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Se nos próximos dois anos nada mais de extraordinário ocorrer, quando finalmente se completarem

os cinquenta anos do 25 de Abril, iremos celebrá-los no quadro político português que resultou das
eleições de janeiro deste ano. Se o período revolucionário conhecido como PREC teve uma vida
intensa, mas relativamente breve, com o seu auge entre setembro de 1974 e o verão quente de 1975,
exaurindo-se em seguida, do PREC recebeu-se uma Constituição que, na sua primeira versão, dizia
querer suprimir as contradições de classes e alcançar o socialismo e que, no plano representativo e
institucional, conferiu àquela esquerda parlamentar que reivindicava defender o processo
revolucionário, um espaço eleitoral que tinha o PCP como partido hegemónico.
Foi durante o período que se inicia em 1976, com o primeiro governo minoritário do PS e que
termina em 1983, quando a coligação de direita AD (entre o PPD-PSD, o CDS e o PPM) se
sucumbe, que o PCP consegue alcançar a sua maior expressão eleitoral, com mais de um milhão de
votos e próximo dos 20%.
Com o nascimento do Bloco de Esquerda, em 1999, fruto de uma união entre o PSR, a UDP e a
Política XXI, o espaço à esquerda do PS no parlamento nacional crescerá de 11% e 600 mil votos
em 1999 – se juntamos aos 487 mil (8,9%) da CDU aos 132 mil (2,44%) do BE – até um máximo
de 17,6% e mais de 1 milhão de votos em 2009 – com os 558 mil (9,8%) do BE e os 446 mil
(7,86%) da CDU – que será superado em 2015, mas apenas em percentagem eleitoral, e não em
número de votos.
Assim, podemos constatar que foi em dois momentos de maior crise social e política que a esquerda
portuguesa alcançou o seu melhor resultado eleitoral, superando o milhão de votos e aproximando-
se de um quinto dos votos expressos. Contudo, nestes quatro momentos em que a esquerda que
reivindica o socialismo, o comunismo e as esperanças de uma transformação revolucionária do
mundo, alcançou o seu máximo resultado (em 1979, em 1983, em 2009 e em 2015), apenas em
2015 não viu uma porta fechada à sua direita. Se em 1979, a aliança eleitoral de direita (AD) foi
maioritária, em 1983, o PS, vencedor das eleições desse ano com maioria relativa, preferiu governar
com o PSD, naquele que foi conhecido como o governo de Bloco Central, de Mário Soares e Mota
Pinto. Já em 2009, o PS de José Sócrates, tendo perdido a maioria absoluta que conquistara em
2005, decidiu governar com uma minoria parlamentar – tal como o PS de Mário Soares tinha feito
em 1976.
Assim, só em 2015, e dado o contexto parlamentar inusitado, em que uma coligação eleitoral de
direita entre PSD e CDS (PAF) vence mas sem alcançar uma maioria parlamentar, a estratégia do
líder do PS, António Costa, é outra. O inédito acordo parlamentar à esquerda surgido em 2015 e não
renovado em 2019, culminou em janeiro de 2022, naquele que foi o pior resultado parlamentar
desta esquerda, desde 1999, ao não alcançar sequer 500 mil votos, quando, em 2015, superava o
milhão de votos.
Se observamos o quadro partidário estabelecido em 1975, quando se realizaram as primeiras
eleições parlamentares, para a assembleia constituinte, com o que resultou das eleições de 2022,
constatamos que dos quatro partidos políticos mais votados nesse ano – PS, PSD, CDS e PCP – os
dois partidos que se alternaram no governo mantêm a larga maioria dos votos e representantes,
tendo os dois outros restantes partidos (o PCP e o CDS) perdido grande parte da sua influência: o
caso do CDS de forma mais gritante, desaparecendo do espectro parlamentar, o que se poderá
explicar pelo surgimento de outros dois partidos que lhe terão capturado o seu eleitorado, o Chega e
a Iniciativa Liberal. O caso do PCP, bastante enfraquecido desde 2019, é um fenómeno diferente,
visto que, sem ter havido um partido que à sua esquerda se possa dizer ter capturado o seu
eleitorado, se vê interrompido um ciclo – que começara em 2005 e que se estende até 2015 – de
recuperação de um mínimo tido em 2002, nas últimas eleições em que Carlos Carvalhas era o
secretário-geral desse partido, num momento particularmente difícil de crise, por contestação
interna de militantes e dirigentes da relevância histórica e presente das quais sobressaíam nomes
como Carlos Brito ou João Amaral.
Repare-se, no entanto, como se utilizam, frequentemente, verbos que aludem a processos vitais para
referirmo-nos a processos históricos, como se a história social e política fosse a história de um ser
vivo, que nasce, tem um auge, definha, entra em crise, morre. A ideia de crise, ou indo até ao
extremo, de agonia, permite que por vezes se confundam processos históricos e políticos com
processos orgânicos. Em última instância, daí estamos apenas a um passo de considerar que as
crises são processos naturais e quase inevitáveis, inexoráveis como a própria morte.
A história anteriormente feita, visou mostrar a situação em que a esquerda de tradição comunista, de
socialista e revolucionária ou que reivindica dela o seu legado, se encontra en 2022, estando num
dos momentos mais frágeis desde o fim dos anos 90. A sua expressão eleitoral actual não é mais do
que um síntoma da sua crise, mas se regressarmos a 2015, ano em que esta esquerda pareceu ter o
seu momento mais alto da sua capacidade de influência política, poderemos ver no que aconteceu
nesse ano, não apenas em Portugal, como no resto da Europa e até no continente americano, um
panorama que ajuda a entender o momento em que actualmente nos encontramos.
Ainda este ano, primeiro em França, depois no Brasil, teremos duas eleições que nos permitem ver
como se encontra a esquerda de ambos os países. Nas recentes eleições presidenciais francesas o
panorama de 2017 praticamente se repetiu, com uma divisão do eleitorado em três grandes blocos:
um de extrema-direita, liderado pelo agora RN de Marine Le Pen, um outro, no centro-direita,
protagonizado por Macron, finalmente, um de esquerda, hegemonizado pela LFI de Mélenchon. Se
Mélenchon representa uma ruptura pela esquerda do PSF surgida com após a falência do PSF
durante o mandato único de Hollande, num período único em que este partido teve simultaneamente
o controlo da presidência, e dos órgãos legislativos (incluindo o senado), este partido não parece ter
reais hipóteses de alcançar uma maioria parlamentar e ainda que o consiga faltará ver se não se
repetirá uma desilusão como a que se assistiu no governo de Hollande e Jospin, ou se um momento
como o grego de 2015 se repetir, isto é, de pressão internacional por parte dos poderes europeus e
da burguesia hegemónica, qual será a reacção adoptada.
Por outro lado, no Brasil, ante um cenário eleitoral em que Bolsonaro será o candidato da direita e
extra-direita, Lula da Silva, candidato presidencial do PT, apresenta-se numa coligação em que o
seu candidato a vice-presidente, Alckmin, tal como anteriormente fizera desde a sua primeira vitória
eleitoral em 2002, representa a aliança do liberalismo de esquerda com a burguesia extractivista e
rentista (reproduzo a descrição que Nildo Ouriques, membro do PSOL, faz do que numa linguagem
mais próxima ao do debate político europeu se diria ser a aliança do sucedâneo tardio da social-
democracia com o neoliberalismo).
Onde é que se encontra a esquerda de filiação comunista, socialista revolucionária, anticapitalista,
nestes dois países? Diria que basicamente dividida entre querer tentar influenciar, de algum modo,
as candidaturas maioritárias no campo do designado centro-esquerda, ainda que Mélenchon e Lula
sejam diferentes, e defender uma candidatura autónoma, visto não se reconhecer nas alianças
eleitorais que Mélenchon e Lula apresentam e, principalmente, duvidam da sua linha estratégica ao
não acreditar na capacidade do primeiro de romper com os interesses da burguesia francesa e
europeia e porque se opõem à aliança de classe que a candidatura Lula – Alckmin representa.
Em França ou no Brasil, esta esquerda é francamente minoritária e para além da debilidade eleitoral
e organizativa, a sua divisão interna evidencia uma ausência ou incapacidade de implementar uma
estratégia potencialmente aglutinadora. Esta estratégia pressuporia, obviamente, uma análise
concreta daqueles que são os limites do que é possível alcançar por via eleitoral, geralmente de
forma precária e sem conseguir impacto nas relações entre capital e trabalho, portanto, normalmente
de alcance meramente redistributivo. Assim, ante as limitações do que é possível almejar
eleitoralmente, a esta esquerda resta: ou secundarizar os processos eleitorais, utilizando-os para
debate ideológico e mobilização social e política; ou, procurando impedir maiorias absolutas, e
fragilizar o controlo do poder político por um partido, consciente de que, no entanto, nas questões
essenciais o bloco das formações burguesas detem um controlo absolutamente hegemónico das
instituições políticas. Caso a opção seja a de centrar a sua táctica na luta eleitoral e institucional, a
tendência destas organizações políticas será a de se aproximarem dos partidos de alternância, pelo
que estarão condicionando o seu próprio programa partidário àquilo que no contexto mais imediato
creem ser mais mobilizador, provocando eventuais fracturas nos partidos representantes da ordem
capitalista. Qualquer das duas opções é por vezes adoptada em alternância pelos mesmos partidos,
pelo que nem sempre se trata de diferentes estratégias de longo prazo mas reacções tácticas ante
aquilo que sentem ser mais adequado a cada momento.

A década de 1970 foi vivida dos dois lados do Atlântico de forma muito diferente. Se a década de
1960 começara com a revolução cubana, na América Latina as tensões políticas aumentam,
inicialmente, ante os limites que as políticas desenvolvimentistas de governos encontram ao chocar
com os interesses das burguesias nacionais. Estas irão preferir que ditaduras militares disciplinem a
classe trabalhadora e os seus anseios por transformações sociais, que chegarão em 1964, ao Brasil,
em 1968, ao Peru, em 1971, à Bolívia, em 1972, ao Equador, em 1973, ao Uruguai e ao Chile, em
1976, à Argentina.
Na Europa, os trinta anos gloriosos continuavam na década de 1960, ao mesmo tempo que na
Argélia, no Vietname ou em Angola, Moçambique, ou Guiné-Bissau viviam o reverso dessa glória e
lutavam pela sua independência. A década de 1970, já em plena crise do capitalismo, termina com a
chegada ao poder de Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA, enquanto, em França, o governo de
aliança entre o PSF de Mittérrand e o PCF de Marchais se desfaz em pouco mais de um ano.
Começa assim uma nova época em que o «eurocomunismo» não é mais um sonho possível, e em
que aqueles que haviam sido os seus principais proponentes – o PCI, em Itália, o PCF, em França e
o PCE, em Espanha – se encontram em refluxo.
Os limites das políticas desenvolvimentistas na AL levaram um conjunto de economistas marxistas
– mais tarde designados de escola da «Teoria Marxista da Dependência» (TMD) – a defender que só
seria possível romper com o subdesenvolvimento através de uma ruptura revolucionária com o
sistema capitalista. De igual forma, as ditaduras militares liquidaram, até ao início deste novo
século, as esperanças de que fosse possível criar nesse continente um Estado de bem estar social
sem uma ruptura radical com o sistema capitalista. No entanto, estas esperanças foram alimentadas
pelo surgimento de novos governos de bases populares amplas como os de Hugo Chavez, Lula da
Silva, Evo Morales ou Rafael Correa. No entanto, a existência desse lastro teórico constituído pela
TMD foi reavivado quando uma nova crise global do capitalismo mundial entre 2007 e 2008
acabou por se repercutir na América Latina.
Pelo contrário, em Portugal, derrotado o processo revolucionário. a inserção de Portugal na CEE
que reuniu o consenso dos dois partidos centrais do sistema político português – PS e PSD – levou
o resto da esquerda a duas posições principais: a oposição à integração na CEE e a defesa de um
referendo à própria integração assim como ao Tratado de Maastricht. O PCP será o principal rosto
desta posição. A outra posição surgirá mais tarde, e será protagonizada pelo Bloco de Esquerda,
apostando numa reforma por dentro da própria União Europeia visando a sua democratizando e a
mudança das suas políticas económicas e sociais.
A crise do capitalismo mundial surgida em 2007, cujos impactos políticos e sociais na Europa se
fizeram chegar a tempos distintos nos anos seguintes, levou à implosão do PASOK na Grécia, à
vitória absoluta (de presidência, deputados e senado) do PSF de François Hollande e depois ao seu
desaparecimento, ao surgimento do Podemos em Espanha e ao enfraquecimento do PSOE. Nos
EUA como em Inglaterra, essa crise atinge o Partido Democrata em que um Bernie Sanders
conquista uma grande parte do apoio popular nas primárias das eleições presidenciais desse partido,
e Jeremy Corbyn vence as eleições para a liderança do Labour Party, provocando uma viragem à
esquerda deste partido, embora mantendo-se uma fractura entre o seu aparelho e as bases populares
que lhe deram a vitória. Uma década depois, pode-se dizer que foram derrotadas todas as
esperanças de transformação por dentro quer da União Europeia, quer de orientação política de
partidos políticos centrais pelo menos em países nucleares do capitalismo mundial – Sanders foi
derrotado por duas vezes, Corbyn também, Pedro Sanchez governa com o Podemos mas nos
aspectos centrais é a sua política e não a do Podemos que se impõe, assim como António Costa e o
PS, após garantido o apoio do BE e CDU para governar, não cedeu à sua esquerda em nenhumas
reformas mais relevantes nem a nível de cumprimentos dos «compromissos europeus», quer a nível
nacional. Na Grécia, o único caso em que um partido vindo da esquerda (e propondo-se romper com
a austeridade mantendo-se dentro do euro e da UE) acaba por ser forçado a ceder; em França, o PSF
de Hollande preferiu suicidar-se politicamente a ter que confrontar a ordem capitalista da UE.
Na esquerda europeia das últimas décadas, e principalmente a países que têm na ordem europeia um
lugar subalterno – como Portugal, Espanha, Itália ou Grécia – parece faltar algo de semelhante ao
que a TMD permite oferecer na América Latina, isto é, uma análise crítica das possibilidades reais
que as duas principais estratégias das organizações políticas de esquerda nos apresentam: quer a que
aposta na conquista de eleitorado desiludido com os partidos tradicionalmente social-democratas
para que a prazo consiga alcançar uma votação e representação parlamentar que os torne
imprescindíveis para governar. Pelo que vimos, esta estratégia nunca resultou, e quando conseguiu
provisoriamente uma relação de forças favoráveis, esta foi precária sucumbindo em seguida.
A outra estratégia, a que visa romper com a moeda única e os tratados europeus, implica igualmente
que se esclareça que tais passos implicam um enorme apoio popular assim como não virão de uma
qualquer aliança inimaginável entre os antigos partidos da social-democracia e os comunistas e
socialistas revolucionários; de igual modo, tal estratégia – que não resultará de meras alianças
parlamentares – ao procurar ser aplicada implicará estar disposto a implementar medidas mais
radicais de ruptura com a própria ordem capitalista, visto que o subdesenvolvimento e a condição
periférica não são meros acidentes, fruto de ineficiências ou de debilidades que podem ser
corrigidas dentro do sistema capitalista, mas resultado das desigualdades estruturais deste sistema
em que para que certas nações mantenham o predomínio das suas burguesias e um grau maior de
acumulação é preciso que outras mantenham o seu estatuto de economias dependentes e
subdesenvolvidas.

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