Você está na página 1de 184

Estudos Literários da

Língua Espanhola
Prof. Wellington Freire Machado

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Prof. Wellington Freire Machado

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

M149e

Machado, Wellington Freire

Estudos literários da língua espanhola. / Wellington Freire Machado


– Indaial: UNIASSELVI, 2018.

176 p.; il.

ISBN 978-85-515-0207-5

1.Língua espanhola – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.


CDD 460

Impresso por:
Apresentação
Prezado estudante

É com satisfação e entusiasmo que apresentamos a você o presente


livro de Estudos Literários de Língua Espanhola. Este trabalho foi estruturado
de acordo com o alto padrão de qualidade estabelecido pela UNIASSELVI.

Esta disciplina possui um caráter iniciador no âmbito dos estudos


literários de língua espanhola. Além disso, salientamos que ao longo do
presente trabalho não efetuaremos uma divisão geográfica entre a literatura
produzida na Espanha contraposta à literatura produzida na América Latina:
a língua, para nós, é o principal agente unificador das literaturas produzidas
nos dois lados do oceano.

A nossa viagem ao longo da disciplina preconizará questões


conceituais – sendo importante para nós, assim, autores dos dois lados do
Oceano Atlântico, períodos e formas de expressão artística no âmbito dos
estudos hispânicos.

Com essa base, você estará suficientemente instrumentalizado para


adentrar futuramente em questões de maior grau de complexidade.

Nós, embebidos de motivação e desejo de que você logre o melhor


aproveitamento possível, esperamos que este livro seja tão útil e prazeroso
para você como o foi para nós durante o processo de composição e redação.
Explore com sabedoria e curiosidade intelectual o mundo do curso de Letras
– Espanhol da UNIASSELVI.

Prof. Wellington Freire Machado

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é
veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E
O CONTEMPORÂNEO................................................................................................ 1

TÓPICO 1 – NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA


LITERATURA HISPANO-AMERICANA..................................................................... 3
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 A SOLIDÃO DA AMÉRICA LATINA EM GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ............................ 4
3 JORGE LUIS BORGES, A ERUDIÇÃO E O CÂNONE OCIDENTAL........................................ 10
4 O SOBRENATURAL E A HISTÓRIA DO MÉXICO EM CARLOS FUENTES ........................ 14
5 A MAGNUS OPUS DE JULIO CORTÁZAR..................................................................................... 20
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 24
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 25

TÓPICO 2 – O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES .


SELECIONADOS.............................................................................................................. 27
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 27
2 FICÇÃO E NÃO FICÇÃO: OS PRIMEIROS ENSAÍSTAS: CRISTÓVÃO COLOMBO
E FRAY BARTOLOMÉ DE LAS CASAS........................................................................................... 28
3 RAMÓN MENÉNDEZ PIDAL E A HISTÓRIA DA LITERATURA............................................ 34
4 JOSÉ ORTEGA Y GASSET E A FILOSOFIA................................................................................... 39
5 A HETEROGENEIDADE EM ANTONIO CORNEJO POLAR.................................................... 41
6 HUGO ACHUGAR E A CONTEMPORANEIDADE...................................................................... 43
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 46
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 48
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 49

UNIDADE 2 – A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL..................... 51

TÓPICO 1 – A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO..... 53


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 53
2 O PERÍODO INICIAL DA LÍRICA CASTELHANA: POEMA DE DEBATE............................ 54
2.1 DISPUTA DEL ALMA Y EL CUERPO........................................................................................... 55
2.2 RAZÓN DE AMOR CON LOS DENUESTOS DEL AGUA Y DEL VINO .............................. 56
2.3 DIÁLOGO DE ELENA Y MARÍA ................................................................................................. 58
3 A POESIA RELIGIOSA DE BERCEO: CLÉRIGOS, SANTAS E DEVOÇÃO............................ 61
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 65
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 66

TÓPICO 2 – A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE POÉTICA ................................................ 69


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 69
2 UM BREVE OLHAR SOBRE A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE POÉTICA................ 70
2.1 GUSTAVO ADOLFO BÉCQUER: DESTINO E AMOR NÃO REALIZADO............................ 74
3 O AMOR PESSOAL E O SOFRIMENTO SOCIAL EM PABLO NERUDA............................... 78
4 O SUICÍDIO EM ALEJANDRA PIZARNIK.................................................................................... 82

VII
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................86
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................87

TÓPICO 3 – RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO HISPÂNICO: LÁ E CÁ......................91


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................91
2 ROSALÍA DE CASTRO: DO “REXURDIMENTO” DAS LETRAS GALEGAS
PARA O MUNDO................................................................................................................................92
3 A LITERATURA GAUCHESCA EM JOSÉ HERNÁNDEZ ........................................................95
4 ANTONIO MACHADO E A CRÍTICA ÀS MENTALIDADES COLETIVAS.........................99
5 MIGUEL DE UNAMUNO..................................................................................................................103
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................105
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................106
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................107

UNIDADE 3 – O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO


SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES................................................109

TÓPICO 1 – O CONTO LATINO-AMERICANO............................................................................111


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................111
2 O URUGUAIO HORÁCIO QUIROGA: LOUCURA, PAIXÃO E MORTE..............................112
3 A HISTÓRIA SOCIAL DA ARGENTINA EM JUANA MANUELA GORRITI......................119
4 ESTEBAN ECHEVERRÍA E A CRÍTICA À IGREJA E AO GOVERNO...................................125
5 A PROSA POÉTICA MODERNISTA DE RUBEN DARÍO.........................................................127
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................132
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................133

TÓPICO 2 – O TEATRO DO SÉCULO DE OURO: UMA NOVA ESTRUTURA


PARA O DRAMA.............................................................................................................137
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................137
2 O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO: QUESTÕES TEÓRICAS.........................138
2.1 LOPE DE VEGA: O HOMEM E A OBRA...................................................................................140
2.1.1 A revolta popular e a tirania em Fuenteovejuna.................................................................143
2.1.2 A comédia palatina El Perro del Hortelano...........................................................................149
3 OS CAMINHOS DE LOPE TRILHADOS POR TIRSO DE MOLINA.....................................151
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................153
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................154

TÓPICO 3 – O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL.....................................................................157


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................157
2 O TEATRO NA AMÉRICA LATINA: HÁ UM PONTO DE INÍCIO?.......................................158
3 ÉPOCA BARROCA: JUAN RUIZ DE ALARCÓN Y MENDOZA (1580-1639).........................159
4 O TEATRO NEOCLÁSSICO: O RESGATE DE OLLANTAY.......................................................161
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................163
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................167
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................168

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................171

VIII
UNIDADE 1

A NARRATIVA E O ENSAIO EM
ESPANHOL: AS BASES E O
CONTEMPORÂNEO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• orientar-se por questões de ordem conceitual, reconhecendo estéticas e


estilos recorrentes no âmbito dos estudos literários de língua espanhola;
• conhecer os principais narradores latino-americanos que marcaram o seu
nome na história da literatura;
• entender a importância de Gabriel García Márquez e as linhas que
conformam a criação de toda uma representação da América Latina;
• observar a importância de Jorge Luis Borges, escritor argentino considerado
um dos maiores escritores do século XX;
• conhecer a biografia e os elementos sobrenaturais caracterizadores da
literatura produzida pelo mexicano Carlos Fuentes;
• inteirar-se da proposta inovadora de Julio Cortázar no processo criativo
de sua obra-prima Rayuela;
• explorar as nuances que conformam as literaturas de viagens, tão
populares no período de descobrimento e acessíveis através da carta de
Cristóvão Colombo e do frei Bartolomé de las Casas;
• ampliar as noções ensaísticas através dos estudos medievalistas de Ramón
Menéndez-Pidal
• conhecer as linhas gerais que perfilam a obra filosófica de José Ortega y
Gasset;
• estudar o conceito de heterogeneidade do crítico peruano Antonio Cornejo
Polar;
• entender as motivações intelectuais do uruguaio Hugo Achugar e estudar
a importância do pensamento deste autor para a crítica literária dos
séculos XX/XXI.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA


LITERATURA HISPANO-AMERICANA

TÓPICO 2 – O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES


SELECIONADOS

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA


DA LITERATURA HISPANO-AMERICANA

1 INTRODUÇÃO
A história das literaturas de língua espanhola é constituída pela presença
de narradores que lograram entrar para o seleto grupo de autores pertencentes
ao cânone ocidental. Estes autores, atualmente reconhecidos como os maiores
escritores de todos os tempos, nos mostram uma forma de expressão literária e
estilos singulares.

No presente capítulo conheceremos um pouco sobre Gabriel García


Márquez, autor colombiano do clássico Cem anos de Solidão, uma das mais
importantes obras literárias do século XX e de reconhecida expressão máxima da
latinoamericanidade.

FIGURA 1 – CEM ANOS DE SOLIDÃO

FONTE: <http://petalasdeliberdade.blogspot.com/2013/10/resenha-livro-cem-anos-de-solidao.html>.
Acesso em: 15 maio 2018.

3
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Além de Márquez, também incursionaremos na produção dos escritores


argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, dois dos maiores nomes da cultura
ocidental, reconhecidos por críticos literários do patamar do estadunidense
Harold Bloom.

Por fim, conheceremos Carlos Fuentes, escritor mexicano cuja obra


inovadora reverberou, influenciando gerações de escritores contemporâneos.
Autor de clássicos como o romance La muerte de Artemio Cruz e do conto Chac Mool,
Fuentes deixou sua reconhecida marca nas letras modernas.

2 A SOLIDÃO DA AMÉRICA LATINA EM GABRIEL GARCÍA


MÁRQUEZ
Gabriel García Márquez nasceu em Aracataca, Colômbia, em 1927.
Reconhecido como um dos maiores escritores latino-americanos de todos os
tempos, Márquez – também carinhosamente conhecido como Gabo – ganhou o
Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982.

A principal obra de Gabriel García Márquez foi Cien años de Soledad (1967).
O autor, que produziu literatura dos anos 60 até 2010, também escreveu obras de
merecido destaque, como é o caso de El coronel no tiene quien le escriba (1961), La
increíble y triste historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada (1972), Crónica
de una muerte anunciada (1981), El amor en los tiempos del cólera (1985), Doce Cuentos
Peregrinos (1992), Del amor y otros demónios (1994), Memórias de mis putas tristes (2004).

FIGURA 2 – GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gabriel_Garcia_Marquez,_2009.jpg>.
Acesso em: 18 maio 2018.

4
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

Um dos textos mais politicamente poderosos de Gabriel García Márquez é o


discurso que o autor proferiu na oportunidade em que recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura das mãos da Academia Sueca de Letras. Por motivos de concisão e sem
prejudicar a unidade textual, na sequência recortamos alguns trechos deste discurso.
Convidamos você, estudante do curso de Letras Espanhol da UNIASSELVI, a
dedicar alguns minutos do seu tempo para ler um dos discursos mais significativos
sobre a América Latina. Logo após você realizar a leitura, comentaremos algumas
questões relevantes sobre a perspectiva de Gabriel García Márquez na abordagem
dos problemas mencionados:

La soledad de America Latina


(trecho do discurso proferido durante a recepção do Prêmio Nobel de
Literatura) Gabriel García Márquez

Antonio Pigafetta, un navegante florentino que acompañó a Magallanes


en el primer viaje alrededor del mundo, escribió a su paso por nuestra América
meridional una crónica rigurosa que sin embargo parece una aventura de la
imaginación. Contó que había visto cerdos con el ombligo en el lomo, y unos
pájaros sin patas cuyas hembras empollaban en las espaldas del macho, y otros
como alcatraces sin lengua cuyos picos parecían una cuchara. Contó que había
visto un engendro animal con cabeza y orejas de mula, cuerpo de camello, patas
de ciervo y relincho de caballo. Contó que al primer nativo que encontraron en
la Patagonia le pusieron enfrente un espejo, y que aquel gigante enardecido
perdió el uso de la razón por el pavor de su propia imagen.

Este libro breve y fascinante, en el cual ya se vislumbran los gérmenes


de nuestras novelas de hoy, no es ni mucho menos el testimonio más
asombroso de nuestra realidad de aquellos tiempos. Los Cronistas de Indias
nos legaron otros incontables. Eldorado, nuestro país ilusorio tan codiciado,
figuró en mapas numerosos durante largos años, cambiando de lugar y de
forma según la fantasía de los cartógrafos. En busca de la fuente de la Eterna
Juventud, el mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca exploró durante ocho años
el norte de México, en una expedición venática cuyos miembros se comieron
unos a otros, y sólo llegaron cinco de los 600 que la emprendieron. Uno de
los tantos misterios que nunca fueron descifrados, es el de las once mil mulas
cargadas con cien libras de oro cada una, que un día salieron del Cuzco para
pagar el rescate de Atahualpa y nunca llegaron a su destino. Más tarde, durante
la colonia, se vendían en Cartagena de Indias unas gallinas criadas en tierras
de aluvión, en cuyas mollejas se encontraban piedrecitas de oro. Este delirio
áureo de nuestros fundadores nos persiguió hasta hace poco tiempo. Apenas
en el siglo pasado la misión alemana encargada de estudiar la construcción de
un ferrocarril interoceánico en el istmo de Panamá, concluyó que el proyecto
era viable con la condición de que los rieles no se hicieran de hierro, que era un
metal escaso en la región, sino que se hicieran de oro.

5
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

La independencia del dominio español no nos puso a salvo de la


demencia. El general Antonio López de Santa Anna, que fue tres veces dictador
de México, hizo enterrar con funerales magníficos la pierna derecha que había
perdido en la llamada Guerra de los Pasteles. El general Gabriel García Moreno
gobernó al Ecuador durante 16 años como un monarca absoluto, y su cadáver
fue velado con su uniforme de gala y su coraza de condecoraciones sentado en
la silla presidencial. El general Maximiliano Hernández Martínez, el déspota
teósofo de El Salvador que hizo exterminar en una matanza bárbara a 30 mil
campesinos, había inventado un péndulo para averiguar si los alimentos
estaban envenenados, e hizo cubrir con papel rojo el alumbrado público para
combatir una epidemia de escarlatina. El monumento al general Francisco
Morazán, erigido en la plaza mayor de Tegucigalpa, es en realidad una estatua
del mariscal Ney comprada en Paris en un depósito de esculturas usadas.

Hace once años, uno de los poetas insignes de nuestro tiempo, el


chileno Pablo Neruda, iluminó este ámbito con su palabra. En las buenas
conciencias de Europa, y a veces también en las malas, han irrumpido desde
entonces con más ímpetus que nunca las noticias fantasmales de la América
Latina, esa patria inmensa de hombres alucinados y mujeres históricas, cuya
terquedad sin fin se confunde con la leyenda. No hemos tenido un instante de
sosiego. Un presidente prometeico atrincherado en su palacio en llamas murió
peleando solo contra todo un ejército, y dos desastres aéreos sospechosos y
nunca esclarecidos segaron la vida de otro de corazón generoso, y la de un
militar demócrata que había restaurado la dignidad de su pueblo. Ha habido
cinco guerras y 17 golpes de estado, y surgió un dictador luciferino que en el
nombre de Dios lleva a cabo el primer etnocidio de América Latina en nuestro
tiempo. Mientras tanto, 20 millones de niños latinoamericanos morían antes
de cumplir dos años, que son más de cuantos han nacido en Europa desde
1970. Los desaparecidos por motivos de la represión son casi 120 mil, que es
como si hoy no se supiera donde están todos los habitantes de la cuidad de
Upsala. Numerosas mujeres encintas fueron arrestadas dieron a luz en cárceles
argentinas, pero aun se ignora el paradero y la identidad de sus hijos, que fueron
dados en adopción clandestina o internados en orfanatos por las autoridades
militares. Por no querer que las cosas siguieran así han muerto cerca de 200 mil
mujeres y hombres en todo el continente, y más de 100 mil perecieron en tres
pequeños y voluntariosos países de la América Central, Nicaragua, El Salvador
y Guatemala. Si esto fuera en los Estados Unidos, la cifra proporcional sería de
un millón 600 muertes violentas en cuatro años.

De Chile, país de tradiciones hospitalarias, ha huido un millón de personas:


el 12% por ciento de su población. El Uruguay, una nación minúscula de dos y
medio millones de habitantes que se consideraba como el país más civilizado del
continente, ha perdido en el destierro a uno de cada cinco ciudadanos. La guerra
civil en El Salvador ha causado desde 1979 casi un refugiado cada 20 minutos.
El país que se pudiera hacer con todos los exiliados y emigrados forzosos de
América Latina, tendría una población más numerosa que Noruega.

6
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

Me atrevo a pensar, que es esta realidad descomunal, y no sólo su


expresión literaria, la que este año ha merecido la atención de la Academia
Sueca de las Letras. Una realidad que no es la del papel, sino que vive con
nosotros y determina cada instante de nuestras incontables muertes cotidianas,
y que sustenta un manantial de creación insaciable, pleno de desdicha y de
belleza, del cual este colombiano errante y nostálgico no es más que una cifra
más señalada por la suerte. Poetas y mendigos, músicos y profetas, guerreros y
malandrines, todas las criaturas de aquella realidad desaforada hemos tenido
que pedirle muy poco a la imaginación, porque el desafío mayor para nosotros
ha sido la insuficiencia de los recursos convencionales para hacer creíble
nuestra vida. Este es, amigos, el nudo de nuestra soledad.

Un día como el de hoy, mi maestro William Faulkner dijo en este lugar:


"Me niego a admitir el fin del hombre". No me sentiría digno de ocupar este sitio
que fue suyo si no tuviera la conciencia plena de que por primera vez desde
los orígenes de la humanidad, el desastre colosal que él se negaba a admitir
hace 32 años es ahora nada más que una simple posibilidad científica. Ante
esta realidad sobrecogedora que a través de todo el tiempo humano debió de
parecer una utopía, los inventores de fábulas que todo lo creemos nos sentimos
con el derecho de creer que todavía no es demasiado tarde para emprender
la creación de la utopía contraria. Una nueva y arrasadora utopía de la vida,
donde nadie pueda decidir por otros hasta la forma de morir, donde de veras
sea cierto el amor y sea posible la felicidad, y donde las estirpes condenadas a
cien años de soledad tengan por fin y para siempre una segunda oportunidad
sobre la tierra.
FONTE: Nobel Book Prize. <https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1982/
marquez-lecture-sp.html>. Acesso em: 18 maio 2018.

DICAS

Estudante! Se você ficou com


vontade de ler o discurso na íntegra, sugerimos que
você o acesse diretamente na página da Academia Nobelprize.org
Sueca de Letras. O discurso se encontra disponível The Official Web Site Of the Nobel Prize
gratuitamente e está publicado em espanhol.

Para ver, acesse: <https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1982marqu


ez-lecture-sp.html>.

7
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

O que você achou do discurso de Gabo? Você já conhecia os dados


abordados pelo autor? O aspecto central do discurso de Gabo é a associação de
dados peculiares com a questão literária: é como se o autor apresentasse ao grande
público as variáveis histórico-geográficas que credenciam a sua criação literária,
que – ao contrário do que inicialmente possa parecer ao observador desatento –
nada possui de inverossímil.

De fato, a história da América Latina é recheada de situações excêntricas


e de fatos que, se unicamente ficcionais o fossem, não possuiriam valor
representativo. Momentos como a história do general Antonio López de Santa
Anna, ditador mexicano que fez um funeral luxuoso para que fosse enterrada
sua perna direita perdida em uma guerra, as galinhas em cujas moelas teriam
sido encontrados grãos de ouro, as expedições de Alvar Núñez Cabeza de Vaca
no norte do México e tantas outras histórias supostamente reais dão subsídio à
imaginação do escritor colombiano. São essas histórias, relatadas por cronistas,
como o italiano Antonio Pigafetta, e mais tarde, os cronistas das índias, que dizem
muito sobre o passado, o presente e, quiçá, o futuro da América Latina.

DICAS

Você sabia que as crônicas de Antonio Pigafetta,


mencionadas no princípio do discurso de Gabriel García Márquez,
foram publicadas no Brasil em português?

Os textos estão disponíveis em uma edição traduzida por Jurandir


Soares dos Santos.

Tome nota:

PIGAFETTA, Antonio. A primeira viagem ao redor do mundo. Porto


Alegre: L&PM, 1986.

O começo da carreira de García Márquez foi difícil. Colombiano por


nascimento e vivendo no México, o autor amargou rotundos fracassos no âmbito
do cinema. No texto Gabriel García Márquez: duas anotações para um perfil, Eric
Nepomuceno, tradutor de Cien años de soledad e amigo íntimo de Gabriel García
Márquez, afirma que o autor colombiano criava roteiros de cinema para tentar
financiar a escrita de seu grande romance. Foi nesta época que García Márquez
conheceu o autor mexicano Carlos Fuentes, outro ícone da literatura latino-
americana do século XX. Nepomuceno conta em seu texto que Fuentes e García
Márquez adaptaram para o cinema um conto do escritor mexicano Juan Rulfo – um
dos escritores que García Márquez mais admirava, juntamente a Kafka e Sófocles.
No entanto, ambos autores amargaram um rotundo fracasso como roteiristas de

8
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

cinema. Até então que, após reunir cinco mil dólares, García Márquez trancafiou-se
em casa e escreveu sua obra prima Cien años de soledad. A empreitada, que deveria
durar seis meses, acabou se estendendo por catorze. Ao término dessa jornada,
Nepomuceno relata que o autor e sua esposa deviam "nove meses de aluguel,
quatro meses de açougue, sabe-se lá quantos meses de quitanda e padaria, e não
tinham mais nada para empenhar ou vender" (NEPOMUCENO, 2011, p. 23).

DICAS

Em 2007 a Real Academia Española publicou uma edição


de luxo de Cien años de Soledad, em celebração dos oitenta anos
de Gabriel García Márquez. Na ocasião, realizou-se um evento em
Cartagena das Índias (Colômbia).

A edição da RAE teve supervisão do próprio autor e inclui textos críticos


valiosos sobre a obra de Márquez:

«Lo que sé de Gabriel», Álvaro Mutis.


«Para darle nombre a América. Homenaje», Carlos Fuentes.
«Cien años de soledad: realidad total, novela total», Mario Vargas Llosa.
«Gabriel García Márquez, en busca de la verdad poética», Víctor García
de la Concha.
«Algunas literariedades de Cien años de soledad», Claudio Guillén.
«Cien años de soledad en la novela hispanoamericana», Pedro Luis Barcia.
«El patio de atrás», Juan Gustavo Cobo Borda.
«Cien años de soledad y la narrativa de lo real-maravilloso americano», Gonzalo Celorio.
«Atajos de la verdad», Sergio Ramírez.

Apesar das dificuldades financeiras e das dívidas, o autor encontrou o


sonhado sucesso após terminar sua obra-prima e enviá-la para a poderosa editora
argentina Sudamericana:

Cem anos de solidão foi lançado no dia 20 de junho de 1967, numa


edição inicial de dez mil exemplares. Quando soube da tiragem,
García Márquez escreveu, preocupado, ao editor Paco Porrúa,
dizendo estar temeroso de ser o responsável por um encalhe de
grandes proporções. Rude engano: a edição esgotou-se em quinze
dias. Veio uma segunda, de outros dez mil, que teve o mesmo destino.
Começaram a chegar encomendas de distribuidores e de livrarias de
outros países: o México pedia vinte mil exemplares, a Colômbia queria
dez mil. Recém-nascido, o livro era um fenômeno absoluto. A editora
teve de suspender a impressão de todos os outros livros e comprar
cotas extras de papel. Aquele vendaval jamais deixou de soprar.
Em três anos foram 600 mil exemplares em castelhano, e em oito, as
vendas chegaram a dois milhões. Em 1982, quando García Márquez foi
contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura, só em castelhano, 25
milhões de exemplares de Cem anos de solidão tinham sido vendidos
(NEPOMUCENO, 2011, p. 24).

9
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

A história de Cien años de soledad, que narra a história das distintas gerações
da família Buendía, tornou-se uma das maiores obras literárias de todos os
tempos. Com García Márquez aprendemos a vislumbrar as belezas do excêntrico,
a perceber a simbiose da força com a solidão latino-americana e a reconhecer,
na simplicidade do capital humano local, a abundância cultural desta terra tão
pouco valorizada.

DICAS

Convidamos você a assistir ao vídeo do discurso de Gabriel García Márquez


na ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de literatura.

Assista em: <https://www.youtube.com/watch?v=WSfBFz8c1ZE>.

No próximo subtópico conheceremos outro autor de relevância máxima


para a literatura ocidental, dada a inclinação filosófica, metafísica e fantástica:
Jorge Luis Borges.

3 JORGE LUIS BORGES, A ERUDIÇÃO E O CÂNONE


OCIDENTAL
Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires em 1899 e faleceu em Genebra
em 1986. Foi um dos autores argentinos mais significativos de todos os tempos,
dada a dimensão filosófica da sua obra. No decorrer da longa vida, Borges
exerceu as artes da tradução, da poesia, da narrativa, além de ter se destacado
no âmbito do ensaio e da crítica literária. Antes de tudo, Borges foi um grande
leitor. Trabalhou como bibliotecário e em 1955 foi diretor da Biblioteca Nacional
da República da Argentina.

10
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

FIGURA 3 – JORGE LUIS BORGES

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d5/Jorge_Luis_Borges_Hotel.
jpg>. Acesso em: 20 maio 2018.

Entre os livros mais famosos de Borges, destacam-se os de contos Ficciones


(1944), El Aleph (1949) e El informe de Brodie (1970). Borges possuía notável
habilidade em realizar obras não passíveis de classificação em termos literários.
Este é o caso do Livro dos Seres Imaginários (1957), obra na qual Borges reúne
116 seres encontráveis em obras literárias, na mitologia clássica e também em
religiões variadas.

A poesia, a grande musa inspiradora e seara na qual Borges publicou


nada menos que 16 livros, foi exercida com paixão pelo autor de El Aleph:

SUEÑA ALONSO QUIJANO

El hombre se despierta de un cierto


sueño de alfanjes y de campo llano
y se toca la barba con la mano
y se pregunta si está herido o muerto.

¿No lo perseguirán los hechiceros


que han jurado su mal bajo la luna?
Nada. Apenas el frío. Apenas una
dolencia de sus años postrimeros.

11
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

El hidalgo fue un sueño de Cervantes


y Don Quijote un sueño del hidalgo.
El doble sueño los confunde y algo

está pasando que pasó mucho antes.


Quijano duerme y sueña. Una batalla:
los mares de Lepanto y la metralla.
(BORGES, 2005, p. 125)

Neste poema, constituinte de uma compilação intitulada Libro de sueños,


percebemos um intertexto com a obra máxima da literatura espanhola: Don
Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. No poema, Borges entrelaça a
figura de Cervantes com a do fidalgo Dom Quixote, estabelecendo um nexo de
continuidade entre o autor da obra, o personagem de ficção (o fidalgo) e a ficção
dentro da ficção (Dom Quixote): "El hidalgo fue un sueño de Cervantes / y Don Quijote
un sueño del hidalgo. / El doble sueño los confunde y algo" (BORGES, 2005, p. 125).

DICAS

Estudante! Sugerimos que você assista à entrevista que Jorge Luis Borges
concedeu a Joaquín Soler Serrano em 1980. A conversa sucedeu na ocasião em que Borges
recebeu um dos maiores prêmios de língua espanhola, o Prêmio Cervantes.

Veja em: <https://www.youtube.com/watch?v=U-GlQZujLqw>.

O livro dos sonhos de Borges é a materialização de sua erudição, visto


que nesta obra não acessamos conteúdos plenamente autorais – como no caso do
poema Sueña Alonso Quijano, mas sim textos da história da literatura universal
que giram em torno da temática do sonho. Sob esse critério, o autor argentino
brinda seus leitores com histórias como A epopeia de Gilgamesh, trechos da Gênese
e Eclesiastes, Ilíada, Odisseia, além de autores do calibre de Franz Kafka, Antonio

12
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

Machado, Eça de Queiroz, Nietzsche, Luis de Gôngora, Lewis Carroll, Heródoto,


Pirandello, Platão e muitos outros. Trata-se de, muito além de uma prova cabal
de erudição, uma compilação riquíssima de sonhos e pesadelos dispostos nas
páginas da literatura universal.

FIGURA 4 – BORGES E ESPOSA

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/116108496618295027/>. Acesso em: 20 maio 2018.

El Alma, el sueño, la realidad


(trecho)

Se supone que, de hecho, el alma de un durmiente se aleja errante de


su cuerpo y visita los lugares, ve las personas y verifica los actos que él está
soñando. Cuando un indio del Brasil o las Guayanas sale de un sueño profundo,
está convencido firmemente de que su alma ha estado en realidad cazando,
pescando, talando árboles o cualquier otra cosa que ha soñado, mientras su
cuerpo estuvo tendido e inmóvil en la hamaca.

(...)

13
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Cuando un dayako sueña que ha caído el agua piede al hechicero


que pesque al espíritu con una red de mano, lo meta en un recipiente y se lo
devuelva. Los santals cuentan del hombre que se durmió y soñó tanta sed que
su alma en forma de lagarto dejó el cuerpo y se metió en una vasija para beber;
pero el dueño de la vasija lo tapó, y el hombre, impedido de recuperar su alma,
murió. Se preparaban para el entierro cuando alguien destapó la vasija y el
lagarto escapó, se reintegró al cadáver, y el muerto resucitó. Dijo que había
caído en un pozo en busca de agua y que había tenido dificultades para volver;
así lo entendieron todos.

James George Frazer, La Rama Dorada (1890).

FONTE: BORGES, Jorge Luis. El libro de sueños. Madrid: Alianza Editorial, 2005. p. 125.

Neste trecho Borges apresenta ao leitor um recorte do livro do antropólogo


sir James Frazer, intitulado O Ramo de Ouro (La rama dorada, em espanhol). O
trecho selecionado por Borges nos mostra a questão do sonho, a partir da
perspectiva dos povos indígenas que habitam o norte do Brasil e as Guianas.
Para esta cultura, conforme relata Frazer, a alma do ser humano viaja por outros
lugares do universo enquanto o nosso corpo dorme.

Se em Borges encontramos as maravilhas da poesia, da literatura ocidental,


da filosofia e dos clássicos, no próximo autor que estudaremos observaremos o
mundo dentro de uma perspectiva literária bastante peculiar.

4 O SOBRENATURAL E A HISTÓRIA DO MÉXICO EM


CARLOS FUENTES
O terceiro autor que estudaremos neste tópico é de origem mexicana.
Alguma vez você ouviu falar em Carlos Fuentes? Carlos Fuentes Macias, autor
mexicano nascido na Cidade do Panamá em 1928, foi um profícuo escritor latino-
americano, sendo reconhecido hoje como um dos nomes mais importantes das
letras na América Latina. Sua obra, composta por mais de 45 livros publicados,
representa aspectos histórico-sociais de valor inquestionáveis no contexto de uma
literatura latino-americana.

14
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

FIGURA 5 – CARLOS FUENTES

FONTE: <http://www.memorial.org.br/wp-content/uploads/2017/11/1337461398393.
cached.jpg>. Acesso em: 20 maio 2018.

La Muerte de Artemio Cruz, um dos seus romances mais aclamados, constitui


um verdadeiro panorama da história do México. Artemio Cruz, o personagem que
dá título à obra, está em seu leito de morte prestes a morrer. O livro foi publicado
em 1962 – na mesma década e no mesmo campo literário de Cien años de soledad –
e na obra, o autor nos mostra uma visão notadamente panorâmica da vida deste
homem, que outrora fora um industrial e um político importante em seu país.
A participação do personagem na Revolução Mexicana, a perda dos ideais do
personagem, as relações políticas corruptas e obscuras da época também são
elementos constituintes da obra. Na contracapa da edição hispano-americana da
obra (FUENTES, 2008), os editores descrevem o personagem:
En su lecho de muerte, durante su último medio día en el mundo, el
anciano y enfermo Artemio Cruz recuerda: no siempre fue ese triste
saco de huesos y fermentos corporales; alguna vez fue joven, osado,
vigoroso. Y tuvo ideales, sueños, fe. Para defender todo eso, incluso
combatió en una revolución. Mas la rapiña, la codicia y la corrupción
extinguieron su fuego y aniquilaron su esperanza. Tal vez por ello
perdió a la única mujer que de verdad lo amó.

As questões sociais são elementos constantes na obra. Ao longo dos


capítulos do romance de Fuentes, podemos perceber, por exemplo, diálogos que
expressam a essência do espanhol coloquial falado no México. Os personagens, no
turbilhão da memória e dos acontecimentos, são mostrados como homens típicos
do meio de onde vêm. Eis um trecho de La muerte de Artemio Cruz (FUENTES,
2008, p. 164-165):

15
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

- Chingue a su madre
- Hijo de la chingada
- Aquí estamos los meros chingones
- Déjate de chingaderas
- Ahoritita me lo chingo
- Ándale, chingaquedito
- No te dejes chingar
- Me chingué a esa vieja
- Chinga tú
- Chingue usted
- Chinga bien, sin ver a quién
- A chingar se ha dicho
- Le chingué mil pesos
- Chínguense aunque truenen
- Chingaderitas las mías
- Me chingó el jefe
- No me chingues el día
- Vamos todos a la chingada
- Se lo llevó la chingada
- Me chingo pero no me rajo
- Se chingaron al indio
- Nos chingaron los gachupines
- Me chingan los gringos
- Viva México, hijos de su chingada.

NOTA

Em tempo:

Segundo o dicionário on-line de gírias Tu Babel, a palavra "chingada" pode ser entendida
de várias formas de acordo com o contexto no qual é empregada. Na sequência, observe
algumas das acepções aceitáveis:

a la chingada = no me importa

al chingadazo = hacer algo con poco empeño

chingadazo = golpe fuerte

en casa de la chingada = muy lejos

hijo de la chingada! = insulto en Mexico

Veja mais em: <http://www.tubabel.com/slangs/busqueda>.

16
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

Os textos de Carlos Fuentes, sejam eles romances ou contos, possuem uma


força descomunal ao mobilizar os temas propostos pelo autor. Uma das grandes
tônicas da produção de Fuentes é o mistério. Os contos escritos pelo autor, muitos
deles minados de situações sobrenaturais, semeiam a dúvida e o horror no horizonte
de expectativas do leitor. Um exemplo cabal é o conto Chac Mool.

FIGURA 6 – CHAC MOOL

FONTE: < http://www.forallworld.com/44002-chac-mool.html>. Acesso em: 20 maio 2018.

Alguma vez você já ouviu falar em Chac Mool? Chac Mool é uma divindade
pré-hispânica que Carlos Fuentes traz para as páginas de seu conto. Na narrativa,
conhecemos a história de Filiberto, um homem de aproximadamente 40 anos, que
é um profundo admirador das antiguidades do México pré-hispânico. O narrador
da história é o seu amigo, pois quando o conto se inicia, Filiberto já havia morrido
afogado em Acapulco. O leitor conhece a história de Filiberto através do seu
diário pessoal. Na rotina relatada pelo próprio defunto em seu diário, nota-se a
vida de uma pessoa comum que tem a vida mudada quando compra a estátua de
pedra de uma divindade antiga chamada Chac Mool. O que acontece após essa
aquisição é que o homúnculo de pedra adquire vida e transforma Filiberto em seu
verdadeiro escravo. Vale lembrar que para as culturas antigas Chac Mool era uma
espécie de divindade ligada às águas. Ao longo do relato encontrado no diário de
Filiberto, percebemos que os fenômenos ligados à água começam a surgir desde
o momento em que o homem compra a estátua de Chac Mool.

Los lamentos nocturnos han seguido. No sé a qué atribuirlo, pero estoy


nervioso. Para colmo de males, la tubería volvió a descomponerse, y
las lluvias se han colado, inundando el sótano.
El plomero no viene; estoy desesperado. Del Departamento del Distrito
Federal, más vale no hablar. Es la primera vez que el agua de las lluvias
no obedece a las coladeras y viene a dar a mi sótano. Los quejidos han
cesado: vaya una cosa por otra.

17
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Secaron el sótano, y el Chac Mool está cubierto de lama. Le da un aspecto


grotesco, porque toda la masa de la escultura parece padecer de una erisipela
verde, salvo los ojos, que han permanecido de piedra. Voy a aprovechar
el domingo para raspar el musgo. Pepe me ha recomendado cambiarme
a una casa de apartamentos, y tomar el piso más alto, para evitar estas
tragedias acuáticas. Pero yo no puedo dejar este caserón, ciertamente es
muy grande para mí solo, un poco lúgubre en su arquitectura porfiriana.
Pero es la única herencia y recuerdo de mis padres. No sé qué me daría ver
una fuente de sodas con sinfonola en el sótano y una tienda de decoración
en la planta baja (FUENTES, 2013, p. 30).

Um dos momentos mais impactantes da narrativa de Fuentes é quando,


por fim, Chac Mool recobra vida após o registro constante de fenômenos aquáticos:
“Allí estaba Chac Mool, erguido, sonriente, ocre, con su barriga encarnada.
Me paralizaron los dos ojillos casi bizcos, muy pegados al caballete de la nariz
triangular. Los dientes inferiores mordían el labio superior, inmóviles; sólo el
brillo del casuelón cuadrado sobre la cabeza anormalmente voluminosa, delataba
vida. Chac Mool avanzó hacia mi cama; entonces empezó a llover” (FUENTES,
2013, p. 32). Vale lembrar que tudo a que o leitor tem acesso ocorre através da
ótica do próprio Filiberto que, estupefato com os acontecimentos, registra-os um
a um até o dia de sua misteriosa morte.

DICAS

No documentário Carlos Fuentes – Instinto de Escritor encontramos


uma grande oportunidade de conhecer mais sobre um dos mais importantes escritores
mexicanos de todos os tempos.

Para ver o documentário, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=5fTGkoF5lqk>.

18
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

Por ser um Deus, Chac Mool ameaça constantemente a Filiberto. Um dos


momentos mais desesperadores na narrativa do personagem ocorre no período
de seca, quando Chac Mool exige que Filiberto busque água em uma fonte que
ficava a quatro quadras da casa do homem. Por ser o Deus do raio, Chac Mool
ameaça fulminar Filiberto, caso ele decida fugir:
Febrero, seco. Chac Mool vigila cada paso mío; me ha obligado
a telefonear a una fonda para que diariamente me traigan un
portaviandas. Pero el dinero sustraído de la oficina ya se va a acabar.
Sucedió lo inevitable: desde el día primero, cortaron el agua y la luz
por falta de pago. Pero Chac Mool ha descubierto una fuente pública a
dos cuadras de aquí; todos los días hago diez o doce viajes por agua, y
él me observa desde la azotea. Dice que si intento huir me fulminará:
también es Dios del Rayo. Lo que él no sabe es que estoy al tanto de
sus correrías nocturnas… Como no hay luz, debo acostarme a las ocho.
Ya debería estar acostumbrado al Chac Mool, pero hace poco, en la
oscuridad, me topé con él en la escalera, sentí sus brazos helados, las
escamas de su piel renovada y quise gritar (FUENTES, 2013, p. 34).

O final do conto é surpreendente e apresenta ao leitor uma importante


reflexão sobre o passado, o presente e o futuro das culturas ameríndias no México
contemporâneo.

DICAS

Você ficou com vontade de ler o conto Chac Mool na íntegra?

Aproveite! Ele está disponível gratuitamente em língua espanhola no endereço: <https://


ciudadseva.com/texto/chac-mool/>.

Se em Carlos Fuentes encontramos personagens que nos levam à história do


México e a questões ligadas ao sobrenatural, no quarto e último autor deste tópico
conheceremos um aporte de literatura cuja principal característica é a inovação.

19
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

5 A MAGNUS OPUS DE JULIO CORTÁZAR


Julio Cortázar foi um escritor argentino que nasceu em Ixelles (Bélgica)
em 1914. O autor, que viveu a infância na Argentina, passou grande parte da vida
entre Buenos Aires e a França, lugar onde faleceu em 1984. Hábil na arte do conto,
do romance e da crônica, o nome de Cortázar está fixado na história da literatura
universal graças ao caráter original e inovador de sua obra.

FIGURA 7 – JULIO CORTÁZAR

FONTE: <http://www.libreriausados.com.ar/images/Biografias/Julio-Cortazar.jpg>.
Acesso em: 20 maio 2018.

Entre as principais obras de Cortázar, destacamos Histórias de cronopios y


de famas (1962) e Rayuela (1962). Ao longo do seu período de atividade intelectual,
Cortázar teve uma vida literária bastante produtiva, deixando para a posteridade uma
obra com mais de 40 livros publicados.

Rayuela, traduzida para o português como O Jogo da Amarelinha, é


considerada sua obra prima – magnus opus –, dado o caráter inovador da obra e o
nível de engenhosidade e estilo próprio empregados pelo autor argentino.

20
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

FIGURA 8 – O JOGO DA AMARELINHA

FONTE: <https://pixabay.com/pt/amarelinha-jogo-n%C3%BAmeros-2612395/>.
Acesso em: 20 maio 2018.

O primeiro ponto a ser destacado em Rayuela é o seu aspecto formal: a obra


pode ser lida de diversas formas, como adverte o autor logo na primeira página:

TABLERO DE DIRECCIÓN
A su manera este libro es muchos libros, pero sobre todo es dos libros.
El primero se deja leer en la forma corriente, y termina en el capítulo
56, al pie del cual hay tres vistosas estrellitas que equivalen a la palabra
Fin. Por consiguiente, el lector prescindirá sin remordimientos de lo
que sigue. El segundo se deja leer empezando por el capítulo 73 y
siguiendo luego en el orden que se indica al pie de cada capítulo. En
caso de confusión u olvido, bastará consultar la lista siguiente:
73 - 1 - 2 - 116 - 3 - 84 - 4 - 71 - 5 - 81 - 74 - 6 - 7 - 8 - 93 - 68 - 9 - 104 - 10
- 65 - 11 - 136 - 12 106 - 13 - 115 - 14 - 114 - 117 - 15 - 120 - 16 - 137 - 17 -
97 - 18 - 153 - 19 - 90 - 20 - 126 - 21 79 - 22 - 62 - 23 - 124 - 128 - 24 - 134
- 25 - 141 - 60 - 26 - 109 - 27 - 28 - 130 - 151 - 152 - 143 100 - 76 - 101 - 144
- 92 - 103 - 108 - 64 - 155 - 123 -145 - 122 - 112 - 154 - 85 - 150 - 95 - 146
29 - 107 - 113 - 30 - 57 - 70 - 147 - 31 - 32 - 132 - 61 - 33 - 67 - 83 - 142 - 34
- 87 - 105 - 96 - 94 91 - 82 - 99 - 35 - 121 - 36 - 37 - 98 - 38 - 39 - 86 - 78 - 40
- 59 - 41 - 148 - 42 - 75 - 43 - 125- 44 102 - 45 - 80 - 46 - 47 - 110 - 48 - 111 -
49 - 118 - 50 - 119 - 51 - 69 - 52 - 89 - 53 - 66 - 149 - 54 129 - 139 - 133 - 40
- 138 - 127 - 56 - 135 - 63 - 88 - 72 - 77 - 131 - 58 - 131
Con el objeto de facilitar la rápida ubicación de los capítulos, la
numeración se va repitiendo en lo alto de las páginas correspondientes
a cada uno de ellos.

O autor divide o livro em dois livros, podendo a primeira parte ser lida na
íntegra até o capítulo 56. Logo após, ao começar a segunda parte, o leitor poderá
se deixar seguir pelo direcionamento oferecido pelo autor na tabela e indicado ao
final de cada capítulo. Por exemplo, ao final do capítulo 57 o leitor é direcionado
para o capítulo 70, que ao final indica para que o leitor salte para o capítulo 147 e
assim sucessivamente, havendo cada indicação ao final do capítulo e também na
tabela inicialmente apresentada. Essa estrutura possibilita que o leitor adote uma
postura ativa diante da obra, optando e decidindo como ler Rayuela.

21
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

A esta altura você deve estar se perguntando como é a história de um livro


aparentemente tão complexo, não é mesmo? A história da primeira parte gira em
torno da relação vivida entre o argentino Horacio Oliveira e a uruguaya La Maga
(Lucía). Ambos os personagens vivem em Paris e experienciam uma história
de casal bastante peculiar. As reflexões de Oliveira sobre o relacionamento que
mantém com a Maga dão a tônica que marca praticamente todo o livro. Oliveira
é um homem culto, de alto nível intelectual e muito bem relacionado. Já Maga
não possui o mesmo nível de cultura, mas é sempre muito interessada e atenta
em absorver o máximo possível do conhecimento que compartilha Oliveira e os
amigos do casal, os membros do grupo apelidado Club de la Serpiente.

O livro é repleto de reflexões sobre a existência dos personagens e brinda


ao leitor frases marcantes, como a que segue: "Andábamos sin buscarnos pero sabiendo
que andábamos para encontrarnos. Oh Maga, en cada mujer parecida a vos se agolpaba
como un silencio ensordecedor, una pausa filosa y cristalina que acababa por derrumbarse
tristemente, como un paraguas mojado que se cierra" (CORTÁZAR, 2013, p. 120).

NOTA

A edição de Rayuela publicada pela Editora Cátedra


(Espanha) é considerada uma das mais completas disponíveis no
mercado editorial. O livro, cuja organização de notas de rodapé e
seleção de textos críticos ficou a cargo de Andrés Amorós, atualmente
é uma ferramenta poderosa para ler o livro de Julio Cortázar em língua
espanhola.

De acordo com os editores:

Por primera vez se edita "Rayuela" como un


clásico de la novela contemporánea. Todo
el conjunto de materiales que aporta esta
edición (introducción, abundantes notas, plano, fotografías)
servirán al lector para comprender mejor y disfrutar más con esta
gran novela. Al aclararse tantas alusiones y técnicas narrativas,
resplandece con más claridad el sentido profundo del relato:
la búsqueda constante, el humor, el juego, la nostalgia de una
verdadera vida, el paso soñado "de la tierra al cielo”.

Veja mais em: <https://www.catedra.com/libro.php?codigo_comercial=141625>.

22
TÓPICO 1 | NARRADORES QUE MARCARAM A HISTÓRIA

O momento responsável pela mudança de destino dos personagens


ocorre quando falece o bebê de La Maga dentro do apartamento. Conforme a
edição Amorós, o autor cubano Lezama Lima afirmou que "no hay nada en la novela
que se pueda comparar a eso. El hijo de la Maga muere, y la conversación y la fiesta
continúan durante la noche, hasta que por fin la madre percibe la muerte de su hijo.
Cortázar, sin dramatismo, sin exageración, lo ha resuelto en una forma realmente difícil
y de calidad" (Cinco minutos, p. 56 apud CORTAZAR, 2013, p. 321). Oliveira não
assiste à cerimônia fúnebre do filho de La Maga, desaparece por muitos dias e
ao término da segunda parte, Oliveira retorna ao apartamento e não encontra
mais La Maga. Pende a dúvida se La Maga retornou ao Uruguay ou se cometeu
suicídio. Na segunda parte, “do lado de lá”, Oliveira regressa à Argentina, sem
conseguir esquecer La Maga.

Sem lugar a dúvidas, Rayuela é um livro bastante complexo e apresenta


uma nova forma de narrar a literatura. Trata-se de um clássico contemporâneo
que deve ser lido e relido por gerações de leitores, pois aborda o fazer literário de
forma inovadora e, assim, consagra-se como uma das grandes obras da literatura
hispano-americana do século XX.

23
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A literatura hispano-americana possui narradores de grande importância para


a história da literatura universal.

• A obra de Gabriel García Márquez é significativa quando pensamos questões


como a identidade latino-americana.

• A literatura de Jorge Luis Borges proporciona uma viagem pelo cânone


ocidental, apresentando ao leitor questões filosóficas, metafísicas e existenciais.

• A obra de Carlos Fuentes é caracterizada pela presença de elementos


sobrenaturais e de questões significativas que mimetizam a cena político-social
no México e na América Latina.

• O escritor argentino Julio Cortázar foi um dos autores mais inovadores do


século XX, apresentando uma nova forma de ler literatura e proporcionando
uma postura ativa do leitor.

24
AUTOATIVIDADE

1 Considerando o subtópico 2, sobre Gabriel García Márquez, assinale com V


as alternativas verdadeiras e com F as falsas.

a) ( ) A obra que catapultou a carreira de Gabriel García Márquez foi El amor


en los tiempos del cólera (1985).
b) ( ) O texto apresentado na Academia Sueca de Letras representa
unicamente a Colômbia da infância de Gabriel García Márquez.
c) ( ) Cien años de soledad narra a história das distintas gerações da família
Buendía.
d) ( ) Antonio Pigafetta foi um personagem criado por García Márquez para
elucidar seu discurso na ocasião de recebimento do Prêmio Nobel de
Literatura.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de respostas.

a) ( ) F, F, V, F
b) ( ) F, F, F, V
c) ( ) F, V, V, V
d) ( ) V, F, F, F
e) ( ) V, V, V, F

2 Considere o seguinte trecho retirado do livro Libro de Sueños, de Jorge Luis


Borges (2005, p. 125):
Cuando un dayako sueña que ha caído el agua piede al hechicero
que pesque al espíritu con una red de mano, lo meta en un
recipiente y se lo devuelva. Los santals cuentan del hombre que
se durmió y soñó tanta sed que su alma en forma de lagarto dejó
el cuerpo y se metió en una vasija para beber; pero el dueño de la
vasija lo tapó, y el hombre, impedido de recuperar su alma, murió.
Se preparaban para el entierro cuando alguien destapó la vasija y
el lagarto escapó, se reintegró al cadáver, y el muerto resucitó. Dijo
que había caído en un pozo en busca de agua y que había tenido
dificultades para volver; así lo entendieron todos. James George
Frazer, La Rama Dorada (1890).

A partir do que estudamos no subtópico 3, sobre Libro de sueños, de Jorge Luis


Borges, considere as seguintes afirmações:

I - Libro de sueños é uma compilação de textos de Borges e de outros autores


importantes para a história da literatura ocidental;
II - Borges jamais publicou textos poéticos em vida, sendo sua produção
poética reprodução da literatura feita por outros autores;
III - Libro de sueños aborda o sonho através da literatura e da cultura universal.

25
É correto o que se afirma em:

a) ( ) Apenas III
b) ( ) I, II e III
c) ( ) I e III
d) ( ) II e III
e) ( ) Apenas I

3 Observe atentamente o seguinte excerto retirado do conto Chac Mool, de


Carlos Fuentes (2013, p. 34):
Febrero, seco. Chac Mool vigila cada paso mío; me ha obligado
a telefonear a una fonda para que diariamente me traigan un
portaviandas. Pero el dinero sustraído de la oficina ya se va a
acabar. Sucedió lo inevitable: desde el día primero, cortaron el
agua y la luz por falta de pago. Pero Chac Mool ha descubierto
una fuente pública a dos cuadras de aquí; todos los días hago diez
o doce viajes por agua, y él me observa desde la azotea. Dice que
si intento huir me fulminará: también es Dios del Rayo. Lo que él
no sabe es que estoy al tanto de sus correrías nocturnas… Como no
hay luz, debo acostarme a las ocho. Ya debería estar acostumbrado
al Chac Mool, pero hace poco, en la oscuridad, me topé con él en la
escalera, sentí sus brazos helados, las escamas de su piel renovada
y quise gritar.

Considerando a leitura do subtópico 4, intitulado O sobrenatural e a história do


México em Carlos Fuentes, marque a alternativa correta:

a) ( ) O conto Chac Mool é narrado pelo personagem-título.


b) ( ) Chac Mool é um personagem completamente literário criado por
Carlos Fuentes, sem qualquer vínculo com o mundo real.
c) ( ) Chac Mool era o deus do fogo.
d) ( ) A história é conhecida através do diário de Filiberto.
e) ( ) Chac Mool se transforma em escravo de Filiberto.

26
UNIDADE 1
TÓPICO 2

O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO:


AUTORES SELECIONADOS

1 INTRODUÇÃO
A história das literaturas de língua espanhola possui diversos capítulos
marcados pela presença da poesia, do romance, do drama e também do ensaio.
Alguma vez você teve acesso a um texto ensaístico? O Ensaio é um gênero textual
no qual um determinado autor realiza análises, expõe críticas e ideias pessoais,
formadas acerca da obra de determinado autor, de um período específico ou de
um tema de sua preferência. Esta modalidade é bastante comum no âmbito dos
estudos literários, chegando em muitos casos a ter o seu próprio cânone crítico.

É bem verdade, estudante, que ao longo do tempo surgiram cronistas,


ensaístas e historiadores de peso. No mundo hispânico coexistem autores espanhóis
e hispano-americanos, cada qual debruçando-se sobre as literaturas de seus países e
abordando seus respectivos temas e problemas.

FIGURA 9 – A ESCRITA ENSAÍSTICA (GABRIEL MËTSU) 1664

FONTE: <https://en.wikipedia.org/wiki/File:Man_Writing_a_Letter_by_Gabri%C3%ABl_
Metsu.jpg>. Acesso em: 20 maio 2018.

27
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

No presente capítulo, você conhecerá nomes como Fray Bartolomé de


las Casas, Ramón Menéndez Pidal, José Ortega y Gasset, Antonio Cornejo Pollar
e Hugo Achugar. Conforme avancemos em cada um dos subtópicos seguintes,
poderemos contemplar o universo crítico e autorreflexivo dos textos produzidos
por estes pensadores.

2 FICÇÃO E NÃO FICÇÃO: OS PRIMEIROS ENSAÍSTAS:


CRISTÓVÃO COLOMBO E FRAY BARTOLOMÉ DE LAS CASAS

Na atualidade, o Ensaio é um tipo de texto bastante comum no âmbito


acadêmico. No campo da produção de cultura ocidental, com frequência nos
deparamos com ensaístas que muito têm a dizer sobre a produção de arte e cultura
em nossos tempos. Por se tratar de um gênero razoavelmente autocentrado na
percepção de alguém sobre algo, este gênero não possui regras bem estabelecidas
e muitas vezes suas características se confundem com a de outros gêneros textuais,
como o artigo e até mesmo a crônica.

Para começarmos nossa viagem pelo mundo dos ensaístas espanhóis e


latino-americanos, antes nos debruçaremos sobre dois tópicos: a origem do ensaio
e o esmaecimento das fronteiras deste com os outros gêneros.

A primeira vez que o termo "Ensaio" surgiu no âmbito de produção


intelectual foi através da pena do francês Michel de Montaigne (1533-1592)
quando o autor escreveu Ensaios, em 1597. Até então não havia uma alcunha
apropriada ao ato que já vinha ocorrendo como fenômeno intelectual. Em um dos
ensaios, Montaigne relata que teve um encontro com canibais levados do Brasil
para serem exibidos nas cortes francesas em torno de 1551.

Nestes primeiros textos, os autores expõem suas respectivas percepções


de mundo a respeito de algo que vivenciaram. Hans Ulrich Gumbrecht, filósofo
alemão, afirma em sua obra Modernização dos Sentidos que a invenção da imprensa e
a descoberta do continente americano sinalizam para o surgimento da subjetividade
– quando os produtores dos textos são capazes de reconhecer-se como parte
integrante daquilo a que estão descrevendo (GUMBRECHT, 1998).

28
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

FIGURA 10 – GRANDES NAVEGAÇÕES, POR FRANCIS DENT (1903)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Perez_and_Columbus,_or,_The_Franciscans_
in_America_-_by_Francis_Dent._(1903)_(14764802515).jpg>. Acesso em: 22 maio 2018.

Antes de o ensaio existir nas configurações da alcunha dada por


Montaigne, é de conhecimento disseminado que existiu um gênero muito comum
no século XVI: as narrativas de viagens. Alguma vez você leu a carta de Pero
Vaz de Caminha? Este é um dos primeiros documentos da história da literatura
brasileira e quando estudamos a literatura desde os seus primórdios, a carta com
frequência é abordada como o ponto de surgimento da literatura no Brasil. Este
tipo de documento foi tão importante que o crítico literário Alfredo Bosi afirma
que a Carta de Pero Vaz constituiu a nossa "autêntica certidão de nascimento"
(BOSI, 1997, p. 16).

Fato incontestável é que, no período das grandes navegações, a literatura


de viagem era comum. Constituía o modo como os viajantes encontravam meios
de levar notícias à corte, abordando acontecimentos presenciados in loco, pela
pessoa que redigiu a carta e presenciou os fatos ao vivo.

A essa altura você deve estar se questionando: como esse tipo de literatura
ocorreu no mundo hispânico, certo?

Voltemos ao ano 1492. Esta data lhe diz algo? Sim? Não? É a data de
descobrimento da América. Você certamente recordará das aulas de História e da
descoberta da América por Cristóvão Colombo, em uma viagem que visava achar
uma rota alternativa para as Índias.

29
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

FIGURA 11 – CRISTÓVÃO COLOMBO (EM 1519)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Portrait_of_a_Man,_Said_to_be_Christopher_
Columbus.jpg>. Acesso em: 22 maio 2018.

Logo após este acontecimento, ocorreu a colonização da América.


Atualmente, podemos dizer que este período gerou uma gama importantíssima de
conhecimento histórico, que hoje nos permite entender a mentalidade da época e
os fatos ocorridos no contato entre os nativos e os europeus.

Entre todas as pessoas que escreveram naquele período, podemos destacar


duas: o próprio Cristóvão Colombo (1491-1451) e o frei Bartolomé de las Casas
(1474-1566).

Sobre Colombo, é importante mencionar que foi através da pena do


descobridor que o Velho Mundo recebeu a notícia do descobrimento da América.
Assim, a carta de Colombo é tão importante para a América como um todo, assim
como a carta de Pero Vaz de Caminha o é para nós, brasileiros.

Alguma vez você já leu a carta de Colombo na íntegra? Trata-se de um


documento de grande valor histórico. Através dele podemos perceber como o
homem europeu daquele tempo se deparou com os nativos da terra e a impressão
que tiveram nestes primeiros encontros:

30
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

Trecho da Carta de Colombo ao Rei – neste trecho, o descobridor descreve


os nativos da terra encontrada

Señor, porque sé que habréis placer de la gran victoria que Nuestro


Señor me ha dado en mi viaje, vos escribo ésta, por la cual sabréis como en 33
días pasé de las islas de Canaria a las Indias con la armada que los ilustrísimos
rey y reina nuestros señores me dieron, donde yo hallé muy muchas islas
pobladas con gente sin número; y de ellas todas he tomado posesión por Sus
Altezas con pregón y bandera real extendida, y no me fue contradicho.

A la primera que yo hallé puse nombre San Salvador a conmemoración


de Su Alta Majestad, el cual maravillosamente todo esto ha dado; los Indios
la llaman Guanahaní; a la segunda puse nombre la isla de Santa María de
Concepción; a la tercera Fernandina; a la cuarta la Isabela; a la quinta la isla
Juana, y así a cada una nombre nuevo.

(…)

Ellos no tienen hierro, ni acero, ni armas, ni son para ello, no porque no


sea gente bien dispuesta y de hermosa estatura, salvo que son muy temeroso
a maravilla. No tienen otras armas salvo las armas de las cañas, cuando están
con la simiente, a la cual ponen al cabo un palillo agudo; y no osan usar de
aquellas; que muchas veces me ha acaecido enviar a tierra dos o tres hombres a
alguna villa, para haber habla, y salir a ellos de ellos sin número; y después que
los veían llegar huían, a no aguardar padre a hijo; y esto no porque a ninguno
se haya hecho mal, antes, a todo cabo adonde yo haya estado y podido haber
fabla, les he dado de todo lo que tenía, así paño como otras cosas muchas, sin
recibir por ello cosa alguna; mas son así temerosos sin remedio. Verdad es que,
después que se aseguran y pierden este miedo, ellos son tanto sin engaño y tan
liberales de lo que tienen, que no lo creería sino el que lo viese.

Ellos de cosa que tengan, pidiéndosela, jamás dicen de no; antes,


convidan la persona con ello, y muestran tanto amor que darían los corazones,
y, quieren sea cosa de valor, quien sea de poco precio, luego por cualquiera
cosica, de cualquiera manera que sea que se le dé, por ello se van contentos.
Yo defendí que no se les diesen cosas tan civiles como pedazos de escudillas
rotas, y pedazos de vidrio roto, y cabos de agujetas aunque, cuando ellos esto
podían llegar, les parecía haber la mejor joya del mundo; que se acertó haber un
marinero, por una agujeta, de oro peso de dos castellanos y medio; y otros, de
otras cosas que muy menos valían, mucho más; ya por blancas nuevas daban
por ellas todo cuanto tenían, aunque fuesen dos ni tres castellanos de oro, o
una arroba o dos de algodón filado.

31
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Hasta los pedazos de los arcos rotos, de las pipas tomaban, y daban lo
que tenían como bestias; así que me pareció mal, y yo lo defendí, y daba yo
graciosas mil cosas buenas, que yo llevaba, porque tomen amor, y allende de
esto se hagan cristianos, y se inclinen al amor y servicio de Sus Altezas y de toda
la nación castellana, y procuren de ayuntar y nos dar de las cosas que tienen
en abundancia, que nos son necesarias. Y no conocían ninguna seta ni idolatría
salvo que todos creen que las fuerzas y el bien es en el cielo, y creían muy firme
que yo con estos navíos y gente venía del cielo, y en tal catamiento me recibían
en todo cabo, después de haber perdido el miedo. Y esto no procede porque
sean ignorantes, y salvo de muy sutil ingenio y hombres que navegan todas
aquellas mares, que es maravilla la buena cuenta que ellos dan que de todo;
salvo porque nunca vieron gente vestida ni semejantes navíos.

FONTE: <http://www.culturandalucia.com/cartas%20de%20cristobal%20col%C3%B3n.
htm#Cartas%20de%20Col%C3%B3n>. Acesso em: 22 maio 2018.

Observe que na carta que Colombo escreveu ao Rei da Espanha podemos


perceber uma descrição personalíssima dos índios encontrados nas ilhas. Colombo
os descreve como pessoas dóceis, ignorantes e sem conhecimentos relevantes
para um europeu do seu tempo.

Colombo sinaliza que os filhos daquela terra não possuíam armas, ferro
e aço e que, a seu ver, não eram feitos para isso. Essa é a visão de Colombo ao
desembarcar nas primeiras ilhas. Fato conhecido historicamente é que, após
este contato inicial, houve um processo de tomada do novo mundo. E é neste
momento que surge a presença de um dos cronistas mais importantes do novo
mundo: o sevilhano frei Bartolomé de las Casas.

DICAS

Você pode ler na íntegra cada uma das três cartas escritas
por Cristóvão Colombo. Para fazê-lo, acesse o seguinte endereço:

<http://www.culturandalucia.com/cartas%20de%20cristobal%20
col%C3%B3n.htm>.

Você também pode fazê-lo através do encurtador de links, acessando:

<https://tinyurl.com/y9yyrb4e>.

32
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

DICAS

Estudante!

O filme 1492 – A conquista do paraíso, dirigido por Ridley Scott, e com trilha musical de Vangelis,
é uma superprodução que retrata a exploração da América por Colombo. Trata-se de um
clássico do cinema, de caráter referencial quando mencionamos este assunto. Você já assistiu?
Não? Então procure mais sobre.

1492 – A conquista do paraíso. Direção: Ridley Scott. Produção: Ridley Scott, Alain Goldman.
Roteiro: Roselyne Bosch. Estados Unidos da América, 1992, 2h34min. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt0103594/>. Acesso em: 10 ago. 2018.

Mas quem foi, afinal, de las Casas? Na história da literatura hispano-


americana, Bartolomé de las Casas se destaca por ter sido um dos primeiros
narradores das viagens empreendidas pelos espanhóis no novo mundo.

Na época da colonização, o frei acompanhou diversas missões e descreveu


tudo em suas crônicas de viagens, as conhecidíssimas Brevísima relación de la
destrucción de las Indias. As crônicas do frei sevilhano entraram para a história da
literatura como um dos relatos de caso mais sangrentos de que se tem notícia.

FIGURA 12 – BARTOLOMÉ DE LAS CASAS

FONTE: <http://www.historiadelnuevomundo.com/wp-content/uploads/2018/02/bartolome-
de-las-casas.jpg>. Acesso em: 29 ago. 2018.

33
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Em suas crônicas, de las Casas descreve um verdadeiro cenário de horror,


denunciando a brutalidade dos espanhóis no trato com os nativos da América.
Trata-se de uma compilação de textos de inegável valor histórico, textos com
descrições que chocariam até mesmo o mais insensível espectador contemporâneo
de filmes de horror.

Relato de Fray Bartolomé de las Casas sobre a invasão de Nueva


España, Pánuco e Jalisco
Entre otros muchos hizo herrar por esclavos injustamente, siendo
libres como todos lo son, cuatro mil y quinientos hombres y mujeres
y niños de un año a las tetas de las madres, y de dos y tres y cuatro
y cinco años, aun saliéndole a recibir de paz, sin otros infinitos que
no se contaron. Acabadas infinitas guerras inicuas e infernales y
matanzas en ellas que hizo, puso toda aquella tierra en la ordinaria
y pestilencial servidumbre tiránica, que todos los tiranos cristianos
de las Indias suelen y pretenden poner a aquellas gentes. En la cual
consintió hacer a sus mismos mayordomos y a todos los demás
crueldades y tormentos nunca oídos por sacar a los indios oro y
tributos.
Mayordomo suyo mató muchos indios ahorcándolos y quemándolos
vivos y echándolos a perros bravos y cortándoles pies y manos y
cabezas y lenguas, estando los indios de paz, sin otra causa alguna
más de por amedrentallos, para que le sirviesen y diesen oro y
tributos, viéndolo y sabiéndolo el mismo egregio tirano, sin muchos
azotes crueles y palos y bofetadas y otras especies de crueldades que
en ellos hacían cada día y cada hora ejercitaban.
Dícese dél que ochocientos pueblos destruyó y abrasó en aquel reino
de Jalisco, por lo cual fue causa que de desesperados (viéndose todos
los demás tan cruelmente perecer) se alzasen y fuesen a los montes
y matasen muy justa y dignamente algunos españoles. Y después,
con las injusticias y agravios de otros modernos tiranos que por allí
pasaron para destruir otras provincias, que ellos llaman descubrir,
se juntaron muchos indios haciéndose fuertes en ciertos peñones, en
los cuales ahora de nuevo han hecho en ellos tan grandes crueldades
que cuasi han acabado de despoblar y asolar toda aquella gran tierra,
matando infinitas gentes (DE LAS CASAS, 2006, p. 86-87).

Se, em meados de 1500, Bartolomé de las Casas nos oferece um estilo


de ensaio muito próximo a uma crônica de viagem, séculos depois – mais
especificamente no século XIX – surge um dos maiores historiadores e ensaístas
da literatura espanhola de todos os tempos: Ramón Menéndez Pidal.

3 RAMÓN MENÉNDEZ PIDAL E A HISTÓRIA DA LITERATURA

Ramón Menéndez Pidal nasceu en La Coruña em 1869. Atualmente se


reconhece Menéndez Pidal como um dos maiores medievalistas de todos os
tempos. Ao longo de sua vida, o autor se dedicou ao estudo da literatura espanhola
do período medieval, realizando estudos importantes sobre obras como El Cantar
de Mio Cid, Don Quijote de la Mancha, o códice de San Pedro de Cardeña e outros.

34
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

Hoje, ao lançarmos um olhar sobre a literatura espanhola do período


medieval, não cabe lugar a dúvidas de que a obra de Menéndez Pidal é um marco
de referência para ajudar-nos na compreensão de tópicos importantes.

DICAS

Você pode encontrar alguns ensaios de Menéndez Pidal diretamente no website


da Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. O material é disponibilizado gratuitamente e pode ser
visualizado em pdf.

Para acessar, visite: <http://www.cervantesvirtual.com/obras/autor/menendez-pidal-ramon-


1869-1968-2391>.

O website oficial da Fundación Menéndez Pidal também possibilita ao usuário o acesso a


parte da obra do autor.

Visite: <http://www.fundacionramonmenendezpidal.org/index.php/publicaciones/obras-
digitalizadas>.

Na figura a seguir, um registro de Menéndez Pidal e María Goyri fazendo


o caminho de El Cid, em 1920.

35
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

FIGURA 13 – MENÉNDEZ PIDAL E MARÍA GOYRI

FONTE: <http://www.fundacionramonmenendezpidal.org/images/Mz_Pidal_y_Mar_a_Goyri.
jpg>. Acesso em: 24 maio 2018.

Observe o ensaio escrito por Menéndez Pidal sobre os dados biográficos


relativos ao primeiro grande herói espanhol, Mio Cid:

Año y lugar del nacimiento del Cid

Designado por el señor Director de la Academia para redactar el informe


pedido en R.O del Ministerio de Instrucción Pública con ocasión de un reciente
proyecto de Centenario del nacimiento del Cid, tengo el honor de someter a la
Academia la siguiente constatación:

No hay dato alguno que permita fijar la fecha ni el lugar de nacimiento


de Rodrigo Diáz el Campeador. Nada dice sobre el particular la crónica especial
consagrada al héroe, Historia Roderici Campidocti, obra muy poco posterior a
la muerte del mismo; tampoco dicen nada los historiadores árabes coetáneos.
Este silencio obedece a los hábitos corrientes de la historiografia de entonces: las
crónicas de la época nunca se preocupan de expresar el día del nacimiento de
los reyes más famosos; los personajes interesan tan sólo desde el momento que
empiezan a realizar hechos notables.

36
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

De otra parte, los diplomas y otras memorias de aquel tiempo rarísima


vez consignan datos genealógicos, y nunca fijan el año de nacimiento. Por
tanto, sólo conjeturalmente se puede adoptar una fecha.

El padre Barganza, en 1719, fijó el año 1026 para el nacimiento del Cid.
Pero esa fecha fue ya convencida de falsa por el padre Risco, en 1792, a la luz del
entonces reciente descubrimiento de la mencionada Historia Roderici, único
texto autorizado para los primeros años de la vida del héroe. Este texto nos
asegura que el Cid era aún muy joven al empezar a reinar Sancho II, en 1066.

Por esta razón, Malo de Molina, en 1857, se limita a decir que el


nacimiento del Cid hubo de ocurrir entre los años 1040 y 1050.

Podíamos llegar a una menor vaguedad fijándonos en que, según la


Historia Roderici, Sancho II armó caballero al Cid y le llevó consigo a la batalla
de Graus. Esta batalla ocurrió el año 1063 y no hay razón para negar, como
quieren el padre Moret, Malo de Molina y Dozy, la participación en ella de
Sancho II, porque éste en 1063 aun no fuese rey sino sólo infante: en contra
de este reparo, basta recordar que antes de la muerte de Fernando I, su hijo
se titulaba rey. La Historia Roderici es digna de fe y el Cid, por tanto, se halló
en Graus como caballero novel. Ahora bien, dado que entonces los jóvenes
se solian armar caballeros entre los quince y ventiún años, el Cid pudo nacer
entre 1041 y 1047, que nos da veinte años como edad del Cid en la mencionada
batalla de Graus.

Respecto al lugar de nacimiento de Rodrigo Diaz, tampoco hay ninguna


indicación documental pero el calificativo de Vivar que desde antiguo lleva el
Campeador, hace casi seguro el que esa aldea burgalesa fue su pueblo nativo.

Madrid, 25 de julio de 1926.

R. Menéndez Pidal.
FONTE: <http://www.cervantesvirtual.com/obras/autor/menendez-pidal-
ramon-1869-1968-2391>.

37
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

DICAS

Você conhece?

El Cantar de Mio Cid ou Poema de Mio Cid é um dos textos mais


importantes da literatura espanhola. Trata-se de uma epopeia na qual
narram-se os feitos e as virtudes de Rodrigo Diaz de Vivar, el Campeador.
Conhecido como Mio Cid, o personagem – supostamente histórico
– reúne em seu arquétipo heroico características como a justiça, a
dignidade, a bravura e a compaixão.

FONTE: <https://mistrabajosdebatxi.files.wordpress.com/2016/10/
mio-cid.jpg>. Acesso em: 24 maio 2018.

Perceba que no texto Año y lugar del nacimiento del Cid, o autor galego afirma
não haver prova documental do ano de nascimento e tampouco do lugar onde
supostamente nasceu o herói medieval Rodrigo Diaz de Vivar. Em decorrência
do fato da obra El Mio Cid se tratar de um clássico da literatura espanhola
e considerando a importância de Menéndez Pidal enquanto medievalista e
estudioso do tema, o texto acima reproduzido na íntegra possui inegável valor
histórico-documental.

Além do caso de Mio Cid, um fato interessante da biografia de


Menéndez Pidal é o livro El Padre Las Casas: su doble personalidad. O livro trata
exclusivamente do frei Bartolomé de las Casas, visto anteriormente nesta unidade.
Na obra, Menéndez Pidal se interessa com afinco pela história do padre narrador,
descrevendo-o em diversos momentos como um sujeito paranoico dotado de uma
dupla personalidade. O livro, com 456 páginas, constitui um interessante estudo
sobre um dos ícones mais significativos da história da literatura espanhola.

NOTA

Sobre o estudo El padre las Casas: su doble personalidade,


observe o que diz o resumo da obra no informativo da Casa del Libro:

Don Ramón Menéndez Pidal, en 1940, comenzó a interesarse por Fray


Bartolomé de las Casas, con motivo de tratar de América y Carlos V.
Su primera impresión fue adversa respecto a Las Casas, al comprobar
su “intenso y monótono apasionamiento”, siempre violento en acusar
a conquistadores y encomenderos, siempre melifluo en “exaltar a los
indios”. En 1956, trató del Padre Victoria y de Las Casas y comprobó
que la por él calificada de “grave iniquidad” del dominico no era “una
falta moral, sino intelectual”, lo que aclaró por completo en 1957, al
examinar documentación fehaciente. Desde entonces, su interés por

38
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

el problema lascasiano se vio impulsado por la falta de crítica en las biografías del fraile,
debido a las circunstancias en que se había formado y propagado su fama póstuma, nunca
fundada en la Historia del descubrimiento de las Indias y en la Apologética de los indios,
pues se editaron en 1875 y 1909. La fama de Las Casas se debía al opúsculo Destruición
de las Indias, impreso en Sevilla en 1552, traducido a seis idiomas en más de cincuenta
ediciones y aplaudido con entusiasmo por ser denigrante para España y porque servía como
propaganda antiespañola, tanto a los promotores del enfrentamiento en los Países Bajos
como a potencias enemigas en la guerra de los Treinta años. La propaganda antiespañola
se fundaba en el opúsculo Destruición de las Indias al que Don Ramón Menéndez Pidal no
da valor alguno como fuente informativa para la historia, por la imprecisión de los datos que
ofrece y por haber sido escrito sólo con el fin de mostrar que los españoles no habían hecho
otra cosa en América que robar, destruir, atormentar y matar millones y millones de indios.
Cuando escribió Don Ramón Menéndez Pidal el libro que hoy se reedita, La Destrucción de
las Indias de Las Casas, con algunos fragmentos de otros folletos, era –y continúa siendo
hoy- el único fundamento de la fama mundial de Fray Bartolomé, acrecentada al erigirlo
en apóstol los independistas americanos en el primer cuarto del siglo XIX. Con esa fama
continúa hoy. Don Ramón Menéndez Pidal escribió el libro que hoy reedita la Real Academia
de la Historia con el fin de contribuir a esclarecer lo que era de verdad esta obra de Las Casas
y colaborar así a que se formulara una valoración objetiva de las versiones del dominico.
No lo consiguió, porque este libro de Menéndez Pidal, editado en 1963, se recibió con el
silencio de quienes habrían de rebatir las afirmaciones que en él se hacen, silencio que
continúa en nuestros días, como prueba el hecho de que nunca se haya reeditado.

MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. El padre las Casas: su doble personalidad. Madrid: Real Academia
de la Historia, 2012. Disponível em:<https://www.casadellibro.com/libro-el-padre-las-casas-
su-doble-personalidad/9788415069539/2131616>.

4 JOSÉ ORTEGA Y GASSET E A FILOSOFIA


Contemporâneo de Menéndez Pidal, José Ortega y Gasset nasceu em 1883
em Madrid. Considerado um dos filósofos espanhóis mais importantes, Ortega
y Gasset exerceu com maestria a arte do ensaio e deixou uma obra ensaística
riquíssima. Seu primeiro livro, intitulado Meditaciones del Quijote (1914), serviu
como uma espécie de base para ideias que o autor desenvolveu posteriormente
em outras de suas obras. Na época de seu lançamento, o livro não obteve grande
êxito, mas hoje, no contexto de toda uma produção intelectual relevante, a obra
recebe um grande apreço por parte da crítica e também dos leitores.

FIGURA 14 – JOSÉ ORTEGA Y GASSET

FONTE:<https://amenteemaravilhosa.com.br/wp-content/uploads/2018/02/fotografia-orteg
a-y-gasset-1024x576.jpg>. Acesso em: 25 maio 2018.

39
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

A obra de Ortega y Gasset é importante porque nos mostra um interessante


processo sinérgico entre a filosofia e a literatura nas letras hispânicas, tudo isso
manifestado no ensaio. O trecho que você lerá a seguir constitui um dos textos
mais lidos e relidos do autor madrilenho:
El hombre rinde el máximum de su capacidad cuando adquiere la plena
conciencia de sus circunstancias. Por ellas comunica con el universo.
¡La circunstancia! ¡Circum-stantia! ¡Las cosas mudas que están en
nuestro próximo derredor! Muy cerca, muy cerca de nosotros levantan
sus tácitas fisonomías con un gesto de humildad y de anhelo, como
menesterosas de que aceptemos su ofrenda y a la par avergonzadas
por la simplicidad aparente de su donativo. Y marchamos entre ellas
ciegos para ellas, fija la mirada en remotas empresas, proyectados
hacia la conquista de lejanas ciudades esquemáticas. Pocas lecturas me
han movido tanto como esas historias donde el héroe avanza raudo y
recto, como un dardo, hacia una meta gloriosa, sin parar mientes que
va a su vera con rostro humilde y suplicante la doncella anónima que
le ama en secreto, llevando en su blanco cuerpo un corazón que arde
por él, ascua amarilla y roja donde en su honor se queman aromas.
Quisiéramos hacer al héroe una señal para que inclinara un momento
su mirada hacia aquella flor encendida de pasión que se alza a sus
pies. Todos, en varia medida, somos héroes y todos suscitamos en
torno humildes amores (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 9-10).

Percebemos, nesse trecho, a máxima de que o homem é o resultado de suas


circunstâncias. Para Ortega y Gasset (2005), as situações que conformam a vida de
cada indivíduo são potencialmente importantes no processo de comunicação do
homem com o mundo. A plena consciência de quem se é e do que se tem em volta,
em instância última, pode ser entendida como a maior riqueza do ser humano. No
pensamento do filósofo espanhol, é enigmática a imagem do herói literário que
se dirige ao seu objetivo final e, ao mesmo tempo, é incapaz de observar o olhar
da donzela anônima que tanto o ama em segredo. Ortega y Gasset nos lembra
que todos nós somos heróis e que é necessário cercar-se de humildes amores. Esta
metáfora diz mais sobre nossa relação com o mundo do que da relação amorosa
do homem em si: quando nos realizamos e nos conectamos com quem somos,
podemos alcançar a plenitude através da admiração que suscitamos no outro.

DICAS

A edição crítica do livro Meditaciones del Quijote, da


editora espanhola Cátedra, é uma das mais completas
disponíveis no mercado editorial.

Por se tratar de uma edição crítica a cargo de Julián Marías, a obra


possui notas de rodapé e considerações importantes que situam
o leitor no âmbito do ensaio do pensador espanhol e da proposta
filosófica deste.

40
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

Atualmente podemos encontrar a obra completa do autor, que legou


uma vasta produção, reunida em publicações das editoras espanholas Alianza
Editorial, Taurus e Santillana Ediciones. A obra completa abrange um total de dez
tomos, que abarcam os anos de 1902 até 1955.

5 A HETEROGENEIDADE EM ANTONIO CORNEJO POLAR


No âmbito da literatura hispano-americana, surgiram críticos literários
que se propuseram a interpretar e compreender os processos culturais envolvidos
na produção literária. Entre tantos críticos importantes – como Nestor García
Canclini, Angel Rama, Roberto Fernández Retamar e tantos outros –, cabe
mencionar a obra de Antonio Cornejo Polar. As razões que alçam Polar ao
reconhecimento se devem pela relevância do pensamento do autor, equiparado
– em nível de América Latina – a nomes como Antonio Candido, Ángel Rama e
Beatriz Sarlo.

Mas quem foi Antonio Cornejo Polar? O autor nasceu em Arequipa


(Peru) em 1936. Ao longo de sua brilhante trajetória, Polar foi professor e reitor
da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, uma das universidades latino-
americanas de maior prestígio, e também teve incursões em universidades
estadunidenses, atuando como professor visitante na Universidade de Pittsburgh,
na Universidade de Berkeley e também na Universidade Central da Venezuela.

FIGURA 15 – ANTONIO CORNEJO POLAR

FONTE: <http://www.casadelaliteratura.gob.pe/wp-content/uploads/2016/07/
AntonioCornejoPolarHermanSchwarz.jpg>. Acesso em: 25 maio 2018.

Ao se debruçar sobre a literatura peruana, o teórico atingiu um nível


analítico tão acurado que na atualidade importantes críticos reconhecem o
trabalho de Cornejo Polar como essencial para a compreensão da realidade
latino-americana. O principal contributo teórico-analítico trazido pelas mãos de

41
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Cornejo Polar é o conceito de heterogeneidade. A heterogeneidade – marcada


pela presença forte do prefixo grego ἕτερος [héteros], que significa diferente
– constitui, em linhas gerais, o encontro do colonizador com o nativo andino
em primeira instância e latino-americano em um aporte geral. O choque entre
o colonizador e as populações indígenas, negras e mestiças resulta na fusão que
dará a tônica de toda uma produção de cultura na América Latina. De acordo com
Raúl Bueno (2013, p. 19-20), em seu texto Sobre la heteroneidad literaria y cultural en
América Latina:
En contraste con las otras categorías acá consideradas, como
transculturación, mestizaje, diversidad, alternatividad o hibridez,
que aluden a procesos meramente culturales o raciales, el concepto
de heterogeneidad refiere a los procesos históricos que arraigan en
la base misma de las diferencias sociales, culturales, literarias, etc,
de la realidad latinoamericana. Incluso, en la base de las diferencias
culturales y raciales que funcionan como establecedoras de clases en
América Latina: el indio, el negro, el mestizo. La heterogeneidad es
además el futuro más visible de América Latina. Quinientos años de
choque cultural no han hecho más que añadir diversidad y conflicto
a la heterogeneidad de base. Seamos claros: la diversidad no va a
desaparecer de la noche a la mañana. Y es más: ahora resulta que
tampoco queremos que desaparezca, pues es parte de nuestra riqueza
cultural y base imprescindible de nuestro futuro.

A heterogeneidade, enquanto conceito, surge como uma proposta que visa


expandir o pensamento crítico da época. O próprio Cornejo Polar, ao longo de
sua obra, reflete sobre o alcance insuficiente de conceitos como "transculturación",
cunhado pelo antropólogo cubano Fernando Ortíz.

FIGURA 16 – INDÍGENA PERUANA

FONTE: <https://pixabay.com/pt/peru-mulher-of%C3%ADcio-peruana-latim-1146200/>.
Acesso em: 25 maio 2018.

42
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

DICAS

Você pode conhecer mais sobre a obra de Antonio


Cornejo Polar através das recentes compilações de textos lançadas
pelo Fondo Editorial de la Asamblea Nacional de Rectores, do Peru:

CORNEJO POLAR, Antonio. Crítica de la razón heterogénea. Textos


esenciales (I). Lima: Fondo Editorial de la Asamblea Nacional de
Rectores, 2013.

CORNEJO POLAR, Antonio. Crítica de la razón heterogénea. Textos


esenciales (II). Lima: Fondo Editorial de la Asamblea Nacional de
Rectores, 2013.

Para compreender o pensamento de Antonio Cornejo Polar, é necessário


abrir-se a uma abordagem crítico-literária que busca nas raízes da América Latina
as variáveis que conformam o presente e delineiam o futuro dos povos que se
desenvolveram sobre esta terra. No próximo subtópico, viajaremos do Peru para
o Uruguai na crítica literária de Hugo Achugar.

6 HUGO ACHUGAR E A CONTEMPORANEIDADE


Hugo Achugar é outro ensaísta hispano-americano de valor reconhecido
para o pensamento crítico-literário latino-americano. Nascido em Montevideo
em 1944, Achugar foi exilado na Venezuela e nos Estados Unidos após o golpe
de estado de 1973 no Uruguai. Após retornar ao seu país, Achugar foi professor
de Literatura Latino-americana na Universidad de la República e também foi
ministro da Educação de seu país.

FIGURA 17 – HUGO ACHUGAR

FONTE: <https://www.revistafilm.com/wp-content/uploads/2016/06/hugo-achugar-1050x701.
jpg>. Acesso em: 24 maio 2018.

43
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

Diferentemente de Cornejo Polar, o pensamento de Achugar se direciona


para questões ligadas à cultura, à modernidade, à literatura e aos fenômenos
próprios do nosso tempo-espaço. Um dos seus livros mais reconhecidos é
Planetas sin bocas: escritos efímeros sobre arte, cultura y literatura, de 2004.
Neste livro, Achugar aborda desde autores como Borges e Victor Hugo até
temas que se encontram no cerne do pensamento moderno, como a pós-
modernidade, as políticas de memória, o cosmopolitismo, a globalização, os
monumentos históricos, independências e Estados-nação na América Latina.
São tópicos variados que se segmentam em duas partes (Espaços Incertos e
Representações da nação).

DICAS

Estudante! Convidamos você a assistir à entrevista que Hugo Achugar


concedeu ao Café Literário do Uruguai.

Para ver, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=xr-_aPqVL-E>.

Em seu texto intitulado Sobre el balbuceo teórico latinoamericano, Achugar


(2006, p. 29) efetiva uma ferrenha crítica à pretensão universalista do pensamento
latino-americano:

El sujeto social piensa o produce conocimiento desde su "historia


local", es decir, desde el modo en que "lee" o "vive" la "historia local" en
virtud de sus obsesiones y del horizonte ideológico en que está situado.
La "historia local" desde la que el presente trabajo está escrito tiene que
ver con concretos intereses locales que no tienen valor universal y que
no pueden - ni éstos, ni otros - ser propuestos como válidos para toda
América Latina y quizás menos todavía para ese conjunto que algunos
llaman "las Américas".

44
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

DICAS

Você sabia?

O livro Planetas sin bocas ganhou uma tradução em português pela


editora da UFMG no ano de 2006. Com tradução de Lyslei Nascimento,
o livro congrega os 18 ensaios originalmente publicados em espanhol.

Referência:

ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca. Escritos efêmeros sobre arte,


cultura e literatura. Belo Horizonte: Humanitas, 2006.

No âmbito teórico do pensamento latino-americano, Hugo Achugar


acrescenta ânimo ao debate intelectual ao trazer discussões pertinentes,
problematizando questões até então não pensadas por seus antecessores.

45
UNIDADE 1 | A NARRATIVA E O ENSAIO EM ESPANHOL: AS BASES E O CONTEMPORÂNEO

LEITURA COMPLEMENTAR

DE LA ISLA DE CUBA

Fray Bartolomé de las Casas

El año de mil y quinientos y once pasaron a la isla de Cuba, que es como


dije tan luenga como de Valladolid a Roma (donde había grandes provincias
de gentes), comenzaron y acabaron de las maneras susodichas y mucho más y
más cruelmente. Aquí acaecieron cosas muy señaladas. Un cacique y señor muy
principal, que por nombre tenia Hatuey, que se había pasado de la isla Española
a Cuba con mucha gente por huir de las calamidades y inhumanas obras delos
cristianos, y estando en aquella isla de Cuba, y dándole nueva s ciertos indios,
que pasaban a ella los cristianos, juntó mucha de toda su gente y díjoles: "Ya
sabéis cómo se dice que los cristianos pasan acá, y tenéis experiencia cuáles han
parado a los señores fulano y fulano y fulano; y aquellas gentes de Haití (que es la
Española) lo mismo vienen a hacer acá. ¿Sabéis quizá por qué lo hacen?" Dijeron:
"No; sino porque son de su naturaleza crueles y malos." Dice él: "No lo hacen por
sólo eso, sino porque tienen un dios a quien ellos adoran y quieren mucho y por
haberlo de nosotros para lo adorar, nos trabajan de sojuzgar y nos matan." Tenía
cabe sí una cestilla llena de oro en joyas y dijo: "Veis aquí el dios de los cristianos;
hagámosle si os parece areítos (que son bailes y danzas) y quizá le agradaremos
y les mandará que no nos hagan mal." Dijeron todos a voces: "¡Bien es, bien es!"
Bailáronle delante hasta que todos se cansaron. Y después dice el señor Hatuey:
"Mira, como quiera que sea, si lo guardamos, para sacárnoslo, al fin nos han de
matar; echémoslo en este río." Todos votaron que así se hiciese, y así lo echaron
en un río grande que allí estaba.

Este cacique y señor anduvo siempre huyendo de los cristianos desque


llegaron a aquella isla de Cuba, como quien los conocía, y defendíase cuando los
topaba, y al fin lo prendieron. Y sólo porque huía de gente tan inicua y cruel y se
defendía de quien lo quería matar y oprimir hasta la muerte a sí y toda su gente
y generación, lo hubieron vivo de quemar. Atado a un palo decíale un religioso
de San Francisco, santo varón que allí estaba, algunas cosas de Dios y de nuestra
fe (el cual nunca las había jamás oído), lo que podía bastar aquel poquillo tiempo
que los verdugos le daban, y que si quería creer aquello que le decía iría al cielo,
donde había gloria y eterno descanso, y si no, que había de ir al infierno a padecer
perpetuos tormentos y penas. Él, pensando un poco, preguntó al religioso si iban
cristianos al cielo. El religioso le respondió que sí, pero que iban los que eran buenos.
Dijo luego el cacique, sin más pensar, que no quería él ir allá, sino al infierno, por
no estar donde estuviesen y por no ver tan cruel gente. Esta es la fama y honra que
Dios y nuestra fe ha ganado con los cristianos que han ido a las Indias.

Una vez, saliéndonos a recibir con mantenimientos y regalos diez leguas


de un gran pueblo, y llegados allá, nos dieron gran cantidad de pescado y pan y
comida con todo lo que más pudieron; súbitamente se les revistió el diablo a los

46
TÓPICO 2 | O ENSAIO ESPANHOL E LATINO-AMERICANO: AUTORES SELECIONADOS

cristianos y meten a cuchillo en mi presencia (sin motivo ni causa que tuviesen)


más de tres mil ánimas que estaban sentados delante de nosotros, hombres y
mujeres y niños. Allí vi tan grandes crueldades que nunca los vivos tal vieron ni
pensaron ver.

Otra vez, desde a pocos días, envié yo mensajeros, asegurando que no


temiesen, a todos los señores de la provincia de la Habana, porque tenían por
oídas de mi crédito, que no se ausentasen, sino que nos saliesen a recibir, que
no se les haría mal ninguno (porque de las matanzas pasadas estaba toda la
tierra asombrada), y esto hice con parecer del capitán; y llegados a la provincia
saliéronnos a recibir veinte y un señores y caciques, y luego los prendió el capitán,
quebrantando el seguro que yo les había dado, y los quería quemar vivos otro día
diciendo que era bien, porque aquellos señores algún tiempo habían de hacer
algún mal. Vime en muy gran trabajo quitarlos de la hoguera, pero al fin se
escaparon.

Después de que todos los indios de la tierra desta isla fueron puestos
en la servidumbre y calamidad de los de la Española, viéndose morir y perecer
sin remedio, todos comenzaron a huir a los montes; otros, a ahorcarse de
desesperados, y ahorcábanse maridos y mujeres, y consigo ahorcaban los hijos; y
por las crueldades de un español muy tirano (que yo conocí) se ahorcaron más de
doscientos indios. Pereció desta manera infinita gente.

Oficial del rey hubo en esta isla que le dieron de repartimiento trescientos
indios y a cabo de tres meses había muerto en los trabajos de las minas los
docientos y setenta, que no le quedaron de todos sino treinta, que fue el diezmo.
Después le dieron otros tantos y más, y también los mató, y dábanle más y más
mataba, hasta que se murió y el diablo le llevó el alma. En tres o cuatro meses,
estando yo presente, murieron de hambre, por llevarles los padres y las madres a
las minas, más de siete mil niños. Otras cosas vi espantables.

Después acordaron de ir a montear los indios que estaban por los montes,
donde hicieron estragos admirables, y así asolaron y despoblaron toda aquella
isla, la cual vimos ahora poco ha y es una gran lástima y compasión verla yermada
y hecha toda una soledad.

Fué impresa la presente obra en la muy noble y muy leal


ciudad de Sevilla, en casa de Sebastián Trujillo, impresor de
libros. A nuestra señora de Gracia. Año de MDLII.
FONTE: LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Antioquia:
Universidad de Antioquia, 2011. p. 35-41. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.
com/descargaPdf/brevisima-relacion-de-la-destruccion-de-las-indias/>. Acesso em: 12
set. 2018.

47
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Atualmente reconhecemos os nomes de Cristóvão Colombo e Fray Bartolomé


de las Casas como narradores relevantes da descoberta da América.

• As literaturas de viagens constituíam o modo que os viajantes encontravam


de levar notícias à corte, abordando acontecimentos presenciados in loco pela
pessoa que redigiu a carta e presenciou os fatos ao vivo.

• Ramón Menéndez Pidal foi um medievalista que trouxe à luz questões


elucidativas em relação a textos e personagens históricos, como El Cid.

• Ortega y Gasset mostra um interessante processo sinérgico entre a filosofia e a


literatura nas letras hispânicas.

• A heterogeneidade, enquanto conceito, surge como uma proposta que visa


expandir o pensamento crítico sobre a literatura latino-americana do século XX.

• O pensamento de Achugar se direciona para questões variadas ligadas à cultura,


à modernidade, à literatura e aos fenômenos próprios do nosso tempo-espaço.

48
AUTOATIVIDADE

1 Associe cada um dos seguintes autores a sua devida característica:

1 - Ramón Menéndez Pidal


2 - Antonio Cornejo Polar
3 - Ortega y Gasset
4 - Hugo Achugar
5 - Frei Bartolomé de las Casas

( ) Literatura de viagens
( ) Cultura contemporânea e modernidade
( ) Heterogeneidade
( ) Ensaio filosófico
( ) Medievalismo

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) ( ) 1, 4, 3, 2, 5
b) ( ) 5, 2, 4, 1, 3
c) ( ) 1, 3, 4, 2, 5
d) ( ) 5, 4, 2, 3,1
e) ( ) 4, 1, 3, 2, 5

2 Considere o seguinte recorte do texto de Frei Bartolomé de las Casas:

Mayordomo suyo mató muchos indios ahorcándolos y quemándolos vivos y


echándolos a perros bravos y cortándoles pies y manos y cabezas y lenguas,
estando los indios de paz, sin otra causa alguna más de por amedrentallos,
para que le sirviesen y diesen oro y tributos, viéndolo y sabiéndolo el mismo
egregio tirano, sin muchos azotes crueles y palos y bofetadas y otras especies de
crueldades que en ellos hacían cada día y cada hora ejercitaban (2006, p. 86-87)

Sobre o trecho referido, assinale com V as alternativas verdadeiras e com F as falsas:

a) ( ) O texto faz parte de uma criação ficcional idealizada por Bartolomé de


las Casas.
b) ( ) O relato de las Casas foi reconhecido pela história pelo seu valor
documental.
c) ( ) O texto narra a tomada e a destruição da América.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de respostas.

a) ( ) V, V, V
b) ( ) V, F ,F
c) ( ) F, V, V
d) ( ) F, F ,F

49
3 Considere a seguinte afirmação de Hugo Achugar (2006, p. 29):

El sujeto social piensa o produce conocimiento desde su "historia local", es


decir, desde el modo en que "lee" o "vive" la "historia local" en virtud de
sus obsesiones y del horizonte ideológico en que está situado. La "historia
local" desde la que el presente trabajo está escrito tiene que ver con concretos
intereses locales que no tienen valor universal y que no pueden – ni éstos, ni
otros – ser propuestos como válidos para toda América Latina y quizás menos
todavía para ese conjunto que algunos llaman "las Américas".

É correto o que se afirma em:

a) ( ) Achugar constata a ausência de uma crítica focada nas Américas como


um todo.
b) ( ) O autor defende que deve-se realizar uma crítica literária universalista.
c) ( ) Achugar realiza uma crítica à pretensão universalista de tornar a
crítica literária local em algo representativo das Américas.
d) ( ) A história local deve representar a história social de todos os povos.
e) ( ) O autor defende que haja espaço no âmbito do campo de produção
intelectual para que o local se projete como macrogeográfico.

50
UNIDADE 2

A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O


CÂNONE E O ATUAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as origens da lírica castelhana;

• observar obras importantes da literatura medieval, especificamente as


pertencentes ao gênero poesia de debate, nomeadamente Razón de Amor,
Diálogo de Elena y María e Alma y el cuerpo;

• estudar a importância da poesia religiosa, manifestada em Gonzalo de


Berceo, com seus Milagros de Nuestra Señora;

• conhecer a diversidade de temas na poesia hispânica, ao longo do tempo,


através de autores escolhidos, como Gustavo Adolfo Bécquer, Pablo
Neruda e Alejandra Pizarnik;

• observar momentos importantes na poesia realizada na Espanha e na


América Latina;

• ler a poesia de autores que foram importantes em seus respectivos campos


literários, como Rosalía de Castro, José Hernández, Antonio Machado e
Miguel de Unamuno.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você
terá atividades para ajudá-lo a refletir sobre os assuntos abordados.

TÓPICO 1 – A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: UMA PRIMEIRA


APROXIMAÇÃO

TÓPICO 2 – A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE POÉTICA

TÓPICO 3 – RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO HISPÂNICO: LÁ E CÁ

51
52
UNIDADE 2
TÓPICO 1

A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:


UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
A lírica em língua espanhola remonta ao período medieval, um momento
embrionário no qual ainda não havia uma tradição estabelecida e nem a
consciência evolutiva da poesia tal como conhecemos hoje. No âmbito dos
estudos hispânicos, naturalmente se confunde o surgimento da lírica castelhana
com o da épica, acreditando-se que a segunda teria antecedido a primeira em
vários séculos. No entanto, conforme adverte Fernández-Arce (1974, p. 1), não foi
exatamente assim:

Hasta hace poco tiempo se creía que el desarrollo de la poesía épica


o heroica (compuesta para exaltar la vida guerrera, dar coraje y
reconocimiento a los caudillos e incitar a los pueblos a defender su
honor), había antecedido en varios siglos en España a la poesía lírica,
es decir, a aquella que expresa los sentimientos íntimos del poeta,
sentimientos de amor o de odio, de ilusión o de esperanza, de alegría
o de pena. Sin embargo, ha quedado demostrada la existencia de
una "lírica popular autóctona" de Castilla, que se manifestaba, entre
otras formas, en coplas o cantarcilos que se referían a la llegada de la
estación primaveral, a la alegría de diversos acontecimientos familiares
y sociales, de las faenas agrícolas, y que expresaban el amor y el dolor
y otros sentimientos personales.

No presente tópico lançaremos um olhar específico sobre três obras


importantes para este período de surgimento: Disputa de alma y cuerpo (anônimo),
Razón de amor con los denuestos del agua y del vino (autor anônimo) e Diálogo de
Elena y María (anônimo). Além disso, também observaremos mais dois momentos
pontuais no âmbito da literatura produzida na península: a poesia religiosa e a
evolução da lírica espanhola, através de Garcilaso de la Vega.

53
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

2 O PERÍODO INICIAL DA LÍRICA CASTELHANA: POEMA DE


DEBATE
A história da literatura espanhola remonta ao período trovadoresco, há
aproximadamente mil anos, quando as cantigas galaico-portuguesas constituíam
a forma legítima de expressão literária. De acordo com Guillermo Díaz-Plaja,
reconhecido historiador da literatura espanhola, a lírica galaico-portuguesa foi
introduzida na Espanha por duas vias: uma delas através das relações político-
culturais entre a Catalunha e a França e a outra através do caminho francês, ponto
de peregrinação que passava pelas cidades de Burgos, León e Astorga rumo a
Santiago de Compostela. Segundo Díaz-Plaja (1958, p. 36): "el segundo de ellos es
el que repercute más directamente en la primitiva lírica castellana, pero siempre a
través de una primigenia lírica gallegoportuguesa, fecundada por las oleadas de
romeros que acudían de todas partes".

FIGURA 1 – DUAS FORMAS PRINCIPAIS NA PRIMITIVA LÍRICA PENINSULAR

A GALAICO-PORTUGUESA A CASTELHANA
FONTE: MENÉNDEZ PIDAL, 1919 apud DÍAZ-PLAJA, 1958, p. 38

Ainda de acordo com Díaz-Plaja (1958, p. 36), vale a pena mencionar que
as cantigas de amor, enunciadas diretamente pela pessoa apaixonada, possuíam
um caráter culto. Já as cantigas de amigo possuíam um caráter genuinamente
popular e eram "llamadas así por ser el nombre que la recitadora da a su
amador". No âmbito das origens da produção literária dessa época é um fato
incontestável a ideia de que as cantigas galaico-portuguesas influenciariam
diretamente o surgimento da lírica produzida em castelhano. Recordemos que
estas manifestações ocorreram na Península Ibérica no período da Idade Média.
O castelhano, língua coexistente com outras também faladas na Península Ibérica,
também se converteu em instrumento de manifestação lírica, ainda que a língua
literária daquele tempo fosse o galego:
Influencias mútuas. Como es lógico, ambas líricas primitivas se influyen
recíprocamente. El gallego se impone como lengua poética a los escritores
castellanos, y todavía Alfonso X escribe en este idioma la parte lírica de su
obra: las Cantigas. Por otra parte, el ímpetu expansivo de Castilla impone
algunos de sus temas; así, por ejemplo, la pastorela provenzal, debate
amoroso entre una pastora y un caballero, se convierte en la cantiga de
serrana, más ruda y agreste que la provenzal (DÍAZ-PLAJA, 1958, p. 38).

54
TÓPICO 1 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:

FIGURA 2 – OS PRIMEIROS TROVADORES

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-SlExlihPIV4/U96r9GulfsI/AAAAAAAAD7w/VOhgcGfECc0/
w1200-h630-p-k-no-nu/trovadorismo.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2018.

A poesia de debate no período de surgimento da lírica castelhana


constituiu um gênero próprio que perdurou até meados do século XVI. Nestes
poemas, em linhas gerais, pode-se dizer que são expostos os argumentos prós e
contras de dois extremos. Observe, nos exemplos seguintes, como se realizavam
estes debates no âmbito poético.

2.1 DISPUTA DEL ALMA Y EL CUERPO


Para Deyermond (2001, p. 138), em sua História de la Literatura Española,
Disputa del alma y del cuerpo é um dos exemplares mais antigos em castelhano do
que hoje se conhece por poema de debate, o antigo estilo de poemas medievais.
Segundo o autor, o códice "sobrevive de forma incompleta en un manuscrito de
comienzos del siglo XIII y puede que fuese compuesto a finales del siglo XIII".

No fragmento que sobreviveu e chegou ao nosso tempo percebe-se o


diálogo da alma e do corpo de um cadáver. O manuscrito foi descoberto por Tomás
Muñoz y Romero e teve sua primeira edição trazida à luz por Pedro José Pidal, um
antigo medievalista que viveu no século XIX. Segundo Deyermond (2011, p. 138):

Nos presenta en él el poeta la visión de un cadáver y el alma que


acaba de abandonarlo, bajo la forma de un niño desnudo. Ésta increpa
amargamente al cuerpo por haberles condenado a ambos por sus
pecados, truncándose el manuscrito antes de la réplica del cuerpo. Se
trata de una adaptación de un debate francés, y el poeta español hace
un uso sagaz de su fuente. La Disputa, no obstante, debido en parte a su
corta extensión y a su carácter fragmentario, carece del mérito artístico y
del interés que ofrecen los posteriores debates castellanos sobre el mismo
asunto. Idéntico debate sobre el alma y el cuerpo reaparece en prosa y en
verso dos siglos más adelante y pervive aún en el siglo XVI. Estas últimas
composiciones aludidas (cf. más adelante, pág. 335) derivan, sin embargo,
no de esta Disputa originaria, sino de la tradición europea común.

55
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Apesar de caracterizar a inauguração de um gênero de poesia que se


alastrará até meados do século XVI, o texto não suscita interesse literário por
múltiplas razões, uma delas é o caráter breve que possui, perceptível nos poucos
fragmentos que sobreviveram ao passar do tempo.

2.2 RAZÓN DE AMOR CON LOS DENUESTOS DEL AGUA Y


DEL VINO
Juntamente com Disputa del alma y el cuerpo, nas origens do primeiro
monumento da poesia lírica em castelhano se encontra o texto Razón de amor con
los denuestos del agua y del vino (produzido aproximadamente em 1205). Díaz-Plaja
afirma que o poema "contiene, por una parte, la descripción de un idilio amoroso
entre una dama y un escolar o estudiante; y de otra, una disputa entre el agua y el
vino, sobre cuál tenga mayores excelencias, lo cual es una forma típica del debate
medieval" (DÍAZ-PLAJA, 1958, p. 39). A obra, como a grande maioria surgida
naquele período, não possui um autor declarado.

Observe agora o texto original comparado com uma tradução feita em


espanhol moderno. Repare, atentamente, na evolução linguística perceptível
através de ambas versões:

QUADRO 1 – VERSÕES DO POEMA


Original (siglo XII-XIII, texto originario de Traducción al español moderno
Castilla, español antiguo, mezclado con (tratando de respetar la forma poética, el
formas dialectales ¿aragonesas y/o galaico- vocabulario, el ritmo y las rimas)
portuguesas) (tradução de Sergio Beluz)

1 Qui triste tiene su coraçon Quien triste tiene su corazón


benga oyr esta razon. Venga a oír esta canción.
Odra razon acabada, Oirá poema acabado
feyta d’amor e bien rymada. Hecho de amor y bien rimado
5 Vn escolar la Rimo Un escolar la rimó
que siepre duenas amo; Que siempre las damas amó;
mas siepre ouo cryança Pero siempre educación tuvo
en Alemania y en Fraçia, En Alemania y en Francia
moro mucho en Lombardia Se quedó mucho en Lombardía
10 pora prender cortesía. Para aprender la cortesía.
En el mes d’abril, depuse yantar, En el mes de abril, después de comer,
estaua so un olivar. Estaba yo bajo un olivar.
Entre çimas d’un manzanar Entre los ramos de un manzanar
un uaso de plata ui estar; Un vaso de plata vi estar;
15 pleno era d’un claro uino Lleno estaba de un claro vino
que era uermeio e fino; Que era bermejo y fino;
cubierto era de tal mesura Cubierto era de tal manera
no lo tocas la calentura. Que no lo tocase el calor.
una duena lo y eua puesto, Una dama lo había puesto allí
20 que era senora del uerto, Que era señora del huerto,
que quan su amigo uiniese, Para que cuando su amigo viniese,
d’aquel uino a beber le diesse. De aquel vino a beber darle pudiese.
Qui de tal uino ouiesse Quien de tal vino tuviese
En la mana quan comiesse: En la mañana cuando comiese:
25 e dello ouiesse cada dia Y de ello bebiese cada día
nuncas mas enfermarya. Nunca más se enfermaría.

56
TÓPICO 1 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:

Ariba del mançanar Arriba del manzanar


otro uaso ui estar; Otro vaso vi estar;
pleno era d’un agua fryda Lleno estaba de un agua fría
30 que en el manzanar se naçia. Que en el manzanar nacía.
Bebiera d’ela de grado, Habría bebido de ella con gusto
mas oui miedo que era encantado. Pero miedo tuve que fuese con maleficio.
Sobre un prado pus mi tiesta, En un prado puse mi cabeza
que nom fizies mal la siesta. Para que no me duela la siesta
35 parti de mi las uistiduras, Me quité las vestiduras
que nom fizies mal la calentura. Para que no me moleste la calentura.
Plegem a una fuente perenal, Me acerqué a una fuente perenal,
nuca fue omne que uief tall; Que no existe hombre que viese tal;
tan grant virtud en si auia, Tan gran virtud en ella había,
40 que de la frydor que d’i yxia, Que del frío que de ella salía,
cient pasadas ardedor A cien pasos alrededor
non fintryades el calor. No entraba el calor.
Todas yeruas que bien olien Todas las hierbas que bien olían
la fuent çerca si las tenie: La fuente cerca de sí las tenía:
45 y es la saluia, y sson as Rosas, Y es la salvia, y son las rosas,
y el liryo e las violas; Y el lirio y las violetas;
otras tantas yeruas y auia Otras tantas hierbas allí había
que sol nobra no las sabria; Que sólo nombrarlas no sabría;
mas ell olor que d’i yxia Mas el olor que de allí salía
50 a omne muerto Ressucitaría. A cualquier muerto resucitaría.
Prys del agua un bocado Tomé del agua un trago
e fuy todo effryado. Y fui todo refrescado.
En mi mano prys una flor, En mi mano tome una flor,
sabet, non toda la peyor; Que sepan, no de todas la peor;

FONTE: Siesta de abril <https://www.sergiobelluz.com/siesta-de-abril-razon-de-amor-con-los-


denuestos-del-agua-y-el-vino-el-original-de-circa-1205-y-mi-traduccion>.

DICAS

Há uma versão crítica disponível on-line. Aos cuidados


de Mario Barro Jover, o texto é cuidadosamente analisado pelo crítico.

Ver: BARRA-JOVER, Mario. Razón de Amor: Texto crítico y composición.


Acesse em:<https://ebuah.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/5063/
Raz%C3%B3n%20de%20Amor.%20Texto%20Cr%C3%ADtico%20y%20
Composici%C3%B3n.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.

57
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

O texto não apresenta unidade entre as partes que o compõem, sendo


a primeira a parte tocante a um encontro amoroso e na última percebe-se um
debate entre a água e o vinho. Percebem-se elementos característicos deste
período da Idade Média, como o amor cortês, a lírica popular, elementos mágicos
(a jarra d'água que o jovem bebe na primeira atua como uma espécie de elixir)
e também aspectos religiosos. Sem espaço a dúvidas, a riqueza desta obra se
encontra no debate entre a água e o vinho, quando cada qual destas duas bebidas
apresenta argumentos autoafirmativos. No debate, percebe-se a contraposição de
argumentos como a pureza da água versus a nobreza do vinho. Vale mencionar
que a questão religiosa é um dos traços fundamentais neste poema de debate, já
que tanto a água como o vinho são elementos vitais para o cristianismo.

Além de Disputa del alma y del cuerpo e Razón de amor con los denuestos del agua
y del vino, na atualidade também existem vestígios de outros textos produzidos
naquele período. Incompleto, conhecemos através da historiografia outro texto
de grande valor histórico para a história da literatura espanhola: Diálogo entre
Elena y María, obra pertencente ao século XII.

2.3 DIÁLOGO DE ELENA Y MARÍA


Na atualidade conserva-se um fragmento do manuscrito Diálogo de Elena
y María (também conhecido por Poema de Elena y María), uma obra singular
produzida no período medieval. De acordo com Pérez Priego (s.d., p. 1):
Nos ha llegado en un extraño manuscrito en papel de minúsculas
dimensiones (65x55 mm), aunque letra de tamaño corriente para
permitir su lectura (unos 240 caracteres por página de unas ocho
líneas cada una). El manuscrito se muestra muy dañado por la polilla y
deteriorado en sus márgenes, lo que ha ocasionado lagunas y pérdidas
de texto. A las veinticinco páginas que ocupa, les faltan algunas otras
al comienzo y al final, de manera que no sabemos cómo comenzaba el
texto ni cuál era su desenlace.

O texto veio à luz através da mão do medievalista Ramón Menéndez Pidal


no começo do século XX. Pérez Priego menciona que o texto ao qual hoje se tem
acesso chegou originalmente às mãos de Menéndez Pidal através do bibliófilo
Juan Sánchez, que por sua vez o havia recebido do catalão Salvador Barba. O texto
original possui traços do castelhano, da língua galaico-portuguesa e também do
asturleonês, todas línguas romances originadas do latim.

58
TÓPICO 1 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:

FIGURA 3 – MANUSCRITO CONSERVADO EM CASA DE ALBA

FONTE: <https://i0.wp.com/www.revistadearte.com/wp-content/uploads/2017/11/Debate-
Elena-y-Maria.jpg>. Acesso em: 26 jul. 2018.

Estima-se que o manuscrito tenha sido produzido entre os séculos XIII


e XIV, porém não há como confirmar o século exato no qual este material foi
produzido. O texto, hoje disponível na Fundación Casa de Alba (Madrid), possui
402 versos. O debate estabelecido entre Elena e Maria propõe-se a discutir se é
melhor ser amiga de um sacerdote ou de um cavaleiro. A ideia de disputa entre
uma opção "a" e "b" é algo bastante comum nos textos dessa época. Em Razón de
amor con los demuestos del água y del vino há uma disputa nesse sentido. Díaz-Plaja
(p. 39) sinaliza que "el sentido de disputa o debate" é uma constante nestes três
primeiros textos da lírica castelhana.

O fragmento começa já em um dado momento do diálogo. Não temos


acesso ao que foi dito antes, mas é nítida a percepção de que há um debate entre
ambas mulheres. Observe o trecho no qual Elena se dirige a Maria de um modo
bastante hostil em um primeiro momento do diálogo, já em resposta a uma
comparação feita por Maria. Neste recorte, Elena compara o seu cavaleiro com o
clérigo de Maria (MENÉNDEZ PIDAL, 1914, p. 39):

Calla, Maria,
por que dizes tal follia?
esa palabra que fabreste
al mio amigo denosteste,
mas se lo bien catas
e por derecho lo asmas
non eras tu pora conmigo
nin el tu amigo pora con el mio;
somos hermanas e fijas de algo,
mais yo amo el mais alto,
ca es caballero armado,
de sus armas esforçado;

59
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

el mio es defensor,
el tuyo es orador:
quel mio defende tierras
e sufre batallas e guerras,
ca el tuyo yanta e yaz
e siempre esta en paz.

Na sequência, Maria responde de forma igualmente agressiva e


prossegue a pesagem de vantagens (MENÉNDEZ PIDAL, 1914, p. 39):

Maria, atan por arte,


respuso de la otra parte

«Ve, loca, trastornada,


ca non sabes nada!
dizes que yanta e yaz
por que esta en paz!
ca el vive bien honrado
e sin todo cuidado;
ha comer e beber
e en buenos lechos yazer;
ha vestir e calçar
e bestias en que cabalgar,
vasallas e vasallos,
mulas e caballos;
ha dineros e paños
e otros haberes tantos.
De las armas non ha curar
e otrosi de lidiar,
ca mas val seso e mesura
que siempre andar en locura,
como el tu caballeron
que ha vidas de garçon.

Cuando al palacio va
sabemos vida que le dan:
el pan a racion,
el vino sin sazon;
sorrie mucho e come poco,
va cantando como loco;
como tray poco vestido,
siempre ha fambre e frio.

Tudo indica que essas mulheres são parte integrante do mais alto estrato
social. O debate ocorre ao longo dos versos 1-282 e demonstra uma disputa de
vantagens e críticas de ambos lados. Nos versos finais, é narrada a chegada destas
irmãs à corte. Para Perez Priego (s.d., p. 4),
aunque por su estado fragmentario no conocemos el desenlace
del debate, sobre el que se han especulado diferentes soluciones
y vencedores, el poema castellano acoge una dura sátira a los dos
personajes, el clérigo y el caballero, pilares fundamentales de la vieja
sociedad estamental.

60
TÓPICO 1 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:

Sem lugar a dúvidas, a existência dessas obras nos permite entender o


desenvolvimento cultural/intelectual do homem daquele tempo. Além da questão
literária e de foro ligado à história das mentalidades da nossa civilização, também
podemos perceber uma dada constância de temas em um dado período temporal.
No próximo subtópico, conheceremos a poesia religiosa espanhola.

3 A POESIA RELIGIOSA DE BERCEO: CLÉRIGOS, SANTAS E


DEVOÇÃO
A poesia religiosa, também conhecida por Mester de Clerecía, constituiu
um importante capítulo na história da literatura espanhola. Foi no século XIII
que ocorreu a formação e o desenvolvimento do castelhano como língua. De
forma paralela, a literatura – uma manifestação de reconhecida incipiência – já
começava a dar a primeira demonstração de sua existência. Vale mencionar que
naquele período já havia outras produções, como o mester de juglaría (uma forma
de expressão mais popular) e a poesia épica (que exaltava os feitos dos grandes
heróis daquele tempo). De acordo com Fernández-Arce (1974, p. 39):
Frente al arte popular y anónimo de los "juglares", se da ahora la poesía
culta. Este nuevo estilo tiene mayor perfección técnica, es obra de
autores conocidos, clérigos, en su mayoría. Por contraposición con el
"mester de juglaría", se llama "mester de clerecía". Pero debe advertirse
que no hay entre ambos una diferencia esencial, antes bien, la poesía
erudita o culta se deriva del arte juglaresco, pues sus composiciones
también se inspiran en el espíritu religioso y nacional de la época, van
dirigidas al pueblo en su lengua romance, tienen carácter narrativo y
usan, en lo posible, la expresión directa y llana.

FIGURA 4 – GONZALO DE BERCEO

FONTE: <https://www.quien.net/wp-content/uploads/cultura-quien-fue/Gonzalo-De-Berceo.
jpeg>. Acesso em: 18 jun. 2018.

61
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Um dos primeiros nomes que surgem nesse contexto é Gonzalo de Berceo.


Sobre este autor, pouco se sabe na atualidade. Em nível histórico, sabe-se que
nasceu em torno do ano 1195, em Berceo (La Rioja/Espanha). Segundo Fernández-
Arce, Berceo morreu já velho em meados do século XIII depois de servir por muito
tempo como clérigo secular, inscrito no Monastério de San Millán de la Cogolla.
A obra significativa legada por Berceo se chama Los milagros de nuestra señora e se
caracteriza como uma mostra cabal do que constituiu os mesteres de juglaría.

Díaz-Plaja (1958, p. 44) caracteriza esta obra como a mais interessante


deste período, “poeticamente hablando”. Na obra, Berceo apresenta casos de
vidas pecadoras as quais são salvas pela piedade da Virgem Maria. Os milagres
narrados são basicamente cinco: La casulla de San Ildefonso, La Iglesia Robada, El
Milagro de Teófilo, El niño judío e El labrador avaro.

Observe, agora, a introdução da obra (DÍAZ-PLAJA, 1958, p. 44). Perceba


que o poeta se apresenta, discorre sobre a vida na Terra e também reflete sobre a
passagem para o paraíso e a importância da Virgem Maria para o homem devoto:

Amigos e vassallos de Dios omnipotent,


Si vos me escuchássedes por vuestro consiment1,
Querríavos contar un buen aveniment2:
Terrédeslo en cabo por bueno verament.
Yo maestro Gonçalvo de Verceo nominado,
Yendo en romería caeçí en un prado,
Verde e bien sençido3, de flores bien poblado,
Logar cobdiçiaduero pora omne cansado.
Davan olor soveio4 las flores bien olientes,
Refrescavan en omne las carnes e las mientes;
Manavan cada canto fuentes claras corrientes,
en verano bien frías, en invierno calientes.
Sennores e amigos, lo que dicho avemos
Palbra es oscura, emponerla queremos:
Tolagamos5 la corteza, al meollo entremos,
Prendamos lo de dentro, lo de fuera dessemos
Todos cuantos vevimos que en piedes andamos
Siquiere en presom, o en lecho iagamos,
Todos somos romeros que camino andamos;
Sant Peidro lo diz esto, por él vos los probamos.
Quanto aqui vivimos, en ageno moramos;
La ficanza durable suso6 la esperamos,
La nuestra romeria estonz la acabamos
Quando a paraiso las almas enviamos.
En esta romeria avemos un buen prado,
En qui trova repaire7 tot romeo cansado,
La Virgen Gloriosa madre del buen criado,
Del qual otro ninguno egual non fue trovado.

62
TÓPICO 1 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA:

Esti prado fué siempre verde en onestat,


Ca nunca ovó macula la sua virginitat,
Post partum et in partu fue Virgen de verdat,
Illesa, incorrupta en su integredat.
Las quatro fuentes claras que del prado manaban,
Los quatro evangelios esso significaban,
Ca los evangelistas quatro que los dictaban,
Quando los escriben, con ella se fablaban.

NOTA

Notas explicativas de Díaz-Plaja (1958) sobre o poema: 1 Consientimento,


gusto; 2 Acontecimiento, sucesso; 3 Intacto; 4 Grande, excelente; 5 Quitemos; 6 Arriba, es
decir, en el cielo; 7 Reposo, descanso.

De acordo com Fernández-Arce (1974, p. 41):


Las obras de este poeta son todas de tipo religioso. Las escribió con el
propósito de ilustrar al pueblo de la época, piadoso pero ignorante. En
la mayoría de los casos se limita casi a "traducir" libros escritos en latín a
la lengua romance castellana y a adaptarlos a la mentalidad del pueblo
al cual las destina. Escribió tres vidas de santos, tres obras "marianas"
(sobre la Virgen María), tres temas litúrgios e himnos religiosos. Entre
esos libros devotos se destacan la vida de "Santo Domingo de Silos"
y la de "San Millán de la Cogolla" y Miraclos de Nuestra Señora, su
obra más importante. En la introducción de este libro se explican
los nombres que se le dan a la Virgen María y se presenta un paisaje
simbólico, que es muestra de delicada descripción primitiva.

Além disso, cabe mencionar que Berceo se baseia em escritos medievais


para a construção da sua lírica, não apresentando, então, qualquer traço de
originalidade. Conforme Díaz-Plaja (1958, p. 47), na lírica de Berceo, o mundo “es
una lucha entre los espíritus celestes – Dios, la Virgen, los Ángeles – contra los
infernales – demonios, moros, judíos”.

63
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

FIGURA 5 – NOSSA SENHORA

FONTE:<http://img.cancaonova.com/cnimages/canais/uploads/sites/6/2016/07/formacao_
conheca-a-relacao-entre-o-escapulario-e-nossa-senhora-de-fatima.jpeg>. Acesso em: 21 jun. 2018.

Mas por qual razão Berceo é importante para o estudo das literaturas
de língua espanhola? A obra de Berceo apresenta notável cuidado estético
em seu processo constitutivo, além de expressar-se em castelhano. No recorte
anteriormente apresentado, perceba que a língua castelhana ainda se encontrava
em um dos seus primeiros estágios de desenvolvimento.

64
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A lírica galaico-portuguesa e a castelhana eram duas das formas principais na


primitiva lírica peninsular.

• Disputa del alma y el cuerpo constitui um dos exemplares mais antigos em


castelhano do que hoje se conhece por poema de debate.

• A poesia de debate foi um gênero fundamental nos primórdios da lírica


espanhola.

• Diálogo de Elena y María foi um importante texto deste período de formação que
veio à luz através da mão do medievalista Ramón Menéndez Pidal no começo
do século XX.

• A poesia religiosa de Gonzalo de Berceo, segundo Díaz-Plaja, constitui um dos


textos de maior qualidade daquele período.

65
AUTOATIVIDADE

1 Leia atentamente dois recortes do texto El debate de Elena y María:


Calla, Maria, Maria, atan por arte,
por que dizes tal follia? respuso de la otra parte
esa palabra que fabreste «Ve, loca, trastornada,
al mio amigo denosteste, ca non sabes nada!
mas se lo bien catas dizes que yanta e yaz
e por derecho lo asmas por que esta en paz!
non eras tu pora conmigo ca el vive bien honrado
nin el tu amigo pora con el mio; e sin todo cuidado;
somos hermanas e fijas de algo, ha comer e beber
mais yo amo el mais alto, e en buenos lechos yazer;
ca es caballero armado, ha vestir e calçar
de sus armas esforçado; e bestias en que cabalgar,
el mio es defensor, vasallas e vasallos,
el tuyo es orador: mulas e caballos;
quel mio defende tierras ha dineros e paños
e sufre batallas e guerras, e otros haberes tantos.
ca el tuyo yanta e yaz De las armas non ha curar
e siempre esta en paz. e otrosi de lidiar,
ca mas val seso e mesura
que siempre andar en locura,
como el tu caballeron
que ha vidas de garçon.
Cuando al palacio va
sabemos vida que le dan:
el pan a racion,
el vino sin sazon;
sorrie mucho e come poco,
va cantando como loco;
como tray poco vestido,
siempre ha fambre e frio.

Agora considere o que diz o historiador da literatura José Manuel


Blecua sobre o poema (1944, p. 29):
El debate de Elena y Maria es un fragmento de un poema escrito
a fines del siglo XIII. Fue descubierto y publicado por Menéndez
Pidal, quien encontraba los antecedentes en poemas latinos y
franceses de la Edad Media. Se trata de una disputa entre Elena,
que defiende el amor de los caballeros, y María, que defiende el
de los clérigos.

Considerando o que estudamos no Tópico 1 e os textos acima, responda cada


uma das seguintes perguntas:

1 A qual estrato social pertencem Elena e Maria?

2 Qual é o amigo ideal para Elena?

66
3 Qual é o amigo ideal para Maria?

4 Quais as principais vantagens de ser amiga do padre?

5 Quais as principais vantagens de ser amiga do cavaleiro?

2 Observe o seguinte fragmento de Razón de amor con los denuestos del agua y
del vino:

1 Qui triste tiene su coraçon


benga oyr esta razon.
Odra razon acabada,
feyta d’amor e bien rymada.
5 Vn escolar la Rimo
que siepre duenas amo;
mas siepre ouo cryança
en Alemania y en Fraçia,
moro mucho en Lombardia
10 pora prender cortesía.
En el mes d’abril, depuse yantar,
estaua so un olivar.
Entre çimas d’un manzanar
un uaso de plata ui estar;
15 pleno era d’un claro uino
que era uermeio e fino;
cubierto era de tal mesura
no lo tocas la calentura.
una duena lo y eua puesto,
20 que era senora del uerto,
que quan su amigo uiniese,
d’aquel uino a beber le diesse.
Qui de tal uino ouiesse
En la mana quan comiesse:
25 e dello ouiesse cada dia
nuncas mas enfermarya.
Ariba del mançanar
otro uaso ui estar;
pleno era d’un agua fryda
30 que en el manzanar se naçia.
Bebiera d’ela de grado,
mas oui miedo que era encantado.
Sobre un prado pus mi tiesta,
que nom fizies mal la siesta.
35 parti de mi las uistiduras,
que nom fizies mal la calentura.
Plegem a una fuente perenal,
nuca fue omne que uief tall;
tan grant virtud en si auia,
40 que de la frydor que d’i yxia,
cient pasadas ardedor
non fintryades el calor.
Todas yeruas que bien olien
la fuent çerca si las tenie:
45 y es la saluia, y sson as Rosas,
y el liryo e las violas;
otras tantas yeruas y auia

67
que sol nobra no las sabria;
mas ell olor que d’i yxia
50 a omne muerto Ressucitaría.
Prys del agua un bocado
e fuy todo effryado.
En mi mano prys una flor,
sabet, non toda la peyor;

Agora marque a resposta certa:

a) ( ) Se pode dizer que o texto é escrito completamente em língua espanhola.


b) ( ) O texto Razón de amor con los denuestos del agua y del vino é um exemplo
clássico de poesia religiosa da Idade Média.
c) ( ) No poema percebemos uma nítida mescla do espanhol antigo com
formas dialetais aragonesas e galaico-portuguesas.
d) ( ) O poema foi escrito por Gonzalo de Berceo e é parte integrante da obra
Milagros de Nuestra Señora.
e) ( ) O poema medieval Razón de amor con los denuestos del agua y del vino se
trata de uma manifestação única, não havendo naquele período outras
obras parecidas.

3 Convidamos você a assistir ao seguinte vídeo: Gonzalo de Berceo – cuando


copiar no era delito. Para ver, acesse: <https://www.youtube.com/
watch?v=c40KcKXvyBA> ou então <https://bit.ly/2tJhrdM>.

Com base no vídeo, responda às seguintes perguntas:

1 Em quantos estratos estava dividida a sociedade de Península Ibérica do


século XIII e quais eram estes estratos?
2 Qual era a classe da sociedade daquele tempo que se dedicava a escrever?
3 Quem foi Gonzalo de Berceo?
4 Há originalidade em Los milagros de nuestra señora?

68
UNIDADE 2 TÓPICO 2

A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE


POÉTICA

1 INTRODUÇÃO
No presente tópico observaremos os diferentes matizes temáticos na
poesia de determinados autores de língua espanhola. O amor não realizado, a
noção de futuro incerto e destino, o amor realizado, a dor da sociedade através da
poesia e temas mais densos, como o suicídio. Trata-se de poetas representativos,
de nomes de indubitável significância que, cabe esclarecer, apesar da inegável
relevância, não constituem o todo do universo das letras hispânicas. Apesar
disso, nos dão suficientes amostras do poder poético da poesia produzida tanto
na Espanha como na América Latina.

FIGURA 6 – MIGUEL DE CERVANTES

FONTE: <https://imagens.publicocdn.com/imagens.
aspx/909390?tp=UH&db=IMAGENS&type=JPG>. Acesso em: 20 maio 2018.

69
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Alguma vez você já leu poesia em língua espanhola? Recorreremos às


principais expressões literárias da Espanha e da América Latina sem demorar-
nos por questões puramente teóricas, que serão devidamente esclarecidas em
momentos oportunos.

Dessa forma, neste tópico observaremos autores da envergadura de


Adolfo Gustavo Bécquer, Pablo Neruda, Antonio Machado, Alejandra Pizarnik e
Rosalía de Castro, poetas que enriqueceram o campo de produção intelectual das
literaturas de língua espanhola.

2 UM BREVE OLHAR SOBRE A DIVERSIDADE DE TEMAS NA


ARTE POÉTICA
Ao lançarmos um olhar sobre a literatura ocidental, percebemos
que partiram das letras hispânicas as mais belas manifestações poéticas que
enalteceram a vida, a arte e o amor. Pode-se dizer que a poesia em língua
espanhola é riquíssima em todos os seus aspectos, seja na forma com a qual é
apresentada ou então nos conteúdos sobre os quais se debruça. Seja na Espanha
ou na América Latina, os temas que perfilam a produção dos poetas surgem como
um leque que esboça a vida e a reflexão existencial.

FIGURA 7 – A POESIA, POR JOAN BRULL I VINYOLES (1863-1912)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:De_los_arrayanes_(al%C2%B7legoria_de_la_
poesia)_-_Joan_Brull_i_Vinyoles_(1863-1912).jpg>. Acesso em: 21 jun. 2018.

70
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

O amor, a existência, o passado, a depressão e a juventude são alguns


dos temas que podemos encontrar na obra dos poetas mais reconhecidos que
escreveram em espanhol.

O poeta nicaraguense Ruben Darío, por exemplo, foi um dos poetas que
lançou um olhar retrospectivo sobre o passado e contemplou a juventude como
uma das primaveras da vida no poema intitulado Canción de otoño en primavera
(CERVANTES, s.p. s. d.):
Juventud, divino tesoro,
¡ya te vas para no volver!
Cuando quiero llorar, no lloro...
y a veces lloro sin querer...

Plural ha sido la celeste


historia de mi corazón.
Era una dulce niña, en este
mundo de duelo y de aflicción.

Miraba como el alba pura;


sonreía como una flor.
Era su cabellera obscura
hecha de noche y de dolor.

Yo era tímido como un niño.


Ella, naturalmente, fue,
para mi amor hecho de armiño,
Herodías y Salomé...

Juventud, divino tesoro,


¡ya te vas para no volver!
Cuando quiero llorar, no lloro...
y a veces lloro sin querer...

Outros poetas, como a argentina Alejandra Pizarnik, preconizam um nível


mais profundo de intimismo, mais além da simples recordação e desvelam um
profundo olhar pessimista sobre a vida e sobre o existir. A poesia de Pizarnik, que
se suicidou em 1972, carrega uma profunda reflexão sobre a condição humana
e também sobre o amor. A morte, parte constituinte da literatura de Pizarnik, é
uma companheira que não abandona o eu-lírico da poeta.

71
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

La noche se astilló de estrellas


mirándome alucinada
el aire arroja odio
embellecido su rostro
con música.

Pronto nos iremos

Arcano sueño
antepasado de mi sonrisa
el mundo está demacrado
y hay candado pero no llaves
y hay pavor pero no lágrimas.

¿Qué haré conmigo?

Porque a Ti te debo lo que soy

Pero no tengo mañana

Porque a Ti te…

La noche sufre.

(PIZARNIK, 2014, p. 40)

Se em Pizarnik encontramos uma visão pessimista sobre a vida e um


desalento constante sobre a experiência com o outro, no poeta espanhol Antonio
Machado (1875-1939) podemos perceber outra visão sobre a existência. O seu
poema mais célebre, lido e reproduzido constantemente, nos mostra que a
coragem para guiar a própria vida e a experiência são as duas das variáveis que
determinam o nosso destino e a realização pessoal:
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,


y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino


sino estelas en la mar
(MACHADO, 2010, p. 5)

Pablo Neruda, outro poeta que habita a constelação maior da poesia em


língua espanhola, nos canta o amor como uma espécie de realização ocorrida a
partir do encontro com o outro. No seguinte poema percebemos, por exemplo, o
amor como agente libertador, capaz de despertar o mais belo que existe no outro:

72
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

Para mi corazón basta tu pecho,


para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.

Es en ti la ilusión de cada día.


Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.

He dicho que cantabas en el viento


como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
Y entristeces de pronto, como un viaje.

Acogedora como un viejo camino.


Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.

FONTE: <https://www.poeticous.com/neruda/poema-12-para-mi-corazon-basta-tu-
pecho?locale=es>. Acesso em: 11 set. 2018.

O pensador José Martí, um dos autores cubanos mais importantes de


todos os tempos, publicou o livro Ismaelillo, em homenagem ao seu filho. O livro,
uma das obras de maior sensibilidade poética de Martí, nos mostra a relação de
um pai com o seu filho, a singularidade dos gestos cotidianos na rotina doméstica
e a beleza da paternidade.

Mi Caballero

Por los mañanas


Mi pequeñuelo
Me despertaba
Con un gran beso.
Puesto a horcajadas
Sobre mi pecho,
Bridas forjaba
Con mis cabellos.
Ebrio él de gozo,
De gozo yo ebrio,
Me espoleaba
Mi caballero:
¡Qué suave espuela
Sus dos pies frescos!;
¡Cómo reía
Mi jinetuelo!
Y yo besaba
Sus pies pequeños,
¡Dos pies que caben
En sólo un beso!
(MARTÍ, 1882, p. 4)

73
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

NOTA

Em tempo: Você pode baixar gratuitamente o livro


Ismaelillo. Como já constam 70 anos desde a morte do autor, o livro
pertence ao domínio público. Não perca esta oportunidade! Acesse a
obra completa em: <http://www.espacioebook.com/sigloxx_98/marti/
Marti_Ismaelillo.pdf>..

Na poesia de língua espanhola, percebemos que há um manancial de


temas e assuntos que perpassam a obra de autores dispostos ao longo dos séculos.
Nos subtópicos seguintes, estudaremos as singularidades de poetas específicos.

2.1 GUSTAVO ADOLFO BÉCQUER: DESTINO E AMOR NÃO


REALIZADO
No âmbito da poesia em língua espanhola, Gustavo Adolfo Bécquer
(1836-1870) é um nome de grande relevância. O autor, que viveu apenas 34
anos, desenhou seu nome com traço fino na história da poesia espanhola, graças
à sua habilidade poética que inspirou gerações seguintes de poetas hispânicos.
Bécquer nasceu em Sevilha e, apesar de ter se conectado profundamente com a
tradição poética andaluz, atualmente é reconhecido por sua originalidade poética
e capacidade de expressão romântica.

FIGURA 8 – GUSTAVO ADOLFO BÉCQUER

FONTE: <https://euston96.b-cdn.net/wp-content/uploads/2018/01/Gustavo-Adolfo-
B%C3%A9cquer-300x203.jpg>. Acesso em: 21 jun. 2018.

74
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

A obra Rimas y Leyendas é uma das mais representativas do autor. Para


Fernández-Arce (1974, p. 272):
Rimas y Leyendas se caracterizan por su hondo subjetivismo y por el
empleo de la primera persona, lo que denota el predominio del yo del
poeta en lo que éste escribe. También, por su brevedad y sencillez de
forma. El poeta busca decir las cosas con el menor número de palabras
posible, eliminando muchos ornamentos expresivos. Esto implica,
como puede suponerse, una cuidadosa escogencia de los vocablos.

Recordemos que Bécquer expressa-se no âmago do Romantismo espanhol.


O amor em Rimas y Leyendas é, então, um amor idealizado. O poeta canta ao amor,
à solidão e também à imensidão do vago, do mistério, da existência e do futuro
dos homens.

Observe o poema VIIII de Rimas y Leyendas:

Cuando miro el azul horizonte


perderse a lo lejos
a través de una gasa de polvo
dorado e inquieto,
me parece posible arrancarme
del mísero suelo,
y flotar con la niebla dorada
en átomos leves
cual ella deshecho.

Cuando miro de noche en el fondo


oscuro del cielo
las estrellas temblar, como ardientes
pupilas de fuego,
me parece posible a do brillan
subir en un vuelo,
y anegarme en su luz, y con ellas
en lumbre encendido
fundirme en un beso.

En el mar de la duda en que bogo


ni aun sé lo que creo:
¡sin embargo, estas ansias me dicen
que yo llevo algo
divino aquí dentro...!

Neste poema, percebemos a contemplação das possibilidades no âmbito da


não realização: ao observar a imensidão do azul do horizonte, o eu-lírico declara
entender ser possível sair do chão e flutuar "con la niebla dorada". A mesma sensação
é despertada pela noite, que assim como o azul infinito, também incita o poeta a
voar e ascender através da luz. A experiência, que se registra sobretudo no nível do
sensorial, culmina na expectativa de um beijo e na certeza de que o eu-lírico possui
dentro de si um sentimento tão grande e inexplicável que é incapaz de nomear. Sem
lugar a dúvidas, este poema expressa nuances fundacionais da escola romântica,
como a questão da idealização.

75
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

XXIX
Sobre la falda tenía
el libro abierto;
en mi mejilla tocaban
sus rizos negros;
no veíamos las letras
ninguno, creo;
mas guardábamos entrambos
hondo silencio.
¿Cuánto duró? Ni aun entonces
pude saberlo;
sólo sé que no se oía
más que el aliento,
que apresurado escapaba
del labio seco.
Sólo sé que nos volvimos
los dos a un tiempo
y nuestros ojos se hallaron,
y sonó un beso.

Creación de Dante era el libro,


era su Infierno.
Cuando a él bajamos los ojos,
yo dije trémulo:
“¿Comprendes ya que un poema
cabe en un verso?”
Y ella respondió encendida:
“¡Ya lo comprendo!”

O amor, ainda que não realizado, é despertado através do encontro com


a amada. Fernández-Arce (1974, p. 274) menciona que Las Rimas apresentam
diferentes fases do desenvolvimento do amor: "desde su emocionada iniciación,
hasta los momentos de dolor final, en que predomina el fracaso amoroso (...) el
poeta siente la adversidad y huya del mundo volviendose a sí mismo”.

DICAS

No documentário Bécquer Desconocido, el hombre detrás del mito,


conhecemos mais sobre a biografia do poeta romântico espanhol. Acesse! Para assistir,
visite: <https://www.youtube.com/watch?v=JTA-Vr-i7yk>.

76
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

O amor, este sentimento que os poetas buscam expressar através de palavras,


se mescla com o grande mistério da existência e do destino do homem. Observe o
poema II de Rimas y leyendas:

II
Saeta que voladora
cruza, arrojada al azar
sin adivinarse dónde
temblando se clavará;

hoja que del árbol seca


arrebata el vendaval,
sin que nadie acierte el surco
donde a caer volverá;

gigante ola que el viento


riza y empuja en el mar
y rueda y pasa, y no sabe
qué playa buscando va;

luz que en cercos temblorosos


brilla, próxima a expirar,
ignorándose cuál de ellos
el último brillará;

ese soy yo, que al ocaso


cruzo el mundo, sin pensar
de dónde vengo, ni adónde
mis pasos me llevarán

DICAS

Você pode baixar gratuitamente o livro Rimas y leyendas,


de Gustavo Adolfo Bécquer.

Para fazê-lo, acesse: <http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/rimas-


y-leyendas--0/html/>.

77
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Contemplativo, o eu-lírico observa o passar e o direcionamento da vida


sem qualquer controle sobre o destino. A metáfora da "folha seca", arrebatada
pelo vendaval, expressa o sentimento de pequenez diante das variáveis que nos
levam ao futuro. O mesmo sentimento é expresso pela metáfora subsequente de
uma onda gigante que é levada pelo vento sem saber em qual praia irá rebentar.
À seta voadora, à folha, à onda e à luz se compara o poeta, que cruza o mundo
sem pensar onde seus passos o levarão.

Quando mergulhamos na poesia de Bécquer, entendemos que a habilidade


no fazer poético se presentifica na especificidade de temas e na riqueza de
imagens e metáforas que o autor utiliza. Se Bécquer representa toda uma geração
de poetas na Espanha, no próximo subtópico conheceremos um nome de valor
inegociável da poesia hispano-americana: Pablo Neruda.

3 O AMOR PESSOAL E O SOFRIMENTO SOCIAL EM


PABLO NERUDA
Pablo Neruda (1904-1973), pseudônimo de Ricardo Eliecer Neftali Reyes
Basoalto, foi um dos poetas mais importantes do século XX. Nascido no Chile,
Neruda foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1971, dois
anos antes de sua morte. Neruda produziu uma poesia repleta de "sensualidade,
dúvida e insatisfação", como bem sinalizou Bella Jozef em sua História da Literatura
Hispano-americana (1971). Ainda de acordo com a historiadora brasileira, nos
livros de juventude do poeta, podemos encontrar "o lamento do prazer que se foi:
a matéria, não podendo satisfazer as ânsias ilimitadas, dá um tom angustioso e
mórbido a muitas de suas poesias eróticas" (JOZEF, 1971, p. 232).

FIGURA 9 – PABLO NERUDA

FONTE:<https://www.comunidadeculturaearte.com/wp-content/uploads/2017/10/pablo-
neruda-galeria-1-2.jpg>. Acesso em: 12 jun. 2018.

78
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

Puedo escribir los versos más tristes esta noche...

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,


y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.


Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.


La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.


Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.


Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.


Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.


La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.


Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.


Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos


árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.


Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.


Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.


Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis


brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,


y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

FONTE: <https://www.neruda.uchile.cl/obra/obra20poemas5.html>. Acesso em: 11 set. 2018.

79
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Como uma espécie de metapoema, um poema que versa sobre o processo


de escrita, em Puedo escribir los versos más tristes esta noche percebemos um amor que
se realizou fisicamente, mas que no presente poético já não se mantém constante.
O eu-lírico olha para o passado com profunda melancolia e dor por ter vivido um
amor que já não mais acontece senão no nível da poesia. Além disso, o sentimento
de descontentamento por ter perdido a amada é algo que está presente em todo
o poema, como corrobora o verso "Mi alma no se contenta con haberla perdido".
Percebe-se, também, a inespecificidade das certezas do poeta: o eu-lírico expressa
não mais querer a amada, mas em outros momentos afirma não ter certeza disso:
"Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero". As sensações, um emaranhado de
sentimentos que decorrem da experiência amorosa, presentificam-se na dificuldade
em esquecer: "Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido".

FIGURA 10 – CAPA DE LIVRO

FONTE: <https://www.popularlibros.com/imagenes_grandes/9788432/978843224842.JPG>.
Acesso em: 17 ago. 2018.

Em dado momento, a guerra da Espanha converte Neruda em um "cantor


do social e do coletivo", nas palavras de Jozef (1971). Este momento significa uma
espécie de curva na produção literária do poeta chileno: "A guerra na Espanha
produz-lhe um impacto e o poeta, que não sabia como refugiar-se da angústia de
contemplar a desintegração do próprio ser, converte-se em cantor do social e do
coletivo, do viril e construtivo" (JOZEF, 1971, p. 133). De fato, esta fase expressa
uma face bastante obscura do tempo histórico de Neruda e que é plenamente
representada na poesia do autor:

Sólo la muerte
Hay cementerios solos,
tumbas llenas de huesos sin sonido,
el corazón pasando un túnel
oscuro, oscuro, oscuro,
como un naufragio hacia adentro nos morimos,
como ahogarnos en el corazón,

80
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

como irnos cayendo desde la piel al alma.

Hay cadáveres,
hay pies de pegajosa losa fría,
hay la muerte en los huesos,
como un sonido puro,
como un ladrido sin perro,
saliendo de ciertas campanas, de ciertas tumbas,
creciendo en la humedad como el llanto o la lluvia.

Yo veo, solo, a veces,


ataúdes a vela
zarpar con difuntos pálidos, con mujeres de trenzas muertas,
con panaderos blancos como ángeles,
con niñas pensativas casadas con notarios,
ataúdes subiendo el río vertical de los muertos,
el río morado,
hacia arriba, con las velas hinchadas por el sonido de la muerte,
hinchadas por el sonido silencioso de la muerte.

A lo sonoro llega la muerte


como un zapato sin pie, como un traje sin hombre,
llega a golpear con un anillo sin piedra y sin dedo,
llega a gritar sin boca, sin lengua, sin garganta.
Sin embargo sus pasos suenan
y su vestido suena, callado, como un árbol.

Yo no sé, yo conozco poco, yo apenas veo,


pero creo que su canto tiene color de violetas húmedas,
de violetas acostumbradas a la tierra
porque la cara de la muerte es verde,
y la mirada de la muerte es verde,
con la aguda humedad de una hoja de violeta
y su grave color de invierno exasperado.

Pero la muerte va también por el mundo vestida de escoba,


lame el suelo buscando difuntos,
la muerte está en la escoba,
es la lengua de la muerte buscando muertos,
es la aguja de la muerte buscando hilo.
La muerte está en los catres:
en los colchones lentos, en las frazadas negras
vive tendida, y de repente sopla:
sopla un sonido oscuro que hincha sábanas,
y hay camas navegando a un puerto
en donde está esperando, vestida de almirante.

Apesar desta fase repleta de pessimismo e de representações obscuras


da realidade social na qual estava inserido (Neruda foi cônsul do Chile na
Espanha durante a Guerra Civil Espanhola de 1934 a 1938), na atualidade o poeta
é reconhecido por sua poesia de cariz romântico. Se em Bécquer encontramos
o amor não realizado e a incerteza do destino, em Neruda compreendemos o
amor no âmago de sua ausência, apesar de sua realização. O social e as marcas
da guerra e da dor dão a certeza de que a poesia de Pablo Neruda se constitui
através da lente observadora de um indivíduo hábil na captação dos sentimentos
e da sociedade. No próximo subtópico, lançaremos um olhar sobre a poesia de
Alejandra Pizarnik.

81
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

DICAS

Assista à antológica entrevista que Pablo Neruda concedeu a Gabriel García


Márquez. Sem dúvidas, um encontro de titãs, de dois dos mais significativos nomes da
literatura na América Latina.

Para fazê-lo, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=1520QZIclmI>.

4 O SUICÍDIO EM ALEJANDRA PIZARNIK


Alejandra Pizarnik nasceu em Buenos Aires em 1936 e faleceu em 1972. A
obra da poeta portenha é cada vez mais reconhecida e vem ganhando sucessivas
edições e traduções em diversos países. Pizarnik foi amiga pessoal de Julio
Cortázar, o célebre autor de Rayuela, e uma das primeiras leitoras da magnus opus
do escritor argentino. A poesia de Pizarnik é repleta de pessimismo e carregada
de um forte desejo de suicídio.

FIGURA 11 – ALEJANDRA PIZARNIK

FONTE: <http://lounge.obviousmag.org/a_razao_singular_do_segredo/pizarnik_1.jpg>.
Acesso em: 21 jun. 2018.

82
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

Observe o poema intitulado El despertar (2014), no qual a autora realiza


uma espécie de direcionamento a Deus:

El despertar

A León Ostrov

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y se ha volado
y mi corazón está loco
porque aúlla a la muerte
y sonríe detrás del viento
a mis delirios

Qué haré con el miedo


Qué haré con el miedo

Ya no baila la luz en mi sonrisa


ni las estaciones queman palomas en mis ideas
Mis manos se han desnudado
y se han ido donde la muerte
enseña a vivir a los muertos

Señor
El aire me castiga el ser
Detrás del aire hay monstruos
que beben de mi sangre

Es el desastre
Es la hora del vacío no vacío
Es el instante de poner cerrojo a los labios
oír a los condenados gritar
contemplar a cada uno de mis nombres
ahorcados en la nada.

Señor
Tengo veinte años
También mis ojos tienen veinte años
y sin embargo no dicen nada

Señor
He consumado mi vida en un instante
La última inocencia estalló
Ahora es nunca o jamás
o simplemente fue

¿Cómo no me suicido frente a un espejo


y desaparezco para reaparecer en el mar
donde un gran barco me esperaría
con las luces encendidas?

¿Cómo no me extraigo las venas


y hago con ellas una escala
para huir al otro lado de la noche?

83
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

El principio ha dado a luz el final


Todo continuará igual
Las sonrisas gastadas
El interés interesado
Las preguntas de piedra en piedra
Las gesticulaciones que remedan amor
Todo continuará igual

Pero mis brazos insisten en abrazar al mundo


porque aún no les enseñaron
que ya es demasiado tarde

Señor
Arroja los féretros de mi sangre

Recuerdo mi niñez
cuando yo era una anciana
Las flores morían en mis manos
porque la danza salvaje de la alegría
les destruía el corazón

Recuerdo las negras mañanas de sol


cuando era niña
es decir ayer
es decir hace siglos

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y ha devorado mis esperanzas

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
Qué haré con el miedo

Neste poema, percebemos um desejo constante de morrer, na possibilidade


de a morte ser para o eu-lírico como uma redenção. A confusão nos sentimentos, o
não entendimento e o medo constante são algumas das marcas que condicionam
o eu-lírico a um desejo incessante de morrer: "y mi corazón está loco / porque
aúlla a la muerte". Além disso, percebe-se também uma constante de traços
depressivos, em um tempo-espaço mental no qual já não se pode mais estar
suscetível ao externo e sensível à contemplação do universo que a cerca: "Ya no
baila la luz en mi sonrisa / ni las estaciones queman palomas en mis ideas".

84
TÓPICO 2 | A DIVERSIDADE DE TEMAS NA ARTE

DICAS

Convidamos você a assistir à primeira parte do documentário Memória


Iluminada: Alejandra Pizarnik. Para fazê-lo, acesse: <https://www.youtube.com/
watch?v=rLpUDqeuIW8>.

Alejandra Pizarnik nos mostra um lado mais obscuro da arte poética:


a criação da autora é riquíssima em imagens poéticas, versos construídos com
traços finos e repletos de sutilezas íntimas e questões meta-existenciais. Pizarnik,
uma alma atormentada pelo peso da existência, brindou-nos com uma literatura
de qualidade produzida ao longo de sua curta vida.

85
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A literatura espanhola é rica no que tange à abundância temática e à diversidade


expressiva.

• No âmbito da poesia em língua espanhola, a poesia de Gustavo Adolfo Bécquer


é representante do que hoje conhecemos por romantismo tardio.

• A poesia de Pablo Neruda pode ser bipartida em dois segmentos: o amoroso e


o social.

• Em sua curta vida, Alejandra Pizarnik apresentou-nos uma poesia envergada


para o lado mais obscuro da existência e da percepção humana.

86
AUTOATIVIDADE

1 Realize uma leitura atenta dos quatro poemas seguintes:


1

Caminante, son tus huellas


el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar

(Antonio Machado. Proverbios y cantares XXIX)

Saeta que voladora


cruza, arrojada al azar
sin adivinarse dónde
temblando se clavará;

hoja que del árbol seca


arrebata el vendaval,
sin que nadie acierte el surco
donde a caer volverá;

gigante ola que el viento


riza y empuja en el mar
y rueda y pasa, y no sabe
qué playa buscando va;

luz que en cercos temblorosos


brilla, próxima a expirar,
ignorándose cuál de ellos
el último brillará;

ese soy yo, que al ocaso


cruzo el mundo, sin pensar
de dónde vengo, ni adónde
mis pasos me llevarán.

(Gustavo Adolfo Bécquer)

87
3

Hay cementerios solos,


tumbas llenas de huesos sin sonido,
el corazón pasando un túnel
oscuro, oscuro, oscuro,
como un naufragio hacia adentro nos morimos,
como ahogarnos en el corazón,
como irnos cayendo desde la piel al alma.

Hay cadáveres,
hay pies de pegajosa losa fría,
hay la muerte en los huesos,
como un sonido puro,
como un ladrido sin perro,
saliendo de ciertas campanas, de ciertas tumbas,
creciendo en la humedad como el llanto o la lluvia.

(Pablo Neruda)

Exilio

A Raúl Gustavo Aguirre

Esta manía de saberme ángel,


sin edad,
sin muerte en qué vivirme,
sin piedad por mi nombre
ni por mis huesos que lloran vagando.
¿Y quién no tiene un amor?
¿Y quién no goza entre amapolas?
¿Y quién no posee un fuego, una muerte,
un miedo, algo horrible,
aunque fuere con plumas,
aunque fuere con sonrisas?
Siniestro delirio amar a una sombra.
La sombra no muere.
Y mi amor
sólo abraza a lo que fluye
como lava del infierno:
una logia callada,
fantasmas en dulce erección,
sacerdotes de espuma,
y sobre todo ángeles,
ángeles bellos como cuchillos
que se elevan en la noche
y devastan la esperanza.
(Alejandra Pizarnik)

88
Agora marque o número de cada poema relacionando-o à temática
correspondente:

A sociedade devastada, corroída pela


maldade humana.
Visão otimista da vida, liberdade.
A impossibilidade de dominar o destino.
O amor forte, porém sem esperanças.

2 Convidamos você a assistir ao documentário Memória Iluminada. Alejandra


Pizarnik: Final del juego (capítulo completo) – Canal Encuentro, disponível
gratuitamente na plataforma YouTube. Para fazê-lo, acesse: <https://www.
youtube.com/watch?v=F7dG_ppiHFg> ou então <https://bit.ly/2IGe4Jn>.

Agora que você já assistiu, responda as seguintes perguntas:

1 O que a mãe de Alejandra Pizarnik dizia à sua irmã Myriam Pizarnik sobre
a poesia produzida por Alejandra?
2 O que aconteceu com os originais de Rayuela, que Cortázar entregou a
Alejandra?
3 O que diz Alejandra em Sala de Psicopatología?

3 Leia o seguinte poema de Gustavo Adolfo Bécquer:

XXIX
Cuando miro el azul horizonte
perderse a lo lejos
a través de una gasa de polvo
dorado e inquieto,
me parece posible arrancarme
del mísero suelo,
y flotar con la niebla dorada
en átomos leves
cual ella deshecho.

89
Cuando miro de noche en el fondo
oscuro del cielo
las estrellas temblar, como ardientes
pupilas de fuego,
me parece posible a do brillan
subir en un vuelo,
y anegarme en su luz, y con ellas
en lumbre encendido
fundirme en un beso.
En el mar de la duda en que bogo
ni aun sé lo que creo:
¡sin embargo, estas ansias me dicen
que yo llevo algo
divino aquí dentro...!

Agora marque a resposta correta:

a) ( ) No poema podemos dizer que o eu-lírico realiza fisicamente o seu amor


com a amada.
b) ( ) Apesar de o poema pertencer ao período romântico, não se percebe
qualquer traço desta escola literária neste poema.
c) ( ) O eu-lírico vislumbra um horizonte de possibilidades sem propriamente
concretizá-las.
d) ( ) A amada não corresponde ao amor do poeta.
e) ( ) O azul do horizonte pode ser entendido como o amor do eu-lírico
tipicamente romântico.

90
UNIDADE 2 TÓPICO 3

RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO


HISPÂNICO: LÁ E CÁ

1 INTRODUÇÃO
Desde o descobrimento da América e a colonização hispânica, o universo
das letras em castelhano vem recebendo manifestações dos dois lados do Oceano
Atlântico. Do século XVI até a contemporaneidade, o campo da cultura ocidental
vem recebendo com entusiasmo as produções poéticas advindas da Península
Ibérica e também as da América Latina.

FIGURA 12 – ARTE POÉTICA

FONTE: <http://elnacional.com.do/wp-content/uploads/2014/05/premio-internacional-manuel-
acuna-de-poesia-en-lengua-espanola.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2018.

No presente subtópico, selecionamos poetas significativos para a poesia


na Espanha e também na América Latina. Nas páginas seguintes, conheceremos
um pouco da obra de nomes como a galega Rosalía de Castro, o sevilhano Antonio
Machado, o argentino José Hernández e também o basco Miguel de Unamuno.
Todos eles ligados a uma renovação na lírica castelhana de seu tempo e, por isso,
expoentes do melhor que há em poesia produzida neste idioma.

91
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

2 ROSALÍA DE CASTRO: DO “REXURDIMENTO” DAS LETRAS


GALEGAS PARA O MUNDO
Rosalía de Castro (1837-1885) nasceu em Santiago de Compostela e hoje
é conhecida como uma das maiores poetas de todos os tempos. Galega, Rosalía
escreveu tanto em galego, o idioma de sua comunidade autônoma, como em
castelhano. Do lado de lá do Atlântico, Rosalía publicou no âmago de uma estética
romântica. Escreveu à solidão, à saudade, à morte, ao amor e à finitude da vida.

FIGURA 13 – ROSALÍA DE CASTRO

FONTE: <http://muinhodovento.gal/wp-content/uploads/2015/01/fotorc.jpg>.
Acesso em: 23 jun. 2018.

A importância de Rosalía é tanta que o surgimento da poesia da autora


constituiu um período chamado “renascimento cultural galego” (ou "rexurdimento",
em galego), um ponto que inaugurou toda uma geração literária. Não se trata,
entretanto, de uma corrente ou de uma estética construída em função do estilo
de Rosalía, mas sim do sopro que inspirou o surgimento de novos poetas no
âmbito das letras galegas. Atualmente o dia 17 de maio é o Dia das Letras Galegas
justamente porque foi nesta data em que se publicou a obra Cantares Galegos, de
autoria de Rosalía de Castro.

Um dos poemas mais conhecidos de Rosalía é Negra Sombra (CASTRO,


2016, s. p.):
Negra Sombra
Cuando pienso que te fuiste,
negra sombra que me asombras,
al pie de mis cabezales,
vuelves haciéndome burla.

Cuando imagino que te has ido,


en el mismo sol te me muestras,

92
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

y eres la estrella que brilla,


y eres el viento que sopla.

Si cantan, eres tú que cantas,


si lloran, eres tú que lloras,
y eres el murmullo del río
y eres la noche y eres la aurora.

En todo estás y tú eres todo,


para mí y en mí misma moras,
no me abandonarás nunca,
sombra que siempre me asombras.

DICAS

Você sabia que existe uma versão musicada do poema Negra Sombra? Trata-
se de uma música gravada pela cantora galega Luz Casal. Para ouvi-la, acesse: <https://
www.youtube.com/watch?v=gdnVZE5I8Os>.

Apesar de os poemas românticos de Rosalía atualmente serem os mais


conhecidos da poeta, que se universalizou, o nome da poeta galega foi impresso
na história da língua e da literatura justamente por outros tipos de poemas que
produziu: os de caráter reivindicativo. Em artigo intitulado El Rexurdimento
o Renacimiento pleno – Poesía, Anxo Tarrío Varela (1985, p. 10) nos conta que a
poesia de Rosalía surgiu em função da motivação da poeta em dignificar a língua
e o povo galego:

Estamos ya en 1863 y ahora surge el primer gran libro del


«rexurdimento». Nos referimos a Cantares Gallegos, de Rosalía de
Castro (Santiago 1837-Padrón 1885). Un poemario que se le ocurrió
componer a Rosalía al leer el Libro de los cantares (1852) de Antonio
Trueba. De él toma la idea básica, que consiste en glosar, con propia
mano, dichos y cantares populares. Pero Rosalía, y esto es algo que

93
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

ella misma dice en el Prólogo con que encabezó el libro, escribe con
una intención que en el caso de Trueba no era necesaria: reivindicar
el idioma propio y dignificar al pueblo que lo habla, menospreciado
secularmente por ser fiel a su lengua y caricaturizado por aquellos
que creían que era una lengua incapaz de transmitir belleza y
cultura. Es éste un aspecto de la obra de Rosalía que fue escamoteado
sistemáticamente por la crítica oficial, la cual, a cambio, ofreció una
imagen de la poetisa remilgada, romántica, azucarada y descargada
de sus valores más propios y profundos. Fue, Rosalía, sí, un espíritu
delicadísimo, con una sensibilidad muy acusada, pero en sus versos,
aun en los más aparentemente ingenuos, late un grito de protesta
irrenunciable.

De fato, nesta obra inaugural, Rosalía sustenta uma posição galego-


falante. No âmbito de sua poesia, Rosalía traz para as páginas da literatura
algumas singularidades, como é o caso do ritmo popular galego conhecido
como "muiñeira". Ao estudarmos Rosalía de Castro, podemos entender o que
significou o chamado “Romantismo tardio” nas letras hispânicas, visto que a
autora – juntamente com Gustavo Adolfo Bécquer – constitui uma das maiores
representações da literatura romântica espanhola.

DICAS

Recomendamos que você leia o artigo intitulado Rosalía de Castro, la escritora


gallega más universal, publicado no jornal La Voz de Galicia. O texto completo pode ser
acessado em :<https://www.lavozdegalicia.es/noticia/informacion/2015/02/24/rosalia-castro-
escritora-universal-sentimiento-ser-gallego/00031424735206870381619.htm> ou <https://bit.
ly/2kXbjtU>.

DICAS

O livro de poemas En las Orillas del Sar está disponível gratuitamente na página
do Cervantes Virtual! Para acessá-lo, visite: <http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/
en-las-orillas-del-sar--0/html/fedc3584-82b1-11df-acc7-002185ce6064.html> ou <https://bit.
ly/2lEazdn>.

94
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

3 A LITERATURA GAUCHESCA EM JOSÉ HERNÁNDEZ


Se na Espanha percebemos a expressão romântica como uma marca
presente na poesia produzida no século XIX, na América Latina outros fenômenos
literários são detectados além do Romantismo. Um caso bastante singular é o da
chamada Literatura Gauchesca. Alguma vez você ouviu falar no estilo literário
que busca recriar o estilo de vida e a linguagem do gaúcho? Este tipo de literatura
nos traz toda sorte de tipos típicos da região do pampa, como o próprio gaúcho,
o negro, o crioulo, os mestiços e também os gringos.

De acordo com Bella Jozef (1971), durante as lutas da revolução de 1810 na


Argentina, "o citadino e o gaúcho do campo tomaram parte nas mesmas refregas e
assim surgiram poemas populares que adotaram o falar campesino" (p. 82). Ainda
de acordo com a historiadora carioca, a forma da poesia gauchesca "assemelha-se
aos cantares espanhóis" (id) e é comum, nesta forma de expressão poética, o uso
de um quarteto com o nome de milonga. O gênero foi inicialmente inaugurado
pelo argentino Juan Gualberto Godoy (1793-1864), autor de Corro, mas foi com
José Hernández que a poesia gauchesca alcançou sua expressão máxima.

José Hernández (1834-1816) nasceu na Argentina e é o autor da obra


Martín Fierro, considerada hoje um dos livros mais importantes da história da
literatura argentina. O poema teve sua primeira parte publicada em 1872 com o
título de El gaucho Martín Fierro. Já a continuação da obra veio ao conhecimento
do público alguns anos depois, em 1879, com o título de La vuelta de Martín Fierro.
Mas por qual razão Martín Fierro foi – e continua sendo – uma obra de grande
relevância para os estudos literários de língua espanhola?

FIGURA 14 – JOSÉ HERNÁNDEZ

FONTE: <http://brownonline.com.ar/wp-content/uploads/2017/10/2015083109085110151.jpg>.
Acesso em: 23 jun. 2018.

95
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

O primeiro ponto a se ressaltar é a questão do caráter original da poesia


gauchesca. Ao trazer o homem típico do pampa gauchesco para as páginas da
literatura, José Hernandez constrói uma obra de grande valor tanto em nível de
expressão, como em nível de conteúdo. Além dos temas típicos do homem do
pampa, em Martín Fierro encontramos um linguajar próprio do gaúcho e bastante
distinto da forma culta – e por conseguinte literária/poética – da língua espanhola.

Sobre a figura do gaúcho, Jozef (1971, p. 83) esclarece que:


Na extensão pampeana surge um tipo humano, de individualidade
singular, o "gaúcho", durante dois séculos o elemento característico do
pampa, sem cerca e sem telégrafo. É o produto de vários componentes
próprios da planície rio-platense e resultou do contato de espanhóis,
índios, mestiços, escravos africanos e diversos fatores econômicos,
sociais, biológicos e geográficos. Há abundante documentação sobre
o tema, porém, em geral, conforme assinala Rodrígues Molas, serviu
"para dar curso a um romanticismo vulgar, con metáforas fáciles y
frases hechas". O gaúcho apresenta semelhanças com outros grupos
de tipo pastoril, com economia "ganadera" e o cavalo como meio de
transporte, mas as diferenças são fundamentais, devido a múltiplos
fatores culturais e econômicos.

Neste poema narrativo de José Hernández conhecemos Martín Fierro, um


homem típico do campo que vive a pasmaceira de sua vida rural junto com sua
mulher e seus filhos. A vida tranquila da família é interrompida quando Fierro é
convocado para juntar-se aos milicianos que defendem a fronteira argentina. Por
essa razão, o gaúcho precisa abandonar sua família que, sem o apoio de Fierro,
acaba se dissolvendo diante das necessidades. Durante a estada no forte em
combate contra os indígenas, Martín Fierro passa por diversas situações difíceis.
No entanto, o grande choque do personagem ocorre quando este abandona o
forte e decide regressar ao rancho em que levava uma vida tranquila com sua
família. Ao encontrar tudo abandonado, presenciamos outra guinada na vida de
Fierro: já não mais no nível dos acontecimentos externos, mas em uma mudança
de postura diante da realidade. Martín Fierro se transforma em um "gaúcho
matrero", um tipo de homem que frequenta tabernas e outros lugares de público
duvidoso, cometendo inclusive assassinatos e envolvendo-se em situações
complicadas. Observe os seguintes versos pertencentes à primeira parte da obra
na qual conhecemos Martín Fierro:

Capítulo I - Cantor y Gaucho


11
Yo soy toro en mi rodeo
Y torazo en rodeo ajeno;
Siempre me tuve por güeno
Y si me quieren probar,
Salgan otros a cantar
Y veremos quién es menos.

96
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

12
No me hago al lao de la güeya
Aunque vengan degollando,
Con los blandos yo soy blando
Y soy duro con los duros,
Y ninguno en un apuro
Me ha visto andar titubiando.

13
En el peligro, ¡qué Cristos!
El corazón se me enancha,
Pues toda la tierra es cancha,
Y de eso naides se asombre:
El que se tiene por hombre
Ande quiere hace pata ancha.

14
Soy gaucho, y entiendaló
Como mi lengua lo esplica:
Para mí la tierra es chica
Y pudiera ser mayor;
Ni la víbora me pica
Ni quema mi frente el sol

15
Nací como nace el peje
En el fondo de la mar;
Naides me puede quitar
Aquello que Dios me dio
Lo que al mundo truje yo
Del mundo lo he de llevar.

16
Mi gloria es vivir tan libre
Como el pájaro del cielo:
No hago nido en este suelo
Ande hay tanto que sufrir,
Y naides me ha de seguir
Cuando yo remuento el vuelo.

17
Yo no tengo en el amor
Quien me venga con querellas;
Como esas aves tan bellas
Que saltan de rama en rama,
Yo hago en el trébol mi cama,
Y me cubren las estrellas.

97
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

18
Y sepan cuantos escuchan
De mis penas el relato,
Que nunca peleo ni mato
Sino por necesidá,
Y que a tanta alversidá
Sólo me arrojó el mal trato

19
Y atiendan la relación
que hace un gaucho perseguido,
que padre y marido ha sido
empeñoso y diligente,
y sin embargo la gente
lo tiene por un bandido

Logo no princípio encontramos um linguajar de um típico homem sem


instrução. Quando José Hernández enviou os originais de Martín Fierro ao editor
José Zoilo Miguens, o autor advertiu a respeito da natureza rude e não erudita
do personagem, criado à luz do homem do campo: "Es un pobre gaucho, con
todas las imperfecciones de forma que el arte tiene todavía entre ellos, y con toda
la falta de enlace en sus ideas, en las que no existe siempre una sucesión lógica,
descubriéndose frecuentemente entre ellas apenas una relación oculta y remota"
(HERNÁNDEZ, 2011, p. 5). O autor explica que, ao escrever Martín Fierro,
empreendeu poderoso esforço em retratar nas páginas da literatura um tipo que
conseguisse personificar o modo de ser do homem pampeano, sem educação e de
características próprias e inconfundíveis:
Me he esforzado, sin presumir haberlo conseguido, en presentar un
tipo que personificara el carácter de nuestros gauchos, concentrando
el modo de ser, de sentir, de pensar y de expresarse, que les es peculiar,
dotándolo con todos los juegos de su imaginación llena de imágenes y
de colorido, con todos los arranques de su altivez, inmoderados hasta
el crimen, y con todos los impulsos y arrebatos, hijos de una naturaleza
que la educación no ha pulido y suavizado.

Se na Argentina, um país ao sul da América do Sul, encontramos em


Martín Fierro a expressão típica do povo de uma cultura transnacional, a cultura
gauchesca, na Espanha – do outro lado do Oceano Atlântico –, pelo menos dois
nomes de grande relevância colaboraram para a renovação social, cultural,
estética e poética na lírica espanhola, ainda no século XIX: Antonio Machado e
Miguel de Unamuno.

98
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

4 ANTONIO MACHADO E A CRÍTICA ÀS MENTALIDADES


COLETIVAS
Antonio Machado foi um significativo poeta espanhol, nascido em
1875 e falecido em 1939. Atualmente reconhece-se Machado como um grande
expoente do Modernismo espanhol e também da chamada Generación del 98.
Além da poesia, Machado dedicou-se com afinco também à arte dramática
e à narrativa. No horizonte de influências do poeta sevilhano se encontravam
agitadas movimentações culturais, com viagens frequentes a Paris e encontros
com o consagrado poeta nicaraguense Ruben Darío. Você recorda quando
comentamos anteriormente o poema Canción de otoño en primavera, de Darío? A
amizade entre ambos os poetas proporcionou uma interessante troca cultural.
Machado ingressou como membro da Real Academia Española no ano de 1927.
Nesta ocasião, conheceu a poeta Pilar de Valderrama, artista que – segundo
sua biografia no centro de Documentación do Instituto Cervantes (s.d., s.p.) –
converteu-se em sua amada.

FIGURA 15 – ANTONIO MACHADO

FONTE: <https://i2.wp.com/www.jornalopcao.com.br/wp-content/uploads/2017/07/
imagem-p.11.jpg?w=620&ssl=1>. Acesso em: 23 jun. 2018.

Consta na biografia do poeta que a Guiomar a quem o poeta dedica suas


Canciones a Guiomar não é ninguém menos que Pilar:
En un jardín te he soñado,
alto, Guiomar sobre el río,
jardín de un tiempo cerrado
con verjas de hierro frío.

Un ave insólita canta


en el almez, dulcemente,
junto al agua viva y santa,
toda sed y toda fuente.

99
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

En ese jardín, Guiomar,


el mutuo jardín que inventan
dos corazones al par,
se funden y complementan
nuestras horas. Los racimos
de un sueño -juntos estamos-
en limpia copa exprimimos,
y el doble cuento olvidamos.

(Uno: Mujer y varón,


aunque gacela y león,
llegan juntos a beber.
El otro: No puede ser
amor de tanta fortuna:
dos soledades en una,
ni aun de varón y mujer.)

Por ti la mar ensaya olas y espumas,


y el iris, sobre el monte, otros colores,
y el faisán de la aurora canto y plumas,
y el búho de Minerva ojos mayores.
Por ti, ¡oh Guiomar!...

De acordo com o Instituto Cervantes, se podem destacar três aspectos na


poesia de Antonio Machado:

el entorno intelectual de sus primeros años, marcado primero por


la figura de su padre, estudioso del folclore andaluz, y después por
el espíritu de la Institución Libre de Enseñanza; la influencia de sus
lecturas filosóficas, entre las que son destacables las de Bergson y
Unamuno; y, en tercer lugar, su reflexión sobre la España de su tiempo.
La poética de Ruben Darío, aunque más acusada en los primeros años,
es una influencia constante (s.d. s.p.).

Este último aspecto, tocante à Espanha do seu tempo, é um dos pontos mais
nevrálgicos da poesia de Machado, visto que se trata de uma fase do poeta que
coincidiu com um período turbulento da história da Espanha no século XX.

Vale mencionar que, em meados de 1936, dois anos antes de sua morte
em um hotel na cidade francesa de Collioure, Antonio Machado foi enviado
para viver em Valência para que não sofresse o mesmo fim do também poeta e
dramaturgo Federico García Lorca, fuzilado naquele mesmo ano em Granada.

100
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

FIGURA 16 – FEDERICO GARCÍA LORCA

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/d9/15/88/d91588ca4871b30bd37c89f01213ba03.jpg>.
Acesso em: 25 jun. 2018.

O poema El Mañana Efímero foi escrito em 1913 e se trata de uma forte


crítica social. Há quem diga – ver o artigo El mañana efímero que llegó para quedarse,
publicado no suplemento La Cuarta Página do jornal El País – que, apesar de o
poema já possuir mais de um século de vida, sua crítica e sua atemporalidade
mantêm-se atuais como se tivesse sido concebido no século XXI. No poema, o eu-
lírico efetua uma dura crítica ao pensamento e às tradições, uma espécie de crítica
corrosiva a uma mentalidade coletiva com postura inerte (perceba a imagem
poética do bocejo): "Esa España inferior que ora y bosteza".

El mañana efímero
La España de charanga y pandereta,
cerrado y sacristía,
devota de Frascuelo y de María,
de espíritu burlón y de alma quieta,
ha de tener su marmol y su día,
su infalible mañana y su poeta.
En vano ayer engendrará un mañana
vacío y por ventura pasajero.
Será un joven lechuzo y tarambana,
un sayón con hechuras de bolero,
a la moda de Francia realista
un poco al uso de París pagano
y al estilo de España especialista

101
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

en el vicio al alcance de la mano.


Esa España inferior que ora y bosteza,
vieja y tahúr, zaragatera y triste;
esa España inferior que ora y embiste,
cuando se digna usar la cabeza,
aún tendrá luengo parto de varones
amantes de sagradas tradiciones
y de sagradas formas y maneras;
florecerán las barbas apostólicas,
y otras calvas en otras calaveras
brillarán, venerables y católicas.
En vano ayer engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura! pasajero,
la sombra de un lechuzo tarambana,
de un sayón con hechuras de bolero;
el vacio ayer dará un mañana huero.
Como la náusea de un borracho ahíto
de vino malo, un rojo sol corona
de heces turbias las cumbres de granito;
hay un mañana estomagante escrito
en la tarde pragmática y dulzona.
Mas otra España nace,
la España del cincel y de la maza,
con esa eterna juventud que se hace
del pasado macizo de la raza.
Una España implacable y redentora,
España que alborea
con un hacha en la mano vengadora,
España de la rabia y de la idea.

FIGURA 17 – O BOCEJO COMO IMAGEM POÉTICA DA INÉRCIA

FONTE: <http://estaticos.muyinteresante.es/rcs/articles/2415/bostezo.jpg>.
Acesso em: 25 jun. 2018.

Vale mencionar que a crítica social em Antonio Machado não se restringiu


ao poema "El Mañana Efímero". Em seu famoso Proverbios y cantares, por exemplo,
o poeta sevilhano volta a utilizar a imagem do bocejo e também apresenta a ideia
de que existem duas Espanhas: uma que boceja e outra que morre.

102
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

Ya hay un español que quiere


vivir y a vivir empieza,
entre una España que muere
y otra España que bosteza.
Españolito que vienes
al mundo, te guarde Dios.
Una de las dos Españas
ha de helarte el corazón.

O futuro – as gerações de espanhoizinhos que virão – deverá ser tocado


inevitavelmente por um destes dois extremos. A crítica de Antonio Machado à
sociedade de seu tempo reverberará no âmago do campo literário e, para além
da já mencionada morte de Federico García Lorca, também propulsionará a
ocorrência de eventos dramáticos, como a experiência de Miguel de Unamuno,
tema do nosso próximo subtópico.

5 MIGUEL DE UNAMUNO
Miguel de Unamuno y Jugo nasceu na cidade vasca de Bilbau em 1864 e
faleceu em 1936. Com uma vida consideravelmente longa para os séculos XIX-XX,
Unamuno dedicou-se com afinco à atividade intelectual, legando à posteridade
obras de grande qualidade em nível poético, filosófico, dramaturgo, ensaístico
e romanesco. Assim como Antonio Machado, Unamuno foi um dos grandes
expoentes da chamada Geração de 98.

FIGURA 18 – MIGUEL DE UNAMUNO EM 1925

FONTE: <https://uklitag.com/wp-content/uploads/2016/04/Miguel_de_Unamuno_
Meurisse_c_1925_550.jpg>. Acesso em: 10 ago 2018.

103
UNIDADE 2 | A POESIA EM LÍNGUA ESPANHOLA: O CÂNONE E O ATUAL

Unamuno foi um dos principais pensadores na Espanha de uma corrente


filosófica internacional, conhecida como existencialismo cristão. Em linhas gerais,
esta corrente filosófica entende o universo como um grande paradoxo, cujo nexo
central é a união da tríade Deus-Homem-Jesus Cristo. Apesar da adesão de
Unamuno a essa filosofia, não se pode dizer que a obra do poeta se restringe a
isso. Além disso, Unamuno também foi um escritor bastante profícuo e nos legou
uma obra riquíssima em conteúdo. Politicamente, o autor apoiou o franquismo
em seus primeiros anos e, após perceber a violência da política franquista, voltou-
se contra o regime.

A poesia de Unamuno é carregada de crítica e de metarreflexão existencial,


como é o caso de ¿Por qué esos lirios que los hielos matan?, um poema cujo cerne são
diversas perguntas que se sucedem verso após verso:
¿Por qué esos lirios que los hielos matan?
¿Por qué esas rosas a que agosta el sol?
¿Por qué esos pajarillos que sin vuelo
se mueren en plumón?

¿Por qué derrocha el cielo tantas vidas


que no son de otras nuevas eslabón?
¿Por qué fue dique de tu sangre pura
tu pobre corazón?

¿Por qué no se mezclaron nuestras sangres


del amor en la santa comunión?
¿Por qué tú y yo, Teresa de mi alma
no dimos granazón?

¿Por qué, Teresa, y para qué nacimos?


¿Por qué y para qué fuimos los dos?
¿Por qué y para qué es todo nada?
¿Por qué nos hizo Dios?

FONTE: UNAMUNO, Miguel de. ¿Por qué esos lirios que los hielos matan? Disponível em:
<https://www.poemas.de/por-que-esos-lirios-que-los-hielos-matan/>. Acesso em: 11 set. 2018.

Um dos incidentes de maior relevância na biografia do escritor espanhol


aconteceu na Universidade de Salamanca, no auge do franquismo. Na época
Unamuno era reitor da referida universidade e se encontrava em uma cerimônia
de abertura do ano letivo. O fato ocorreu em outubro de 1936, mesmo ano em que
Federico García Lorca foi assassinado. A contenda aconteceu quando Unamuno
enfrentou o general franquista Millán-Astray, quando este declarou morte aos
intelectuais e ao pensamento, glorificando o fascismo e a soberania da força sobre
as ideias. Sem deixar barato, em um rompante de coragem e de nobreza, Unamuno
proferiu a famosa frase: "Venceréis, pero no convenceréis. Venceréis porque tenéis
sobrada fuerza bruta, pero no convenceréis porque convencer significa persuadir. Y
para persuadir necesitáis algo que os falta en esta lucha, razón y derecho. Me parece
inútil pediros que penséis en España". Após esta fala, Unamuno foi hostilizado
pelo público presente. No entanto, saiu acompanhado por Carmen Polo (esposa do
ditador Franco). Unamuno morreu naquele mesmo ano.

104
TÓPICO 3 | RENOVAÇÃO NA POESIA DO MUNDO

LEITURA COMPLEMENTAR

DISCURSO EN LA UNIVERSIDAD DE SALAMANCA

Miguel de Unamuno

Estáis esperando mis palabras. Me conocéis bien, y sabéis que soy incapaz
de permanecer en silencio. A veces, quedarse callado equivale a mentir, porque
el silencio puede ser interpretado como aquiescencia. Quiero hacer algunos
comentarios al discurso -por llamarlo de algún modo- del profesor Maldonado,
que se encuentra entre nosotros. Se ha hablado aquí de guerra internacional
en defensa de la civilización cristiana; yo mismo lo hice otras veces. Pero no, la
nuestra es sólo una guerra incivil. Vencer no es convencer, y hay que convencer,
sobre todo, y no puede convencer el odio que no deja lugar para la compasión.
Dejaré de lado la ofensa personal que supone su repentina explosión contra vascos
y catalanes llamándolos anti-España; pues bien, con la misma razón pueden ellos
decir lo mismo. El señor obispo lo quiera o no lo quiera, es catalán, nacido en
Barcelona, y aquí está para enseñar la doctrina cristiana que no queréis conocer.
Yo mismo, como sabéis, nací en Bilbao y llevo toda mi vida enseñando la lengua
española, que no sabéis.

Acabo de oír el necrófilo e insensato grito "¡Viva la muerte!". Esto me


suena lo mismo que "¡Muera la vida!". Y yo, que he pasado mi vida componiendo
paradojas que excitaban la ira de algunos que no las comprendían he de deciros,
como experto en la materia, que esta ridícula paradoja me parece repelente. Como
ha sido proclamada en homenaje al último orador, entiendo que va dirigida a él,
si bien de una forma excesiva y tortuosa, como testimonio de que él mismo es
un símbolo de la muerte. El general Millán-Astray es un inválido. No es preciso
que digamos esto con un tono más bajo. Es un inválido de guerra. También lo
fue Cervantes. Pero los extremos no sirven como norma. Desgraciadamente en
España hay actualmente demasiados mutilados. Y, si Dios no nos ayuda, pronto
habrá muchísimos más. Me atormenta el pensar que el general Millán-Astray
pudiera dictar las normas de la psicología de las masas. Un mutilado que carezca
de la grandeza espiritual de Cervantes, que era un hombre, no un superhombre,
viril y completo a pesar de sus mutilaciones, un inválido, como he dicho, que
no tenga esta superioridad de espíritu es de esperar que encuentre un terrible
alivio viendo cómo se multiplican los mutilados a su alrededor. El general Millán
Astray desea crear una España nueva, creación negativa sin duda, según su
propia imagen. Y por eso quisiera una España mutilada.

Éste es el templo de la inteligencia, y yo soy su sumo sacerdote! Vosotros


estáis profanando su sagrado recinto. Yo siempre he sido, diga lo que diga el
proverbio, un profeta en mi propio país. Venceréis, porque tenéis sobrada fuerza
bruta. Pero no convenceréis, porque para convencer hay que persuadir. Y para
persuadir necesitaréis algo que os falta: razón y derecho en la lucha. Me parece
inútil el pediros que penséis en España. He dicho.
FONTE: Disponível em: <https://www.ersilias.com/discurso-de-miguel-de-unamuno-en-la-
universidad-de-salamanca-el-12-de-octubre-de-1936/>. Acesso em: 11 set. 2018.

105
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Tanto na Espanha como na América Latina a poesia vem sofrendo constantes


processos de mudança ao longo do tempo.

• Rosalía de Castro renovou as letras galegas e universalizou-se graças à


qualidade da sua obra poética.

• A literatura gauchesca encontrou em José Hernández sua expressão máxima.

• Em Martín Fierro percebemos o uso poético do linguajar de um típico homem


pampeano sem instrução.

• No processo construtivo de Martín Fierro, o autor empreendeu poderoso esforço


em buscar retratar nas páginas da literatura um tipo que lograsse personificar o
modo de ser do homem pampeano, sem educação e de características próprias
e inconfundíveis.

• Antonio Machado realizou uma poesia voltada tanto para as emoções como
também para a crítica ao pensamento espanhol.

• A poesia de Unamuno possui forte crítica e metarreflexão existencial.

106
AUTOATIVIDADE

1 Considere a leitura do poema El mañana efímero, de Antonio Machado:

El mañana efímero
La España de charanga y pandereta,
cerrado y sacristía,
devota de Frascuelo y de María,
de espíritu burlón y de alma quieta,
ha de tener su marmol y su día,
su infalible mañana y su poeta.
En vano ayer engendrará un mañana
vacío y por ventura pasajero.
Será un joven lechuzo y tarambana,
un sayón con hechuras de bolero,
a la moda de Francia realista
un poco al uso de París pagano
y al estilo de España especialista
en el vicio al alcance de la mano.
Esa España inferior que ora y bosteza,
vieja y tahúr, zaragatera y triste;
esa España inferior que ora y embiste,
cuando se digna usar la cabeza,
aún tendrá luengo parto de varones
amantes de sagradas tradiciones
y de sagradas formas y maneras;
florecerán las barbas apostólicas,
y otras calvas en otras calaveras
brillarán, venerables y católicas.
En vano ayer engendrará un mañana
vacío y ¡por ventura! pasajero,
la sombra de un lechuzo tarambana,
de un sayón con hechuras de bolero;
el vacio ayer dará un mañana huero.
Como la náusea de un borracho ahíto
de vino malo, un rojo sol corona
de heces turbias las cumbres de granito;
hay un mañana estomagante escrito
en la tarde pragmática y dulzona.
Mas otra España nace,
la España del cincel y de la maza,
con esa eterna juventud que se hace
del pasado macizo de la raza.
Una España implacable y redentora,
España que alborea
con un hacha en la mano vengadora,
España de la rabia y de la idea.

Agora marque a alternativa correta:

a) ( ) O poema é uma crítica à mentalidade espanhola do tempo de Antonio


Machado.
b) ( ) Trata-se de um poema romântico de teor existencialista.

107
c) ( ) O eu-lírico expressa uma visão otimista de mundo.
d) ( ) O poema, de teor predominantemente romântico, nos mostra uma
visão idealista de mundo.
e) ( ) No poema percebemos uma Espanha que abre mão da diversão em
prol da tortura.

2 Convidamos você a assistir ao vídeo: Filosofía aquí y ahora – José


Hernández y Martín Fierro. Acesse-o em: <https://www.youtube.com/
watch?v=AzPAT3qo-PU> ou em <https://bit.ly/1oJOdm7>.

Agora responda às seguintes perguntas:

1 O livro de José Hernandez inaugura a literatura gauchesca?


2 Que termo é utilizado no documentário para caracterizar Martín Fierro?
3 O que descreve o poema de José Hernández?

3 Considerando as leituras realizadas nesta unidade, escreva um texto


dissertativo-argumentativo comentando a diversidade de temas e a
renovação nas literaturas de língua espanhola. O texto deverá ser escrito
em espanhol. Você é livre para abordar qualquer um dos aspectos vistos ao
longo desta unidade.

108
UNIDADE 3

O CONTO HISPANO-AMERICANO, O
TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE
OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as diferentes expressões do conto latino-americano ao longo da


história, lançando um olhar sobre significativos contistas;
• estudar a indissolubilidade dos elementos históricos à obra de
determinados autores, como é o caso de Juana Manuela Gorriti e Esteban
Echeverría;
• vislumbrar experiências estéticas relevantes para o campo dos estudos
literários de língua espanhola, como o caso da prosa poética modernista
de Ruben Darío;
• entender as bases do drama em língua espanhola e a importância do teatro
produzido na Espanha e na América Latina;
• estudar a teoria do drama em língua espanhola e suas principais linhas
distintivas da teoria do drama clássico;
• observar as variáveis que configuraram o teatro do século de ouro e estudar
a relevância deste período para o gênero dramático;
• conhecer obras e autores importantes para o século de ouro, como
Fuenteovejuna, El Perro del Hortelano (Lope de Vega) e El Burlador de Sevilla
y convidado de piedra (Tirso de Molina);
• estudar o surgimento do teatro na América hispânica, considerando o
contexto sócio-histórico;
• compreender a relevância de obras pré-colombianas, como Rabinal Achí e Ollantay.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O CONTO LATINO-AMERICANO

TÓPICO 2 – O TEATRO DO SÉCULO DE OURO: UMA NOVA ESTRUTURA


PARA O DRAMA

TÓPICO 3 – O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

109
110
UNIDADE 3
TÓPICO 1

O CONTO LATINO-AMERICANO

1 INTRODUÇÃO
De acordo com Seymour Menton, um dos mais importantes estudiosos
da literatura hispano-americana, o conto é uma narração “fingida en todo, o en
parte, creada por un autor, que se puede leer en menos de una hora y cuyos
elementos contribuyen em producir un solo efecto" (MENTON, 1988, p. 8). O
conto é, então, uma narração breve, cujo núcleo central é seguido pelo leitor do
princípio da narrativa até o clímax, momento de tensão máxima.

Ainda de acordo com o autor, o conto não surge nas letras hispano-
americanas antes das guerras de independência no período romântico. Desta
época até os dias atuais, a literatura hispano-americana conheceu contistas de
grande destreza narrativa. Considerando a riqueza geográfico-intelectual das
letras na América hispano-falante, ao lançarmos um olhar retrospectivo, podemos
perceber grandes histórias e narradores situados em tempos e lugares específicos.

FIGURA 1 – A MAGIA DO CONTO NA AMÉRICA LATINA

FONTE: <https://cdn.pixabay.com/photo/2017/10/24/17/02/books-2885315_960_720.jpg>.
Acesso em: 18 jul. 2018.

111
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Neste capítulo, conheceremos contistas de significativa relevância para


as letras hispano-americanas. Abordaremos, nas páginas seguintes, nomes que
produziram contos nos séculos XIX e XX, nomeadamente Esteban Echeverría,
Juana Manuela Gorritti, Horácio Quiroga e Ruben Darío.

2 O URUGUAIO HORÁCIO QUIROGA: LOUCURA, PAIXÃO


E MORTE
Horacio Quiroga (1879-1937), um dos mais importantes contistas
uruguaios de todos os tempos, constitui um caso especial na literatura hispano-
americana. O primeiro ponto a ser ressaltado é o caráter literário da produção
legada por Quiroga: com temas ligados ao horror, à loucura e à morte, o contista
uruguaio aproximou-se da temática explorada com destreza por outros mestres,
como o estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849). Na contra face dessa
produção, habitada por situações caóticas, encontra-se uma biografia que em
pouco se distinguia da ficção produzida por Quiroga: é de conhecimento notório
que o autor possuiu uma vida essencialmente trágica, envolta pela doença, pelas
dificuldades financeiras e pelo suicídio.

FIGURA 2 – HORACIO QUIROGA

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-uYLgFzlZAmg/VX7nvqmpVFI/AAAAAAAAG4o/hDLBKAc2kWY/
s320/horacio-quiroga.jpeg>. Acesso em: 22 jul. 2018.

112
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

John O'Kuinghttons, na introdução da versão brasileira da coletânea


Contos de horror, loucura e morte (2013), nos conta um pouco mais sobre a vida
trágica de Quiroga. De acordo com o tradutor, muito do que o leitor encontra
na literatura de Quiroga constitui, nos limites dos entremeios entre realidade e
ficção – saliente-se –, a expressão da biografia do próprio autor: "Não existe obra
de arte literária que não seja autobiográfica: o autor se revela na escolha do tema,
nos espaços, nos nomes, nos julgamentos, nas conclusões, na preferência por este
ou aquele verbo, adjetivo ou sintaxe" (O'KUINGHTTONS, 2013, p. 9).

De fato, entre tantos acontecimentos trágicos de conhecimento público


na biografia de Quiroga, destacam-se algumas tragédias: de acordo com
O'Kuinghttons (2013, p. 9), em 1901:
seu amigo, o escritor Federico Ferrando, não aceitou a vinculação com
um ladrão divulgada pelo jornalista Germán Papini e decidiu enfrentá-
lo num duelo . Quiroga se oferece para mostrar o uso da arma de cano
duplo, mas no manuseio o revólver dispara e a bala atravessa a boca
do amigo, matando-o instantaneamente.

O fato levou Quiroga à prisão e a sessões de interrogatório. Apesar de se


tratar de um homicídio, o autor logrou comprovar que a fatalidade foi resultado
de um acidente.

O'Kuinghttons nos conta que o pai de Quiroga morreu também vítima de


um disparo acidental de arma de fogo. Já o padrasto de Quiroga, após casar-se
com a mãe do escritor, sofreu uma afasia e resultou paralítico. Sem perspectivas,
o homem também cometeu suicídio. Mas a sucessão de tragédias não parou por
aí: "dois de seus irmãos, Pastora e Juan Prudencio, faleceram de febre tifoide;
sua primeira esposa, Ana Maria Cirés, agonizou durante dias após se envenenar"
(O'KUINGHTTONS, 2013, p. 10). Quiroga produziu sua literatura em meio
a este turbilhão de acontecimentos pessoais, sem qualquer domínio sobre a
realidade que o cercava. O escritor suicidou-se ingerindo cianureto em 1937. A
tragédia, como uma espécie de herança familiar, alastrou-se aos três filhos do
autor, que também seguiram a maldição e igualmente cometeram suicídio: "Eglé
se matou em 1937. Darío o seguiu em 1952. María Elena se suicidou em 1988"
(O'KUINGHTTONS, 2013, p. 14).

113
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

FIGURA 3 – QUIROGA E SUA PRIMEIRA ESPOSA, ANA MARIA CIRÉS

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/559994534896302932/>. Acesso em: 22 jul. 2018.

Mas por qual razão trouxemos todos estes dados biográficos? O primeiro
ponto a ressaltar é a ligação naturalmente estabelecida por historiadores
e críticos literários: a literatura de horror de Quiroga não pode ser vista
dissociada das inúmeras tragédias que o autor experienciou em vida. Ao
olharmos retroativamente, é como se a tragédia e o suicídio como recurso
último constituíssem um fio que atravessasse a vida daquelas pessoas. E essa
é exatamente a perspectiva que encontramos na literatura de Quiroga: em seus
contos, a desgraça é o elemento que apanha os personagens de surpresa, sem que
estes tenham qualquer possibilidade de controle sobre o que lhes ocorre.

Quiroga legou-nos uma vasta obra produzida ao longo de 35 anos. E.


Anderson Imbert (1959 , p. 463), em sua Historia de la literatura Hispano-americana
(II), afirma que Horacio Quiroga foi o grande narrador de temas anormais.

Se ha observado, en los últimos años, Quiroga pareció desviarse del


cuento al periodismo: artículos, crónicas, comentarios. Sin embargo,
escribió cuentos hasta el último instante, si bien no tan buenos como
los de la serie que culmino en "El hijo". La acción de gran parte de
sus cuentos transcurre en medio de la naturaleza bárbara; a veces
sus protagonistas son animales; y, si son hombres, suelen aparecer
deshechos por las fuerzas naturales. Se ha dicho, por lo tanto, que
Quiroga es típico de un aspecto de la literatura hispanoamericana: la
geografía y la zoología como más significativas que la historia y la

114
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

antropología. Pero ni la selva ni las víboras escriben cuentos: es un


hombre quien los escribe, no las cosas, lo significativo en literatura. Y
este hombre Quiroga, para quien la naturaleza era un tema literario,
no tenía nada de primitivo. Era un autor de compleja espiritualidad,
refinado en su cultura, con una mórbida organización nerviosa.

Um dos contos mais emblemáticos do autor é La gallina degollada. A


história se centra no drama presente no casamento dos Mazzini-Ferraz: todos os
filhos que o casal teve foram vítimas de meningite. A doença não os matou, mas
ocasionou um notável retardamento mental. O casal, mergulhado em uma crise
conjugal envolta por acusações e troca de ofensas, por fim consegue ter uma filha
sem a enfermidade. Após o nascimento de Bertita, prontamente os quatro filhos
homens do casal foram deixados de lado, já que a atenção do casal e o cuidado se
voltou somente para a pequena.

Um dia, após observar a empregada degolando um frango para o almoço,


os quatro irmãos fazem o mesmo com Bertita. La gallina degollada é, sem dúvidas,
um dos contos mais fortes de Horacio Quiroga, visto que envolve dramas
familiares, doenças incuráveis, sequelas mentais, cenas de violência e infanticídio.

FIGURA 4 – OS QUATRO IRMÃOS E AS GALINHAS

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-RnUXLUicjLc/WgRDv1FPoWI/AAAAAAAAmrM/
Yac1kSq4xl09KOiCAjI4jv6cOGhkAOuYwCLcBGAs/s640/gallina_horacio_quiroga.jpg>.
Acesso em: 20 jul. 2018.

Convidamos você, agora, a ler o conto El Almohadón de Plumas. Este conto,


juntamente com La gallina degollada, faz parte da lista de contos mais conhecidos
do escritor uruguaio. Realize a leitura neste momento. Ela será necessária para a
realização da autoatividade que você encontrará ao término deste tópico.

115
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

El almohadón de plumas
Horacio Quiroga

Su luna de miel fue un largo escalofrío. Rubia, angelical y tímida, el


carácter duro de su marido heló sus soñadas niñerías de novia. Ella lo quería
mucho, sin embargo, a veces con un ligero estremecimiento cuando volviendo
de noche juntos por la calle, echaba una furtiva mirada a la alta estatura de
Jordán, mudo desde hacía una hora. Él, por su parte, la amaba profundamente,
sin darlo a conocer.
 
Durante tres meses – se habían casado en abril – vivieron una dicha especial.

Sin duda hubiera ella deseado menos severidad en ese rígido cielo de
amor, más expansiva e incauta ternura; pero el impasible semblante de su
marido la contenía siempre.

La casa en que vivían influía un poco en sus estremecimientos. La


blancura del patio silencioso – frisos, columnas y estatuas de mármol – producía
una otoñal impresión de palacio encantado. Dentro, el brillo glacial del estuco,
sin el más leve rasguño en las altas paredes, afirmaba aquella sensación de
desapacible frío. Al cruzar de una pieza a otra, los pasos hallaban eco en toda
la casa, como si un largo abandono hubiera sensibilizado su resonancia.

En ese extraño nido de amor, Alicia pasó todo el otoño. No obstante,


había concluido por echar un velo sobre sus antiguos sueños, y aún vivía
dormida en la casa hostil, sin querer pensar en nada hasta que llegaba su
marido.

No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que se


arrastró insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al fin una tarde
pudo salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba indiferente a uno y otro
lado. De pronto Jordán, con honda ternura, le pasó la mano por la cabeza, y Alicia
rompió en seguida en sollozos, echándole los brazos al cuello. Lloró largamente
todo su espanto callado, redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia. Luego
los sollozos fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en su cuello,
sin moverse ni decir una palabra.

Fue ese el último día que Alicia estuvo levantada. Al día siguiente
amaneció desvanecida. El médico de Jordán la examinó con suma atención,
ordenándole calma y descanso absolutos.

– No sé – le dijo a Jordán en la puerta de calle, con la voz todavía baja.


Tiene una gran debilidad que no me explico, y sin vómitos, nada… Si mañana
se despierta como hoy, llámeme enseguida.

116
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Constatóse una anemia
de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más
desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio
estaba con las luces prendidas y en pleno silencio. Pasábanse horas sin oír el
menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía casi en la sala, también con toda
la luz encendida. Paseábase sin cesar de un extremo a otro, con incansable
obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos. A ratos entraba en el dormitorio y
proseguía su mudo vaivén a lo largo de la cama, mirando a su mujer cada vez
que caminaba en su dirección.

Pronto Alicia comenzó a tener alucinaciones, confusas y flotantes


al principio, y que descendieron luego a ras del suelo. La joven, con los ojos
desmesuradamente abiertos, no hacía sino mirar la alfombra a uno y otro lado
del respaldo de la cama. Una noche se quedó de repente mirando fijamente. Al
rato abrió la boca para gritar, y sus narices y labios se perlaron de sudor.

– ¡Jordán! ¡Jordán! – clamó, rígida de espanto, sin dejar de mirar la alfombra.


– Jordán corrió al dormitorio, y al verlo aparecer Alicia dio un alarido de
horror.
– ¡Soy yo, Alicia, soy yo!

Alicia lo miró con extravió, miró la alfombra, volvió a mirarlo, y después


de largo rato de estupefacta confrontación, se serenó. Sonrió y tomó entre las
suyas la mano de su marido, acariciándola temblando.

Entre sus alucinaciones más porfiadas, hubo un antropoide, apoyado


en la alfombra sobre los dedos, que tenía fijos en ella los ojos.

Los médicos volvieron inútilmente. Había allí delante de ellos una vida
que se acababa, desangrándose día a día, hora a hora, sin saber absolutamente
cómo. En la última consulta Alicia yacía en estupor mientras ellos la pulsaban,
pasándose de uno a otro la muñeca inerte. La observaron largo rato en silencio
y siguieron al comedor.

– Pst… – se encogió de hombros desalentado su médico. Es un caso serio…


poco hay que hacer…

– ¡Sólo eso me faltaba! – resopló Jordán. Y tamborileó bruscamente sobre la mesa.

Alicia fue extinguiéndose en su delirio de anemia, agravado de tarde,


pero que remitía siempre en las primeras horas. Durante el día no avanzaba su
enfermedad, pero cada mañana amanecía lívida, en síncope casi. Parecía que
únicamente de noche se le fuera la vida en nuevas alas de sangre. Tenía siempre
al despertar la sensación de estar desplomada en la cama con un millón de kilos
encima. Desde el tercer día este hundimiento no la abandonó más. Apenas podía
mover la cabeza. No quiso que le tocaran la cama, ni aún que le arreglaran el

117
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

almohadón. Sus terrores crepusculares avanzaron en forma de monstruos que se


arrastraban hasta la cama y trepaban dificultosamente por la colcha.

Perdió luego el conocimiento. Los dos días finales deliró sin cesar a
media voz. Las luces continuaban fúnebremente encendidas en el dormitorio y
la sala. En el silencio agónico de la casa, no se oía más que el delirio monótono
que salía de la cama, y el rumor ahogado de los eternos pasos de Jordán.

Alicia murió, por fin. La sirvienta, que entró después a deshacer la


cama, sola ya, miró un rato extrañada el almohadón.

– ¡Señor! -llamó a Jordán en voz baja –. En el almohadón hay manchas que


parecen de sangre.

Jordán se acercó rápidamente y se dobló a su vez. Efectivamente, sobre


la funda, a ambos lados del hueco que había dejado la cabeza de Alicia, se veían
manchitas oscuras.

– Parecen picaduras – murmuró la sirvienta después de un rato de inmóvil observación.

– Levántelo a la luz – le dijo Jordán.

La sirvienta lo levantó, pero enseguida lo dejó caer, y se quedó mirando


a aquél, lívida y temblando. Sin saber por qué, Jordán sintió que los cabellos se
le erizaban.

– ¿Qué hay? – murmuró con la voz ronca.

– Pesa mucho – articuló la sirvienta, sin dejar de temblar.

Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamene. Salieron con él, y sobre


la mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo. Las plumas
superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda la boca abierta,
llevándose las manos crispadas a los bandós. Sobre el fondo, entre las plumas,
moviendo lentamente las patas velludas, había un animal monstruoso , una bola
viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que apenas se le pronunciaba la boca.

Noche a noche, demde que Alicia había caído en cama, había aplicado
sigilosamente su boca – su trompa, mejor dicho – a las sienes de aquélla,
chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción diaria
del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde que la joven
no pudo moverse, la succión fue vertiginosa. En cinco días, en cinco noches,
había viciado a Alicia.

118
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

Estos parásitos de las aves, diminutos en el medio habitual, llegan a adquirir


en ciertas condiciones proporciones enormes. La sangre humana parece serles
particularmente favorable, y no es raro hallarlos en los almohadones de pluma.
Fonte: QUIROGA, Horacio. Cuentos de amor, locura y muerte. Disponível em: <https://
ciudadseva.com/texto/el-almohadon-de-plumas/>. Acesso em: 22 jul. 2018.

DICAS

Como já consta 70 anos da morte de Quiroga, você


pode encontrar algumas das obras do autor gratuitamente para
download. Sugerimos a edição disponível no website argentino
Biblioteca.ar. Para baixar o conteúdo, acesse: <http://www.biblioteca.
org.ar/libros/211732.pdf>.

3 A HISTÓRIA SOCIAL DA ARGENTINA EM JUANA MANUELA


GORRITI
Juana Manuela Gorriti (1818-1892), escritora argentina nascida na
Província de Salta, legou uma significativa obra literária, com incursão em contos
e romances. Seus contos, com forte influência do Romantismo, são ambientados
em espaços típicos de seu tempo, como personagens históricos, situações
políticas que foram partes da história da Argentina, além de outros elementos
historicamente identificáveis, como a contenda entre unitários e federalistas.

Se em Horacio Quiroga encontramos a confluência entre a obra e a vida


pessoal do autor, em Gorriti encontramos uma junção semelhante, visto que a
autora vivenciou em certa medida os fatos históricos que descreve em seus textos.
A família de Gorriti se instalou na Bolívia quando a autora tinha 13 anos de
idade. José Inácio Gorriti, o pai da escritora, era um importante militar argentino
que lutou na guerra da Independência argentina (1810-1816). A mudança de
Gorriti para Tarija (Bolívia) foi ocasionada justamente por motivação política.
Politicamente, a família Gorriti pertencia ao bando Unitário. Naquela época havia
um forte embate entre unitários e federalistas.

119
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

FIGURA 5 – JUANA MANUELA GORRITI

FONTE: <http://www.cuarto.com.ar/cuarto/wp-content/uploads/2018/07/juana_manuela_
gorriti.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2018.

Segundo Joselma Noal (2017, p. 8), na introdução do livro Juana Manuela


Gorriti – Contos:
Devido ao fracasso das forças unitárias, em 1831, toda a família
partiu em exílio para a Bolívia na ocasião em que Facundo Quiroga,
federalista, venceu o general Gregorio Aráoz de Lamadrid, unitário, na
Batalha da Ciudadela, em 4 de novembro de 1831. A morte de Güernes,
que dominou durante uma década (1821-1831) a política da província
de Salta, resultou no começo de uma nova vida para a família Gorriti,
exilada em outro país e em condições bastante inferiores a que estava
acostumada na Argentina. Ao chegar à Bolívia, os Gorriti instalaram-
se na Fazenda dos Trigo, família tradicional de comerciantes.

Verificamos, entre os personagens históricos encontrados na literatura


produzida por Gorriti, tipos do porte de Juan Manuel de Rosas (1793-1877),
político federalista descrito como um sanguinário. Ainda de acordo com Noal,
Rosas "foi considerado o principal caudilho da Argentina entre 1835 e 1852,
período denominado como época de Rosas. Cabe destacar que havia uma
Sociedade Popular Restauradora que apoiava o governo de Rosas, denominada
Mazorca" (NOAL, 2017, p. 8).

120
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

NOTA

Em 2017 foi lançado o livro Juana Manuela Gorriti –


Contos. Organizado por Artur Emilio Alarcon Vaz, Danielle Corbetta
Piletti e Joselma Noal, professores da Universidade Federal do Rio
Grande, o livro reúne a tradução ao português de 12 contos da autora.
As histórias, originalmente integrantes dos livros Sueños y realidades
(1865) e Panoramas de la vida (1876), apresentam – nas palavras de
Noal – “o espectro da guerra, o horror das lutas, o sangue e a morte
entrelaçados ao amor romântico” (NOAL, 2017, p. 8).

VAZ, Artur Emilio Alarcon; PILETTI, Daniele Corbetta; NOAL, Joselma.


(orgs.). Juana Manuela Gorritti – Contos. São Paulo: Liber Ars, 2017.

No conto La hija del mazorquero, por exemplo, Gorriti narra a história de


Clemencia, a filha de Roque Almanegra, homem descrito no conto como "el terror
de Buenos Aires". Roque, o masorquero do título, pertencia à já referida Sociedade
Popular Restauradora – a Mazorca –, que defendia as políticas do ditador Juan
Manuel de Rosas.

No conto percebemos claramente a divisão maniqueísta, sendo os


federalistas (maus) versus os unitários (bons). A marca principal dos federalistas
era a crueldade, regada a muito sangue, conforme percebemos já nas primeiras
páginas do extenso conto:
Roque Almanegra era el terror de Buenos Aires. Verdugo por excelencia
entre una asociación de verdugos llamada Mazorca y consagrado en
cuerpo y alma al tremendo fundador de aquella terrible hermandad,
contaba las horas por el número de sus crímenes y su brazo,
perpetuamente armado del puñal, jamás se bajaba sino para herir. Su
huella era un reguero de sangre y había huido de él hacía tanto tiempo
la piedad, que su corazón no conservaba de ésta ningún recuerdo, y
los gemidos del huérfano, de la esposa y de la madre, lo encontraban
tan insensible, como la fría hoja de acero que hundía en el pecho de sus
victimas. Cada semejanza con la humanidad había desaparecido de la
fisonomía de aquel hombre y su lenguaje, expresión fiel del nombre
que sus delitos le habían dado, era una mezcla de ferocidad y de
blasfemia que hacía palidecer de espanto a todos aquellos que tenían
la desgracia de acercársele.

121
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

FIGURA 6 – O CAUDILHO JUAN MANUEL DE ROSAS

FONTE: <https://www.taringa.net/posts/apuntes-y-monografias/17384286/La-picardia-de-Don-
Juan-Manuel-De-Rosas.html>. Acesso em: 20 jul. 2018.

No conto percebemos a coexistência da bondade de Clemencia – uma


heroína tipicamente romântica – com a maldade de Almanegra, um vilão de
grande envergadura. Um fato relevante no conto é a dupla faceta de Roque: se na
vida social este homem representava o que havia de pior na sociedade argentina,
em seu íntimo possuía uma relação de grande afeto e compaixão com a filha
Clemencia, único ser capaz de fazê-lo expressar algo de bondade:
Sin embargo, entre aquel horrible vocabulario de crueldades y de
impiedad, como una flor nacida en el cieno, había una palabra de
bendición que Roque pronunciaba siempre.

– Clemencia – decía aquel hombre de sangre, cuando fatigado con los


crímenes de la noche entraba a su casa al amanecer.

Y a este nombre, que sonaba como un sarcasmo en los labios del


asesino, una voz tan dulce y melodiosa que parecía venir de los
celestes coros, respondía con ternura:

– ¡ Padre! – y una figura de ángel, una joven de dieciséis años, con grandes
ojos azules y ceñida_ de una aureola de rizos blondos, salía al encuentro
del mazorquero y lo abrazaba con dolorosa efusión. Era su hija.

Roque la amaba como el tigre ama a sus cachorros, con un amor feroz.
Por ella hubiera llevado el hierro y el fuego a los extremos del mundo;
por ella hubiera vertido su propia sangre; pero no le habría sacrificado
ni una sola gota de su venganza, ni uno solo de sus instintos homicidas.
Clemencia vivía sola en el maldecido hogar del mazorquero.

122
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

O conto La hija del masorquero expressa a destreza narrativa de Gorriti e


a habilidade da autora em criar histórias que culminam em um grande clímax.
Considerando as distintas situações vividas por Clemencia, o caráter heroico
e redentor da protagonista é a grande tônica que contrasta com a maldade de
Roque Almanegra e também com o meio violento no qual vive a personagem.

Convidamos você a ler o conto Los mellizos del Illimani (Os gêmeos do
Illimani). Trata-se de uma história singular em seu tempo-espaço, porém universal
em sua abrangência.

Los mellizos del Illimani


Juana Manuela Gorriti

Historia contemporánea

Eran dos; y en efecto, se les hubiera creído gemelos. Sin embargo, Álvarez
y Loaiza eran solo amigos.

Pero amigos, con esa amistad de la infancia, lazo más fuerte que el
parentesco y que el amor.

Hijos de dos familias unidas por una larga vecindad, nacidos en un


mismo día, meciolos la misma cuna, y de ella bajaron asidos de las manos para
recorrer los senderos de la vida.

Juntos entraron en la escuela; juntos lloraron ante el terrible problema


del alfabeto; juntos atravesaron el monótono espacio que se extiende desde el
Ba hasta el Zun. Juntos hicieron las primeras travesuras, y juntos recibieron los
condignos palmetazos. Juntos dejaron la miga para pasar al colegio; y juntos
se rellenaron de griego y de latín; juntos hicieron su entrada en el mundo;
juntos corrieron la vida borrascosa de solteros, y juntos pidieron, obtuvieron
y recibieron en matrimonio a dos buenas mozas, amadas con idéntico amor, y
con igual entusiasmo.

Pero ¡ay! que aquí esa doble existencia se bifurcó de una manera
dolorosa para aquellos dos corazones fundidos en uno solo.

Las esposas se rebelaron contra esa amistad llevada al terreno de lo


sublime; creyéronse defraudadas en sus derechos al amor que contaran
monopolizar; y la mujer de Álvarez miró de reojo a Loaiza; y la mujer de Loaiza
dio a Álvarez con la puerta en las narices.

123
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Pero ellos estaban demasiado habituados a esta vida de intimidad


inalterable, para resignarse a romperla y si el hogar del uno estaba vedado al
otro, la ciudad les ofrecía su larga alameda, sombrosa y perfumada, donde los
dos amigos pasaban largas horas entregados a las encantadas reminiscencias
del pasado.

Vestidos con la rigorosa igualdad que usaron desde la infancia hasta


la vejez, bajo cuya apariencia los presentamos, cubría sus hombros una capa
española de color turquí, que contrastaba singularmente con sus cabelleras
blancas de largos y plateados bucles.

Cada tarde a la hora del crepúsculo, cuando el sol se oculta, y que el


sacromonte a cuya falda se extiende la opulenta Chuquiago, hace resplandecer
en el éter la nieve de sus ventisqueros, y cambia en azul el rojo violado de
su granítico pie, veíase aparecer al mismo tiempo a los dos amigos, el
uno atravesando el puente de Socabaya, el otro descendiendo la calle de
Cochabambinos, reunirse bajo el arco de la alameda, estrecharse las manos y
desaparecer juntos entre la fronda de los rosales.

En las pláticas de aquellos solitarios paseos, el presente y el porvenir


estaban proscritos.

– ¿Te acuerdas? – decía el uno, señalando el vuelo de una ave en busca de su


nido.
– ¿Te acuerdas? – decía el otro, escuchando a lo lejos las dolientes notas de un
yaraví.

Y Álvarez dirigía una mirada de temor hacia la calle de Chirinos; y


Loaiza otra de miedo hacia la plaza de San Francisco.

Un día, Álvarez esperó en vano a su amigo: Loaiza no vino; y Álvarez


regresó a su casa, quebrantado el corazón, y el alma llena de lúgubres
presentimientos. ¿Cómo saber lo que había sido de Loaiza? Álvarez estaba
desterrado de la morada de su amigo; y el nombre de este proscrito en su casa.

Y la ausencia de Loaiza se prolongaba, y una terrible inquietud se


apoderaba de Álvarez, inquietud que se aumentaba con la extraña alegría, que
se pintaba en el semblante de su mujer.

Álvarez, fue a vagar en torno a la casa, de su amigo, y pasó ante su puerta.

El patio estaba lleno de gente arrodillada en la actitud de la plegaria.

Álvarez, con el corazón palpitante y la voz trémula, preguntó lo que


aquello significaba.

124
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

– El dueño de esta casa está moribundo y le administran los sacramentos -le


respondieron.

Álvarez cayó como herido del rayo, y fue conducido a su casa privado
de conocimiento.

Tres días después dos féretros ocupaban lo alto de un catafalco, levantado


en el templo de la Merced; y algunas horas más tarde, la puerta del cementerio se
abría para recibir los restos de aquellos que no habían querido separarse ni en la
muerte, y que eran llamados los mellizos del Illimani por sus capas azules y sus
nevadas cabelleras.

4 ESTEBAN ECHEVERRÍA E A CRÍTICA À IGREJA E AO


GOVERNO
Segundo Seymor Menton, em El cuento hispanoamericano, Esteban
Echeverría (1805-1851) foi o escritor mais importante do romantismo hispano-
americano. Autor por vocação, Echeverría viveu no tempo de Juan Manuel de
Rosas – mesmo período retratado por Juana Manuela Gorriti no conto La hija
del masorquero – e, assim como sua compatriota, também valeu-se do contexto
histórico para utilizar como pano de fundo de suas histórias.

FIGURA 7 – ESTEBAN ECHEVERRÍA (1805-1851)

FONTE: <http://www.cervantesvirtual.com/images/portales/esteban_echeverria/retratos/
retrato_esteban_echeverria_5_s.jpg>. Acesso em: 21 jul. 2018.

125
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Echeverría é considerado pela historiografia tradicional como o propagador


do romantismo na América. O seu conto mais famoso se chama El Matadero. Apesar
de Echeverría ser oficialmente um escritor romântico, de acordo com Seymour
Menton (1988, p. 32), esta não é a orientação estética do conto do escritor:
"El matadero", uno de los primeros cuentos hispanoamericanos, es
una verdadera obra de arte. A pesar de haber sido escrito en plena
época romántica por el propagador del romanticismo en América
y sobre el tema romántico de la lucha contra la tiranía, este cuento
no es exclusivamente romántico. Mientras su espíritu mordaz
y su anticlericalismo lo ligan al enciclopedismo del siglo XVIII,
sus decripciones minuciosas, sus detalles obcenos, sus cuadros
multisensoriales y su diálogo anónimo lleno de formas dialectales
anuncian desde lejos los futuros movimientos literarios del realismo,
del naturalismo, del modernismo y del criollismo. Lo que sí lo
identifica con el romanticismo es el tono exaltado.

Neste conto, o autor assume uma postura assumidamente contra o ditador


Juan Manuel de Rosas, também presente nos contos de Gorriti. Em El Matadero,
percebemos uma postura de governo sanguinolenta, equiparada no universo
ficcional criado por Echeverría a um verdadeiro matadouro. No conto, o autor
também efetua uma crítica forte à Igreja, que – juntamente com o governo de
Rosas – possui uma grande parcela de responsabilidade no sofrimento do povo
argentino. No conto, é indissociável a tríade Igreja-Governo-Matadouro.

Menton reforça o caráter excepcional de Echeverría ao construir este conto,


considerando que naquela época não havia – ainda – uma tradição narrativa
hispano-americana: por falta de una tradición narrativa en Hispanoamérica,
sorprende la maestria del autor tanto en el concepto de la unidad del cuento
como em la riqueza del idioma” (MENTON, 1988, p. 33).

FIGURA 8 – EL MATADERO DE BUENOS AIRES, POR D. DULIN (1860)

FONTE: <http://www.cervantesvirtual.com/images/portales/esteban_echeverria/el_matadero/
grabado_matadero_dulin_s.jpg>. Acesso em: 21 jul. 2018.

126
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

NOTA

Você pode ler o conto El Matadero on-line.


Para fazê-lo, acesse o website Biblioteca.ar: http://www.
biblioteca.org.ar/libros/70300.pdf

Com a experiência de El Matadero, conhecemos uma história construída com


vigor por um dos autores mais significativos para a história da literatura hispano-
americana. Nas páginas seguintes, conheceremos um contista de proporções
modernistas, que apresentou uma nova forma de escrever em língua espanhola.

5 A PROSA POÉTICA MODERNISTA DE RUBEN DARÍO


Rubén Darío (1867-1916) foi um escritor nicaraguense nascido em Metapa
(cidade atualmente rebatizada como Ciudad Darío, em sua homenagem). Autor
de grande relevância para o Modernismo hispano-americano, Darío legou-nos
uma obra de grande valor estético e sistemicamente renovadora. Literariamente,
o autor se destacou tanto na poesia como na prosa. Poeta por natureza, a prosa de
Darío é permeada de poesia, tanto na seleção vocabular – como observaremos a
seguir – como na escolha e construção temática.

FIGURA 9 – RUBEN DARÍO

FONTE: <https://www.biography.com/.image/ar_1:1%2Cc_fill%2Ccs_srgb%2Cg_face%2Cq_
auto:good%2Cw_300/MTE1ODA0OTcxMjY5MTI5NzQx/ruben-dario-37640-1-402.jpg>.
Acesso em: 21 jul. 2018.

127
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Azul é um dos livros mais importantes de Darío: nesta obra, o autor


nicaraguense expressa toda sua força poética através de contos e poemas que
ficaram registrados com traço fino na história da literatura hispano-americana. O
livro foi concebido durante a vivência de Darío no Chile e obteve uma recepção
positiva da crítica. Bella Jozef, em sua História da Literatura Hispanoamericana,
menciona as palavras do romancista espanhol Juan Valero em carta a Darío
na ocasião de lançamento de Azul: "... usted no imita a ninguno... Usted lo ha
revuelto todo: lo ha puesto a cocer en el alambique de su cerebro, y ha sacado de
ello una rara quinta esencia..." (JOZEF, 1971, p. 135).

Jozef (1971, p. 135) aponta que o programa estético do Modernismo já


estava em voga quando surgiu a revista Azul (revista homônima ao livro lançado
posteriormente por Darío). Vale mencionar que a cor azul constituía o símbolo do
movimento modernista:
Não era Darío um improvisador, pois estudou profundamente toda a
poesia anterior à sua, para captar a beleza, a plasticidade, a cor e o acento do
que existia anterior à sua obra. De cada autor aprendia o que lhe agradava
e correspondia à sua sede de novidades. Bécquer e Hugo deram-lhe o
impulso inicial; em seguida, a poesia popular, a do cancioneiro, a poesia
medieval, o Parnaso e Simbolismo, os pré-rafaelistas ingleses, Quevedo e
Góngora também. Bebeu nas tradições clássicas, compreendeu a força do
passado e celebrou o homem e seu progresso.

El Rubí é um dos contos mais importantes de Azul. Nele, Darío utiliza


de personagens próprios de uma mitologia pagã. Em um primeiro olhar, neste
conto há dois elementos que se configuram como relevantes: os duendes e o
personagem mitológico Puck, um ser brincalhão encontrado na peça Sonhos de
uma noite de verão, de William Shakespeare.

No conto El Rubí os gnomos se reúnem estarrecidos diante da notícia


de que os homens conseguiram falsificar o rubi, tentando passar por cima da
autoridade da mãe Terra. De acordo com Seymour Menton, são três os elementos
que cercam o Rubi do título: "en ‘El Rubí’, la joya, alrededor de la cual gira
todo el cuento, no es más que un pretexto para la expresión de dos ideas del
autor: la vanidad de los hombres frente al poder misterioso de la naturaleza y el
elogio a la mujer sensual" (MENTON, 1988, p. 172). De fato, estes três elementos
se entrelaçam diante da ação de Puck, o personagem mitológico. Puck viaja a
Paris e rouba o colar de rubis falsos usado por uma mulher. Os gnomos ficam
enraivecidos ao perceber que os homens foram capazes de tentar falsificar algo
tão raro e brindado pela natureza.

128
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

FIGURA 10 – PUCK (1789), DE JOSHUA REYNOLDS

FONTE: <https://imgcs.artprintimages.com/img/print/print/sir-joshua-reynolds-puck-
1789_a-l-10069724-8880731.jpg?w=550&h=550>. Acesso em: 22 jul. 2018.

Para surpresa de todos, o gnomo mais velho decidiu dar um testemunho


sobre como se forjaram os primeiros rubis. É neste momento que o leitor percebe
que tem em mãos uma obra de grande poder imaginativo, palco da exposição
da admirável capacidade inventiva e poética de Darío: o gnomo explica que
um dia levou uma linda mulher para o centro da Terra para amá-la. A mulher,
que repousava desnuda em uma cama de cristal, era contemplada e amada pelo
gnomo enquanto este trabalhava fazendo diamantes. No entanto, esta mulher
amava outro homem em segredo: sem que o gnomo se desse conta, a mulher era
capaz de trocar mensagens com o seu amado. E é este fato que culmina na grande
revelação do conto: a forma como surgiram os primeiros rubis.

Observe, a seguir, a revelação do gnomo sobre como esta mulher tentou


escapar de si e, ocasionalmente, fez com que se criassem os primeiros rubis:

Un día yo martillaba un trozo de diamante inmenso que brillaba como


un astro y que al golpe de mi maza se hacía pedazos.
El pavimento de mi taller se asemejaba a los restos de un sol hecho
trizas. La mujer amada descansaba a un lado, rosa de carne entre
maceteros de zafir, emperatriz del oro, en un lecho de cristal de roca,
toda desnuda y espléndida como una diosa.
Pero en el fondo de mis dominios, mi reina, mi querida, mi bella, me
engañaba. Cuando el hombre ama de veras, su pasión lo penetra todo
y es capaz de traspasar la tierra.
Ella amaba a un hombre, y desde su prisión le enviaba sus suspiros.
Éstos pasaban los poros de la corteza terrestre y llegaban a él; y
él, amándola también, besaba las rosas de cierto jardín; y ella, la
enamorada, tenía -yo lo notaba- convulsiones súbitas en que estiraba
sus labios rosados y frescos como pétalos de centifolia. ¿Cómo ambos
así se sentían? Con ser quien soy, no lo sé.

129
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Había acabado yo mi trabajo; un gran montón de diamantes hechos


en un día; la tierra abría sus grietas de granito como labios con sed,
esperando el brillante despedazamiento del rico cristal. Al fin de la
faena, cansado, di un martillazo que rompió una roca y me dormí.
Desperté al rato al oír algo como un gemido.
De su lecho, de su mansión más luminosa y rica que las de todas las
reinas de Oriente, había volado fugitiva, desesperada, la amada mía, la
mujer robada. ¡Ay! Y queriendo huir por el agujero abierto por mi masa
de granito, desnuda y bella, destrozó su cuerpo blanco y suave como
de azahar y mármol y rosa, en los filos de los diamantes rotos. Heridos
sus costados, chorreaba la sangre; los quejidos eran conmovedores
hasta las lágrimas. ¡Oh, dolor!
Yo desperté, la tomé en mis brazos, le di mis besos más ardientes; mas
la sangre corría inundando el recinto, y la gran masa diamantina se
teñía de grana. Me pareció que sentía, al darle un beso, un perfume
salido de aquella boca encendida: el alma; el cuerpo quedó inerte.
Cuando el gran patriarca nuestro, el centenario semidiós de las
entrañas terrestres, pasó por allí, encontró aquella muchedumbre de
diamantes rojos…(DARÍO, Rubén. Azul [fragmento ], 2013, p. 54)

O diamante inundado pelo sangue da jovem mulher converteu-se, então,


em rubi. Este mito de fundação, carregado de uma densidade poética esplêndida,
nos mostra o vigor da literatura de viés modernista. Menton aponta para a
questão da aplicação de técnicas próprias da poesia à construção narrativa, algo
que “agrega grande valor ao texto de Darío: "El talento de Darío se revela tanto
en la estructura del cuento como en su prosa poética. La rima asonante en series
de palabras produce un gran efecto musical: "topacios dorados"; "una farandola,
loca y sonora". La aliteración aumenta la musicalidad, pero tambien demuestra el
espíritu juguetón del autor" (MENTON, 1988, p. 173).

FIGURA 11 – RUBI

FONTE: <https://cdn-images-1.medium.com/max/1600/1*S_-MnePwO4iiJ-ghfdKkpQ.jpeg>.
Acesso em: 24 jul. 2018.

130
TÓPICO 1 | O CONTO LATINO-AMERICANO

DICAS

Você pode ler a versão completa do conto El Rubí em


<https://ciudadseva.com/texto/el-rubi/>.

131
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A literatura do uruguaio Horacio Quiroga (1879-1937) apresenta um universo


habitado pelo horror e também pela loucura, morte e catástrofe.

• Os contos La gallina degollada e El almohadón de plumas são dois dos contos mais
significativos da produção do autor uruguaio.

• A literatura de Juana Manuela Gorriti expressa a história social da Argentina


oitocentista, em especial o período dominado pelo sanguinário Juan Manuel
de Rosas.

• A contenda entre unitários e federalistas é o pano de fundo do conto La hija del


masorquero.

• A literatura de Esteban Echeverría, em especial o conto El Matadero, reúne


elementos que, assim como em Gorriti, estão voltados contra o despotismo
social, com especial atenção às alianças espúrias entre a Igreja e o Estado.

• Echeverría publicou em um período no qual ainda não existia uma tradição


narrativa na América hispânica, conforme sinaliza Seymour Menton (1988, p. 33).

• Ruben Darío apresentou uma prosa poética de alta qualidade no cerne do


Modernismo hispano-americano.

132
AUTOATIVIDADE

1 Considere as seguintes palavras de E. Anderson Imbert (1988, p. 463-464)


sobre Horacio Quiroga:
Recuérdese el esquema dinamico de emociones en "La gallina
degollada“, "A la deriva", "El hijo", "El desierto", "El hombre muerto",
y diez más. A veces sus cuentos tienen un contenido autobiográfico.
Pero lo autobiográfico en Quiroga es tema complejo. Se le juntaba
el arte y la vida: a la vida la sentía toda crispada bajo un destino
cruel; su literatura llevaba también una aciaga mueca; y él, como
persona, entraba y salía, de la vida a la literatura, de la literatura a la
vida, empujado por un demonio que lo obligaba a amar y destruir lo
amado, a afanarse por el éxito y, en el fondo, a desear morir. Era un
excéntrico, y una de sus excentricidades era meterse en la realidad
como si la realidad fuera una novela y él hiciera papel de personaje:
o meterse en la literatura como si la literatura fuera un depósito de
episodios reales. Su rico anecdotario de hombre áspero, "difícil", era
el que corresponde a un personaje novelesco; así se explican también
sus cuentos, llenos de personajes arrancados del trato cotidiano. Su
dedicación al duro trabajo manual y al mismo tiempo el escribir con
manos callosas una literatura nerviosa, no armonizaban: había en
él maldiciones para el trabajo y para la literatura. Era un solitario.

Agora leia trechos do e sobre o conto El Almohadón de Plumas, de


Horacio Quiroga, e logo em seguida responda se a sentença sobre o trecho é
verdadeira ou falsa. Em seguida, justifique sua resposta.

a) Su luna de miel fue un largo escalofrío. Rubia, angelical y tímida, el


carácter duro de su marido heló sus soñadas niñerías de novia. Ella lo
quería mucho, sin embargo, a veces con un ligero estremecimiento cuando
volviendo de noche juntos por la calle, echaba una furtiva mirada a la alta
estatura de Jordán, mudo desde hacía una hora. Él, por su parte, la amaba
profundamente, sin darlo a conocer (QUIROGA, 1917).

Sentença: O casal Mazzini-Ferraz nunca se amou, sequer no princípio do


casamento.

( ) Verdadeira ( ) Falsa

Justificativa:

b) No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que se arrastró


insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al fin una tarde pudo
salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba indiferente a uno y otro lado.
De pronto Jordán, con honda ternura, le pasó la mano por la cabeza, y Alicia
rompió en seguida en sollozos, echándole los brazos al cuello. Lloró largamente
todo su espanto callado, redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia.
Luego los sollozos fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en
su cuello, sin moverse ni decir una palabra (QUIROGA, 1917).

Sentença: Alicia emagreceu muito após se casar, teve, também, uma forte gripe.
133
( ) Verdadeira
( ) Falsa

Justificativa:

c) Era un excéntrico, y una de sus excentricidades era meterse en la realidad


como si la realidad fuera una novela y él hiciera papel de personaje: o meterse
en la literatura como si la literatura fuera un depósito de episodios reales.
Su rico anecdotario de hombre áspero, "difícil", era el que corresponde
a un personaje novelesco; así se explican también sus cuentos, llenos de
personajes arrancados del trato cotidiano. Su dedicación al duro trabajo
manual y al mismo tiempo el escribir con manos callosas una literatura
nerviosa, no armonizaban: había en él maldiciones para el trabajo y para la
literatura. Era un solitario (IMBERT, 1988).

Sentença: De acordo com Imbert, Quiroga era um homem bastante hostil,


empregava toda sua força na literatura que produzia.

( ) Verdadeira
( ) Falsa

Justificativa:

d) Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Constatóse una anemia
de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más
desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio
estaba con las luces prendidas y en pleno silencio. Pasábanse horas sin
oír el menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía casi en la sala, también
con toda la luz encendida. Paseábase sin cesar de un extremo a otro, con
incansable obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos. A ratos entraba en
el dormitorio y proseguía su mudo vaivén a lo largo de la cama, mirando a
su mujer cada vez que caminaba en su dirección (QUIROGA, 1917).

Sentença: Os ratos entravam no quarto de Alicia, olhavam para ela e


caminhavam na sua direção.

( ) Verdadeira
( ) Falsa

Justificativa:

e) A veces sus cuentos tienen un contenido autobiográfico. Pero lo


autobiográfico en Quiroga es tema complejo. Se le juntaba el arte y la vida:
a la vida la sentía toda crispada bajo un destino cruel; su literatura llevaba
también una aciaga mueca; y él, como persona, entraba y salía, de la vida
a la literatura, de la literatura a la vida, empujado por un demonio que lo
obligaba a amar y destruir lo amado, a afanarse por el éxito y, en el fondo, a
desear morir (IMBERT, 1988).

134
Sentença: Com frequência os contos de Quiroga possuíam conteúdos de teor
autobiográfico.

( ) Verdadeira
( ) Falsa

Justificativa:

f) Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamente. Salieron con él, y sobre la


mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo. Las plumas
superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda la boca
abierta llevándose las manos crispadas a los bandós. Sobre el fondo, entre
las plumas, moviendo lentamente las patas velludas, había un animal
monstruoso, una bola viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que apenas se
le pronunciaba la boca.
Noche a noche, desde que Alicia había caído en cama, había aplicado
sigilosamente su boca – su trompa, mejor dicho – a las sienes de aquélla,
chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción
diaria del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde
que la joven no pudo moverse, la succión fue vertiginosa. En cinco días, en
cinco noches, había vaciado a Alicia (QUIROGA, 1917).

Sentença: Alicia estava, na verdade, sendo sugada por um animal –


provavelmente uma espécie de carrapato - que vivia dentro de seu travesseiro
de penas.

( ) Verdadeira
( ) Falsa

Justificativa:

2 Convidamos você a assistir ao seguinte vídeo intitulado Juana Manuela


Gorriti – Bicentenario de su nacimiento. Para fazê-lo, acesse: <https://www.
youtube.com/watch?v=Eg9IaAqHrAg>.

135
Agora responda as seguintes perguntas:

1 Como descobriu-se a data de nascimento de Juana Manuela Gorriti?


2 Em que data redigiu-se o documento que levou à descoberta?
3 Onde se encontrava o pai de Gorriti no momento em que lhe foi dada a
informação de seu nascimento?
4 Em que ano Juana Manuela Gorriti conheceu Manuel Isidoro Belzú?
5 Para onde o general Belzú partiu junto com sua família após ser desterrado
da Bolívia?
6 A qual status Gorriti é elevada com a publicação do romance La quena, em
1851?
7 O que aconteceu em 1875?
8 Como se chamava o nome do jornal fundado por Gorriti?
9 O que aconteceu em 1892 e o que aconteceu após isso?
10 Qual é a pátria de Juana Manuela Gorriti de acordo com o vídeo oficial da
Província de Salta?

3 Convidamos você a assistir ao vídeo Filosofía aqui y ahora: Esteban


Echeverría: El Matadero. Para fazê-lo, acesse: <https://www.youtube.com/
watch?v=7XgmkESINdk>.

Com base no vídeo assistido, escreva um texto de no mínimo 10 e no máximo


15 linhas a respeito do seguinte tema: A QUEM CRITICOU ESTEBAN
ECHEVERRÍA COM A PUBLICAÇÃO DO CONTO EL MATADERO?

Recorde-se que se trata de um texto dissertativo-argumentativo, com começo,


meio e fim. Utilize passagens do texto para embasar sua resposta.

136
UNIDADE 3
TÓPICO 2

O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:


UMA NOVA ESTRUTURA PARA O DRAMA

1 INTRODUÇÃO
O século de ouro foi o período de surgimento de obras de grande valor
artístico para a cultura espanhola e para as artes no Ocidente. Na atualidade,
entende-se por século de ouro todo o período compreendido entre a publicação
da Gramática Castellana de Nebrija, em 1492, e a morte do grande escritor Calderón
de la Barca, em 1681. Na literatura especializada é comum também o uso deste
termo para fazer referência ao século XVII, visto que grande parte dos autores
deste período – como Miguel de Cervantes, Francisco de Quevedo, Calderón de
la Barca e Lope de Vega – viveram no referido século.

FIGURA 12 – LAS MENINAS, DE DIEGO VELÁSQUEZ

FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-eDbDwJXsGnQ/VwQdos6F9RI/
AAAAAAAAbfI/c6vweE5fdtAwxL-7K1LHyxa4TLkyOIYrQ/s1600/
meninas%2BDiego%2BVelazquez%2B%25E2%2580%2593%2BLas%2BMeninas%252C%2B1656.
jpg>. Acesso em: 23 jul. 2018.

137
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Fato incontestável é que, no âmbito artístico, a literatura, a pintura e a


música foram amplamente exploradas neste período. A humanidade recebeu
estas obras como um grande presente regalado por um tempo de rica produção
artística, como o quadro Las Meninas, do pintor espanhol Diego Velásquez.

No presente subcapítulo dedicaremos atenção a uma parcela fundacional


– e bastante significativa – do conhecimento que foi produzido neste período.
Inicialmente observaremos o teatro do século de ouro a partir de uma perspectiva
teórica, considerando-o no fluxo de um processo de renovação das bases na teoria
do drama. Após, conheceremos dois autores que contribuíram para a edificação
do teatro espanhol neste período: Lope de Vega e Tirso de Molina.

2 O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO:


QUESTÕES TEÓRICAS
O teatro espanhol do século de ouro distingue-se estruturalmente do
drama aristotélico. As bases fundacionais se encontram na obra Arte nuevo de
hacer comedias en este tiempo, assinada pelo dramaturgo Lope de Vega, um dos
mais importantes deste período e considerado pelo historiador Guillermo Díaz-
Plaja "el creador del teatro nacional" (DÍAZ-PLAJA, 1935, p. 191).

Conforme veremos nos subtópicos seguintes, Lope verdadeiramente criou


uma tradição dramática na Espanha. O drama, feito nos moldes de Lope, respeita
uma série de parâmetros adequados pelo autor madrilenho ao gosto do público
de seu tempo. Ao pensar o teatro do século de ouro, fincando pé no tempo-
espaço em que vivia, Lope de Vega elabora uma teoria do drama desvencilhada
da tradição greco-romana.

FIGURA 13 – O TEATRO DO SÉCULO DE OURO E O DRAMA GRECO-LATINO

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0a/Teatro.svg/400px-
Teatro.svg.png>. Acesso: em 23 jul. 2018.

138
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

As unidades do drama clássico, teorizado em parte por Aristóteles no


livro Arte Poética (capítulo VIII) e mais tarde repensado por autores neoclássicos
(como o espanhol Manuel José Quintana), estabelecem limites para as unidades
de ação, tempo e lugar. A obra teatral, por exemplo, deve seguir o fluxo de uma
ação dramática, sem espaços a ações paralelas. Já o tempo deve ser linear (sem
saltos temporais) e não deve exceder as 24 horas do dia. A unidade de lugar,
por sua vez, não permite trocas de cenário – sendo a obra representada em um
único espaço físico. Lope de Vega efetua mudanças que dinamizam o fluxo do
drama: agrega dinâmica ao permitir que se mudem os cenários. Em relação ao
tempo, Lope permite mudanças temporais – como o alargamento temporal. A
ação, apesar de não sofrer alterações ao nível das unidades de tempo e espaço,
permite a coexistência de ações secundárias adjuntas à principal

DICAS

Estudante! Você pode acessar gratuitamente


o livro Arte nuevo de hacer comédias en este tempo, de
Lope de Vega. O texto está disponível na íntegra na página
da Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. Para ler, acesse:
<http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/arte-nuevo-
de-hacer-comedias-en-este-tiempo--0/html/ffb1e6c0-
82b1-11df-acc7-002185ce6064_4.html>.

O texto virtual é uma transcrição da versão crítica original de:


ROZAS, Juan Manuel. Significado y doctrina del arte nuevo de Lope de Vega. Alicante:
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2002.

Outro ponto importante que distingue o teatro criado por Lope de Vega
do drama clássico é a divisão dos atos. No teatro espanhol do século de ouro,
as peças ocorrem em três atos, ao passo que na teoria do drama de Horácio,
as tragédias são representadas em cinco atos. Nesse sentido, Lope de Vega se
aproxima de Aristóteles, com a estrutura que respeita um curso com começo, meio
e fim. Guillermo Díaz-Plaja (1958, p. 193) comenta esta restauração apresentada
pela obra dramática de Lope:

Como se recordará, la poética horaciana establecía necesariamente


cinco actos para la obra dramática. Más tarde se convirtieron en
cuatro, y luego en tres. Esta innovación es también anterior a Lope,
y él lo declara en su Arte Nuevo: “El capitán Virués, insigne ingenio,
- puso en tres actos la comedia, que antes – andaba en cuatro, como
pies de niño – que eran entonces niñas las comedias”. De muchacho
todavía alcanzó Lope la moda de los cuatro actos “y yo las escribí de
once y doce años – de a cuatro actos y de a cuatro pliegos – porque
cada acto un pliego contenía – y era en las tres distancias – se hacían
tres pequeños entremeses”.

139
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Além disso, enquanto o teatro clássico se bifurcava em tragédia e comédia,


tendo seus limites estabelecidos, no teatro de Lope predominava uma verdadeira fusão
entre ambas as vertentes, que coexistiam pacificamente na mesma obra. Prova disso
é o surgimento do subgênero conhecido como comédia palatina, estilo com limites
pouco delineados, podendo variar a intensidade do tom humorístico ou trágico em
uma mesma obra.

DICAS

Se você tem curiosidade a respeito da teoria do


drama clássico, sugerimos a leitura de duas obras:

ARISTÓTELES. Arte poética. Disponível em: <http://www.


dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_
action=&co_obra=2235>.

COSTA, Ligia Militz. A poética de Aristóteles – Mímese e


verossimilhança. São Paulo: Ática, 2003.

2.1 LOPE DE VEGA: O HOMEM E A OBRA


Lope de Vega nasceu em Madrid em 1562. De acordo com Guillermo
Díaz-Plaja (1958, p. 191), a vida do dramaturgo espanhol esteve rodeada pelas
letras desde muito cedo:

Su padre, un bordador, de ascendencia hidalga, quiso que su hijo tuviera


una educación, en la que aprendiese "virtudes y letras". "Enviáronme
- dice Lope - a Alcalá de diez años. De la edad que digo, ya sabía yo
la Gramática y no ignoraba la Retórica..." Pero para lo que descubrió
mayor aptitud fue para los versos, e tal modo, que los "carpacios de las
liciones me servían para borradores de mis pensamientos y muchas
veces los escribía en versos latinos y castellanos" (Dorotea). Estas
líneas marcan la primera de las características de Lope: la facilidad
para escribir.

140
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

FIGURA 14 – RUA LOPE DE VEGA, EM MADRID

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Calle_de_Lope_de_Vega_(Madrid).jpg>.
Acesso em: 23 jul. 2018.

Uma questão importante ligada à biografia intelectual de Lope diz respeito


ao fato de ter sido um dramaturgo profícuo. Segundo Díaz-Plaja (1958), Lope de
Vega escreveu nada menos que 400 comédias e 40 autos. A cifra alta sinaliza para
um autor que se dedicou a vida inteira à arte de produção literária. Sem sombra de
dúvidas, Lope foi um dos autores mais fecundos da história da literatura espanhola.
O próprio Díaz-Plaja (1958, p. 192) qualifica a obra de Lope como "extraordinária":

Lope fue llamado por sus contemporáneos "Fénix de los Ingenios"


y "Monstruo de la Naturaleza", por su extraordinaria fecundidad.
Según Montalbán, su gran panegirista, Lope habría escrito mil
ochocientas comedias (sin contar los entremeses) y cuatrocientos
autos. Es probable que la cifra sea algo exagerada. Hoy se conservan
de él hasta cuatrocientas comedias y cuarenta autos. Como se ve, aun
reduciéndolas a esta cifra, la cantidad es extraordinaria.

Lope de Vega valeu-se com propriedade do verso polimétrico (produzindo


redondilhas, sonetos, décimas...). De acordo com Fernández-Arce (1974, p. 231), o
dramaturgo espanhol também mescla personagens nobres e plebeus: "los nobles
representan la riqueza y el poder social y militar; los plebeyos, son los trabajadores
ligados a la tierra". Para Fernández-Arce (1974), é aos trabalhadores da terra que
Lope aufere as principais virtudes, como a honra e a fidelidade amorosa. Lope de
Vega produziu em um período de voga da estética barroca. Recordemos, pois, que
o Barroco, enquanto escola literária, é reconhecido como a vertente que buscava a
junção de opostos. Com a invenção de um drama elaborado através de leis próprias,
Lope une o teatro culto ao popular, conforme sinaliza Díaz-Plaja (1958, p. 192):
Al llegar el Renacimiento, el teatro presenta una doble tendencia: una,
popular, que conserva la tradición medieval; otra, culta, que aporta
al teatro los descubrimientos y los gustos del Renacimiento. Lope de
Vega crea genialmente un teatro culto y a la vez popular, dando la
fórmula de nuestro teatro nacional .

141
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Vale lembrar que é com Lope de Vega e Calderón de la Barca (outro


importante dramaturgo do século XVII) que o teatro barroco espanhol alcança
seu zênite no século de ouro.

FIGURA 15 – IGREJA DE SÃO FRANCISCO EM SALVADOR (BAHIA)

FONTE: <http://4.bp.blogspot.com/-AcGVil5Rb_w/U_ZQFDL1JVI/AAAAAAAABcw/xxrKcb
aKm2Y/s1600/sao%2Bfrancisco2.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2018.

NOTA

Estudante! Você lembra o que foi o Barroco? De acordo com Massaud


Moisés (2004):

BARROCO

“Movimento literário que se desenrola, grosso modo, ao longo do século XVII. A estética
barroca visava a unificar a dualidade renascentista, formada pela coexistência de valores
medievais e católicos e das novidades pagãs trazidas pela restauração do espírito clássico. De
modo ainda mais esquemático, apontava o esforço de promover uma aliança identificadora
entre o teocentrismo medieval e o antropocentrismo quinhentista, vale dizer, entre a Idade
Média e a Idade Moderna. Originário da Espanha e das artes plásticas, o movimento barroco
difundiu-se pela Europa e pela América (a data 1580 marca o seu início em Portugal, a de
1601, no Brasil)”.

Fonte: MOISÉS, Massaud. Barroco. In.: _____ Dicionário de termos literários. São Paulo:
Cultrix, 2004. p. 52.

No próximo subtópico, conheceremos uma das obras mais importantes de


Lope de Vega, responsável por uma verdadeira revolução no âmbito dramático:
Fuenteovejuna.

142
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

2.1.1 A revolta popular e a tirania em Fuenteovejuna


Fuenteovejuna é uma peça de Lope de Vega publicada em 1619. A história
se baseia em fatos reais ocorridos em um povoado homônimo ao título da peça,
localizado na província de Córdoba. Em linhas gerais, a história pode ser resumida
da seguinte maneira: Fernán Gómez de Guzmán é o comendador de Fuenteovejuna.
O homem, de índole duvidosa e de alto posto, aconselha o Mestre de Calatrava
que lute em Cidade Real contra os Reis Católicos (Isabel e Fernando, que também
aparecem no final da peça). Fernán Gómez é um homem que abusa das mulheres
do povoado, que acurraladas pela autoridade e pelas ameaças de Fernán, sempre
cedem às suas investidas. Um dia Fernán se encanta por Laurencia, uma lavradora
prometida ao jovem Frondoso. No dia do casamento de Laurencia com Frondoso
ocorre um terrível acontecimento: Fernán invade a cerimônia e carrega Laurencia
consigo. Laurencia luta com Fernán e consegue retornar ao povoado. Neste
momento incita aos homens para que deixem de ser covardes e busquem Fernán.
Indignado, todo o povoado se rebela contra Fernán, buscando-o e matando-o.
Quando, por fim, a justiça investiga o crime para encontrar um culpado e pergunta
quem matou Fernán, toda a cidade responde: Fuenteovejuna.

FIGURA 16 – CALÇADA NO BAIRRO DAS LETRAS (MADRID)

FONTE: Acervo do autor

Observe, a seguir, o monólogo de Laurencia. Trata-se de uma das partes


mais célebres desta obra de Lope. Este é o monólogo que a personagem dirige aos
homens do povoado logo após retornar, dilacerada, dos domínios do vilão:

143
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

ESTEBAN: ¡Hija mía!

LAURENCIA: No me nombres
tu hija.

ESTEBAN: ¿Por qué, mis ojos?


¿Por qué?

LAURENCIA: Por muchas razones,


y sean las principales:
porque dejas que me roben
tiranos sin que me vengues,
traidores sin que me cobres.
Aún no era yo de Frondoso,
para que digas que tome,
como marido, venganza;
que aquí por tu cuenta corre;
que en tanto que de las bodas
no haya llegado la noche,
del padre, y no del marido,
la obligación presupone;
que en tanto que no me entregan
una joya, aunque la compren,
no ha de correr por mi cuenta
las guardas ni los ladrones.
Llevóme de vuestros ojos
a su casa Fernán Gómez;
la oveja al lobo dejáis
como cobardes pastores.
¿Qué dagas no vi en mi pecho?
¿Qué desatinos enormes,
qué palabras, qué amenazas,
y qué delitos atroces,
por rendir mi castidad
a sus apetitos torpes?
Mis cabellos ¿no lo dicen?
¿No se ven aquí los golpes
de la sangre y las señales?
¿Vosotros sois hombres nobles?
¿Vosotros padres y deudos?
¿Vosotros, que no se os rompen
las entrañas de dolor,
de verme en tantos dolores?
Ovejas sois, bien lo dice
de Fuenteovejuna el hombre.
Dadme unas armas a mí
pues sois piedras, pues sois tigres...
-Tigres no, porque feroces
siguen quien roba sus hijos,
matando los cazadores
antes que entren por el mar
y pos sus ondas se arrojen.

144
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

Liebres cobardes nacisteis;


bárbaros sois, no españoles.
Gallinas, ¡vuestras mujeres
sufrís que otros hombres gocen!
Poneos ruecas en la cinta.
¿Para qué os ceñís estoques?
¡Vive Dios, que he de trazar
que solas mujeres cobren
la honra de estos tiranos,
la sangre de estos traidores,
y que os han de tirar piedras,
hilanderas, maricones,
amujerados, cobardes,
y que mañana os adornen
nuestras tocas y basquiñas,
solimanes y colores!
A Frondoso quiere ya,
sin sentencia, sin pregones,
colgar el comendador
del almena de una torre;
de todos hará lo mismo;
y yo me huelgo, medio-hombres,
por que quede sin mujeres
esta villa honrada, y torne
aquel siglo de amazonas,
eterno espanto del orbe.

Esta obra de Lope de Vega aborda temas como a justiça com as próprias
mãos, a imoralidade dos poderosos, os abusos contra o povo e a união das massas
em busca da justiça social. De acordo com Fernández-Arce (1974), a obra se funda
em dois temas: um histórico e outro popular: "el primero presenta la lucha por la
sucesión del trono de Castilla, que al fin gana Isabel La Católica. El tema popular
refleja la rebelión de los villanos o habitantes de Fuenteovejuna contra los excesos
de los señores feudales" (FERNÁNDEZ-ARCE, 1974, p. 233). De fato, na obra
percebemos um forte apelo pela dignidade social. O povo defende sua honra
violada pelo comendador. É nesse sentido que ocorre uma espécie de comunhão
entre o povo e a monarquia contra os senhores feudais (representados por Fernán
Gómez): "la justicia reside en el poder absolutista de los reyes católicos en pugna
con los señores feudales" (FERNÁNDEZ-ARCE, 1974, p. 233). O rei, no âmbito
deste drama, significa a supremacia da comunhão popular:
El pueblo en las villas y aldeas castellanas comprendió, con sutil
intuición, que los Reyes Católicos lo defenderían contra los excesos
feudales de estos "señores de los castillos medievales" y fundarían,
en unión con el pueblo, un Estado popular y unitario, que fue
precisamente, la base del Imperio (FERNÁNDEZ-ARCE, 1974, p. 233).

145
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Convidamos você a ler com atenção o seguinte fragmento de Fuenteovejuna


(VEGA, 2002) no qual são exaltados os reis católicos. Na sequência desta mesma
cena, ocorre o referido ato no qual o povo, na condição de unidade e entidade
única, assume a responsabilidade pela morte do comendador.

BARRILDO: "¡Vivan los reyes famosos


muchos años, pues que tienen
la victoria, y a ser vienen
nuestros dueños venturosos!
Salgan siempre victoriosos
de gigantes y de enanos
y ¡mueran los tiranos!"

Cantan

MÚSICOS: "Muchos años vivan


Isabel y Fernando,
y mueran los tiranos!"

LAURENCIA: Diga Mengo.

FRONDOSO: Mengo diga.

MENGO: Yo soy poeta donado.

PASCUALA: Mejor dirás lastimado


el envés de la barriga.

MENGO: "Una mañana en domingo


me mandó azotar aquél,
de manera que el rabel
daba espantoso respingo;
pero ahora que los pringo
¡vivan los reyes cristiánigos,
y mueran los tiránigos!"

MUSICOS: "¡Vivan muchos años!


Isabel y Fernando,
y mueran los tiranos!"

146
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

ESTEBAN: Quita la cabeza allá.


MENGO: Cara tiene de ahorcado.

Saca un escudo JUAN ROJO con las armas reales

REGIDOR: Ya las armas han llegado.

ESTEBAN: Mostrad las armas acá.

JUAN ROJO: ¿Adónde se han de poner?

REGIDOR: Aquí, en el ayuntamiento.

ESTEBAN: ¡Bravo escudo!

BARRILDO: ¡Qué contento!

FRONDOSO: Ya comienza a amanecer,


con este sol, nuestro día.

ESTEBAN: ¡Vivan Castilla y León,


y las barras de Aragón,
y muera la tiranía!
Advertid, Fuenteovejuna,
a las palabras de un viejo;
que el admitir su consejo
no ha dañado vez ninguna.
Los reyes han de querer
averiguar este caso,
y más tan cerca del paso
y jornada que han de hacer.
Concertaos todos a una
en lo que habéis de decir.

FRONDOSO: ¿Qué es tu consejo?

ESTEBAN: Morir
diciendo "Fuenteovejuna,"
y a nadie saquen de aquí.

FRONDOSO: Es el camino derecho.


Fuenteovejuna lo ha hecho.

ESTEBAN: ¿Queréis responder así?

147
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

TODOS: Sí.

ESTEBAN: Ahora pues, yo quiero ser


ahora el pesquisidor,
para ensayarnos mejor
en lo que habemos de hacer.
Sea Mengo el que esté puesto
en el tormento.

MENGO: ¿No hallaste


otro más flaco?

ESTEBAN: ¿Pensaste
que era de veras?

MENGO: Di presto.

ESTEBAN: ¿Quién mató al comendador?

MENGO: Fuenteovejuna lo hizo.

ESTEBAN: Perro, ¿si te martirizo?

MENGO: Aunque me matéis, señor.

ESTEBAN: Confiesa, ladrón.

MENGO: Confieso.

ESTEBAN: Pues, ¿quién fue?

MENGO: Fuenteovejuna.

ESTEBAN: Dadle otra vuelta.

MENGO: ¡Es ninguna!

ESTEBAN: ¡Cagajón para el proceso!

Sale el REGIDOR

REGIDOR: ¿Qué hacéis de esta suerte aquí?

FRONDOSO: ¿Qué ha sucedido, Cuadrado?

REGIDOR Pesquisidor ha llegado.

148
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

ESTEBAN: Echad todos por ahí.

REGIDOR: Con él viene un capitán.

ESTEBAN: ¡Venga el diablo! Ya sabéis


lo que responder tenéis.

REGIDOR: El pueblo prendiendo van,


sin dejar alma ninguna.

ESTEBAN: Que no hay que tener temor.


¿Quién mató al comendador,
Mengo?

MENGO: ¿Quién? Fuenteovejuna.

DICAS

Ficou curioso para ler Fuenteovejuna? No site da Biblioteca Virtual Miguel


de Cervantes, você pode ler a obra gratuitamente. Para fazê-lo acesse: <http://www.
cervantesvirtual.com/obra/fuente-ovejuna--1/>.

2.1.2 A comédia palatina El Perro del Hortelano


El Perro del Hortelano é uma comédia palatina. Você recorda quando
mencionamos este subgênero teatral na arte dramática do século de ouro? As
obras que se enquadram neste subgênero não possuem bem estabelecidos os
limites do drama e da comédia.

Neste tipo de obra os personagens geralmente pertencem à realeza ou


então a altos postos sociais. Em El Perro del Hortelano, a personagem Diana, uma
dama da alta nobreza, se apaixona por um funcionário de baixo posto.

149
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

FIGURA 17 – FILME HOMÔNIMO (1996) PRODUZIDO POR PILAR MIRÓ

FONTE: <http://www.rirca.es/wp-content/uploads/2017/12/elperrodelhortelano-608x400.jpg>.
Acesso em: 22 jul. 2018.

Diana é a condessa de Belflor. Uma mulher com temperamento forte e ares


de vilania. Teodoro é funcionário de Diana, uma espécie de pícaro que apaixona
as mulheres que o cercam. Diana se apaixona por ele – assim como Marcela, sua
dama de companhia –, mas não admite esse amor pelo fato de Teodoro ser um
homem sem sangue nobre. No início da peça, Marcela e Teodoro estavam em
uma relação amorosa não oficial. Com a constante aproximação e relutância de
Diana, Teodoro a abandona e retorna a fazer a corte para Diana. Após diversas
situações exploradas ao longo dos três atos da peça, por fim Tristán, amigo de
Teodoro, o leva para conhecer Ludovico: um homem nobre que perdeu um filho
que possuía o nome de Teodoro. Após envolver o ricaço em um imbróglio e fazer-
se passar por seu filho, Teodoro se casa com Diana, pois consegue ter sangue
nobre. Marcela, por sua vez, termina com Fabio.

Por se tratar de uma comédia leve, ainda hoje é comum ver representações
de El Perro del Hortelano nos teatros espanhóis, em constantes adaptações. Sem
espaço a dúvidas, essa obra, juntamente com Fuenteovejuna, é uma das mais
populares de Lope de Vega.

DICAS

Estudante! Em 1996 realizou-se uma adaptação cinematográfica da famosa


peça de Lope de Vega.

Confira: El Perro del Hortelano. Direção: Pilar Miró. Produção: Enrique Cerezo. Roteiro:
Pilar Miró. Espanha, 1996, 104min. Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0114115/>.
Acesso em: 25 jul. 2018.

150
TÓPICO 2 | O TEATRO DO SÉCULO DE OURO:

3 OS CAMINHOS DE LOPE TRILHADOS POR TIRSO DE


MOLINA
De acordo com José García López (1975, p. 315) , a fórmula criada por Lope
de Vega foi aproveitada por uma série de dramaturgos que, "aunque aportando
cada cual notas individuales, siguieron en lo esencial la huella del maestro".
Um destes seguidores foi Tirso de Molina, um dos nomes mais importantes da
literatura daquele tempo. Frei por ofício, o nome verdadeiro de Tirso de Molina
era Gabriel Téllez. O homem nasceu na cidade de Almazán em 1584 e legou à
posteridade uma vasta obra literária:

Tirso es, después de Lope y Calderón, la figura más importante del


teatro español. De las cuatrocientas comedias que debió de escribir,
sólo unas ochenta han llegado hasta nosotros. Su teatro, aunque sigue
al de Lope en la amplia libertad de su técnica y en su vivo dinamismo
escénico, ofrece notas particulares, como son el presentar personajes
fuertemente caracterizados y eludir el mundo convencional –
caballeresco, mitológico, pastoril... – que Lope había inventado
(LÓPEZ, 1975, p. 315).

Tirso de Molina escreveu peças de estilo diverso, escrevendo obras de


tema bíblico, de santos, históricas e também intrigas amorosas. De acordo com
López, as comédias de intrigas amorosas constituem o setor "más animado"
(p. 316) de todo o teatro de Tirso, já que estas peças apresentam personagens
femininos que abarcam toda a graça do enredo dramático.

FIGURA 18 – TIRSO DE MOLINA

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/8e/35/f9/8e35f9ab7d0c0e89c7d87ad7f3638fb5.jpg>.
Acesso em: 25 jul. 2018.

151
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Alguma vez você ouviu falar em Don Juan? A expressão com frequência
é utilizada quando alguém se refere a um homem galanteador. Pouca gente sabe,
mas a expressão advém de um personagem arquetípico criado por Tirso de Molina
para a peça El Burlador de Sevilla y convidado de piedra. Don Juan, o personagem
principal da peça, é um espanhol que seduz todas as mulheres que de alguma
forma cruzam o seu caminho.

A peça começa com uma grande intriga na qual se envolveu Don Juan
em Nápoles: ele se finge passar pelo namorado da duquesa Isabela, o duque
Octavio, sendo descoberto quando a jovem o ilumina com a vela. Fugindo da
Itália por perseguição do rei e de outros nobres, Don Juan retorna à Espanha
e se envolve em outras confusões oriundas de seu duvidoso caráter amoroso.
Fato incontestável é que, ao longo da história da literatura ocidental, diversos
personagens encaixados neste arquétipo vieram aos olhos do público através de
escritores talentosos, como Antonio de Zamora, Molière, Lord Byron e inclusive
Mozart, na composição de Don Giovanni.

152
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O teatro do século de ouro compreende o tempo entre a publicação da Gramática


Castellana de Nebrija, em 1492, e a morte do grande escritor Calderón de la Barca,
em 1681.

• No período do século de ouro a expressão em voga era a arte barroca.

• Lope de Vega assentou as bases do teatro do século XVII com a publicação de


Arte nuevo de hacer comedias en este tiempo.

• Lope de Vega elaborou uma teoria do drama desvencilhada da tradição greco-


romana.

• A divisão de atos no teatro de Lope de Vega é diferente da divisão clássica.

• Lope de Vega mesclou as vertentes dramática e cômica.

• Fuenteovejuna foi uma obra significativa por abordar temas como a justiça com
as próprias mãos, a imoralidade dos poderosos, os abusos contra o povo e a
união das massas em busca da justiça social.

• A obra El Perro del Hortelano pertence ao subgênero comédia palatina, expressão


máxima da abolição dos limites entre o drama e a comédia.

• Tirso de Molina trilhou os caminhos de Lope de Vega, tornando-se o terceiro


autor mais importante do teatro espanhol do século de ouro.

153
AUTOATIVIDADE

1 Convidamos você a assistir ao seguinte vídeo intitulado Biografia de Lope de Vega.


Para fazê-lo, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=QKKqQ8Nylg0>.

Agora responda as seguintes perguntas:

1 Que ofício exerceu o pai de Lope de Vega em Madrid?


2 Em que lugares Lope estudou?
3 O que Lope fez com 10 anos de idade?
4 Que idade Lope tinha quando escreveu a comédia El verdadero amante?
5 O que Lope de Vega fez com 14 anos?
6 Quantos anos durou o relacionamento de Lope com Helena Osório?
7 Onde Lope vivia quando escreveu a peça San Diego de Alcalá?
8 Como era conhecido Lope de Vega após ficar famoso?
9 Em que período da vida de Lope de Vega foi escrito El Perro del Hortelano?
10 Com quantos dias antes de morrer Lope de Vega acabou seu último poema?

2 De acordo com o que você estudou neste tópico, marque verdadeiro ou falso
nas seguintes sentenças:

a) ( ) O teatro novo segue idênticos moldes do teatro greco-romano.


b) ( ) As mudanças efetuadas por Lope de Vega alteram as unidades de ação,
tempo e espaço preestabelecidas pelos gregos.
c) ( ) Lope de Veja permite o alargamento temporal.
d) ( ) A história no teatro de Lope de Vega é contada no decorrer de cinco atos.
e) ( ) Lope de Vega escreveu somente tragédias.
f) ( ) Fuenteovejuna mostra a rebelião do povo contra os desmandos dos
senhores feudais.
g) ( ) Em Fuenteovejuna Fernán representa uma Espanha ultrapassada e
antiquada aos interesses do século XVII.

154
h) ( ) Na peça El Perro del Hortelano, Diana é a condessa de Belflor.
i) ( ) A personagem Laurencia é fundamental para que ocorra o clímax em
Fuenteovejuna.
j) ( ) O teatro do século de ouro ocorreu durante o predomínio da estética
árcade.

3 Sobre Tirso de Molina, é certo dizer:

a) ( ) De acordo com José García Lopez, Tirso de Molina foi o segundo


autor mais importante do teatro espanhol, ficando atrás apenas de
Lope de Vega.
b) ( ) Tirso dedicou-se apenas à escrita de peças religiosas.
c) ( ) Tirso de Molina retomou a estrutura horaciana de cinco anos.
d) ( ) Tirso criou o arquétipo literário de Don Juan através do personagem
homônimo da peça El Burlador de Sevilla y convidado de piedra.
e) ( ) O arquétipo de Don Juan exalta o caráter e os valores positivos do
homem.

155
156
UNIDADE 3
TÓPICO 3

O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

1 INTRODUÇÃO
No presente capítulo estudaremos o teatro na América Hispânica, do
período de eclosão até o neoclássico. Anteriormente, conhecemos o teatro do
século de ouro, a partir das modificações implementadas pelo grande dramaturgo
Lope de Vega e seguida por Tirso de Molina, um de seus mais ilustres seguidores.

Neste momento, voltaremos o nosso olhar para a produção dramática


realizada no outro lado do Oceano Atlântico. São expressões literárias que
acompanham o ritmo das correntes literárias em voga no velho mundo. Para
além disso: tratam-se de expressões culturais acrescidas da experiência, do capital
humano e da cor local hispano-americana.

FIGURA 19 – ARTE NA AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA

FONTE: <http://www.historiadetudo.com/wp-content/uploads/2015/03/astecas-1.jpg>.
Acesso em: 25 jul. 2018.

157
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

Dessa forma, inicialmente refletiremos sobre o começo do drama nestas


terras: há um ponto de eclosão? Em seguida, observaremos a produção barroca a
partir da pena de Juan Ruiz de Alarcón y Mendoza, para depois lançar um olhar
sobre a produção neoclássica, já na Ilustração.

2 O TEATRO NA AMÉRICA LATINA: HÁ UM PONTO DE


INÍCIO?
Quando os europeus chegaram à América já havia uma civilização
que habitava essas terras. Dado o desenvolvimento avançado dos povos pré-
colombianos, a arte manifestada em danças e ritos próprios já possuía uma longa
tradição. De fato, o substrato cultural indígena foi de importância fundamental
para a construção do teatro após a chegada dos europeus.

FIGURA 20 – REPRESENTAÇÃO MODERNA DE RABINAL ACHÍ

FONTE: <https://tuul.tv/sites/default/files/styles/1200x630/public/2017-11/
received1880040505356734.jpeg>. Acesso em: 26 jul. 2018.

De acordo com Bella Jozef (1971, p. 29), "os grupos arauacos que habitavam
as Antilhas costumavam executar danças cantadas, chamadas areitos, com
elementos dramáticos em embrião". Essa expressão teatral em nada lembrava o
teatro europeu, em estrutura e tampouco em elementos constituintes.

A riqueza cultural foi o principal elemento caracterizador dessas


expressões artísticas, que chegaram até nós somente através de notícias – como
as cartas do desbravador Hernán Cortés – e também de intelectuais do porte do
Inca Garcilaso de la Vega, este de ascendência indígena:
De maior complexidade e riqueza foram as atividades teatrais
dos povos que habitavam o vale do México, as terras de Yucatán,
Honduras, Guatemala e os Andes cuzquenhos. O próprio Cortés nos
dá notícia dessa atividade e o mestiço genial Garcilaso de la Vega
também. O indígena americano tinha sua dança guerreira e sua dança
ritual. A constante tendência alegórica, a plasticidade elementar das
expressões, o estranho e primitivo sabor das imagens, a profusão de
interjeições, as numerosas alusões a costumes indígenas explicam a
origem préhispânica (JOZEF, 1971, p. 29).

158
TÓPICO 3 | O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

Deste período anterior ao domínio e à colonização europeia, Jozef (1971,


p. 29) aponta que o vestígio mais importante do teatro indígena é "a tragédia
ritual dançante Rabinal Achí em língua quiché da Guatemala e também o drama
peruano Ollantay". Sobre a obra Rabinal Achí, é importante mencionar que em
2005 foi considerada pela UNESCO Obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial
da Humanidade. Nesta peça, um exemplo raríssimo do que era o teatro maia, são
usadas máscaras, danças e muita música. A obra só chegou até os nossos tempos
porque foi traduzida por um frei francês.

DICAS

Alguma vez você viu uma expressão teatral dessa natureza? Convidamos
você a assistir ao vídeo em espanhol sobre o assunto: La tradición del teatro bailado Rabinal
Achi, disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=MSR-VXxmBQk>.

3 ÉPOCA BARROCA: JUAN RUIZ DE ALARCÓN Y


MENDOZA (1580-1639)
A época barroca, como vimos no tópico anterior, foi um período de
grande fecundidade para o teatro espanhol. Foi nessa época que surgiram obras
de grande referência no cânone ocidental, dada a capacidade inventiva daqueles
autores e o montante quantitativo de textos trazidos à luz.

Se na Espanha a cena cultural borbulhava – relembre-se, estamos falando


do século XVII –, na América a cultura produzida em língua hispânica ainda
apresentava suas primeiras produções. Aconteceu no âmbito da poesia, do ensaio
e também do teatro.

159
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

A referência mais tangível que temos dessa época é o teatro de Juan Ruiz
de Alarcón y Mendoza, nascido em Taxco, em torno de 1580 e falecido em Madrid
em 1639. Sua obra mestra se chamava La verdad sospechosa, uma das primeiras
manifestações do teatro hispano-americano, equiparável aos grandes gênios
daquele tempo. Sobre Alarcón, Jozef (1971, p. 42) afirma:
Juan Ruiz de Alarcón y Mendoza, na época turbulenta e tumultuosa
do Século de Ouro espanhol, dá a nota de serenidade com seu espírito
severo, cheio de graça, amigo da sutileza e mesura. Em suas obras,
aquela sociedade contemplou-se com seus vícios e virtudes e Alarcón,
menos inventivo que seus contemporâneos, cria a comédia de caráter
com La Verdad Sospechosa, em que iria inspirar-se Corneille para
escrever Le Menteur e, através de Corneille, influi em Molière.

FIGURA 21 – JUAN RUIZ DE ALARCÓN Y MENDOZA

FONTE: <https://www.alamy.com/stock-photo/ruiz-de-alarcon-juan.html>.

O tema principal da obra, conforme já sugere o título, é a mentira. Tudo


começa a partir de García, um homem que se apaixona por dona Lucrécia.
Apaixonado pela mulher, García inventa uma verdadeira cama de gato de mentiras
para encantar a jovem. Jozef (1971, p. 42) sinaliza ainda que Alarcón busca fugir
do cânone implementado por Lope de Vega, criando obras com maior consciência
artística que seus contemporâneos: "observa, mede, poucos têm tal cuidado na
versificação e a maioria de suas obras destaca-se pela finalidade moralizadora (...)
julga os costumes e criou verdadeiros caracteres, vivos e individualizados, apesar
da tese que se evola de suas obras".

160
TÓPICO 3 | O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

4 O TEATRO NEOCLÁSSICO: O RESGATE DE OLLANTAY


Você recorda do Iluminismo? O Iluminismo foi um movimento intelectual
dominante no século XVIII, que buscava varrer com as luzes do racionalismo
as trevas da Idade Média. A literatura do período neoclássico opera desde uma
perspectiva de renovação e conflito, pois destoa consideravelmente de toda a
produção que a antecede.

Uma das primeiras manifestações documentadas é o teatro do argentino


Manuel José de Lavardén (1754-1809). A tragédia Siripo, assinada pelo autor
rioplatense, uma das mais significativas desse período, veio aos olhos do público
em meados de 1789. Infelizmente os originais dessa obra se perderam em um
incêndio: "A obra Siripo adquiriu ressonância e foi representada várias vezes, mas
perdeu-se no incêndio do teatro em 1792 e talvez nem o segundo ato que chegou
até nós seria de Lavardén e sim de Luis Ambrosio Morante" (JOZEF, 1971, p. 55).

FIGURA 22 – MANUEL JOSÉ DE LAVARDÉN

FONTE: <https://4.bp.blogspot.com/-nk-4Wnkzutw/WC9czmQCIlI/
AAAAAAACAlE/39DUl_dhoBcTy6XE4-xkwr_w2MtkpOiTgCLcB/w1200-h630-p-k-no-nu/
Manuel%2BJos%25C3%25A9%2Bde%2BLabard%25C3%25A9n.jpg>. Acesso em: 26 jul. 2018.

Deste período também surgem autores expressivos, como o peruano


Pedro Peralta y Barnuevo (1663-1743). Você lembra quando falamos sobre a peça
Ollantay, de origem pré-colombiana? Foi em 1780, conforme Jozef, que ocorreu
sua representação pela primeira vez no teatro hispânico. A peça, já adaptada
pelos europeus, obteve grande relevância na cena teatral da cidade de Lima,
capital do Peru.

161
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

FIGURA 23 – REPRESENTAÇÃO MODERNA DE OLLANTAY

FONTE: < https://youtu.be/Ra7CIzh7gXc>

DICAS

Convidamos você agora a assistir a uma representação moderna de Ollantay.


O vídeo se chama OLLANTAY RAYMI – Ollantaytambo – Cusco – drama Ollantay e está
disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Ra7CIzh7gXc>. O drama é representado
em língua indígena, com legenda em espanhol.

162
TÓPICO 3 | O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

LEITURA COMPLEMENTAR

UMA APOSTA

Juana Manuela Gorritti


(Tradução de Artur Emilio Alarcon Vaz)

Quem não ouviu falar do gênio burlesco e aventureiro da bela Eleonora de


Olivar, duquesa de Alba? Emanação brilhante do Sol andaluz, a feitiçeira sevilhana
entrou um dia como um ardente turbilhão na austera corte de Carlos III, despertando
os graves ecos de sua fortaleza com as risadas de sua inesgotável alegria.

Os cronistas da época regozijam-se com prazer em relação às graciosas


loucuras daquela amável distraída que, por tanto tempo, teve em contínua agitação,
em perpétua aflição, a corte e a cidade; porque, entristecida algumas vezes de suas
travessuras aristocráticas, descia com frequência do mundo brilhante que habitava
para buscar outras mais picantes na plebeia atmosfera das ruelas.

Em nossos dias, Eleonora haveria sido horrivelmente caluniada; mas


naqueles benditos tempos tinha-se mais confiança numa mulher honrada e o
duque de Alba e, a exemplo seu, toda a corte veneravam profundamente a virtude
da duquesa. Honra à fé dos nossos mais velhos?

Mas, se Eleonora era debochada, não era maligna, como o são geralmente
aqueles que tem esse odioso caráter. Nem com suas piadas, nem com suas
loucuras, jamais feriu o amor-próprio, nem a sensibilidade de ninguém. Ao
contrário, se ela gostava de rir era mais para alegrar aos outros e suas travessuras
eram tão benévolas e lisonjeiras que cativavam sempre o coração daquele que era
seu objeto. Assim, o estudante a quem em tão rápida equipe ela fez dançar aquela
célebre sarabanda deveu-lhe sua fortuna e o capitão de guardas, a restituição do
régio amor que lhe havia roubado.

- Duque, pareço-te bem assim?, disse um dia Eleonora, apresentando-se a seu


marido, vestida de peregrina.
- Encantadora! respondeu o duque contemplando-a admirado. – Oh! Jamais a
túnica da viajante cobriu um corpo tão gentil.
- Obrigada, meu belo cavaleiro!, respondeu a irresistível andaluza, roçando com
seu delicado rosto a negra barba do castelhano. – Mas não é para ouvir teus
amáveis galanteios que me apresento a ti vestida desta maneira... Meu objetivo
é alcançar uma piedosa concessão.
- Pede o que quiseres, minha bela, desde que me permitas beijar esses pezinhos
calçados com sandálias.

163
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

- Estão a tua disposição, duque, se me deixares livre por um mês de minha


existência.
- E que farás nesse mês? Suponha que não quererás roubá-lo de mim.
- Irei só e a pé em peregrinação a Santiago de Compostela.
- Só!... A pé!... A Santiago!...
- Sim, senhor.
- Eleonora, pensas no que dizes?
- Com toda a seriedade de que sou capaz, duque.
- Esqueceste a adorável revelação que ontem à noite me fizeste?
- Disse-te que tinhas já um herdeiro.
- E não seria destruir essa esperança ceder à loucura que imaginas?
- Precisamente, para que essa esperança se realize, deves consentir em minha
peregrinação.
- Como?
- É um desejo. Já sabes que, se não o cumprisse, morreria nosso filho.
- E acreditas tu que ele vivera se eu fosse bastante insensato para expô-lo às
fatigas e acidentes dessa longa e penosa viagem?
- No entanto, será necessário que me dês permissão... É um desejo!
- Que delírio! Como podes, minha querida, persistir nessa extravagância? Sem
contar que no estado em que te encontras, tua posição e teu trabalho na corte
te mantém próxima da rainha. O que diria sua majestade se lhe falasses de tal
estranha raridade?
- Tenho já sua permissão para passar um mês em nossos estados.
- E a princesa de Astúrias?
- A princesa de Astúrias está com inveja de mim e me odeia o suficiente para
alegrar-se com minha ausência, mesmo que eu fosse até Meca.
- És demasiada bela para justificar a inveja da princesa. Onde tu apareces, toda
beleza se eclipsa.
- Vamos, senhor de Alba! Não pense vossa excelência adormecer-me com suas
lisonjas... A permissão, senhor, a permissão!
- Impossível, minha bela; tão impossível como que “ria o conde de Girón”, disse
o duque, acreditando encerrar a questão.
- Quem é o conde de Girón e porque não há de rir? Conta-me isso, duque, disse
levianamente Eleonora, colocando um de seus braços no pescoço de seu marido
e deixando, sobre seus joelhos, o chapéu adornado de conchas.
- O conde de Girón, minha amada, é um senhor do Antigo Regime tão apegado
aos costumes de seu tempo; que, não podendo sofrer as inovações que o
progresso trouxe aos nossos, abandonou a corte e o trabalho que nela tinha,
retirando-se a um de seus castelos que tem próximo da Aranjuez, onde vive
como nos tempos do Rei Rodrigo e cercado de escudeiros, pajens e damas de
companhia tão antiquadas como pede o gosto de seu senhor, cuja seriedade,
por outra parte incontrastável, tornou-se provérbio e diz-se que nunca quis
casar-se por não ter que sorrir para a sua noiva sequer no dia do casamento.
Assim, quando se quer qualificar algo de impossível em grau superlativo se
compara com o riso do conde de Girón.

164
TÓPICO 3 | O DRAMA NA AMÉRICA COLONIAL

- Muito bem. E se o conde de Girón risse, o que dirias, duque?


- Diria que o bom apóstolo Santiago, apaixonado por tua beleza, teria feito um
milagre para conquistar a felicidade de ver-te.
- Oh! Duque, desta vez caí na armadilha da tua lisonja. Aceito a hipótese. Beija
minhas sandálias e faz amanhã uma visita ao conde de Girón.
- É uma aposta, Eleonora?
- Sim, duque... é uma aposta.

II

Na tarde do dia seguinte, o duque de Alba, de volta da caça, pediu


hospitalidade no castelo de Girón e foi recebido com todas as cerimônias de
antigo uso.

O berrante do vigia tocou a fanfarra que anunciavam a visita de um grande


senhor; a ponte levadiça baixou com barulho; os escudeiros ajudaram com o estribo,
os pajens de joelhos descalçaram as esporas do duque; as damas, envoltas em suas
brancas e respeitáveis toucas, apresentaram-lhe o aguamanil de ouro e o incensário
e, mais além, enfim, de pé na porta do salão de honra, o velho castelhano recebeu o
duque com toda a rigidez da etiqueta que Felipe V herdou de seu bisavô; com todos
esses requisitos do andar e da postura que fizeram o duque sorrir mais de uma vez,
pensando em sua esposa, porque o sério personagem fazia todas aquelas evoluções
da antiga ordenança palaciana com uma seriedade imperturbável que prometia ao
de Alba um triunfo seguro em sua aposta.

O berrante do vigia deixou-se ouvir de novo e, um momento depois, o


porteiro de estrados anunciou ao conde que um jovem com modos de estudante
em férias se apresentara aos portões do castelo, pedindo para ser conduzido até o
senhor, a quem tinha que comunicar um assunto importante para a casa de Girón.

- Para a casa de Girón!, observou seriamente o conde, eu sou o único representante


dessa casa e tenho obrigação de escutá-lo, faça-o entrar. O porteiro de estrados
transmitiu a ordem e, um momento depois, abrindo-se a porta das entradas
comuns, apareceu no umbral iluminado pelos últimos raios de sol, um rapaz
coberto com uma túnica puída em todos os sentidos, mas que o pícaro levava
tão elegantemente como o conde sua capa de tecido nobre. Cobriam a metade
de seu rosto as grandes e furadas abas de um grande chapéu que tirou ao
entrar, mostrando umas feições cheias de malícia e dois belos e ardentes olhos
negros que piscaram dissimuladamente ao duque de Alba, atordoado diante
daquela aparição.
- Senhor conde, disse com jovialidade o estudante, aproximando-se do
castelhano; tenho a honra de apresentar-lhes em minha humilde pessoa a um
de seus mais próximos parentes.
- Tu!, exclamou o conde, arqueando as sobrancelhas e abrindo desdenhosamente
o lábio. O que dizes?

165
UNIDADE 3 | O CONTO HISPANO-AMERICANO, O TEATRO ESPANHOL DO SÉCULO DE OURO E SUAS REVERBERAÇÕES

- Seu parente mais próximo, repetiu o diabinho. Que! Não conheces os traços da
família?
- Enfim, replicou severamente o conde. Quem és tu?
- Um Girón por todos os lados e, se não, olha-me...

E, dando uma rápida volta, ostentou um a um aos olhos do conde os mil


‘girones’ de que se compunha seu vestido.

Então, um acontecimento sem precedentes, um estranho fenômeno


ocorreu no castelo de Girón. Os lábios do conde dilataram-se, seus dentes viram
pela primeira vez a luz do Sol e, com espanto do duque de Alba, ouviu-se um
ruído insólito, uma gargalhada que atraiu àquele lugar os escudeiros, pajens e
damas e até dizem que acordou, assustados, os morcegos que dormiam no antigo
telhado.

O diabinho volveu-se radiante para o duque e disse para ele inclinando-se


graciosamente:

- O apóstolo Santiago fez o milagre e ganhei minha peregrinação.

E, sorrindo maliciosamente, recolheu o chapéu e desapareceu.

Lima, 1855

Notas: Carlos III, rei espanhol de 1759 a 1788; Rei Rodrigo: rei da Hispânia, região
atualmente ocupado por Portugal e Espanha, entre 710 e 711; fanfarra é uma peça musical de
trompetes e instrumentos de percussão, geralmente tocada em cerimônia da realeza; Manteve-se
o termo “girones” do original, pois se refere à parte do vestido e também faz um trocadilho com o
sobrenome do duque.

FONTE: VAZ, A. E. A.; PILLETI, D. C.; NOAL, J. M. Juana Manuela Gorriti – Contos. São Paulo: Liber
Ars, 2017.

166
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O substrato cultural indígena foi de importância fundamental para a construção


do teatro após a chegada dos europeus.

• A expressão teatral pré-colombiana em nada lembrava o teatro europeu, em


estrutura e tampouco em elementos constituintes.

• A tragédia ritual Rabinal Achí é uma obra rara, oriunda do período anterior à
colonização.

• A importância de Rabinal Achí é tanta que em 2005 foi considerada pela


UNESCO obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade.

• No teatro barroco hispano-americano, o mexicano Juan Ruiz de Alarcón y


Mendoza deu forma à expressão teatral no mundo hispano-americano.

• La verdad sospechosa apresenta um caráter moralizante, reprochando a mentira


no âmago das relações sociais.

• No teatro neoclássico a peça pré-hispânica Ollantay ganhou sua primeira


encenação em castelhano.

167
AUTOATIVIDADE

1 Marque a alternativa correta:

a) ( ) Não havia manifestação cultural na América até a chegada dos europeus


em 1492.
b) ( ) Ollantay foi levada aos palcos em castelhano em 1780.
c) ( ) Nenhuma obra do teatro pré-colombiano chegou ao nosso tempo.
d) ( ) Pedro Peralta y Barnuevo produziu drama na América hispânica já no
período romântico.
e) ( ) Ollantay só foi encenada em castelhano no período romântico.

2 Você lembra do vídeo La tradición del teatro bailado Rabinal Achí? Não? Assista
em <https://www.youtube.com/watch?v=MSR-VXxmBQk>.

Agora, responda as seguintes perguntas:

1 O que é o Rabinal Achí?

2 O que expressa o Rabinal Achí?

3 Como é apresentado o relato oral e escrito?

4 Em quantos atos é dividido o relato?

5 Quantos são e que posto monárquico ocupam os personagens principais?

6 Em que dia vem sendo representado tradicionalmente o Rabinal Achí?

168
3 Sobre o drama na América hispânica é correto afirmar:

a) ( ) A tragédia Siripo perdeu-se no tempo em decorrência de um incêndio.


b) ( ) A obra Ollantay é uma ficção espanhola que idealiza o mundo pré-
colombiano.
c) ( ) A obra La verdad sospechosa trata de verdades inconvenientes, como a
tomada do continente americano pelos espanhóis.
d) ( ) O barroco foi um período de expressão pouco significativa para o teatro
espanhol.
e) ( ) Hernán Cortés e o Inca Garcilaso de la Vega não noticiaram experiências
artísticas na América anteriores a Colombo.

169
170
REFERÊNCIAS
ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e
literatura. Belo Horizonte: Humanitas, 2006.

ARISTÓTELES. Arte poética. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.


br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2235>. Acesso em: 23
ago. 2018.

BARRA-JOVER, Mario. Razón de amor: texto crítico y composición.


Disponível em: <https://ebuah.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/5063/
Raz%C3%B3n%20de%20Amor.%20Texto%20Cr%C3%ADtico%20y%20
Composici%C3%B3n.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 30 jun. 2018.

BLECUA, José Manuel. Historia de la Literatura Española. I, Zaragoza, Librería


General, 1944. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/descargaPdf/
historia-de-la-literatura-espanola-volumen-i/>. Acesso em: 11 set. 2018.

BORGES, Jorge Luis. El libro de sueños. Madrid: Alianza Editorial, 2005.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

BUENO, Raúl. Sobre la heterogeneidad literaria y cultural de América Latina.


In.: CORNEJO POLAR, Antonio. Crítica de la razón heterogénea. Textos
esenciales (II). Lima: Fondo Editorial de la Asamblea Nacional de Rectores, 2013.

CASTRO, Rosalía de. Follas Novas. Madrid: Abada Editores, 2016.

CORNEJO POLAR, Antonio. Crítica de la razón heterogénea. Textos esenciales


(I). Lima: Fondo Editorial de la Asamblea Nacional de Rectores, 2013a.

______. Crítica de la razón heterogénea. Textos esenciales (II). Lima: Fondo


Editorial de la Asamblea Nacional de Rectores, 2013b.

CORTÁZAR, Julio. Rayuela. Madrid: Cátedra, 2013.

COSTA, Ligia Militz. A poética de Aristóteles – Mímese e verossimilhança. São


Paulo: Ática, 2003.

DARÍO, Ruben. Azul. Santiago de Chile: Pequeño Dios Editores,


2013. Disponível em: <http://www.xn--pequeodios-x9a.cl/wp-content/
uploads/2015/10/Azul-Rub%C3%A9n-Dar%C3%ADo.pdf>. Acesso em: 29 ago.
2018.

171
______. El Rubí. 2003. Disponível em: <http://www.biblioteca.org.ar/
libros/70881.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2018.

DEBATE DE ELENA Y MARÍA. Disponível em: <https://web.archive.org/


web/20080218013858/http://www.fjse.arrakis.es/otros.htm#debate>. Acesso em:
30 jun. 2018.

DE LAS CASAS, Bartolomé. Brevísima relación de la destruición de las Indias.


Fundación Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes y Universidad de Alicante.
Edición digital de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2006. p. 86-87.

DEYERMOND, Alan D. Historia de la literatura española, vol. 1: la Edad


Media, Barcelona: Ariel, 2001.

DÍAZ-PLAJA, Guillermo. Historia de la literatura española. A través de la


crítica y de los textos. Buenos Aires: Editorial Ciordia, 1958.

ECHEVERRÍA, Esteban. La cautiva – El matadero. Buenos Aires: Booked, 2007.

EDITORIAL FERNÁNDEZ-ARCE. Autores de lengua española. São José:


Fernández-Arce, 1974.

FERNÁNDEZ-ARCE. Autores de lengua española. San José: Fernández-Arce,


1974.

FONTÁN, María. Antonio Machado en un café. Disponível em: <https://cvc.


cervantes.es/el_rinconete/anteriores/febrero_06/28022006_01.htm>. Acesso em:
30 jun. 2018.

FUENTES, Carlos. Chac Mool. In: FUENTES, Carlos. Cuentos completos.


Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2013.

______. La muerte de Artemio Cruz. Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus,


Alfaguara, 2008.

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record,


2013. Tradução de Eric Nepomuceno.

______. El amor en los tiempos del cólera. Bogotá: La Oveja Niegra, 1985.

______. La soledad de America Latina. Nobel Book Prize. Disponível em:


<https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1982/marquez-
lecture-sp.html>. Acesso em: 18 maio 2018.

172
______. Ninguém escreve ao coronel. Rio de Janeiro: Record, 1968.

GONZÁLEZ, Elena Palmero. No reino de Alejo Carpentier: doze ensaios


críticos. Rio Grande: Ed. FURG, 2009.

GORRITI, Juana Manuela. A filha do masorqueiro. In: VAZ, Artur Emilio


Alarcon; PILETTI, Daniele Corbetta; NOAL, Joselma (orgs.). Juana Manuela
Gorriti – Contos. São Paulo: Liber Ars, 2017.

GUITERRES, Joaquín; QUEVEDO, Franklin. Poesia clasica española. San José:


Editorial Costa Rica, 1977.

GUMBRECHT, H. U. Modernização dos sentidos. São Paulo: editora 34, 1998.

HERNÁNDEZ, José. Martín Fierro. Buenos Aires: Ediciones Libertador, 2011.

IMBERT, E. Anderson. Historia de la literatura hispano-americana (II). Ciudad


de México: Fondo de Cultura Económica, 1988.

______. Historia de la literatura hispano-americana (II). Cidade do México:


Fondo de Cultura Económica, 1959.

INSTITUTO CERVANTES. CERVANTES. Antonio Machado. Biografía.


Disponível em: <https://www.cervantes.es/bibliotecas_documentacion_espanol/
biografias/pekin_antonio_machado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2018.

______. Cantos de vida y esperanza. Canción de otõno em primavera.


Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/cantos-de-vida-
y-esperanza-cancion-de-otono/html/04144591-7101-40f4-901d-a114ea3e672b_2.
html>. Acesso em: 29 ago. 2018.

JOZEF, Bella. História da literatura hispano-americana. Das origens à


atualidade. Petrópolis: Vozes, 1971.

LÓPEZ, José García. Historia de la literatura española. Barcelona: Editorial


Vicens, 1975.

MACHADO, Antonio. Proverbios y cantares. Disponível em: <https://


curroenlengua.files.wordpress.com/2015/09/proverbios-y-cantares-machado.
pdf>. Acesso em: 27 ago. 2018.

MÁRQUEZ, Gabriel García. Cien años de soledad. Madrid: RAE, 2007.

173
MARTÍ, José. Ismaelillo. 1882. Disponível em: <http://www.espacioebook.com/
sigloxx_98/marti/Marti_Ismaelillo.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2018.

MENÉNDEZ-PIDAL, Ramón. Debate de Elena y María. Madrid: Revista de


Filología Española, 2014.

MENTON, Seymour. El cuento hispano-americano (I). Ciudad de México:


Fondo de Cultura Económica, 1988.

______. El cuento hispano-americano. Cidade do México: Biblioteca Actual,


1988.

MOISÉS, Massaud. Barroco. In: MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos


literários. São Paulo: Cultrix, 2004.

MOLINA, Tirso de. El vergonzoso en palacio. Santiago de Chile: Zig-Zag, 1956.

NEPOMUCENO, Eric. Gabriel García Márquez: duas anotações para um perfil.


In: MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record,
2013.

NERUDA, Pablo. Veinte poemas de amor y una canción desesperada. Santiago:


Nehuén, 2010.

NOAL, Joselma. Gorriti: uma pena argentina feminina. In: VAZ, Artur Emilio
Alarcon; PILETTI, Daniele Corbetta; NOAL, Joselma (orgs.). Juana Manuela
Gorriti – Contos. São Paulo: Liber Ars, 2017.

O’KUINGHTTONS RODRÍGUEZ, John. Antología crítica de la literatura


hispanoamericana. São Paulo: Letraviva, 2004.

______. Introdução. In: QUIROGA, Horacio. Contos de amor, loucura e de


morte. São Paulo: Hedra, 2013.

ORAZI, Veronica. La disputa del alma y el cuerpo a la luz de la hermenéutica


bíblica. Disponível em: <https://cvc.cervantes.es/literatura/aih/pdf/13/
aih_13_1_030.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2018.

ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Alianza


Editorial, 2005.

PAZ, Octavio. A dupla chama. Amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.

PERALEZ, Cristina. Gonzalo de Berceo. Disponível em: <https://www.youtube.


com/watch?v=c40KcKXvyBA>. Acesso em: 30 jun. 2018.

174
PÉREZ PRIEGO, M. A. El poema de Elena y María. Disponível em: <http://
www.bne.es/export/sites/BNWEB1/webdocs/Prensa/Noticias/2017/Debate-
Elena-Maria-Perez-Priego.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2018.
PIGAFETTA, Antonio. A primeira viagem ao redor do mundo. Porto Alegre:
L&PM, 1986.

PIZARNIK, Alejandra. Poesía completa. Barcelona: Lumen, 2014.

QUIROGA, Horacio. Contos de amor, loucura e de morte. São Paulo: Hedra,


2013.

______. Cuentos de amor, locura y muerte. Disponível em: <https://ciudadseva.


com/texto/el-almohadon-de-plumas/>. Acesso em: 23 ago. 2018.

ROZAS, Juan Manuel, Significado y doctrina del arte nuevo de Lope de Vega.


Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2002.

RULFO, Juan. Pedro Páramo. Madrid: Cátedra, 2005.

SÁBATO, Ernesto. El túnel. Madrid: Cátedra, 1994.

SAINZ, José Ángel. El mañana efímero que llegó para quedarse. Disponível
em: <https://elpais.com/elpais/2013/12/05/opinion/1386268071_978020.html>.
Acesso em: 30 jun. 2018.

SALINAS, Pedro. El poema de Mio Cid. Madrid: Alianza Editorial, 1995.

______. Literatura española del siglo XX. Madrid: Alianza Editorial, 1972.

SOBREVILLA, David. Transculturación y heterogeneidad: avatares de dos


categorías literarias en America Latina. Revista de crítica literaria latino-
americana, Año XXVII, n. 54. Lima-Hanover, 2do. Semestre del 2001, p.
21-30. Disponível em: <https://www.insumisos.com/lecturasinsumisas/
Transculturacion%20y%20heterogeneidad.pdf>. Acesso em: 30 maio 2018.

TARRÍO VARELA, Anxo. Síntesis de la historia de la literatura gallega (siglos


XV-XX), 1985. Disponível em: <https://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/
aepe/pdf/boletin_32-33_17_85/boletin_32-33_17_85_03.pdf>. Acesso em: 30 ago.
2018.

VAZ, Artur Emilio Alarcon; PILETTI, Daniele Corbetta; NOAL, Joselma (orgs.).
Juana Manuela Gorritti – Contos. São Paulo: Liber Ars, 2017.

VÁZQUEZ, Juan Adolfo. Literaturas indigenas de América. Introducción a su


estilo. Buenos Aires: Almagesto, 2010.

175
VEGA, Lope de. El arte nuevo de hacer comedias en este tiempo. Disponível
em: <http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/arte-nuevo-de-hacer-
comedias-en-este-tiempo--0/html/ffb1e6c0-82b1-11df-acc7-002185ce6064_4.
html>. Acesso em: 27 jul. 2018.

______. Fuenteovejuna. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2002.


Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/obra/fuente-ovejuna--1/>.
Acesso em: 27 jul. 2018.

______. El Caballero de Olmedo y El perro del hortelano. Madrid: Orbi Fabbri,


1998.

176

Você também pode gostar