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PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA


FREIRE, Paulo

CAPÍTULO 1 – NÃO HÁ DOCÊNCIA SEM DISCÊNCIA

Há saberes indispensáveis à prática docente de educadores críticos e progressistas e também


de educadores conservadores. São saberes que demandam da própria prática educativa qualquer que
seja a opção política do educador.
A reflexão crítica sobre a prática se torna exigência da relação Teoria/Prática.
Devemos alinhar e discutir alguns saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou
progressista que devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação
docente. Esses conteúdos têm sua compreensão elaborada na prática formadora.
Um desses saberes indispensáveis é que o formando desde o início de sua experiência
formadora, se assuma como sujeito da produção do saber e se convença de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção e construção.
Se na minha experiência de formação permanente, começo a aceitar que o formador é o
sujeito em relação a quem me considero objeto, me considero como um paciente que recebe os
conhecimentos acumulados pelo sujeito que sabe.
Vivendo o processo formador eu, agora objeto, poderei ser amanhã o falso sujeito da
formação do futuro objeto de meu ato formador. Quem forma se forma e re-forma ao formar.
Logo, ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um
sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.
Não há docência sem discência. E os seus sujeitos não se reduzem à condição de objeto um
do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Quem ensina alguma coisa a alguém? Do ponto de vista democrático, ensinar é algo mais
que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa. Foi aprendendo
socialmente que historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar.
François Jacob diz que somos “seres programados, mas, para aprender”. Aprender é um
processo que pode desenvolver no aprendiz uma curiosidade crescente tornando-o assim cada vez
mais criador.
O ensino “bancário” deforma a necessária criatividade do educando e do educador. O
educando deve manter viva sua curiosidade aguçada imunizando-se assim do poder apassivador do
“bancarismo”.
É a força criadora do aprender, da qual fazem parte a comparação, a repetição, a
constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso
ensinar.

1.1 – Ensinar exige rigorosidade metódica.


O educador democrático não pode na sua prática docente deixar de reforçar a capacidade
crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Sua tarefa primordial é trabalhar com os
educandos a rigorosidade metódica com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis. Essa
rigorosidade metódica nada tem a ver com o discurso "bancário” meramente transferidor do perfil
do objeto ou do conteúdo.
O sentido de ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo
superficialmente feito, mas se alonga na produção das condições em que aprender criticamente é
possível. Essas condições implicam e exigem a presença de educadores e educandos criadores,
instigadores e rigorosamente curiosos.
Aprender criticamente é possível quando os educandos pressupõem que o educador teve ou
continua tendo experiência de produção de certos saberes e estes não podem simplesmente ser
transferidos.
Na verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos de
construção e reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, também sujeito ao processo. O
objeto ensinado é aprendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
Faz parte da tarefa docente não apenas ensinar conteúdos mas também ensinar a pensar
certo. Um professor não pode ser crítico se apenas repete frases e idéias inertes. Pensa
mecanicamente, pensa errado. Ele não lê criticamente e essa forma de ler nada tem a ver com o
pensar certo e com o ensinar certo.
Somente quem pensa certo pode ensinar certo. Pensar certo é também não estar demasiado
certo de nossas certezas...
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos a boniteza que é a capacidade
de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. O nosso conhecimento do mundo tem história. Ao ser
produzido, o conhecimento novo supera o velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã.
Daí que ensinar, aprender e pesquisar lidam com dois momentos do ciclo gnosiológico: o em
que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do
conhecimento ainda não existente.
A docência-discência e a pesquisa são práticas requeridas por esses momentos do ciclo
gnosiológico.

1.2 – Ensinar exige pesquisa


Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Ensino porque busco, porque indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar a novidade.
O senso comum é caracterizado pela curiosidade ingênua. É o saber feito de pura
experiência.
Pensar certo para o professor, implica no respeito ao senso comum no processo de sua
necessária superação e o respeito à capacidade criadora do educando.

1.3– Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos.


Pensar certo, coloca para o professor e para a escola, o dever de respeitar os saberes com que
os educandos chegam e também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em
relação com o ensino dos conteúdos.
Deve-se discutir com os alunos a realidade concreta a que se deve associar a disciplina cujo
conteúdo se ensina. É preciso estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares
fundamentais e a experiência social que os alunos têm.

1.4- Ensinar exige criticidade.


A curiosidade como inquietação indagadora faz parte integrante do fenômeno vital. Não
haveria criatividade sem curiosidade.
A curiosidade humana vem sendo historicamente construída e reconstruída. A promoção da
ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente. É uma das tarefas da prática educativo-
progressista o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.
É com a curiosidade que podemos defender os “irracionalismos” decorrentes ou produzidos
pelo excesso de racionalidade de nosso tempo altamente tecnologizado.

1.5- Ensinar exige estética e ética.


A promoção da ingenuidade à criticidade não deve ser feita longe de uma rigorosa formação
ética ao lado da estética. A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência
e de pureza. Nos tornamos seres histórico-sociais porque somos capazes de comparar, intervir,
escolher, decidir, romper e por isso nos fizemos seres éticos. Não é possível pensar os seres
humanos longe da ética. Estar fora da ética é uma transgressão.
Transformar a experiência educativa em puro treino técnico é diminuir o que há de
fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Respeita-se a natureza

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do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando.
Educar é substantivamente formar.
Divinizar ou diabolizar a tecnologia é uma forma negativa e perigosa de ensinar a pensar
errado. Pensar certo demanda profundidade na compreensão e interpretação dos fatos. Supõe a
disponibilidade à revisão dos achados, reconhece a possibilidade e o direito de mudar de opção.
Cabe entretanto a quem muda assumir a mudança operada. Do ponto de vista do pensar certo não é
possível mudar e fazer de conta que não mudou. Todo pensar certo é radicalmente coerente.

1.6 - Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo


O professor que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensamento certo sabe
que as palavras onde falta a corporeidade do exemplo pouco ou nada valem. Pensar certo é fazer
certo.
Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo.
Quem pensa certo busca seriamente a segurança na argumentação, é aquele que discordando
do seu oponente não vai nutrir por ele uma raiva desmedida.

1.7- Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação .
É próprio do pensar certo, a disponibilidade ao risco de aceitação do novo, que não pode ser
negado ou aceito só porque é novo do mesmo modo que a recusa ao velho não é só cronológica.
Não faz parte do pensar certo qualquer forma de discriminação. Qualquer prática preconceituosa
ofende a substantividade do ser humano e nega a democracia.
Pensar e fazer errado não tem nada a ver com a humildade que o pensar certo exige. Nada
têm a ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita nossas caminhadas até ao ridículo e
a insensatez. O ensinar a pensar certo é uma experiência onde o pensar certo é algo que se faz e que
se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho.
Pensar certo implica na existência de sujeitos que pensam mediados por objetos sobre os
quais incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar certo é um ato comunicante, onde há
entendimento e co-participação. Todo entendimento implica em comunicabilidade, a menos que
seja submetido a uma mente “burocratizada” .
Não há inteligência que não seja também comunicação do inteligido. A tarefa do educador
que pensa certo é exercer como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando
com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo
comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se
funda na dialogicidade. O pensar certo é dialógico e não polêmico.

1.8- Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática.


A prática docente crítica, que implica no pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea produz é
um saber ingênuo, onde falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica
do sujeito. Na prática da formação docente, o aprendizado de educador deve assumir que o pensar
certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo aprendiz em comunhão com o professor
formador.
A matriz tanto do pensar ingênuo quanto do crítico é a curiosidade, característica do
fenômeno vital. É necessário que a reflexão sobre a prática vá tornando a curiosidade ingênua em
crítica. Por isso é fundamental na formação permanente dos professores a reflexão crítica sobre a
prática. O discurso teórico, necessário à reflexão crítica tem de ser de tal modo concreto, que quase
se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de
sua análise, deve dela “aproximá-la” ao máximo.

1.9- Ensinar exige o reconhecimento e a assunção de identidade cultural


Uma tarefa importante da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ensaiam a experiência

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profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, transformador,
realizador, capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque é capaz de reconhecer-se como objeto.
A assunção de nós mesmos não significa exclusão dos outros.
A solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade menos feia e
menos arestosa tem na formação democrática uma prática de real importância. A aprendizagem da
assunção do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos
que se pensam donos da verdade e do saber articulado.
Não se imagina muitas vezes o que pode representar na vida de um aluno um simples gesto
do professor. É pena que o caráter socializante da escola de formação ou deformação seja
negligenciado. Fala-se apenas de ensino aos conteúdos, ensino quase sempre entendido como
transferência do saber. Uma das razões que explicam esses descasos do que ocorre no espaço-tempo
da escola é a compreensão estreita do que é educação e do que é aprender.
Passa desapercebido a todos nós, que homens e mulheres descobriram socialmente que é
possível ensinar. Se fosse claro que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,
entenderíamos a importância das experiências informais. Há uma natureza testemunhal nos espaços
tão lamentavelmente relegados das escolas. Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade
do espaço. Pormenores da cotidianeidade do professor e do aluno tem peso significativo na
avaliação da experiência docente.
Nenhuma formação docente se faz alheia ao exercício da criticidade que eleva a promoção
da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica e também sem o reconhecido valor das
emoções, da sensibilidade, da objetividade, da intuição ou adivinhação.

CAPÍTULO 2 – ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO

Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a
sua construção. Quando entra em sala de aula, o professor deve estar aberto a indagações, às
curiosidades, às perguntas dos alunos, um ser crítico e inquiridor face a tarefa que tem: a de ensinar
e não de transmitir conhecimento.
Saber que ensinar não é transmitir conhecimento precisa ser aprendido tanto pelo professor
como pelo aluno e também vivido por eles. Pensar certo e saber que ensinar não é transferir
conhecimento, é fundamentalmente pensar certo, o que é difícil pela vigilância constante que temos
de exercer sobre nós mesmos para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerências grosseiras.
É cansativo viver a humildade, condição “sine qua“ ao pensar certo, que nos faz proclamar o
nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos. Sem
rigorosidade metódica não há pensar certo.

2.1- Ensinar exige consciência do inacabamento


O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há
inacabamento. Porém esse inacabamento só se tornou consciente entre homens e mulheres.
A experiência humana no mundo muda de qualidade com relação à vida animal no suporte.
O suporte é o espaço restrito ou alongado a que o animal se prende “afetivamente“ é o espaço
necessário a seu crescimento e que delimita seu domínio.
Quanto mais cultural é o ser, maior sua infância, sua dependência de cuidados especiais. No
suporte os comportamentos dos indivíduos têm sua explicação muito mais na espécie a que
pertencem os indivíduos do que neles mesmos.
O suporte se faz mundo e a vida existência, na proporção que o corpo humano vira corpo
consciente, captador, apreendedor, transformador e não apenas um espaço vazio a ser enchido por
conteúdos.
O ser humano se tornou capaz de intervir no mundo em grandes ações mas é também capaz
de impensáveis exemplos de baixeza e de indignação Só os seres que se tornaram éticos, podem
romper com a ética.

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No momento em que os seres humanos intervindo no suporte, foram criando o mundo,
inventando a linguagem com que passaram a dar nomes às coisas que faziam com esta ação sobre o
mundo, na medida em que se foram habilitando a inteligir o mundo e criaram a comunicabilidade
do inteligido, já não foi possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar,
de fazer política.

2.2- Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado


Ser gente é ser um ser inacabado, condicionado, mas consciente do inacabamento, podendo
ir além dele. Esta é a diferença entre o ser condicionado e o ser determinado.
Ser gente é perceber que a sua construção no mundo não se faz no isolamento, isenta das
influências das forças sociais, que não se compreende fora da tensão do que é herdado
geneticamente e o que é herdado sócio-cultural e historicamente. Minha presença no mundo não é a
de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas
objeto, mas sujeito também da História.
As condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos
achamos geram barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de
mudar o mundo, porém esses obstáculos não se eternizam.
A conscientização é exigência humana, é um dos caminhos para por em prática a
curiosidade epistemológica. A conscientização é natural ao ser que inacabado se sabe como tal. A
inconclusão faz parte da natureza do fenômeno vital.
Nos seres humanos a curiosidade ultrapassa os limites do domínio vital e se torna fundante
da produção do conhecimento. A curiosidade é conhecimento; como a linguagem que a anima e
com ela se anima é também conhecimento e não só expressão dele.
A consciência do inacabado entre nós, mulheres e homens nos fez seres responsáveis, daí a
eticidade de nossa presença no mundo. Essa eticidade pode ser traída, por isso a capacitação de
mulheres e homens em torno de saberes instrumentais jamais pode prescindir de sua formação ética.
Inacabados e conscientes do inacabamento, seres de opção, de decisão, éticos, podemos
negar ou trair a própria ética. A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado
inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca. É na
inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente.
Homens e mulheres tornam-se educáveis à medida que se reconhecem inacabados, é a consciência
de sua inconclusão que gera sua educabilidade, sua busca que se apóia na esperança

2.3- Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando


Outro saber necessário à prática educativa é o que fala do respeito devido à autonomia do ser
do educando.
O inacabado de que nos tornamos conscientes nos fez seres éticos. O respeito à autonomia e
à definição de cada um é um imperativo ético. Desrespeitar ou negar a ética é transgressão.
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, que ironiza o aluno, que se furta do
seu dever de ensinar está transgredindo os princípios fundamentais/éticos de nossa existência.
A transgressão da eticidade não pode ser vista como virtude, mas sim como ruptura com a
decência. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça
a força dos condicionamentos a enfrentar.

2.4- Ensinar exige bom senso


A vigilância do meu bom senso tem muita importância na avaliação que devo fazer de
minha prática. Meu bom senso me diz que devo respeito à autonomia, à dignidade, à identidade do
educando. O exercício do bom senso se faz no “corpo” da curiosidade. Quanto mais colocamos em
prática de forma metódica nossa capacidade de indagar, comparar, duvidar, aferir, mais curiosos
nos tornamos e mais crítico o nosso bom senso. O exercício ou educação do bom senso vai
superando o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e acontecimentos.

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Se o bom senso não bastou para orientar a avaliação moral que faço de algo é necessário que
na tomada de decisão não falte a ética. A tarefa da ciência sem o bom senso do cientista pode se
desviar ou perder.
É o meu bom senso que deixa ver que não é possível à escola engajada na formação de
educandos/educadores alhear-se das condições sociais, culturais, econômicas de seus alunos,
famílias e vizinhos. Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade se não se levar em
consideração as condições em que vêm existindo, se não se reconhecer a importância dos
“conhecimentos de experiência feitos” com que chegam à escola.
O respeito à dignidade do educando não permite subestimar o saber que ele traz consigo. O
professor em sua prática educativa deve respeitar a dignidade do aluno, isso é feito através de uma
reflexão crítica permanente sobre a prática através da qual vou fazendo a avaliação do meu próprio
fazer com os educandos.
É preciso que se inverta uma forma pela qual os educandos possam participar da avaliação,
pois o trabalho do professor é com os alunos e não do professor consigo mesmo. Essa avaliação
crítica da prática revela a necessidade de uma série de virtudes e qualificações sem as quais não é
possível nem a avaliação nem o respeito ao educando.
Essas qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço de diminuir a distância entre
o que dizemos e o que fazemos, entre o discurso e a prática. A prática docente é profundamente
formadora e ética e dos seus agentes deve-se exigir seriedade e retidão.
A responsabilidade do professor é sempre grande. A natureza de sua prática formadora,
sublinha a maneira como a realiza. Sua presença em sala é tão exemplar que nenhum professor
escapa do juízo que os alunos fazem dele. O pior juízo feito de um professor é o de sua “ausência”
na sala.
Qualquer que seja o estilo do professor (autoritário, amoroso, frio, burocrático) sempre deixa
marcas nos seus alunos, daí a importância do exemplo que ele oferece de sua lucidez, engajamento
em defesa dos seus direitos e exigência das condições para exercício dos seus deveres.
O professor tem o dever de dar aulas, de realizar a tarefa docente. Para isso precisa de
condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas sem as quais se move menos eficazmente no
espaço pedagógico. O desrespeito a esse espaço é uma ofensa aos educandos, aos educadores e à
prática pedagógica.

2.5- Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores.
É preciso que os educandos brasileiros saibam que a luta em favor do respeito aos
educadores e à educação inclui a briga por melhores salários, que é dever e um direito deles. A luta
dos professores em defesa dos seus direitos e dignidade deve ser entendida como um momento de
sua prática docente enquanto prática ética.
Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação é a nossa
recusa de transformar a atividade docente em puro “bico” e a rejeição de entendê-la e exercê-la
como prática afetiva de “tias” e “tios” .
É como profissionais idôneos que os docentes devem ver-se a si mesmos.
Os docentes e os órgãos de classe não devem parar de lutar por seus direitos, mas,
reconhecendo que a luta é uma categoria histórica, reinventar a forma histórica de lutar.

2.6- Ensinar exige apreensão da realidade


Outro saber fundamental à experiência educativa é o que diz respeito à sua natureza. É
preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática para tornar mais
seguro o desempenho.
A capacidade do ser humano de não apenas se adaptar mas sobretudo transformar a
realidade, trata-se da educabilidade. A capacidade de aprender, a um nível distinto do nível de
adestramento dos outros animais ou de cultivo das plantas de que decorre a capacidade de ensinar
implica na nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto aprendido.

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Devido à habilidade de apreender a substantividade do objeto é que é possível reconstruir
um mau aprendizado, aquele onde o aprendiz foi puro paciente de transferência do conhecimento
feita pelo educador. Mulheres e homens são os únicos seres que, social e historicamente se tornaram
capazes de aprender. Somos os únicos para quem aprender é uma aventura criadora, algo mais rico
do que apenas repetir a lição dada.
Aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar o que não se faz sem abertura ao
risco e à aventura do espírito. A prática educativa demanda a existência de sujeitos, em que, um,
ensinando, aprende, e outro, aprendendo, ensina; daí o seu cunho gnosiológico.
A prática educativa tem a qualidade de ser política, daí sua politicidade e não neutralidade.
Especificamente humana, a educação é gnosiológica, diretiva (política, portanto), artística e moral;
serve-se de meios e técnicas, envolve frustrações, medos e desejos. Exige do professor uma
competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais ligados à atividade docente.
Como professor não devo negar que o meu papel fundamental é contribuir positivamente
para que o educando vá sendo artífice de sua formação com a ajuda do educador.
O professor deve ter respeito à pessoa que queira mudar ou não, ele deve mostrar sua
postura e respeitar o direito da pessoa de rejeitá-la. Em nome do respeito ao aluno o professor não
pode omitir-se, assumindo uma neutralidade inexistente.

2.7- Ensinar exige alegria e esperança


Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança
de que professor e alunos juntos podem aprender, ensinar, inquietar, produzir e juntos igualmente
resistir aos obstáculos é a nossa alegria.
A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se o ser humano
consciente do inacabamento não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de
busca e se buscasse sem esperança. O ser humano deve lutar para diminuir as razões objetivas que
levam à desesperança.

2.8- Ensinar exige convicção de que a mudança é possível


Meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem
intervém como sujeito de ocorrências no mundo da História, da Cultura, da Política. Constato não
para adaptar, mas para mudar.
Quando constatamos somos capazes de intervir na realidade, tarefa mais complexa e
geradora de novos saberes do que simplesmente adaptar-se a ela. Não podemos estar no mundo,
com o mundo e com os outros de forma neutra. A acomodação é um caminho para a inserção, que
implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas e que nos fazem ver
a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se nada
tivéssemos a ver com o mundo lá fora.
As resistências orgânicas e culturais são “manhas” necessárias à sobrevivência física e
cultural dos oprimidos. O exemplo dessa manha, é o sincretismo religioso afro-brasileiro através do
qual a cultura africana se defendia do poder hegemônico do branco.
É preciso que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro
como problema, e na vocação para o ser mais como expressão de natureza humana em processo de
estar sendo, fundamentos para nossa rebeldia e não para resignação em face das ofensas que nos
destroem o ser. Nos afirmamos na rebeldia face às injustiças.
É a transformação de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no
processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é a deflagração da justa ira. A rebeldia
enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição radical e crítica, fundamentalmente
anunciadora.
A ação político-pedagógica deve ser programada a partir do saber fundamental de que
mudar é difícil, mas é possível. O êxito dos educadores está na certeza que não os deixa de que é
possível mudar, de que preservar situações concretas de miséria é uma imoralidade.

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Independente do campo de trabalho realizado com grupos populares é preciso fazer com que
eles percebam a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta e que esta
pode ser mudada, que não é destino certo ou vontade de Deus.
Como educador é preciso ir “lendo" melhor a leitura do mundo que os grupos populares com
quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior do qual o seu é parte. Não é possível
desconsiderar o saber de experiência, a explicação do mundo que os grupos populares possuem.
É a "leitura do mundo” que precede sempre a “leitura da palavra”.
O educador não pode se adaptar ou converter-se ao saber ingênuo dos grupos populares mas
também não pode impor o seu saber como verdadeiro. O novo momento na compreensão da vida
social não é exclusivo de uma pessoa.
Uma das tarefas do educador progressista, que é sensível à leitura e à releitura do mundo, é
provocar e estimular a generalização da nova forma de compreensão do contexto porque faz parte
do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação.
Daí a culpa que sentem em determinado momento de suas relações com o seu contexto, por estarem
nesta ou naquela situação desvantajosa. Agindo dessa forma tornam-se coniventes e reforçam o
poder do sistema.
A alfabetização, em uma área de miséria, só ganha sentido na dimensão humana se com ela
se realize uma espécie de psicanálise-social que resulte na extrojeção da culpa indevida. Seria a
“expulsão” do opressor de dentro do oprimido, como uma sombra, que precisa ser substituída pela
autonomia e responsabilidade do oprimido.

2.9- Ensinar exige curiosidade


A experiência formadora é negada por uma prática que dificulta e inibe a curiosidade do
educando. O educador entregue a procedimentos autoritários impede ou dificulta o exercício da
curiosidade do educando. Nenhuma curiosidade se sustenta eticamente no exercício da negação de
outra. A curiosidade que silencia a outra, nega a si mesma.
O bom clima pedagógico-democrático é o em que o educando vai aprendendo à custa de sua
prática mesmo que sua curiosidade e liberdade estejam sujeitas a limites, mas em permanente
exercício. Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade do outro. Sem curiosidade
não aprendo, nem ensino. Exercer minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como
gente e um dever de lutar por ele.
A construção ou produção do conhecimento do objeto implica no exercício da curiosidade.
A postura do professor e do aluno é dialógica, aberta, curiosa e não passiva. O importante é que
professor e alunos se assumam como epistemologicamente curiosos.
O bom professor é o que consegue trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu
pensamento. Sua aula é um desafio, seus alunos se “cansam” pois acompanham as idas e vindas de
seu pensamento. Uma aula dinâmica é aquela onde o professor se acha “repousado” no saber de que
a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. O exercício da curiosidade o faz mais
criticamente curioso, mais metodicamente “perseguidor” do seu objeto. Quanto mais a curiosidade
espontânea se intensifica, mais epistemológica ela vai se tornando.
O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de
conjecturar, na busca de perfilização do objeto de sua razão de ser. Satisfeita uma curiosidade, a
capacidade de inquietação e busca contínua em pé. Não haveria existência humana sem a abertura
de nosso ser ao mundo.
O saber da prática educativa-crítica adverte quanto à necessidade de promoção de
curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica. Adverte também de como lidar com a
relação autoridade-liberdade que gera disciplina ou indisciplina. Do equilíbrio e harmonia entre
autoridade e liberdade resulta a disciplina que implica necessariamente em respeito de uma pela
outra. O autoritarismo e a licenciosidade são rupturas no equilíbrio entre autoridade e liberdade. O
autoritarismo é a ruptura em favor da autoridade contra a liberdade e a licenciosidade é ruptura em
favor da liberdade contra a autoridade.

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Nas práticas onde a liberdade e o autoritarismo se afirmam e se preservam enquanto elas
mesmas no respeito mútuo, é que se pode falar em práticas disciplinares.
A autoridade docente democrática precisa ter algumas qualidades para encarnar em suas
relações com a liberdade dos alunos. É fundamental observar a minha experiência discente,
vivenciar criticamente minha liberdade de aluno para assumir ou refazer o exercício de minha
autoridade de professor.
O aluno que pensa ser professor deve se preocupar não apenas com os conteúdos
programáticos que são expostos por seus professores, mas também com a forma mais dialógica ou
autoritária como cada professor ensina.

CAPÍTULO 3 – ENSINAR É UMA ESPECIFICAÇÃO HUMANA

Uma qualidade essencial que a autoridade docente democrática deve mostrar em suas
relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. Essa segurança é expressa na
firmeza com que atua, decide, respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições e
aceita rever-se.

3.1 – Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade


A segurança com que a autoridade docente se move implica em outra autoridade: a de sua
competência profissional. Porém, a prática democrática do professor não é determinada por sua
competência científica. Há professores cientificamente preparados porém autoritários. O fato é que
a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.
Outra qualificação de autoridade em suas relações com a liberdade é a generosidade .
A tarefa formadora da autoridade é inferiorizada pela mesquinhez do seu comportamento,
isto é, a arrogância malvada com que julga os outros e a indulgência macia com que se julga e julga
os seus. A arrogância que nega generosidade nega também humildade. O caráter formador do
espaço pedagógico é autenticado pelo clima de respeito que nasce de relações justas, humildes e
generosas.
A autoridade docente mandonista, rígida não conta com nenhuma criatividade do educando.
A autoridade coerentemente democrática fundamenta-se na importância de si mesma e da
liberdade dos educandos para a construção de um clima real de disciplina, jamais minimiza a
liberdade.
A autoridade coerente/democrática está convicta que a verdadeira disciplina está no
alvoroço dos inquietos, na esperança que desperta. Ela também reconhece que não se vive a
eticidade sem liberdade, e que não há liberdade sem risco. O educando que exercita na liberdade
ficará mais livre quanto mais eticamente for assumindo a responsabilidade de suas ações. Decidir é
romper e por isso é preciso correr o risco.
A autoridade coerentemente democrática jamais se omite: se recusa a silenciar a liberdade
dos educandos e rejeita a supressão do processo de construção de uma boa disciplina. O sonho
presente na prática da autoridade coerentemente democrática é a construção de sua autonomia. É
com a autonomia que vai se preenchendo o “espaço” antes “habitado” por sua dependência. A
autonomia se funda na responsabilidade que vai sendo assumida.
O papel da autoridade democrática é deixar claro que o fundamental no aprendizado do
conteúdo é a construção da responsabilidade da liberdade que se assume. Não é possível separar em
dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. A prática docente só é
uma prática inteira quando há a prática docente e a discente juntas.
A prática docente deve saber que é impossível desunir o ensino dos conteúdos da formação
ética dos educandos. Não dá para separar prática da teoria, autoridade de liberdade, respeito ao
professor do respeito aos alunos. Quando se pensa em prática educativa, reconhecendo-se a
responsabilidade que ela exige de nós, mais convencidos ficamos do nosso dever de lutar no
sentido de que ela seja realmente respeitada.

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3.2- Ensinar exige comprometimento
Não podemos exercer a autoridade de magistério como se nada ocorresse conosco. Daí a
necessidade de haver uma aproximação cada vez maior entre o que eu digo e o que eu faço, entre o
que pareço e o que realmente estou sendo.
Assumir a ignorância frente a uma questão e não mentir, abre junto aos alunos um crédito
que deve ser preservado. Eticamente impossível seria dar uma resposta falsa.
A percepção que o aluno tem do professor não resulta apenas de como atua mas também de
como o aluno entende como ele atua. O professor deve estar atento à leitura que os alunos fazem de
sua atividade com eles. O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado,
escrito e reescrito. Logo, quanto mais solidariedade exista entre o educador e os educandos no trato
desse espaço, mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola.
O professor deve estar atento em face da ideologia dominante que insinua a neutralidade da
educação, pois o espaço pedagógico neutro seria aquele onde os alunos são treinados para práticas
apolíticas. A presença do professor em sala de aula deve ser uma presença política, não uma
omissão mas um sujeito de opções.

3.3- Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Outro saber da prática educativo-crítica é que a educação é uma forma de intervenção no
mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou
aprendidos implica também no esforço de reprodução da ideologia dominante e no seu
desmascaramento.
Do ponto de vista dos interesses dominantes, a educação deve ser uma prática imobilizadora
e ocultadora de verdades. As forças dominantes estimulam e materializam avanços técnicos
compreendidos e realizados de maneira neutra.
Por nos tornarmos capazes de observar, comparar, avaliar nos fizemos seres éticos e se abriu
a probabilidade de transgredir a ética. Não podemos aceitar a transgressão como um direito mas
como uma possibilidade. Possibilidade contra a qual devemos lutar.
O empresário moderno aceita, estimula e até patrocina o treino técnico do seu operário, mas
recusa a sua formação que envolve saber técnico e científico indispensável, que fala de sua presença
no mundo.
Ser professor exige na prática uma tomada de posição, uma decisão, uma ruptura. Não pode
ser o professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. A prática docente não
deve se reduzir ao puro ensino de conteúdos, este é apenas um momento de atividade pedagógica
tão importante quanto o testemunho ético ao ensinar esses conteúdos. Tão importante quanto ao
ensino dos conteúdos é a coerência do professor na classe. Coerência entre o que diz, escreve e faz.

3.4- Ensinar exige liberdade e autoridade


Sem limites, a liberdade se perverte em licença e a autoridade em autoritarismo. Sem os
limites a liberdade é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada. Um problema que se
coloca para o educador de opção democrática é como trabalhar no sentido de que a necessidade do
limite seja assumida eticamente pela liberdade.
A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em
face à autoridade dos pais, do professor e do Estado. Muitas vezes a liberdade do adolescente não
faz a melhor opção com relação a seu amanhã. É preciso que os pais tomem parte com os filhos nas
discussões sobre esse amanhã. É preciso reforçar o direito que ele tem à liberdade de decidir,
mesmo correndo o risco de não acertar. É decidindo que se aprende a decidir.
Faz parte do aprendizado de decisão a ascensão das conseqüências do ato de decidir. Toda
decisão é seguida de efeitos esperados, pouco esperados ou inesperados, por isso ele é um processo
responsável. Os pais devem deixar claro para os filhos que sua participação no processo de tomada
de decisão é um dever e não uma intromissão. A participação dos pais deve se dar na análise com os
filhos das conseqüências possíveis da decisão a ser tomada. A posição dos pais é a de assessores
que não tentam impor suas vontades e nem se abespinham quando suas opiniões não são aceitas.

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O filho deve assumir eticamente sua decisão, fundamento de sua autonomia. A autonomia
vai sendo constituída na experiência de várias decisões que vão sendo tomadas. A autonomia
enquanto amadurecimento do ser por si é um processo, é vir a ser.
A pedagogia da autonomia deve estar centrada em experiências estimuladoras de decisão e
responsabilidade, respeitosas de liberdade. Os autoritários consideram o respeito à liberdade como
expressão de espontaneísmo e os licenciosos descobrem autoritarismo em toda manifestação
legítima de autoridade. Para o democrata não é possível autoridade sem liberdade e esta sem aquela.

3.5- Ensinar exige tomada consciente de decisões


A educação, especificamente humana, é um ato de intervenção no mundo. Educação como
intervenção se refere tanto à que aspira mudanças radicais na sociedade como a que pretende
imobilizar a História e manter a ordem injusta.
Estas formas de intervenção, com ênfase mais em um aspecto do que em outro dividem
nossas opiniões em relação a cuja pureza nem sempre somos leais. Não há nada mais desgastante do
que um professor que se diz progressista cuja prática é racista, por exemplo.
É na diretividade da educação como ação especificamente humana que se acha a politicidade
da educação. A qualidade de ser política é inerente à educação. Ela não vira política devido a
decisão deste ou daquele educador, ela é política.
Inacabado e consciente disso, o ser humano se faz um ser ético, um ser de opção, de decisão.
Por se tornar ético há a possibilidade de violar a ética. Não se pretende a neutralidade da educação
mas o respeito aos educandos, e aos educadores. Devemos lutar pelo direito que temos de sermos
respeitados e pelo dever que temos de reagir se nos destratarem.
O educador democrático, consciente da impossibilidade de neutralidade da educação, deve
forjar em si um saber especial a que jamais abandone, saber que motiva e sustenta a luta: “se a
educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode.”
A educação não é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade nem da
perpetuação do “status quo” dominante. A tarefa político-pedagógica da educação é mostrar que é
possível transformar,

3.6- Ensinar exige saber escutar


Na experiência pedagógica aprendemos o quanto é importante e necessário saber escutar os
educandos. É escutando que aprendemos a falar com eles. Só quem escuta paciente e criticamente o
outro, fala com ele. Quem aprende a escutar não fala impositivamente. O educador que escuta
aprende a difícil lição de transformar o seu discurso ao aluno numa fala com ele.
Em nome da democracia, da liberdade e da eficácia, se vem asfixiando a liberdade e por
extensão a criatividade e o gosto da aventura do espírito. A liberdade de nos mover vem sempre
submetida a uma padronização de maneiras de ser, em relação a qual somos avaliados.
É a asfixia do rei despótico. É uma asfixia feita pelo poder invisível da domesticação
alienante que alcança a eficiência na chamada “burocratização da mente”. É um estado de
“autodemissão“ da mente, de acomodação diante de situações consideradas imutáveis. É a posição
de quem encara os fatos como algo consumado, de quem entende e vive a História como
determinismo e não como possibilidade. A proclamada morte da História significa os mecanismos
de asfixia da liberdade. Desproblematizando o tempo, a chamada morte da História decreta o
imobilismo que nega o ser humano.
A maneira de falar autoritária de cima para baixo é fortalecida pela desconsideração total
pela formação integral do ser humano e sua redução ao puro treino. Deve-se lutar pela avaliação
enquanto instrumento de apreciação do que fazer de sujeitos críticos a serviço da libertação e não da
domesticação. Avaliação onde se estimule o falar a como caminho do falar com.
A comunicação dialógica tem como condição “sine qua” a disciplina do silêncio a ser
assumido com rigor e a seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam.
O primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de sua capacidade
de controlar a necessidade de dizer sua palavra que é um direito seu e o gosto pessoal de expressá-

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la. Quem tem o que dizer tem o direito e o dever de dizê-lo. É preciso que quem tem o que dizer
saiba que, sem escutar o que quem escuta tem a dizer termina por esgotar sua capacidade de dizer.
Quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, desafiar quem escuta, no sentido de
que quem escuta diga, fale, responda. A fala de um educador autoritário se dá num espaço
silenciado e não em um espaço com ou em silêncio.
O educador democrático, que aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio de quem,
falando, cala para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala. O silêncio no espaço da
comunicação é fundamental. De um lado proporciona que, ao escutar como sujeito a fala de alguém,
o indivíduo procure entrar no movimento interno de seu pensamento; de outro torna possível a
quem fala, escutar a indagação, a dúvida de quem escutou.
O ser humano criou a capacidade de inteligir o mundo sobre o qual e em que atua, o que se
deu também com a comunicabilidade do inteligido. A comunicabilidade do inteligido é a
possibilidade que o mundo tem de ser comunicado mas não é a sua comunicação.
O papel fundamental do professor ao falar com clareza sobre os conteúdos é incitar o aluno a
fim de que ele, com os materiais oferecidos, produza a compreensão dos conteúdos e não apenas os
receba na íntegra do professor... Ele precisa se apropriar da inteligência do conteúdo para que a
verdadeira relação de comunicação entre o professor e o aluno se estabeleça. Ensinar não é
transferir conteúdos e aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido.
Ensinar é instigar o educando, como sujeito cognoscente que é, a se tornar capaz de inteligir
e comunicar o inteligido. O professor deve escutar o educando em suas dúvidas, seus receios, em
sua incompetência provisória e ao escutá-lo aprende a falar com ele. Escutar é a disponibilidade por
parte do sujeito para a abertura à fala do outro, às diferenças do outro. Escutando, o indivíduo se
prepara para melhor se colocar ou melhor situar seu ponto de vista.
Aceitar e respeitar as diferenças são virtudes sem as quais não se dá à escuta. O respeito às
diferenças exige de nós humildade que nos adverte dos riscos de ultrapassagem dos limites. A falta
de humildade expressa na arrogância e na falsa superioridade, é uma transgressão da vocação
humana do ser mais. Sem agressões físicas o professor pode agredir seu aluno, impondo-lhe
desgostos prejudicando assim seu processo de aprendizagem.
O respeito do educador pela leitura do mundo do educando é a forma correta de tentar mudar
a maneira mais ingênua por outra mais crítica de intelegir o mundo. É tomar a leitura do mundo
feita pelo educando como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade como um
dos impulsos fundamentais para a produção do conhecimento. O educador que respeita a leitura do
mundo do educando reconhece a história do saber, o caráter histórico da curiosidade e recusa a
arrogância cientificista.
Uma das tarefas da escola é trabalhar criticamente a intelegibilidade das coisas e dos fatos e
sua comunicabilidade. A escola deve então instigar constantemente a curiosidade do educando. O
educando deve ir assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência no mundo e não
apenas o de recebedor do que lhe é transferido pelo professor.
O papel do professor progressista é ajudar o educando a reconhecer-se como arquiteto de sua
própria prática cognoscitiva. Todo ensino de conteúdos demanda de quem está na posição de
aprendiz, que a partir de certo momento, vá assumindo a autoria também do conhecimento do
objeto. O ensino dos conteúdos criticamente realizado envolve a abertura total do educador à
tentativa legítima do educando para tomar em suas próprias mãos a responsabilidade de sujeito que
conhece.

3.7- Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica


Ideologia tem muito a ver com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem
para penumbrar ou opacizar a realidade. A ideologia tem a capacidade de nos ensurdecer, de nos
amaciar, fazendo com que aceitemos situações mansamente. Por exemplo, o discurso ideológico da
globalização procura disfarçar que ele vem robustecendo a riqueza de poucos e verticalizando a
miséria de milhões.

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Nenhuma teoria de transformação político-social do mundo é válida, se não parte de uma
compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores de História e por eles feitos seres de
decisão, de rupturas e de opção. A liberdade do comércio não pode estar acima da liberdade do ser
humano. A liberdade do comércio sem limites é a licenciosidade do lucro. O desemprego no mundo
é o resultado de uma globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o
dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro.
O progresso científico e tecnológico que não responde aos interesses humanos e as
necessidades de sua existência, não tem significação. Isso não quer dizer que se deve inibir a
pesquisa ou frear os avanços mas sim pô-los a serviço dos seres humanos.
O professor deve estar advertido do poder do discurso ideológico, começando pelo que
proclama a morte das ideologias. A ideologia tem poder de persuasão indiscutível. O discurso
ideológico nos ameaça de anestesiar a mente, de confundir a curiosidade, de distorcer a percepção
dos fatos. O exercício de minha resistência ao poder da ideologia, vai gerando qualidades que
se tornam sabedoria indispensável à minha prática docente.
Essa resistência crítica predispõe o educador a uma atitude sempre aberta aos demais e
também a uma desconfiança metódica. Uma das formas de manter viva a capacidade de pensar
certo é deixar-se exposto às diferenças, e recusar posições dogmáticas.

3.8- Ensinar exige disponibilidade para o diálogo


É na disponibilização à realidade que se constrói a segurança, indispensável à própria
disponibilidade. É impossível viver a disponibilidade à realidade sem segurança, mas é impossível
também criar a segurança fora do risco da disponibilidade.
A segurança do educador não repousa na falsa suposição de que sabe tudo. A segurança se
funda na convicção que se sabe algo, de que se ignora algo, de que se pode saber melhor o que já se
sabe, e de conhecer o que ainda não se sabe. O sujeito se sente seguro sem razão para envergonhar-
se por desconhecer algo.
Outro saber necessário à prática educativa é a abertura aos outros, é a disponibilidade
curiosa à vida. Seria impossível saber-se inacabado como ser e não se abrir ao mundo e aos outros à
procura de explicações e respostas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao
impulso natural da incompletude. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros realiza uma relação
dialógica.
A formação de professores deve insistir na constituição desse saber necessário que é o saber
do contorno ecológico, social e econômico em que vivemos. As condições materiais em que vivem
os educandos condicionam-lhes a compreensão do próprio mundo, sua capacidade de aprender e de
responder a desafios.
O saber alicerçante de travessia na busca da diminuição da distância entre mim e a perversa
realidade dos explorados é o saber fundado na ética de que nada legitima a exploração de homens
pelos próprios homens. O mundo encurta e o tempo se dilui. Debater o que se diz e se mostra na
televisão torna-se muito importante. Como educadores progressistas não podemos desconhecer a
televisão e nem deixar de usá-la, discuti-la, não deixando de ter em mente a consciência crítica para
isso. Pensar em televisão nos leva ao problema da comunicação que não é um processo neutro.
Toda comunicação é comunicação de algo, feita a favor ou contra, sutil ou explícita de algum ideal
ou alguém.
A ideologia na comunicação também joga ocultando verdades. Quando nos colocamos
diante da TV não devemos deixar de lado a postura crítica e desperta.

3.9 Ensinar exige querer bem aos educandos


Essa abertura ao querer bem significa que a afetividade não deve assustar o professor que
não deve ter medo de expressá-la. É também a afetividade uma maneira de selar o compromisso que
o professor tem com o aluno.
A afetividade não se acha excluída de cognoscibilidade. O que não deve ocorrer é que a
afetividade interfira no cumprimento ético do dever de professor no exercício de sua autoridade.

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A atividade docente é uma experiência da qual a discente não se separa é uma experiência
alegre por natureza. É falso tomar como inconciliáveis a seriedade docente e alegria. A alegria não
chega apenas ao encontro do achado mas faz parte do processo de busca. Ensinar e aprender não
podem dar-se fora da procura e da alegria. O desrespeito à educação, aos educandos e aos
educadores deteriora em nós a sensibilidade ao bem querer da própria prática educativa e também a
alegria necessária ao que fazer docente.
É preciso que os educadores permanecendo e amorosamente cumprindo seus deveres não
deixem de lutar politicamente, por seus direitos e pelo respeito à dignidade de sua tarefa, zelando
pelo espaço pedagógico onde atuam. A prática educativa vivida com afetividade e alegria não deve
prescindir de formação científica séria e de clareza política dos educadores. A prática educativa é
tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou da
permanência do hoje. A permanência do hoje se reduz a um futuro desproblematizado, daí o caráter
que forja uma educação fria, tecnicista. Um educador com muito pouco de formador, com muito
mais de treinador, de transferidor de saberes, de exercitador de destrezas.
Nada que diga respeito ao ser humano deve passar desapercebido para o educador
progressista. O seu trabalho é realizado com gente em permanente processo de busca. É o fato de
lidar com gente que não permite que o educador se entregue à reflexão teórica e crítica em torno da
própria prática docente e discente e recuse sua atenção dedicada e amorosa à problemática pessoal
dos alunos. O que não se deve, por questão ética e de respeito profissional, é passar o educador ao
papel de terapeuta.
A percepção do ser humano como ser “ programado, mas para aprender ” e portanto para
ensinar, para conhecer, para intervir, faz entender a prática educativa como um exercício constante
em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos.
Como prática estritamente humana a educação não pode ser entendida como uma
experiência fria sem sentido. Do mesmo modo a prática educativa não pode ser vista como uma
experiência em que falte o rigor onde se gera a necessária disciplina intelectual.

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