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Brasileira de Daseinsanalyse

Daseinsanalyse / Associação
P'aulo: A Associação, 2011
No 15/16 (2011)- Såo

Irregular
ISSN 1517-445X

Periódicos
1. Psicologia
-

CDD 150.5

DASEINSANALYSE
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FILIADA A INTERNATIONAL FEDERATION OF


DASEINSANALYSIS - ZURICH - SUIÇA
SUMÁRIO

APRESENTAÇAO
Marcos Oreste Colpo

SAGRADO
AS EXPERIÊNCIAS DA ORDEM DO
NA PERSPECTIVA HEIDEGGERIANA

João Augusto A.A.Macdowell S.J

MARTIN HEIDEGGER E A ESSËNCIA DA TÉCNICA 33


Dulce Mara Critelli

MYTHOSE LOGOS:
MODOS DE COMPREENDER E DIZER 44
Daniela Taibo Ribeiro Xisto

DASEINSANALYSEE LIBERDADE 56
Danielle Pisani de Freitas

TRATAMENTO DE UMA NEUROSE DO TÉDIO:


UM OLHAR DASEINSANALÍTICO 85
Medard Boss
TRATAMENTO DE UMA NEUROSE DO TÉDIO:
UM OLHAR DASEINSANALÍTIco
MEDARD BOSS

paciente era um médico de trinta e dois anos, de uma


familia de classe media, solteiro e sem laços religiosos específicos.

Fm toda sua vida, até onde podia se lembrar, sentia-se perseguido


por sentimentos de culpa severos e persistentes, que tinham feito de
Sua existência uma sucessao de atos autodestrutivos e autopunitivos.
Entre os vinte e cinco e os vinte e oito anos de idade, tinha seguido
uma análise de quatrocentas e vinte horas de duração, conduzida
pelo terapeuta nos moldes da teoria freudiana. Suas associaçóes
livres e sonhos levaram-no, n0 decorrer de sua primeira terapia, à
firme convicção de que sofria de um forte complexo de Edipo e de

castração.
Frequentemente tinha sonhos eróticos com uma figura
materna, várias vezes com sua mae real. Estes sonhos eram seguidos
por puniçóes advindas de uma figura paterna onírica que visava à
Completa e violenta destruição de símbolos filicos. Nem o paciente,
nem o analista podiam negar que suas açóes autodestrutivas procu-
ravam, na verdade, apaziguar seu sentimento de culpae sua angustia
de castração. Entre a multiplicidade de possíveis símbolos tálicos, a

T original "Tratamento modificado daseinsanaliticamente de uma neurose moderna


de
o comentários do paciente", retirado do livro Pychoanalysis and Daseinsanalysis,
wEard Boss. Basic Books, Inc., Publishers. New York.2edição. 1963

85
MEDARD BOSS

mais enm torres de Igrejas, principalmen


Cscolha recaía cada vez e as
por cxemplo, o sonhador
de estilo gótico. Certa
vez, se ence
contrava
velho, que
no andar térre de uma torre gótica quando um velho,
que tinha as
feigbes inconfundiveis de seu antigo professor de anatomia, atacouua
torre com um
imenso instrumento cortante, parecido
hasc da Com
umafaca. procurando assim
dor .entre as
demoli-lac sotcrrar o sonbador
ruinas instrumento parecia-sC, cmboraem dimensócs bem maio-
res. com o bisturi de dissecaçao que ele havia utilizado no Drim

semestre de seu curso de medicina.


Ainda quc. através das cuidadosas observaçóes do analista, o
paciente tivesse aprendido a ver um simbolo tálico nestas torres de
igreia sonhadas, e a reconhecer no protessor de anatomiao disfarce
simbólico de seu pai castrador, nada mudou durante os três anos de
análise, seja na sombria monotonia de seus sonhos, seja no caráter
estereotipado de sua vida coridiana ou na morosidade crônica de
seu estado psíquico.
No entanto, estes sentimentos de culpa foram aliviados de
alguma forma com a decisáão de trocar de analista durante o quarto
ano de análise. O paciente sentiu-se muito mais seguro com sua
nova terapia porque náo era mais obrigado a deitar-se em um divá,
mas podia sentar-se em frente ao médico, envolto na atmosfera
camarada da fumaça de um cigarro.
O segundo analista, diferentemente de seu antecessor, via
imagens propriamente religiosas nas igrejas sonhadas pelo paciente.
Através de diálogos semanais, que duravam várias horas e nos
quais
analista era quem mais participava (diferentemente do método
freudiano), o paciente foi levado, através da evidência convincente
de inumeráveis referências mitológicas e etnológicas, à convicçao ae
que pensamentos e noçóes religiosas em geral correspondem a uma
função psiquica primordial. Ele aprendeu que havia tanta realidaae
psiquica ligada a estas últimas quanto em suas fantasias sexuals.

86
oATAMFNTOo DE UMA NFUROSE DO TEDNO UM OLHAR DASEINSANALÍMCO

Avidamente agarrou-se ao concito de que seus sonhos reli-

tinham origem, fundamentalmente, em estruturas arquetí


amuns àà hu
humanidade, isto é, no inconsciente coletivo de sua
c o m u n s

picas Isto Ihe restituiu a confhança de que seus m


pensamentos, que
e n t o s , que
psique

vezes Ihe pareciam estranhos e absurdos, náo mais o isola-


muitas
do resto da humanidade.
am da companhia
Mas nåo demorou muito para que o estado do paciente

novamente. No nm do segundo ano desta psicoterapia.


stagnasse
havia ensinado a ele tudo
analista iheexplicou que ja o que estava

como seu prosseguimento.


cm seu poder. e que pouco ganharia
Deveria. pois, daí em diante, conhar em seu próprio discernimento
si mesmo como doente ou anormal. O paciente
e deixar de olhar a

o melhor que póde. Procurou desenvolver um maior interesse


fez

nor suas atividades médicas e, tempo, conseguiu através


ao mesmo

consciência admiráveis se familiarizar meticulosa-


de tenacidade e

literatura psicológica. Entretanto, continuava insatis-


mente com a

feito consigo mesmoe com o mundo em geral, inexplicavelmente.


Tentou desenvolver um hobby, na esperança de que trouxesse mais
significado à sua vida. Dedicou-se a colecionar cristais. Estas peças

preciosas, no entanto, apenas o induziam a limpar e polir incessan-


temente suas superficies. Em poucos meses a diversáo desencadeou
compulsão furiosa pela limpeza fanática. Suas roupas também
tinham de estar cada vez mais imaculadas, sem que lhe pudesse fal-
tar, em hipótese alguma, um lenço perfeitamente branco.
Culpava-se por ser um esteta tão exagerado, mas sua autocen
Sura não o ajudava - e nem àqueles que o cercavam, que tinham que

suportar seu pedantismo.


ua busca por um terceiro psicoterapeuta após dois anos de

niervalo se deu fundamentalmente devido à falta de orientaçáo


Crior e a um vazio de sentimentos que o faziam enxergar tudo soD
um olhar deformado e
escarnecido.

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MEDARD BOSS

No início deste novo tratamento, logo informou o


de que era somente por falta de opçao quc, mais uma
terapeuta
vez, consul.
tava um psicoterapeuta. Sua experiència havia Ihe mostrado qune.
em
psicologia as coisas aconteciam em um circulo vicioso. Com astúcia
provou ao colega analista de modo bem claro que, 1a,
não fazia a mínima diterença se algo
basicamente
nte,
espiritual como sentimentos
-

religiosos- fosse visto como mera sublimação de uma fixação libidi.


nosa infantil ou se fosse
pensado como algo originado numa funcão
psíquica por um hipotético "arquétipo no inconsciente
Pois, ao se
coletivo.
postular
um A dedutível de um B ou de um C
de um ou
X, já se adulterou este A como A em algo derivativo,
Onde haveria algo genuíno e real que tizesse com
não-autônomo.
que valesse a pena
viver? Kleist havia sido inteiramente consistente ao tirar
vida quando, após ler a filosofia kantiana da
sua
própria
inescrutabilidade das
coisas si mesmas,
em
percebeu-se como habitante de um mundo de
miragens irreais. O paciente assegurava que o mundo dos psicólo-
gos modernos era muito mais espectral, pois nele revertia-se a um
conceito de "realidades psíquicas" antes mesmo de se haver demons-
trado a existência de uma única
psique".
Neste momento crítioco, o analisando foi aconselhado a
deixar
de lado a psicologia. Ele deveria deitar-se como tinha
feito durante
sua
primeira análisee, sem qualquer reserva ou precaução, quer con-
Sigo, quer com o analista, dizer tudo o que Ihe viesse à mente: tos
sem
pensamentos, idéias, fantasias, sonhos, memórias, emoçóes ou
sensaçóes corporais, por mais dolorosas, vergonhosas
descabidas
aparentemente
ou inúteis que pudessem
parecer. O paciente fhcou um
tanto reticente diante do desafio de buscar um
esclarecimento de si
mesmo sem a
psicologia; no entanto, estava disposto a abrir mão de
futuras discussóes científicas e assentiu sem
A primeira grande dificuldade de
questionamento.
sua terceira
psicoterapia
apareceu cerca de seis meses após seu início. O analisando começou

88
te3o
ta
MEDARD BOSS

na corda, aliviou-se. Os movimentos de scu


seu in
intestino
agarrando-se
não paravam; logo ele estava
atolado ate os joclhos em seus ptóntio
Tentando escapar desta crescente massa de excrema.
Cxcrementos.

tos, procurou com todas forças subir


as suas pela corda do sino asá
a torre da igreja, mas seus pés estavam presos nas fezes. De alguma
maneira. com toda essa movimentaçao frenetica, a corda bou
por enroscar-se inextricavelmente em seu pescoço. Além disso, seus
corda
puseram em movimento
esforços desesperados para subir pela
o sino da torre. Mas o pior de tudo era que a cada soar do sino lá
no alto a corda, inexplicavelmente, enroscava-se em volta do eixo
do sino, criando uma tensão que o puxava para cima. Seus pés, no
entanto, continuavam aprisionados em seus excrementos, de modo
rasgado
sino ele estava sendo em dois. Na
que a cada badalada do
agonia destas terríveis torturas corporais, ele desperta.
Assim que acordou, o paciente ouviu "vozes" que o insulta-
vam com diversos impropérios, chamando-o de "cagáo". Pior, no
entanto, que estas "alucinaçóes auditivas foram as "alucinações
olfativas". A qualquer lugar que fosse sentia cheiro de esgoto e fezes.
Ele mal conseguia comer. Nos dias seguintes estava enfurecido com
seu analista por tê-lo deixado sentir toda a imundície de sua corpo-
reidade, roubando-lhe assim sua dignidade humana. Em sua fúria
quebrou dois grandes vasos da sala de consulta atirando um no chão
eo outro contra a parede, por pouco não atingindo a cabeça do
analista. Antes que o surto acabasse toda a sala estava encharcada de
água e o carpete repleto de pétalas de flores e cacos de louça. Depois
que sua raiva se esvaiu frente à calma imperturbável do analista, cor-

reu para casa choramingando, se enfiou na cama, fechou os olhos


e entrou num estado catatônico por dois dias. Psiquiatricamente
o quadro clínico sugeria mais um típico surto esquizofrênico do

que uma crise histérica. Neste momento, mais que nunca o analista
assistiu seu paciente. Permaneceu sentado ao seu lado o dia inteiro

90
OF UMA NFUROSE DO TEDIO: UM OLHAR DASEINSANALÍTICO

alimentou-o através de sonda, e nada


da noite
partc
ca
maor
ia de asumir
intciramenteo cuidado paciente. de seu
suas proprias måos. Quarenta e oito horas depois,
07inho c com
cstupor,
o pacicnte sc atirou nos braços do tera-
de
0 despertat de scu

se agarra a sua mac, chamando-o centenas


u t ac o m o u m a uma criança
mamå
mannåc, qucrida, qucrida". Então, cle abriu os

de
vezcs

esppertasse
de sonho profundo. Pelo final dodia
como
sc
hos mas ainda estava terrivelmente
havia se recOmposto,
e ele já h.
cle ja
tarde, terapeuta póde retomar a
oguinte
semanas mais o
Poucas
paciente deitado. O paciente
a n g u s t i a d o .

com o agra-
teCnica da análise,
classica da
adássica
todas necessidades
por te-lo aceito
com as suas
antes de tudo,
deceu,

permitindo que verificasse, literalmente pela primeira vez


terrenas,

se envergonhar de sua cor-


uma pessoa nao precisa
em vida,
sua que
sua existëncia e excluí-la de sua vista.
noreidade, não precisa negar
No sonho inicial, imediatamente antes do irromper de sua
sucumbiu completamente ao ámbito terreno,
confusão, o paciente
a torma de seu aprisionamento na pia
fecal, Este havia tomado
Durante o subse
batismal e seu estorço desesperado para içar-se.
totalidade de sua existência
quente estado psicótico acordad0, a

relação com a esfera fecal. Ele


estava igualmente absorvida na sua

estava ainda menos capaz de relacionar-se com esta esfera como um

si-mesmo livre e independente; sua relaço com esgotos ganhou


tal dominio que o deixou totalmente entregue ao âmbito tecal, seu
ser inteiramente atolado na sujeira. Seu estado mostrava completa
queda ou submissão ao åmbito fecal, pois ele somente ouvia, sentia
e cheirava excrementos; ele não percebia nada além disso em tudo
que encontrava e sofria "alucinações olfativas e auditivas'. Estes
aclirios sensoriais não podem ser entendidos em sentido inverso,
O C, como derivados de um tipo de afeto interno ou de estímulos
Entro de um órgão sensitivo, ou como localizados numa årea do
cérebro a artir da qual seriam projetados. Podem, no entanto, ser

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MEDARD BOSS

compreendidos com base na condição da totalidade de sua existén-


cia, do fato de ter sido completamente capturado no àmbito fecal.
A única coisa necessária, entáo, seria dar ao paciente a possibilidade
de voltar. por um curto período, a um tempo anterior ao enganoso
ponto de virada de sua história de vida, de recolher-se no comporta-
mento de uma criancinha. Esta era, de fato, a relação com o mundo
que correspondia ao estado verdadeiro de sua existência. Era, por-
tanto, aqui que ele poderia consolidar-se, com certa rapidez, em
um genuino si mesmo, que poderia conseguir o que até agora
-

ele não havia conseguido: a capacidade de caminhar independen-


temente e de assumir responsavelmente todas as possibilidades de
relacionamentos, inclusive a relação com os åmbitos fecal e terrenos
do mundo humano. A partir de então, ele poderia conquistar um
modo de relação mais aberto, mais livre e mais amoroso com åmbi-
tos cada vez mais amplos.
No entanto, permaneceu muito dificil para o paciente
algo
perdoar. Ele se perguntava, continuamente, que gênio malignoo
havia permitido cometer a blasfëmia de, entre todos os lugares pos-
síveis, levar suas fezes para dentro de uma igreja e na pia batismal.
Muito lhe ajudou aqui uma questão colocada pelo terapeuta:
náo será da própria essência humana que ele deva o tempo todo se
reconciliar com sua condição essencial de estar entre céu e terra?
Talvez tenha sido exatamente esta tensão que o conduziu à desor
dem em seu sonho e em seu subsequente surto psicótico na vida
acordada, uma vez que ele nunca permitiu que o terreno-tecal ou
o divino-celestial entrassem em seu mundo e nunca os aceitara
em seus próprios direitos. Ele havia rejeitado ambos os elementos
e interpós uma distância irreconciliável entre eles e si mesmo. A
segunda parte desta suposição do médico era contestada com grande
vivacidade pelo paciente. Antes de tudo, no curso de segunda
sua

análise, dizia ele, havia adquirido uma abrangente compreensão

92
"aMENTO DE UMA
TRATA NEUROSE DO TEDIO: UM OLHAR
DASEINSANALÍTICO

a verdade psiquica de uma imagem arquetipica divina no incons-


da O
nft Colctivo da psique humana. analista perguntou
cien te
por que,
tOdas
então, quase todas as noites cle sonhava com o
interior de igrejas?
cnta plicava a alternancia curiosa e persistente destes sonhos
Como
com outros sonhos fecais e sonhos de sexualidade? As igrejas de seus
sonhos por vezes ram escuras e, por vez luminosas, irradiando da
uma
luz
cupula uma luz azulada e não-terrena. Em um sonho recente,
Jesus
Cristo havia aparecido corporalmente e olhava-o em silêncio, cheio
De outra feita, ele havia escutado a
expectativas. poderosa voz de
de reverberando em uma imensa catedral como um oceano de
Deus
sinos
tocando e que disse: "Eu sou quem eu sou".
Desde que ele havia se jogado nos braços do analista ao sair
sel estupor catatònico, ele não experienciou outras alucinaçóes
auditivas no estado de viglia. O paciente não podia negar que todas
SuaS CXperièncias oniricas eram intensas e arrasadoramente fortes e,
s vezes, tão beatíficas que iluminavam toda sua vida vígil também.
Finalmente teve de admitir que com todas as suas profundas idéias
psicológicas ele estava, basicamente, desamparado para compreen-
der suas experiências religiosas. Dessa maneira ele pôde amadurecer
para entender porque não se atrevia a deixar que estas apariçóes
divino-celestiais fossem as realidades imediatas assim como se apre-
sentavam a ele. Por que ele constantemente precisava se defender do
desaho que elas ofereciam através da transformação em abstrações
psicológicas, tais como o hipotético arquétipo? Enquanto estava
sendo ameaçado pelos sonhos fecais e em sua confusão psicótica o
paciente, em nenhum momento, duvidou da imediata realidade da
corporeidade.
Após mais seis meses de análise -

durante os quais, cada vez


mais, 0 analista precisava apenas estar lá, sem nada dizer, aberto a
e-
paciente não mais precisava entender objetos e seres huma
05 Como
reflexos enigmáticos e fantasmáticos. Não mais precCIsava

93
MEDARD BOSS

entendè-los como meras realidades pstquicas impingidas a partir de


algo inescrutável para dentro de sua consciência através de órpãos
sensitivos- os quais servem como arquetipos ou outro tipo de len.
rgáos
tes refratoras. parte de um complexo SIstema telescópico psíquico
Tampouco apareciam para cle como algo simplesmente presente

(Vorhanden). inacessivel à aproximação direta e investidas de sig-


nificado somente à luz de imagens do mundo e projetos de mundo
(Welt-entwürfe). Tornou-se capaz de acolher e levar a sério tudo o
que lhe aparecesse, desde o mais terreno at o mais celestial, como
as realidades intrinsecas imediatas que elas são,
aparecendo à luz de
seu Dasein. Deste modo, alcançou sua liberdade e sentiu-se
pleno e
compieto.
Por um bom período anterior isto,
entanto, ele tinha
a no
sido constantemente atormentado por aquele sonho da torre da
igreja gótica e de seu protessor de anatomia que, durante sua pri-
meira etapa analítica, só podecompreendido como uma repre-
ser

sentação simbólica disfarçada de seu pai castrador. Este sonho parou


de atormentá-lo apenas quando o paciente ousou deixar a torre da
igreja ser uma torre de igreja, e o homem ser o professor de anato-
mia, permitindo que ambos se aproximassem dele em seus signifi-
cados e conteúdos plenamente genuínos. O que lhe ocorreu é
que
uma torre de igreja gótica, por si mesma, é um poderoso gesto em
direção ao céu. Como ele colocou, 'a torre da igreja orienta o olhar
dos homens por uma longa distância em seu entorno até a morada
de Deus"
Por muito tempo, na verdade desde que começara seus estu
dos de medicina, o
paciente fechou sua mente ao apelo da torre
da igreja. O
professor de anatomia, objeto de sua admiração,
através de sua
erudiçâo e cinismo, havia destruído a fé em Deus
do paciente.
Assim, uma possibilidade importante da vida, isto e,
Sua relação
religiosa básica, foi sepultada e enterrada. Como ja ro

94
DXO DNO UM MMAR DASEINSANALÍtnco
ssdtNtO UMA NEUROSE
A

uma nCgaçao e o fechamento de alguém


ntctiormente,
com impossibilita atingir
qualquet
possibilidade de comportamer
p o s i b i l i d a d e

para
a r a

inh ti mesmo
em sua totalidade e, por isso, o homem

lmente em
débito com relação àquilo que lhe foi ori-
ha
In
Todos ooss ssentimentos
nhado. lodos
conhado
de culpa profunda-
sáo
ginalmente

e n r a i z

dos
a d o s
nesta
nesta divida,
divida independente das múltiplas facetas
mente
cla possa aparecer. Esta divida também jazia
distarces
nos quais
c
sentimentos
de
cntos dc culpa de nosso paciente. A causa originária
ohos eclosão (da culpa) foi sua fuga tanto da totalidade
ima de sua

quanto de sua religiosidade. Mas ele náo havia


sua corporeidade
ic
de um encontro com um
símbolo psicológico
umplesmente fugido
simplesmente

se fechado para a
libidinosa ou arquetipica. Ele havia
narureza

de
e éterreno como do que é divino em sua
tanto do
nroximidade
proximidad
que
totalidade imediata.

Cerca de onze anos se passaram desde o ameaçador episódio


última análise. Ele
pelo qual passou este paciente
na sua
Dsicótico
filhos. Este casamento, de uma vivacidade
st Casou e
teve quatro
enriquecimento humano para
ambos os
incomum, trouxe grande
trabalho ele é considerado um homem com força
conjuges. Em seu
trabalho excepcionais e irradia uma cor-
de vontade e capacidade de
cada novo
dialidade calorosa e bom humor inabalável. Agradece por
novo
dia, uma vez que os menores gestos adquiriram um signihcado
e muito mais rico.
Há pouco tempo este homem, excepcionalmente inteligente
os
esensivel, em uma carta a seu terceiro analista, procura explicar
motivos pelos quais suas duas primeiras tentativas de análise não
tiveram éxito. O àmbito fecal já o ocupava terrivelmente na sua prl-

CiTa analise e, com certeza, náo se poderia dizer queo primeiro


analista havia falhado em chamar a atenção do paciente para a anait

dade prevalente nos seus sonhos.

95
MEDARD BOSS

"Eu náo me atrevi', ele escreve, "a penetran com


nesta estera da sujeira sem reservas porque desde o início
tranquilidad
icio sentia
sentia que
que
para meu analista não havia força sustentável na esfera iritual e
religiosa. Ele sempre tentava reduzir as minhas igrejas oníricas a sím-

bolos genitais. Todo o dominio do náo era .


sagrado, para ele,
mais
que uma espécie de produto de sublimação. Isto explica porque ni
não
apareceu, naquela situação psicanalitica, nenhuma corda emente
atada ao teto, como n0 meu sonho da igreja e excremento,
para
que
eu pudesse agarrar e ancorar-me na minna descIda para a regiãoter

rena e fecal. O perigo de cair sem salvação na sujeira e no caos teria


sido, então, muito maior. lenho que admitir que só recentemente
pude ver isto claramente; estou bastante convencido, no entanto, de
que aí reside o verdadeiro motivo daquele primeiro fracasso".
Minhas recordaçóes do tempo que passei com meu segundo
analista são como um repouso num jardim elegante de um arranha-
-céu americano, enteitado com lindos buqués de Hores. Durante
aqueles dois anos, jamais chegou a minha altura o menor aroma
da terra coberta pelo asfalto da rua. Nenhum sonho fecal surgiu
nesses dois anos, e nas conversas psicoterapeuticas estávamos a qui-
lômetros do estado infantil a que retrocedi na fase de confusão que
eu experienciei quando estava com você; de resto, somente depois
deste estado pueril é que meu renascimento e amadurecimento
posterior puderam ter início. Como tudo o que era terreno perma-
necia selado, eu também não podia desenvolver-me genuinamente.
Somente agora compreendo de modo mais completo o que vi na
última parte da análise com você: que havia uma fina trama con-
tinua entre meus temas fecais e sexuais e as experiências religiosas
que me prendiam tão profundamente. Não diz Nietzsche em algum
ugar: quanto mais uma pessoa ascender para o céu, tanto mais

profundamente ela precisa afundar suas raízes na terra, se não quiser


ser levada pelo primeiro vento que vier?

96
DASEINSANALÍTICO

OLHAR
TÉDIO: UM
NEUROSEI
UMA
DE
TRATAMENTO

das relaçóes
da clevada importância
reveladora
revela
é possível q u c
ttá
ioo de como
c a r t a ,

com a questao
Esta ainda sendo
t a y u t n c a , deina-n
uiaciCntes deiva-nos
torneCm-se visivelaee melhores mesmo
visivelmente
ts tornen-se inte-
f meramente a u m a compreensão
analistas
analista.

or
por
seus
scus

outro.
Uma resposta
Uma resp possível
ou
nduzidos
tipo
bolos de
um
certas
conhecimento é a de que, para
nosso
h rual
do de
fenômenos penetra de alguma
n o p r e s c n t e ¢C S t a d o

rcalidade dos
A possibilidade disto
mediata

blindagenm
da teorização psicológica.
relacionamento com
analista em seu
se o
io analis
proprio
é claro) permanece aberto
aumenta
a o n t e c e r
ao
não deliberado,

aicnte de modo
p a e n .

das coisas como elas são.


indistarçável
anfeido entretanto, se a
sera muito
menos casual,
A recuperação
humana do analista, aprofundada e enriquecida
c o m p r e e n s á o

mostrar-se como uma mudança deliberada


daseinsanaliticamente,
Freud ensinou que um
na
experiência de
nróprio analista. A
nos

pré-requisito da terapia psicanalítica


é a "purificação" do terapeuta
treinamento. Se, através de anos de um
aravés de sua análise de
esforço sincero para muito além do escopo das teorias psicológi-
c2s anteriores, o daseinsanalista chegar a vislumbrar a essência do
homem como abertura-para-0-mundo, ele conseguirá cada vez mais
etrair alegria da responsabilidade confiada a ele e a dignidade da
cxisténcia emprestada a ele enquanto ser humano. Será assim, ao
mesmo
temp0, cada vez mais capaz de ajudar seus pacientes a, mais
que aliviar sintomas, participar efetivamente da abertura e
seus
da
liberdade humanas, cujas
dimensões certamente ultrapassam de
0S
Conceitos de
uma personalidade.
uma
"psique", de uma "subjetividade ou de

Tradução: MARIA DE FÁTIMA DE ALMEIDA PRADO


embro da Associação Brasileira de Daseinsanalyse ABD
fátima.prado@gmail.com
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