branca por baixo, com saia, meias 7/8 e
correntes como acessório). Depois disso, a garota dançava a música da trend”.
A partir de tal relato, destaca-se a utilização do termo fábrica, que, deri-
vado do latim fabrĭca, corresponde ao local de onde vem ou que se produz
ativamente algo, fonte, origem. Ou seja, podemos dizer que a escolha de
tal termo não é fruto do acaso, mas representa, de fato, a fonte/origem do
movimento, tendo o TikTok como o local onde esse tomou forma. Além
disso, vemos o alcance que esses vídeos podem ter, assim como seu poder
de influência na constituição da subjetividade de muitos jovens, resultando
numa nova forma de interação.
Mas nós podemos considerar as e-girls/boys, vsco girls/boys e softgirls/
boys como grupos? Para a maior parte dos entrevistados, a resposta foi nega-
tiva. Apenas 37,5% disseram se ver enquanto parte de um grupo, contra 62,5%
que não se consideraram como tal. O principal argumento contra a hipótese
do grupo diz respeito à falta de relação direta entre seus integrantes, como
afirmado por Lívia: “porque as pessoas normalmente não têm relações entre
si, nada além do estilo em comum”. Além disso, o fato das ações do grupo se
darem quase exclusivamente por meio virtual acaba gerando algumas impos-
sibilidades intrínsecas à distância física entre os indivíduos. Assim, nos ques-
tionamos o quanto essa modalidade grupal modifica, ou não, as teorias grupais
surgidas há mais de cem anos.
Por um lado, tais grupos não são estáveis, consideram um interesse passa-
geiro em comum. Como exemplo, pode-se citar o caso das/os vsco girls/boys,
que tiveram ascensão no verão estadunidense de 2019. No presente momento,
212
Elevação dos princípios éticos que pôde ser observada na fala do entre-
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Salete Fábio. A interação social e o desenvol-
vimento humano. Temas em psicologia, v. 1, n. 3, p. 19-28, 1993.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1413-389X1993000300004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 12 jul. 2021.
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TIDY, Joe; GALER, Sophia Smith. TikTok: The story of a social media giant.
SEÇÃO V
COLONIALIDADE
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UM OLHAR DA PSICANÁLISE
SOBRE A BRANQUITUDE A
PARTIR DE ‘PSICOLOGIA DAS
MASSAS E ANÁLISE DO EU’
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Introdução
São pessoas que vivem num mundo que não conheço [...] aquela mesma
velha, que tremia de pavor antes mesmo que eu desse qualquer motivo,
com certeza não imaginava que eu também tivera avó, mãe, família, ami-
gos, essas coisas todas que fazem nossa liberdade valer muito mais que
qualquer bolsa, nacional ou importada (MARTINS, 2018, p. 19-20).
Eu ideal e ideal de eu
Objeto
externo
O que isso quer dizer? E o que isso tem a ver com a discussão da branqui-
tude? Nossa hipótese é a de que, assim como um grupo primário se organiza
em torno de uma ideia, pessoa ou bandeira, que une o grupo tornando-se
ideal de eu de cada membro, assim também, no nível da cultura ocidental, a
branquitude assenta-se como significante-mestre que agencia como norma
modos de gozo que articulam o campo de pertencimento e de segregação entre
brancos e não brancos. Para acedermos a essa hipótese, discutiremos primei-
ramente como o eu se constitui, depois como o grupo se forma e se mantém.
E finalmente, como o ideal civilizatório cria normas de inteligibilidade para
codificar hierarquias e naturalizar privilégios e violências.
Para Freud, somos, como sujeitos do inconsciente (termo lacaniano),
o efeito de conflitos entre as imposições do mundo externo [Aussenwelt] e
222
O Eu é um Outro
Figura 2 – Esquema L
[Es] S a’ outro
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ária
g in
a
i m i n co
ç ão n sc
la ie
re nt
e
[eu] a A Outro
como uma espécie de sétimo filho, nascido com um véu e aquinhoado com
uma visão de segundo grau nesse mundo americano – um mundo que não lhe
concede uma verdadeira consciência-de-si, mas que apenas permite ver-se por
meio da revelação do outro mundo. É uma sensação estranha, essa consciên-
cia dupla, essa sensação de estar sempre a se olhar com os olhos de outros,
de medir sua própria alma pela medida de um mundo que continua a mirá-lo
com o divertido desprezo e piedade (DU BOIS, 2021, p. 53, grifos nossos).
o negro não existe em-si, enquanto ser substantivo; é apenas uma abstração
(Weltanschauung) reificada da sociedade colonial. Sua presença é atestada
apenas como predicado à agência do “verdadeiro” sujeito (o colonizador).
O negro só aparece no esquema humano para atuar em relação ao branco
e, diante dele, vê sua resistência ontológica desfazer-se em um vazio
dolorosamente nauseante (FANON, 2008, p. 104).
Quais seriam esses dois aspectos desenvolvidos por Fanon como duplo nar-
cisismo? Primeiramente, o véu da racialização também encobre a visão do branco,
que se autoproduz como ideal, a despeito de sua posição de privilégio estrutural,
correntemente negada. E, em segundo plano, Fanon questiona se, ao romper esse
véu através da defesa da supremacia negra com a negritude, o negro não estaria,
pelo avesso, a fortalecer e reproduzir a ilusão imposta pelo branquitude, ao invés
de a superar, modificar, destituir ou mesmo destruir. Nós nos deteremos apenas
na primeira consequência da noção de duplo narcisismo com Fanon.
“O negro quer ser branco. O branco incita-se a assumir a condição de
ser humano” (FANON, 2008, p. 27). O narcisismo fixa o branco no lugar de
ideal e de valoração, e o negro no lugar recalcado de sua própria origina-
lidade. Por isso, “o branco está fechado na sua brancura. E o negro na sua
negrura” (FANON, 2008, p. 27). A branquitude se assenta na (re)produção de
228
O Ego Conquiro serve, para Dussel, como uma genealogia crítica do Ego
Cogito cartesiano. Dussel quer mostrar que o ego cogito, o sujeito moderno, é
a sublimação de uma relação prático-militar de conquista que se dá através do
processo de colonização. “O ‘Eu-conquistador’ é a proto-histórica da consti-
tuição do ego cogito; chegou-se a um momento decisivo em sua constituição
como subjetividade” (DUSSEL, 2000, p. 49). E a raça é sua base discursiva
e pragmática de legitimação (QUIJANO, 2017).
232
Conclusão
raciais]” (FANON, 2008: p. 96). Em outros termos, ele nos convida a retirar
o espelho plano e deixar o real de cada tempo histórico forjar meios de se
escrever por uma nova via.
No Brasil, em 2018, foram quase 60.000 assassinatos cometidos contra
jovens negros homens no país. Matamos trinta vezes mais nossos jovens
negros que os países em guerra, negligenciando que cada vida importa. A
pergunta interpretante com que a psicanálise nos deixa para discussão acerca
É preciso desgarrar os falsos véus que disfarçam o real do ódio que habita
em cada um. Desidentificar implica esburacar esses semblantes até onde
é possível. E até onde um sujeito consente com isso. É necessário despo-
jar-se das boas formas, dos semblantes cativos pelas identificações para
poder fazer um tratamento possível do ódio e abrir desta maneira o vazio
que convém para fazer do amor, como diz Lacan, uma experiência mais
digna. E isto, por que não, penso que se pode fazer ressoar em um conjunto
amplo (VENTURA, 2021).52
REFERÊNCIAS
AFONSO, Bárbara. Adolescentes no tráfico: o desejo da mãe e a ingerência
superegóica. Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Universidade Federal
de Minas Gerais, 2019.
FANON, Franz. Pele negra, máscaras brancas. (1. ed). Salvador: EDU-
FBA, 2008.
FREUD, Sigmund (2011). Psicologia das massas e análise do eu. In: Psicolo-
gia das massas e análise do eu e outros textos. P. C. de Souza trad., p. 13-113).
São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1921).
Introdução
55 Os outros três modos históricos que teriam existidos para Lazarus, além do modo bolchevique, consistem no
modo revolucionário associado com a Revolução Francesa, o modo classista inaugurado com os movimentos de
1848 e encerrado com a Comuna de Paris, e o modo dialético, associado a Mao Zedong (NEOCOSMOS, 2009).
56 “Anthropology of the name is not a speculative exposé. It rests entirely on experimenting with the possible
in its approach”.
242
É nesse ponto em que gostaria de recuperar algumas das noções que circu-
lam em Psicologia das Massas e Análise do Eu para serem discutidas à luz dos
problemas apresentados acima. Se Lazarus propõe aproximar a política do foro
subjetivo, o recurso a Freud nos parece imprescindível se quisermos levar essa
proposta até às últimas consequências. Apesar de Lazarus [1995]/2015) ter eleito
uma antropologia – e não uma psicologia ou uma psicanálise – para dizer de sua
teoria57, precisamente por acreditar ter acesso, por essa via, a uma apreensão
do subjetivo (p. xviii), façamos o exercício de pensar tal proposta através dos
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57 Lazarus (1995/2015) faz questão de dizer, no entanto, que sua referência antropológica não é Levi-Strauss, por
considerar a doutrina de pensamento deste autor “inconsciente e classificatória” (p. xviii): “No, the reference here
is not to Lévi-Strauss, who has a doctrine of thought but one that we know is unconscious and classificatory,
as he discussed in The savage mind (1962) and Totemism (1962)” (LAZARUS, [1995]/(2015), p. xviii).
244
58 We can read the stylish vehemence of the continental reaction against the possibilities of mass democracy
in the young Freud, long before he turned his mind to any ordered conception of the emotions that underlie
political society.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 245
isso passaria pela arte (poesia) mas é cauteloso ao não procurar a resposta na
política” (NANCY, 2021, s.p., tradução nossa).60 Curiosamente, na ocasião do
mesmo debate, Benvenuto (2021b) – que acredita sim que Freud estaria preo-
cupado com uma sociedade política em Psicologia das massas – argumenta
que a razão pela qual o autor não falaria sobre democracia seria porque essa
seria apenas um “aparato para escolher quem deve governar: é um protocolo,
e não uma massa” (BENVENUTO, 2021b, s.p., tradução nossa).61 Apesar de
destoantes uma da outra, aproveitemos pois o que há de interessante em cada
60 So I would say that Freud poses the problem of democracy: how to associate subjects by something other
than Eros? By a relationship not of subject to object but of subject to subject? He senses that this passes
through art (poetry) but he is careful not to go looking for it in politics...
61 In my opinion, this is why Freud does not talk about democracy, because it is a functioning to choose who
should govern: it is a protocol, it is not a mass.
62 We do not know what people are; neither do we know what thought is; and nothing in these terms designates
how to think thought. [...] the thought in question, the thought of the people, is a relation of the real, and
not a relation to the real. In the latter formulation, a thought’s relation to the real is formed from a relation
between subject and object that leads to what I call an objectal thought. To this, Anthropology of the Name
opposes a thought ‘in subjectivity’ in order to qualify the thought of people.
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 247
63 Parliamentary political subjectivation does not fall under the jurisdiction of the principle people think, but
under the principle people have opinions.
248
Em suma, não caberia aqui fazer um elogio das massas como se estivésse-
mos desconsiderando toda o perigo que Freud enuncia ao dizer de sua cegueira
identificatória. Mas podemos perceber como também se abre, a partir de sua
formação na concepção Lazariana, um ponto de desidentificação articulado pela
primazia do pensamento que pode o colocar como categoria que, distante das
identificações do Estado, flerta com o possível vislumbrado pela ação coletiva.
Conclusão
REFERÊNCIAS
BENVENUTO, S. One Hundred Years of “Group Psychology and The Analy-
sis of The Ego”. Contribution to the Webinar “Subject and Masses”. 2021a.
Disponível em: https://www.journal-psychoanalysis.eu/webionar-soggetto-
e-masse/. 12/02/2021. Acesso em: 23 jul. 2021.
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CALVINO, I. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo:
Companhia das Letras. 1991-1993.
A
Afetos 17, 18, 19, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 44, 130, 182,
192, 219
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Análise do eu 8, 10, 14, 15, 38, 43, 49, 50, 62, 67, 75, 83, 84, 96, 103, 111,
115, 126, 129, 130, 134, 139, 140, 149, 152, 153, 187, 189, 191, 198, 206,
219, 220, 235, 237, 242, 243, 247, 249
Autoritarismo 7, 47, 49, 59, 60, 103, 108, 109
B
Bolsonarismo 7, 63, 68, 73, 76, 86, 97, 150, 163, 198
Branquitude 8, 150, 219, 220, 221, 223, 224, 225, 227, 228, 229, 232, 233,
234, 235, 236
C
Complexo de édipo 118, 123, 124, 125, 126, 129, 133
Constituição 8, 10, 11, 12, 13, 23, 35, 50, 52, 53, 79, 87, 93, 102, 106, 119,
130, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 156, 158,
159, 167, 168, 203, 207, 208, 211, 220, 222, 223, 224, 231, 243, 248
Constituição libidinal das massas 139, 140, 141, 142, 147, 150
Contexto 10, 32, 36, 50, 59, 67, 68, 69, 70, 71, 80, 81, 83, 86, 87, 88, 89,
92, 93, 101, 104, 106, 108, 111, 112, 125, 128, 129, 130, 140, 143, 150, 153,
156, 159, 161, 162, 165, 188, 201, 202, 204, 205, 239, 242
Cultura 14, 30, 31, 32, 34, 36, 41, 42, 45, 50, 51, 52, 53, 54, 66, 102, 117,
118, 119, 120, 121, 122, 128, 130, 131, 152, 154, 188, 192, 201, 202, 221,
223, 224, 225, 229, 258, 259, 260
D
Democracia 7, 17, 54, 59, 60, 64, 66, 80, 81, 82, 86, 87, 89, 99, 105, 106,
108, 109, 117, 122, 125, 126, 129, 131, 132, 152, 160, 161, 194, 198, 238,
244, 245, 246, 247
Discurso 7, 10, 32, 49, 55, 64, 65, 68, 69, 70, 72, 73, 79, 80, 88, 90, 93, 108,
109, 112, 113, 114, 117, 124, 125, 126, 153, 154, 157, 160, 161, 169, 170,
172, 173, 178, 182, 205, 209, 222, 223, 224, 225, 226, 229, 232
252
E
Emancipação 8, 60, 61, 228, 237, 238, 239, 242, 243, 245, 248, 250
Estado de exceção 64, 65, 66, 74
Estado de natureza 22, 118, 119
Eu ideal 53, 54, 68, 140, 143, 145, 146, 147, 150, 151, 157, 220, 221, 222, 243
G
Governo de Getúlio Vargas 88, 153, 159
Grupos de WhatsApp 168, 169, 170, 174, 175
H
História 16, 30, 32, 44, 45, 51, 52, 55, 60, 61, 64, 65, 72, 73, 74, 75, 76, 79,
85, 86, 87, 91, 92, 94, 95, 103, 104, 106, 108, 114, 123, 128, 153, 155, 157,
162, 167, 198, 199, 201, 202, 203, 205, 249
Horda primeva 7, 54, 117, 118, 119, 120, 122, 127, 129, 130, 132, 133,
157, 159
I
Ideal 11, 12, 18, 52, 53, 54, 68, 71, 84, 106, 112, 113, 118, 122, 129, 130,
131, 132, 140, 141, 142, 143, 145, 146, 147, 149, 150, 151, 156, 157, 161,
162, 175, 176, 177, 178, 187, 213, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 227, 228,
229, 230, 231, 243, 248
Ideal do eu 11, 12, 52, 113, 130, 131, 140, 141, 142, 143, 145, 146, 147, 149,
150, 157, 187, 224, 230, 243
Identificação 11, 12, 13, 37, 39, 49, 53, 54, 58, 67, 68, 69, 79, 84, 110, 112,
118, 126, 130, 131, 132, 133, 140, 142, 147, 149, 156, 157, 166, 171, 172,
173, 174, 176, 188, 191, 193, 202, 208, 214, 220, 223, 224, 228
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 253
Imagem 36, 37, 51, 53, 127, 139, 147, 160, 167, 168, 170, 171, 175, 177,
178, 180, 181, 182, 197, 202, 207, 208, 224, 225, 243
Indivíduo 11, 12, 17, 18, 20, 21, 22, 25, 26, 38, 39, 40, 41, 44, 54, 62, 102,
103, 109, 110, 118, 121, 129, 142, 147, 149, 151, 157, 171, 190, 191, 193,
202, 204, 207, 209, 213, 214, 230, 233, 248
L
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Lacan 10, 12, 14, 41, 43, 50, 53, 54, 57, 59, 62, 81, 83, 89, 90, 95, 96, 97,
103, 123, 124, 125, 126, 127, 130, 134, 139, 152, 156, 157, 159, 161, 163,
222, 223, 224, 225, 229, 234, 235, 236, 243, 244, 249, 250
Líder 8, 39, 49, 51, 52, 53, 54, 57, 58, 67, 68, 70, 84, 111, 112, 113, 114, 129,
130, 131, 140, 142, 143, 146, 149, 156, 157, 158, 159, 161, 162, 165, 166,
167, 168, 169, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 187, 188,
195, 196, 222, 230, 231, 248
M
Militares 52, 59, 63, 64, 71, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91,
92, 93, 95, 96, 97, 106, 159, 160
Mundo externo 54, 143, 144, 146, 191, 208, 210, 221, 222, 223
N
Narcisismo 14, 38, 39, 40, 52, 53, 54, 61, 89, 90, 107, 139, 140, 141, 142,
143, 144, 145, 146, 147, 149, 150, 151, 152, 175, 177, 181, 193, 220, 221,
222, 226, 227, 229
O
Objeto 11, 12, 26, 29, 32, 38, 41, 52, 53, 62, 65, 70, 71, 83, 89, 93, 96, 102,
129, 130, 131, 132, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 149, 150, 155,
156, 167, 168, 170, 172, 173, 175, 176, 177, 191, 208, 212, 214, 221, 224,
228, 230, 240, 245, 246, 247
P
Pensamento 20, 21, 24, 25, 26, 38, 39, 50, 51, 54, 59, 60, 123, 128, 157, 165,
170, 190, 191, 192, 193, 195, 196, 197, 226, 235, 237, 238, 239, 240, 241,
242, 243, 244, 246, 247, 248
Política 7, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 27, 39, 40, 41, 42, 43, 45,
50, 51, 52, 57, 61, 63, 64, 65, 67, 68, 69, 73, 75, 79, 81, 82, 87, 88, 97, 101,
104, 107, 108, 109, 112, 115, 129, 139, 143, 148, 152, 153, 157, 158, 160,
254
161, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 172, 174, 177, 182, 187, 188, 189, 190,
192, 194, 196, 199, 223, 232, 235, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244,
245, 246, 247, 248, 250, 257, 259, 260
Populismo 8, 76, 137, 143, 148, 149, 153, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163,
165, 166, 167, 168, 169, 173, 174, 175, 179, 181, 182, 183
Populismo digital 8, 165, 167, 168, 169, 173, 175, 179, 181, 182
Presidente da República 67, 69, 87, 91, 112
R
Redes sociais 51, 86, 106, 107, 110, 111, 192, 193, 194, 195, 201, 202, 203,
205, 206, 207, 211, 212
Respeito 13, 15, 28, 50, 52, 54, 70, 73, 107, 111, 139, 140, 141, 142, 143,
144, 145, 146, 147, 148, 149, 156, 157, 167, 205, 210, 211, 212, 213, 214,
233, 244, 247, 248
100 ANOS PSICOLOGIA DAS MASSAS: atualizações e reflexões 255
S
Segunda Guerra Mundial 72, 83, 104, 153, 189
Sigmund Freud 14, 43, 50, 60, 61, 62, 75, 96, 115, 152, 163, 183, 188, 199,
215, 248
Social 8, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 20, 23, 26, 27, 31, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 50,
51, 52, 59, 60, 61, 64, 65, 68, 69, 70, 74, 80, 82, 91, 92, 95, 96, 97, 102, 103,
106, 107, 109, 110, 111, 112, 116, 118, 119, 121, 126, 127, 128, 129, 130,
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131, 132, 135, 143, 148, 149, 150, 151, 153, 155, 156, 157, 160, 161, 165,
167, 168, 169, 174, 178, 180, 187, 188, 189, 190, 191, 193, 195, 196, 197,
198, 201, 202, 203, 204, 208, 209, 210, 211, 212, 213, 215, 216, 220, 225,
235, 236, 237, 238, 241, 242, 244, 247, 249, 250, 257, 258, 260
Sociedade 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 22, 23, 24, 30, 34, 36, 38, 39,
40, 45, 55, 56, 59, 60, 65, 67, 68, 69, 76, 79, 80, 83, 84, 86, 88, 89, 90, 91, 94,
101, 102, 108, 109, 112, 117, 118, 119, 123, 128, 129, 132, 149, 152, 154,
158, 160, 161, 166, 183, 190, 192, 196, 226, 227, 230, 242, 244, 246, 260
Sujeito 11, 25, 32, 34, 35, 53, 54, 58, 61, 63, 68, 71, 72, 80, 89, 93, 102, 103,
106, 107, 109, 110, 111, 113, 118, 121, 123, 128, 130, 131, 132, 146, 147,
150, 156, 158, 161, 165, 171, 172, 175, 176, 177, 178, 188, 191, 192, 193,
194, 195, 196, 197, 198, 202, 204, 206, 207, 208, 209, 214, 220, 222, 223,
224, 225, 227, 229, 231, 232, 234, 243, 244, 245, 246
T
Tempo 12, 16, 22, 23, 25, 29, 34, 38, 44, 50, 51, 55, 56, 57, 58, 60, 61, 63,
70, 71, 72, 81, 82, 90, 93, 109, 118, 120, 126, 139, 153, 159, 169, 188, 189,
193, 196, 199, 201, 202, 205, 210, 214, 234, 239
Totem e tabu 10, 50, 62, 96, 117, 120, 121, 134, 191, 199
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SOBRE OS AUTORES
Alberto Antunes Medeiros
Psicólogo. Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São João
del-Rei. E-mail: alberto.medeiros@Live.com
Cláudia Perrone
Psicanalista, Professora do Instituto de Psicologia UFRGS e do PPG de Psi-
canálise: clínica e cultura da UFRGS. Vice-coord. NUPPEC/UFRGS – Eixo
Juliana Morganti
Mestre e graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUCMinas). Graduada em Letras pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: emaildajulianamorganti@yahoo.com.br
Roberto Calazans
Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professor Associado IV do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de São João del Rei. Membro do Núcleo de Pesquisa
e Extensão em Psicanálise. Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação
Rose Gurski
Psicanalista, membro da APPOA. Professora do Instituto de Psicologia
UFRGS, do PPG de Psicanálise: clínica e cultura/UFRGS e do PPG Psico-
logia Clínica/USP. Pós-doutoranda IP-USP; Pesquisadora Colaboradora do
PSOPOL/USP – Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política. Coord.
NUPPEC/UFRGS – Eixo Psicanálise, Educação, Adolescência e Socioedu-
cação. Membro da Rede Internacional Coletivo Amarrações, da Rede Inter-
nacional INFEIES e da REDIPPOL. E-mail: rose@rosegurski.com.br
Thales Fonseca
Doutorando. Mestre e Psicólogo pela Universidade Federal de São João del-
-Rei (UFSJ). Bolsista CAPES. E-mail: thalesalberto94@gmail.com
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SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)