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INTRODUÇÃO Viagens ultramarinas


Ronald Raminelli

Monarcas, vassalos e governo a distância

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VIAGENS ULT RAMARINAS monarcas, vassalos e governo a dist ância (na ínt egra)
Ronald Raminelli

A serviço de sua majest ade: administ ração, elit e e poderes no ext remo meridional brasileiro (1808c.-1…
Adriano Comissoli

Hist ória e nat ureza na correspondência ent re D. Rodrigo de Sousa Cout inho e D. Diogo de Sousa (1798-…
Flávio P. Cost a Júnior
VIAGENS ULTRAMARINAS
Monarcas, vassalos e governo a distância.

Ronald Raminelli

i
Sumário

Introdução................................................................... iii

1 A escrita e a espada em busca de mercê....................1

2 Inventário das conquistas........................................48

3 Viagens Filosóficas..................................................85

4 Ilustração e patronagem...........................................124

5 Naturalistas em apuros..............................................167

6 Fragmentos do império...............................................204

7 Metrópoles e Colônias................................................252

ii
INTRODUÇÃO

Em 1808, quando a Corte portuguesa estabeleceu-se no Rio de Janeiro, uma


nova configuração política surgia no império colonial português. Por longos séculos,
Lisboa mantivera-se como centro das decisões, mas no momento em que o rei se
radicava na colônia, a cidade perdeu sua capacidade de promover a unidade entre as
províncias. Se antes a centralidade das possessões ultramarinas estava no reino, a partir
da transferência da Corte, ela se deslocou para o Brasil. O evento, por certo, contrariava
a secular atração exercida pela antiga capital que reunia os principais agentes da
administração e os lucros do comércio. De Lisboa partiam, rumo às conquistas, os
vassalos em busca de terras e mercês, que enfrentavam as adversidades dos novos
territórios com a intenção de alargar os horizontes dos reais domínios. Em princípio,
esse livro pretende estudar como os vassalos do rei contribuíram para manter esse vasto
império, durante tantos séculos, e como a lealdade monárquica viabilizou um governo a
distância. Sem a contribuição dos moradores das possessões ultramarinas, seria inviável
o controle das conquistas por parte do soberano.
Essas reflexões fornecem subsídios para melhor entender os vínculos do Brasil
no império colonial. A trama entre o centro e as periferias baseava-se na negociação
entre os súditos e o monarca. Os primeiros, ao prestar serviços no ultramar, tinham seus
feitos reconhecidos e recompensados, reuniam honras e privilégios que os
aproximavam, paulatinamente, do monarca e da burocracia metropolitana. Ao avançar
do século XVIII, cresceu a importância dos domínios americanos no âmbito imperial e,
consequentemente, seus moradores tiveram seus feitos mais valorizados. O ouro, o
açúcar e o tabaco viabilizavam estudos na Universidade de Coimbra e o surgimento de
uma elite ilustrada luso-brasileira que, aos poucos, ocupou cargos de destaque na
administração. Depois de 1808, momento de debilidade do poder monárquico, os laços
entre o rei e essa elite exerceram um papel ainda mais decisivo para manter união entre
os territórios apartados. De fato, este livro pretende analisar a formação da elite
coimbrã, particularmente a trajetória de colonos que se formaram em filosofia na
Universidade de Coimbra ou exerceram o ofício de naturalista no mundo colonial.
Desde o início da expansão marítima, recorrendo à espada, os vassalos do rei
ampliavam as conquistas e recebiam como recompensas títulos de cavaleiros de Ordens
Militares, terras e cargos na administração local. Mas os serviços dedicados à

iii
monarquia não se restringiam à arte da guerra; as viagens, aos poucos, tornaram-se
instrumentos indispensáveis para reunir conhecimento capaz de viabilizar o governo do
ultramar. Inicialmente, os vassalos percorriam os novos territórios e produziam
inventários da natureza e de suas produções. Descreviam também os povos, seus
costumes e sua capacidade de gerar produtos coloniais para fomentar o comércio do
reino. Essas informações, sob a forma de cartas, relatórios e tratados, dirigiam-se ao
soberano radicado em Lisboa, centro do império. Assim como a espada, a escrita
tornou-se, então, um importante serviço dedicado ao rei, pois lhe informava sobre
acontecimentos, terras distantes, minas, lavouras e a disposição de súditos em obedecer
a suas leis. O conhecimento sobre o ultramar rendia aos moradores das conquistas a
possibilidade de também alcançar privilégios; como os guerreiros, eles poderiam dispor
de terras, títulos de cavaleiros e cargos de prestígio.
No século XVIII, quando a ciência se tornou instrumento necessário para medir
terras, produzir mapas, aperfeiçoar as lavouras e as minas, esses vassalos perderam, em
parte, a capacidade de informar ao monarca sobre as suas conquistas. O Estado, por
conseguinte, assumiu a tarefa de instruir profissionais que teriam a nobre tarefa de
reunir informações cientificamente capazes de promover reformas, delimitar os limites
do império e introduzir técnicas responsáveis por modernizar as atividades produtivas.
A Universidade de Coimbra era, portanto, o centro promotor da modernização da
agricultura, manufatura e comércio. Filhos de militares, comerciantes e proprietários de
terras foram enviados à universidade com a intenção de receber formação e,
posteriormente, ingressarem na magistratura ou em cargos de prestígio na administração
metropolitana ou colonial. Formava-se, então, uma elite composta de bacharéis em
matemática, filosofia e leis, que deveria percorrer o ultramar e, em viagens filosóficas,
ativar os vínculos entre as colônias e a metrópole.
No último quartel do século XVIII, as viagens eram conduzidas, em grande
parte, por bacharéis luso-brasileiros, por uma elite proveniente da América portuguesa,
que percorria as conquistas americanas, asiáticas e africanas para informar ao rei sobre
seus domínios. Os serviços prestados por esses homens de ciência também resultavam
em privilégios. Assim, os mecanismos de remuneração pouco se modificaram, e o rei
ainda concedia aos vassalos as mesmas distinções que, outrora, atribuíam a seus
guerreiros. A ciência, portanto, era mecanismo destinado a manter o vasto império
colonial, mas, ao mesmo tempo, rendia regalias a naturalistas e matemáticos. Essa
tendência tornou-se ainda mais nítida nos anos de 1790, período marcado por rumores

iv
de sedição. A sacrossanta unidade do império tornou-se ameaçada com a insatisfação
manifestada por mineiros e baianos, sobretudo em relação aos tributos. A estratégia de
neutralizar a possível rebeldia da elite ilustrada luso-brasileira era inseri-la em altos
cargos da magistratura, nos Tribunais da Relação, em posição de destaque nas
instituições do reino, como na Universidade de Coimbra, Mesa de Consciência e
Ordens, Junta de Comércio, Museu de História Natural, Academia da Marinha e
Academia das Ciências de Lisboa.
Essa estratégia, por certo, produziu entraves ao desenvolvimento científico em
Portugal, pois, ao receber as mencionadas distinções, os homens de ciência tornavam-se
burocratas, senhores de prestígio, e abandonavam a carreira de naturalista. Em busca de
cargos de prestígio e enfrentando conjuntura desfavorável, os naturalistas deixaram de
produzir conhecimento e provocaram o esvaziamento dos museus e academias,
fenômeno evidente nos primeiros anos do século XIX. No entanto, a formação
universitária e os serviços prestados ao monarca originaram uma elite que teve
participação decisiva na nossa independência. Quando a família real transferiu-se para o
Rio de Janeiro, esses bacharéis da Universidade de Coimbra assumiram cargos
importantes na burocracia do império luso-brasileiro. Por dispor de títulos e cargos, eles
estavam capacitados a ocupar lugares de honra na administração. Na nova conjuntura,
bacharéis e doutores, como José Bonifácio Andrada e Silva, José Joaquim da Cunha de
Azeredo Coutinho e José da Silva Lisboa, empregaram seus conhecimentos adquiridos
em Coimbra para fortalecer a economia e incentivar a unidade das províncias imperiais.
Por muito tempo, a elite ilustrada apostou na união entre Portugal e Brasil e somente
depois da tentativa de re-colonizar o Brasil, decisão tomada pelas Cortes do Porto em
1821, a denominada elite coimbrã declarou-se a favor da independência, posição mais
evidente nos escritos de Hipólito da Costa e José Bonifácio.
Ao recorrer à trajetória de alguns bacharéis, o livro pretende analisar os estritos
vínculos entre o monarca e a elite ilustrada luso-brasileira, entender, sobretudo, o
funcionamento da patronagem régia que, por quase três séculos, fomentou a produção
de conhecimento sobre o mundo colonial. Por meio de acúmulo de informações, esses
vínculos consolidaram a idéia de império e a constituição de uma facção da elite,
responsável por defender a unidade entre as provinciais, ao invés de lutar por um
projeto separatista. Os bacharéis de Coimbra planejavam intervenções na economia para
torná-la competitiva, mas descartavam qualquer reforma capaz de ameaçar a sociedade
de ordens, a antiga estrutura sócio-econômica. Pretendiam conservar a figura do rei e os

v
privilégios nobiliárquicos por temerem os dissabores de uma ruptura capaz de conduzir
a revoltas comandadas pelas elites locais ou por mulatos, negros e escravos, tal como
varreu a colônia francesa em São Domingos e fragmentou a América espanhola. Essa
configuração explica o nascimento de uma elite conservadora e responsável,
inicialmente, por defender a união com Portugal e, posteriormente, por consolidar a
autonomia política comandada pelo príncipe D. Pedro.
No primeiro capítulo busquei explorar a origem do sistema de patronagem e o
mecanismo de controle a distância sobre as redes que compunham o império colonial
português entre os séculos XVI e XVII. Nos primeiros tempos, os vassalos lutavam
contra invasores europeus, enfrentavam levantes indígenas, percorriam rios e desbravam
os sertões em busca de índios e metais preciosos. Para tornar seus serviços relevantes ao
monarca, sobretudo no período filipino, os primeiros conquistadores descreviam as
grandezas e estranhezas das terras brasílicas. Sem conhecer as potencialidades da
América portuguesa, o monarca castelhano não remuneraria seus feitos. Para valorizar
as demandas, Gabriel Soares de Sousa e Bento Maciel Parente enviaram aos Felipes a
relação de seus serviços e os inventários da natureza e das comunidades indígenas.
Depois de 1640, com a Restauração e as guerras contra os neerlandeses, a
América portuguesa, aos poucos, conquistou um espaço de destaque no conjunto das
conquistas lusitanas. Se antes, as riquezas brasílicas eram indispensáveis para
engrandecer os feitos dos vassalos, na segunda metade do seiscentos, a importância do
Atlântico português tornou os serviços militares de seus moradores indispensáveis para
manutenção do equilíbrio político e econômico de Portugal. A partir de então, os
vassalos deixaram de produzir os inventários e trataram de descrever somente seus
feitos militares nas guerras em Pernambuco, Bahia e Angola. Terminava, assim, a
primeira fase da produção de conhecimento sobre o mundo colonial, quando os vassalos
escreviam notícias ao rei para informá-lo sobre suas conquistas.
No entanto, anos depois, a produção de conhecimento seria retomada, embora
sua lógica fosse invertida, tema do segundo capítulo. Não partia dos vassalos a
iniciativa de enviar notícias ao soberano. Pressionado por questões de limites e
ocupação do sertão americano, a monarquia tornou-se patrona da ciência, formando um
corpo de funcionários capaz de conduzir o governo a distância, segundo os princípios da
ciência setecentista. Inicialmente, a monarquia contratou professores italianos e alemães
para ensinar e participar das expedições no interior da América. Essa equipe também
atuou, durante o governo pombalino, na elaboração da reforma da Universidade de

vi
Coimbra e criação de cursos de filosofia e matemática, conhecimento indispensável para
promover o estreitamento de laços entre as partes do império. Esses planos não
pretendiam intervir apenas na América portuguesa, mas nas possessões africanas e
asiáticas. Em princípio, os Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777)
incentivaram a produção de conhecimento geográfico, mas a Secretaria de Estado da
Marinha e Negócios Ultramarinos exigia dos demarcadores o avanço da história natural,
sobretudo depois de criado o Museu de História Natural que reuniria coleções de
plantas, animais e minerais dos mais distantes rincões das conquistas. Se a geografia
permitia a delimitação das fronteiras, a história natural reunia notícias de plantas,
lavouras e comunidades indígenas, responsáveis pela efetiva ocupação dos limites e
fomento do comércio colonial.
Embora as primeiras remessas de espécies chegassem à Secretaria de Estado e
ao Museu de História Natural a partir dos anos de 1770, somente com as viagens
filosóficas o conhecimento da história natural se firmaria como relevante e conduzido
segundo os princípios científicos, tema do terceiro capítulo. As primeiras expedições
avançaram sobre o além-mar, em 1783, sob comando de naturalistas, formados em
Coimbra. As viagens dirigiam-se ao Pará, Goa, Moçambique, Angola e Cabo Verde. A
partir da farta documentação produzida pela Viagem Filosófica ao Pará, percebe-se os
sentidos conflitantes dos empreendimentos. Durante nove anos, o naturalista Alexandre
Rodrigues Ferreira percorreu as capitanias do Pará, Rio Negro e Mato Grosso, enviou
remessas, dezenas de memórias e desenhos à Secretaria de Estado. Ao retomar a Lisboa,
seus estudos não tiveram continuidade, as remessas ficaram intocadas e os escritos
permaneceram em manuscritos e impróprios à publicação. A fragilidade científica era
recorrente em quase todos os estudos produzidos no ultramar, o que indicava a
debilidade das instituições científicas da metrópole, o esvaziamento da Universidade,
museus e academias, particularmente depois dos anos 1790. A carreira de Alexandre
Rodrigues Ferreira forneceu-me elementos irrefutáveis da mencionada debilidade
científica.
Ao invés de seguir os passos dos afamados naturalistas, Ferreira, ao retornar do
Pará, inseriu-se paulatinamente na burocracia, recebeu privilégios pelos serviços
prestados e abandonou o ofício de naturalista, tema do quarto capítulo. A patronagem
régia também promoveu a ascensão social de José Bonifácio de Andrada e Silva e o
afastou, paulatinamente, das pesquisas ao conceder-lhe inúmeros cargos e títulos
honoríficos. Embora ele mantivesse vínculos com a Universidade de Coimbra e com a

vii
Academia das Ciências de Lisboa, essas instituições, antes mesmo do período
napoleônico, estavam francamente debilitadas e decadentes, segundo suas próprias
palavras. À época, Andrada e Silva se ressentia do ostracismo e da impossibilidade de
participar da alta administração no Rio de Janeiro. De fato, no início do século XIX, os
homens de ciência não mais percebiam as instituições científicas como espaço de
prestígio e migraram para as altas esferas da burocracia estatal. Mas essa estratégia
somente era viável para os naturalistas bacharéis em leis.
O quinto capítulo explorou as distintas trajetórias de filósofos e juizes-
naturalistas. Ambos atuavam como naturalistas, mas os primeiros eram egressos da
faculdade de filosofia enquanto os segundos atuavam como magistrados que tiveram, na
Universidade, formação filosófica, embora incompleta. A partir da trajetória dos juizes
de fora Baltazar da Silva Lisboa e Joaquim de Amorim Castro, percebe-se que a história
natural era parte de uma estratégia para reunir honra e se aproximar do secretário de
Estado e do soberano. Para tanto, remetiam espécies raras ao Museu de História Natural,
escreviam memórias econômica e, em seguida, pleiteavam ascensão na carreira de
magistrado. A ciência era um meio de servir ao soberano e acumular prestígio. Aos
filósofos, porém, estavam vetados esses cargos. De fato, havia, por parte da
administração, um nítido favorecimento dos juizes-naturalistas. O único filósofo a
exercer somente o ofício de naturalista era Alexandre Rodrigues Ferreira, os demais
deveriam atuar em inúmeras outras atividades para sobreviver. Como bem salientou
José Bonifácio, o curso filosofia natural era cada vez menos procurado pelos estudantes
devido às falta de apoio por parte do Estado.
De todo modo, os naturalistas, fossem filósofos ou magistrados, envolveram-se,
nos anos de 1790, em rumores de sedição e inconfidências nas capitanias de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Em apuros, os naturalistas enfrentaram investigações e
processos que resultaram em sentenças nitidamente distintas. Os filósofos foram presos,
como Álvares Maciel e Bettencourt Acioli, sendo o primeiro castigado com degredo em
Angola, onde faleceu anos depois. As suspeitas sobre a lealdade dos juizes-naturalistas,
porém, não resultaram em prejuízos para suas carreiras na magistratura. Anos depois
seriam condecorados com títulos de cavaleiro e lugares de desembargador da Relação
do Porto e Rio de Janeiro.
De todo modo, ao longo do setecentos, matemáticos e naturalistas reuniram
conhecimento indispensável para tornar menos abstrata a idéia de império. Mapas,
coleções e memórias conduziram a Lisboa os fragmentos do império colonial e

viii
viabilizaram uma política responsável por fomentar a interdependência entre as
províncias. Valendo-se desses testemunhos, o secretário de Estado D. Rodrigo de Sousa
Coutinho traçava planos para harmonizar os pleitos e fortalecer a sacrossanta unidade,
embora os acontecimentos tramassem em favor do enfraquecimento da centralidade de
Lisboa e da figura do monarca. A intensa produção de inventários era uma estratégia de
aperfeiçoar o governo a distância e criar uma identidade imperial.
No sexto capítulo, analisei os inventários visuais dos povos das conquistas. Entre
1780 e 1800, Leandro Joaquim, Carlos Julião, José Joaquim Codina e Joaquim José
Freire, os dois últimos riscadores da Viagem Filosófica ao Pará, produziram imagens
dedicadas a retratar a diversidade de povos nas mais diferentes províncias do ultramar,
em Macau, Goa e América portuguesa. Se antes, essas nações foram fartamente
descritas na correspondência e nas memórias, nesse período, as autoridades
metropolitanas consideraram pertinente identificar suas características visuais para
tornar mais concreto o domínio monárquico sob terras e povos.
Ao comandar a Viagem Filosófica, Alexandre Rodrigues Ferreira criou uma
taxonomia muito original, baseada na capacidade técnica dos tapuias. Suas reflexões
foram registradas nas memórias, desenhos, remessas e na intrigante coleção de produtos
industriais. O controle sobre a natureza era indício crucial para o naturalista, capaz de
avaliar a “civilidade” dos grupos. No entanto, suas investidas não se resumiam a
perceber como as plantas se transformavam em artefatos entre os índios da América. Ao
analisar a lista de produtos industriais, evidencia-se a preocupação de Ferreira com a
evolução técnicas das raças. Ele não se preocupava apenas com os tapuias, pois incluiu,
na coleção, artefatos dos negros de Benguela e Angola, dos indianos e chineses de
Macau. Estavam, então, presentes testemunhos materiais das três raças: americana,
chinesa e africana. Para escrever memórias e formar a coleção, Ferreira inspirou-se nos
trabalhos do escocês William Robertson e do naturalista francês Buffon, o que
demonstra a existência do diálogo do naturalista com importantes pensadores do século
das luzes. As reflexões de Ferreira sobre os povos e os planos de redigir a “História da
Indústria Americana” não tiveram, porém, repercussão em Portugal. Na Academia das
Ciências de Lisboa, os debates e as publicações giravam em torno da agricultura e da
modernização dos demais processos produtivos, razão talvez para permanecerem
desconhecidas suas análises sobre o progresso das técnicas.
As viagens ultramarinas ainda viabilizaram a composição de memórias
econômicas sobre as relações entre metrópole e colônias, tema do sétimo capítulo. Os

ix
inventários da natureza, povos e produtos industriais tornaram mais palpável a idéia de
império. A partir desses inventários, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a elite luso-
brasileira investigaram as conexões comerciais entre o Brasil e a metrópole, entre o
tráfico de escravos nas conquistas africanas e as lavouras de cana e tabaco na América.
As transações comerciais eram quase sinônimo de vínculos imperiais, embora esses
testemunhos ainda valorizassem a circulação de plantas, a produção de manufaturas, os
ensinamentos agrícolas, a cartografia e os povos. Ao concentrar seus esforços nos
vínculos entre o reino e a América portuguesa, suas reflexões antecedem e preparam a
abertura dos portos e a elevação do Brasil a reino unido a Portugal. Depois de 1808,
com os pólos invertidos, a relação metrópole e colônias sofreu uma nítida
transformação. No momento que o Rio de Janeiro era o centro do império, a elite luso-
brasileira juntou esforços para assegurar a harmonia entre as províncias como planejara
o bispo Azeredo Coutinho e D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A elite coimbrã, sobretudo
os magistrados, aos poucos, ocupou postos na burocracia e buscou fortalecer a
monarquia. José da Silva Lisboa e José Bonifácio de Andrada e Silva foram os
principais defensores do reino unido e da monarquia dual. Preparam, assim, a
independência política capitaneada pelo príncipe D. Pedro.

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