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DIAGNÓSTICO DA SEGURANÇA REGIONAL SUL-AMERICANA:

CLASSIFICAÇÕES TEÓRICAS PRELIMINARES


Walter Antonio Desiderá Neto*

RESUMO

Este artigo objetiva analisar o padrão das relações de segurança na América do Sul desde o final da Guerra Fria. Ele se divide em seis
seções. Após a introdução, na segunda seção, são apresentados dados relacionados à defesa de cada país sul-americano. Na terceira
seção, as principais ameaças que atingem a América do Sul são descritas e analisadas. Na quarta seção, por sua vez, os instrumentos
regionais de provimento de segurança mais importantes em vigência no continente recebem tratamento especial. Na quinta seção,
examina-se o papel brasileiro na segurança regional. Por fim, a última seção se dedica a classificar o padrão das relações de segurança
sul-americanas com base em três abordagens teóricas.
Palavras-chave: segurança internacional; América do Sul; integração sul-americana.

ABSTRACTi

This article intends to analyze the pattern of South America security relations since the end of the Cold War. It is divided into six
sections. First, it is presented an introduction. Second, some data related to each South American country defense is showed. Third,the
main threats that affect the continent are described and analyzed. Fourth, the existing regional security mechanisms receive special
treatment. Fifth, Brazil’s role on South America regional security is examined. Last, South America security relations pattern is classified
in accordance to three theoretical approaches.
Keywords: international security; South America; South American integration.
JEL: F51; F52; F53.

* Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte) do Ipea.
i. As versões em língua inglesa das sinopses desta coleção não são objeto de revisão pelo Editorial do Ipea.
The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipea’s publishing department.

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Diagnóstico da Segurança Regional Sul-Americana: classificações teóricas
preliminares

1 INTRODUÇÃO

O continente sul-americano é comumente apontado como uma região do mundo com baixa incidência de
conflitos internacionais. Esta conclusão é alcançada especialmente quando a análise se faz em comparação
com outras regiões do planeta, a exemplo do Oriente Médio. De fato, principalmente desde o início do século
XX, foram raras as situações de guerra observadas na América do Sul, tanto entre países da região como entre
algum deles e potências externas. Entretanto, isso não significa que a região possa ser descrita como livre de
ameaças ou tensões que ensejem conflitos em potencial.
Diante desta constatação, o artigo objetiva analisar o padrão das relações de segurança na América do Sul
desde o final da Guerra Fria. Ele se divide em seis seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção, são
apresentados alguns dados relacionados à defesa de cada um dos doze países sul-americanos (gastos militares,
por exemplo), de forma que se obtenha um panorama da distribuição dos recursos de poder militar no conti-
nente. Na terceira seção, as principais ameaças que atingem a América do Sul são descritas e analisadas: disputas
territoriais e fronteiriças, crime organizado transnacional, instabilidades políticas domésticas, entre outras.
Na quarta seção, por sua vez, os instrumentos regionais de provimento de segurança mais importantes em
vigência no continente recebem tratamento especial. Na quinta seção, examina-se o envolvimento brasileiro no
apaziguamento de tensões na região, bem como seu esforço para enfrentar as ameaças e cooperar com os vizinhos.
Por fim, a última seção objetiva fazer algumas considerações de modo a realizar classificações preliminares
do padrão das relações de segurança sul-americanas, com base em três abordagens teóricas mais ou menos
distintas. A primeira delas, de Kolodziej (1995, p. 327),1 define seis tipos de sistemas de segurança regional,
“diferenciados e hierarquizados pelo grau em que os Estados e as populações de uma região se dispõem a re-
solver suas divergências (...) por meio de ajustes pacíficos e negociações”. De forma grosseira, do mais pacífico
para o mais conflitivo, os tipos possíveis são: comunidade de segurança, liderança hegemônica consensual,
comunidade pluralista de segurança, concerto de países, esferas de influência ou liderança hegemônica coer-
citiva e equilíbrio de poder.
A segunda, elaborada por Tavares (2008), propõe um quadro analítico para nichos regionais de segurança
levando em consideração seis variáveis (cada qual com a possibilidade de assumir de três a cinco posições):
padrão de segurança, padrão de conflito, padrão de paz positiva,2 instrumentos de paz e segurança, agentes
de paz e segurança e nível de integração regional. Conforme a combinação das posições tomadas por estas
variáveis, o autor deriva quatro categorias amplas de classificação dos nichos regionais de segurança (da mais
conflitiva para a mais pacífica): fragmentações regionais, coalizões regionais, comunidades regionais e sistemas
governamentais regionais (sendo estes sem observação empírica na realidade).
A terceira e última abordagem consultada é a de Buzan e Wæver (2003), que em sua teoria dos Com-
plexos Regionais de Segurança (CRS) fazem a análise das regiões de acordo com a distribuição de poder e
os padrões de amizade (proteção e apoio) e inimizade (suspeita e medo) entre os Estados nelas presentes,
bem como o grau de interligação entre os processos de securitização e dessecuritização. De acordo com os
critérios propostos pelos autores, com relação aos padrões de amizade e inimizade, as classificações possíveis
são formações conflituosas, regimes de segurança e comunidades de segurança.

1. O modelo do autor faz alguns ajustes e mudanças sobre o modelo de Deutsch (1978).
2. Por paz positiva entende-se a paz não apenas como a ausência de guerra, mas como um estado no qual além de não haver conflitos há bem-estar social.

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2 RECURSOS DE PODER MILITAR

Conforme pode ser observado na tabela 1, a análise da distribuição dos recursos de poder tradicionais3 dos
países sul-americanos revela que, quanto à população, ao território e ao Produto Interno Bruto (PIB), a par-
ticipação do Brasil contribui com praticamente a metade dos recursos de todo o continente. Portanto, em
qualquer relação bilateral do Brasil com outro país sul-americano, o peso brasileiro sempre se apresenta bastante
superior ao da contraparte, um dos fatores necessários4 para a caracterização do país como potência regional.

TABELA 1
países da América do Sul: recursos de poder tradicionais (2009)
País
Dado Unidade
Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Equador
População 40.665.732 10.030.832 190.732.694 17.134.708 46.300.196 13.774.909 Habitantes
Território 2.766.889 1.098.581 8.514.8 76 756.945 1.138.914 283.561 Km2
PIB/dólar corrente 307.155.000 17.339.000 1.573.408.000 163.669.000 234.045.000 57.249.000 US$ milhares
PIB/purchasing power parity (PPP) 585.551.000 43.587.000 2.017.180.000 243.195.000 409.076.000 112.648.000 US$ milhares
Efetivos militares 73.100 46.100 327.710 60.560 285.220 57.983 Efetivos militares
Operações de paz 821 410 1.288 515 0 68 Efetivos militares
Guiana Paraguai Peru Suriname Uruguai Venezuela
População 761.442 6.459.727 29.496.120 524.345 3.372.222 29.043.355 Habitantes
Território 214.969 406.752 1.285.216 163.265 177.414 912.050 Km2
PIB/dólar corrente 2.046.000 14.236.000 130.324.000 2.966.000 31.510.000 326.132.000 US$ milhares
PIB/PPP - 28.713.000 251.678.000 - 44.116.000 349.773.000 US$ milhares
Efetivos militares 1.100 10.650 114.000 1.840 24.621 115.000 Efetivos militares
Operações de paz 0 48 213 0 2.440 0 Efetivos militares
Fontes: População e território – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); PIB/dólar corrente e PIB/PPP – Banco Mundial (para Guiana e Suriname os dados são
do IBGE); efetivos militares – International Institute for Strategic Studies (IISS); operações de paz – Organização das Nações Unidas (ONU). Elaboração do autor.

De toda forma, no que se refere aos efetivos militares, apesar de possuir as maiores tropas, a capacidade
brasileira não supera muito a colombiana, por exemplo. Caso seja levada em consideração a quantidade de
efetivos militares proporcionalmente ao tamanho do território (efetivo por quilômetro quadrado), a capacidade
brasileira superaria apenas a de Guiana, Paraguai, Suriname e Argentina. Dessa forma, desconsiderando-se
outros fatores como o treinamento dado aos militares e a geografia do território, este dado pode indicar menor
preparo do Brasil para vigiar suas fronteiras do que da Venezuela, por exemplo.
Outro dado que merece nota é a participação com efetivos militares em operações de paz da ONU.
Diferentemente do que se imagina, o Uruguai é o país com mais efetivos vestindo capacetes azuis da América
do Sul (cerca de 10% de seu total de militares). Segundo Vales (2011, p. 40), após a democratização do país
em 1984, buscou-se conferir uma função às forças armadas para que elas continuassem se aprimorando
profissionalmente e conseguissem se manter financeiramente. A participação em operações de paz, desde os
anos 1990, foi a solução encontrada, institucionalizada com a criação, em 1995, do Sistema Nacional de
Operações de Paz (Sinomapa) e da Escola Nacional de Operações de Paz Uruguaia (Enopu).

3. Os recursos de poder tradicionais são listados principalmente por Waltz (1979, p. 131).
4. Conforme aponta Lima (2010, p. 155), os outros fatores seriam: i) desempenho de estratégias pró-ativas nos planos multilateral e regional; e ii) indicadores de autopercepção e
de reconhecimento dos demais, sejam os países semelhantes ou as grandes potências.

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Para o exame das relações de segurança no continente, dois dados mais comumente utilizados são os
gastos militares e a proporção deles em relação ao PIB, constantes nas tabelas 2 e 3. Os gastos militares do
Brasil, em todos os anos listados, representaram mais da metade dos gastos militares efetuados no continente,
neste caso de acordo com o que seria de se esperar em função das dimensões do país. Apesar de um forte
decréscimo em termos absolutos de 1990 para 1995, nos demais períodos quinquenais os gastos brasileiros
cresceram a uma taxa média de 20%.
TABELA 2
América do Sul: gastos militares (1990-2010)
(A preços constantes de 2010, em US$ milhares)

País
Ano
Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Equador
1990 2.428.000 236.000 46.573.000 2.651.000 2.505.000 476.000
1995 2.422.000 209.000 20.384.000 3.003.000 4.449.000 741.000
2000 2.091.000 244.000 22.455.000 4.150.000 5.720.000 582.000
2005 1.955.000 267.000 23.677.000 5.350.000 7.541.000 1.187.000
2010 3.476.000 328.000 34.384.000 6.579.000 10.422.000 2.094.000
Guiana Paraguai Peru Suriname Uruguai Venezuela
1990 5.900 121.000 50.700 - 897.000 -
1995 9.200 139.000 1.406.000 - 719.000 3.603.000
2000 16.700 124.000 1.488.000 - 780.000 3.534.000
2005 21.000 103.000 1.552.000 - 625.000 4.892.000
2010 28.800 154.000 1.958.000 - 788.000 3.363.000
Fonte: Stockholm International Peace Research Institute (Sipri). Elaboração do autor.

TABELA 3
América do Sul: gastos militares (1990-2010)
(Em % do PIB)

País
Ano
Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Equador
1990 1,4 2,8 6,3 4,3 1,6 1,9
1995 1,5 2,1 1,9 3,1 2,4 2,3
2000 1,1 2,1 1,8 3,8 3,0 1,6
2005 0,9 1,8 1,5 3,4 3,4 2,6
2010 0,9 1,7 1,6 3,2 3,6 3,6
Guiana Paraguai Peru Suriname Uruguai Venezuela
1990 0,9 1,2 0,1 - 3,5 -
1995 0,9 1,3 1,9 - 2,7 1,5
2000 1,5 1,1 1,8 - 2,8 1,5
2005 1,9 0,8 1,5 - 2,1 1,4
2010 2,1 0,9 1,3 - 2,0 0,9
Fonte: Sipri. Elaboração do autor.

Nos casos de Chile e Colômbia, por outro lado, não foi observado decréscimo em nenhum dos períodos, com
crescimentos quinquenais médios acima de 30% para os dois países ao longo das duas décadas. São também

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os países com a maior média do gasto como percentual do PIB para o período. Enquanto a explicação para
o Chile se deve principalmente ao aumento do preço do cobre,5 o caso colombiano está relacionado com o
combate ao narcotráfico e às guerrilhas, tema a ser tratado na próxima seção.
Por fim, dois pontos adicionais são merecedores de nota. Em primeiro lugar, cabe lembrar que nenhum
país sul-americano possui armas nucleares, químicas ou biológicas, fator que torna todos eles países secundários
na distribuição de poder militar global. Em segundo lugar, ainda que as compras de armamentos realizadas
por alguns países do continente desde 2005 tenham levantado debate acerca da possibilidade de corrida ar-
mamentista na região (com destaque para Brasil, Chile e Venezuela), essas aquisições se caracterizaram de uma
forma geral como reposição de armamentos obsoletos. Além disso, considerando-se o ano de 2008 (Resdal,
2010), apenas Chile e Colômbia tiveram mais de 25% do total dos gastos militares como investimentos (dos
demais, somente o Brasil apresentou mais de 10%). Portanto, não se pode falar em corrida armamentista
na América do Sul, essencialmente porque, em última análise, não há desavenças entre países da região que
justifiquem comportamento de tal natureza.

3 PRINCIPAIS AMEAÇAS

Todas as ameaças tradicionais à segurança no continente sul-americano estão relacionadas a litígios frontei-
riços ou territoriais históricos. Embora estejam encaminhadas para a solução, em sua totalidade, por meio
de mecanismos pacíficos, sua permanência em estado latente se apresenta como desafio à cooperação e à
integração, uma vez que dificultam o desenvolvimento de projetos sobre as áreas em demanda e, no limite,
podem voltar a ser incitadas e acabar resultando em enfrentamentos armados.
O quadro 1 apresenta uma lista resumida dos conflitos lindeiros em aberto existentes na América do
Sul. Destacam-se a querela entre Guiana e Venezuela, em função de a área demandada representar quase dois
terços do território guianense;6 e a questão das Malvinas, por contar com o envolvimento de uma grande
potência externa.
Para além das ameaças tradicionais, desde os anos 1980 novas ameaças, originadas por novos atores, têm
ganhado força na região sul-americana, as quais possuem naturezas doméstica ou transnacional. A associação
de guerrilhas com o crime organizado (narcotráfico, tráfico de armas e lavagem de dinheiro) em determi-
nados países andinos7 tem se caracterizado como a principal delas, uma vez que registra elevado índice de
violência8 e transborda externalidades negativas para o território dos países circunvizinhos. Ademais, com
o fim da Guerra Fria e da ameaça comunista, o tráfico de drogas ilícitas se tornou a principal preocupação
de segurança dos Estados Unidos na América do Sul. Com o advento da Guerra ao Terror nos anos 2000, a
associação do crime organizado com guerrilhas de ideologias variadas, considerada oficialmente como uma
forma de terrorismo pela superpotência desde o final dos anos 1990, ganhou ainda mais destaque na política
de segurança global americana.

5. O Chile possui uma lei que obriga o país a aplicar em defesa 10% da receita obtida com a venda do cobre (Resdal, 2010).
6. Para mais informações sobre este caso específico, ver Desiderá (2012).
7. Destacam-se os casos da Colômbia e do Peru, mas cumpre ressaltar o fato de a Bolívia ter sido um dos principais produtores de cocaína nos anos 1990. Com a estratégia de luta
contra o narcotráfico, a plantação ilegal da coca foi praticamente erradicada no país. Contudo, desde meados dos anos 2000 esse cultivo tem reaparecido.
8. Não somente em função do narcotráfico, mas também por problemas decorrentes dos altos níveis de pobreza e desigualdade, a América Latina possui a maior taxa de homicídios
do mundo. Os números anuais de assassinatos na América do Sul superam o de muitas guerras em operação no mundo (Aravena, 2005).

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quadro 1
América do Sul: litígios fronteiriços e territoriais pendentes (2012)
Países envolvidos Resumo da disputa
Desde 1962, a Venezuela demanda toda a área do território guianense situada a oeste do rio Essequibo, alegando ter sido
Guiana e Venezuela injustiçada em decisão arbitral sobre a posse desta região no século XIX, quando a Guiana ainda era colônia inglesa. O
caso tem sido tratado com os bons ofícios do secretário geral da ONU desde 1987.
Em 1982, a ditadura militar da Argentina promoveu a ocupação das Ilhas Malvinas (ou Falklands, em inglês), de possessão
inglesa no Atlântico Sul, alegando ser a detentora da soberania sobre aquele território, herança da colonização espanhola.
A invasão foi o estopim para a Guerra das Malvinas, com duração de pouco mais de dois meses e derrota argentina. O
Argentina e Reino Unido
resultado do conflito, de toda forma, não colocou um ponto final na disputa. Em 2012, por ocasião do aniversário de trinta
anos da guerra, a presidenta Cristina Kirchner voltou a evocar a temática (com apoio dos demais países sul-americanos),
propondo nova solução, desta vez pacífica e com intermediação da ONU.
Com origem anterior à independência dos dois países, o litígio fronteiriço envolvia uma parcela referente ao mar territorial
(resolvida em 2007 por meio de arbitragem da ONU) e outra terrestre, sobre duas regiões: o rio Courantyne, que separa
Guiana e Suriname
os dois países, e o Triângulo do Novo Rio, na extremidade austral da fronteira, onde há jazidas de ouro. A disputa tem sido
tratada por meio de negociações bilaterais diretas.
No século XIX, a disputa sobre o direito de exploração de recursos naturais entre Bolívia e Chile, na região do atual extremo
norte chileno e extremo sul peruano, onde se situa o porto de Arica, provocou a chamada Guerra do Pacífico (1879-1883). A
Bolívia, Chile e Peru
derrota boliviana significou a perda de sua saída para o mar. Desde os anos 1970, de toda forma, as partes têm negociado
maneiras para que a Bolívia recupere o acesso ao Oceano Pacífico – objetivo constitucional do país desde 2008.
Com a resolução da maior parte das disputas pela definição das linhas fronteiriças entre os dois países tendo ocorrido
somente em meados no século XX, ainda resta, entre outros, o diferendo a respeito da soberania sobre as águas do Golfo
Colômbia e Venezuela
da Venezuela, onde há importantes reservas de petróleo. O litígio tem sido tratado por meio de negociações bilaterais
diretas, as quais contam com uma Comissão Permanente de Conciliação.
Elaboração do autor.

No Peru, o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) e o Sendero Luminoso, ambos de orien-
tação socialista (marxista e maoista, respectivamente) e vinculados ao tráfico de drogas, apresentaram-se como
os principais grupos atuantes nos anos 1990 e começo dos 2000. Ambos foram praticamente derrotados pelas
forças do governo peruano de Alberto Fujimori (1990-2000), com apoio militar e financeiro dos Estados
Unidos. De qualquer maneira, com o avanço no combate aos grupos insurgentes colombianos nos anos 2000,
tem surgido o temor de que esses grupos retomem suas atividades no Peru.
Na Colômbia, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) são o principal grupo guer-
rilheiro marxista e narcotraficante em atividade. Além delas, atuam também fortemente em zonas rurais o
Exército de Libertação Nacional (ELN), também socialista, e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUCs),
paramilitares de extrema direita. De 1998 a 2005, a repressão contra esses grupos foi internacionalizada e
intensamente militarizada com o lançamento do Plano Colômbia, o qual apresentava financiamento bilionário
quase exclusivo dos Estados Unidos para apoio com treinamento militar e logístico (Santos, 2010). Uma nova
fase do plano foi acordada em 2007, com prazo de duração até 2013. É importante notar que as ações levadas
a cabo no período do plano, apesar de terem reduzido a produção da droga na Colômbia e enfraquecido as
guerrilhas, tiveram como consequência o deslocamento do problema para o território dos países vizinhos
(Brasil, Bolívia, Equador e Venezuela), regionalizando definitivamente a questão.
Fruto do conflito entre o governo colombiano e as guerrilhas, o episódio da incursão de oficiais do país
em território equatoriano em 2008 com a finalidade de capturar e executar o segundo homem das FARCs,
Raúl Reyes, gerou uma crise entre os dois países vizinhos resultando no rompimento das relações diplomáticas.
Crítica da estratégia colombiana de violência repressiva contra o narcotráfico, a Venezuela solidarizou-se com
o Equador e também rompeu suas relações com Bogotá. Mais do que isso, enviou tropas para sua fronteira
com a Colômbia, conformando o momento mais tenso das relações de segurança na América do Sul dos anos

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2000. Apesar de o mal-entendido ter sido resolvido logo nos dias sucedentes,9 o caso revelou como as novas
ameaças podem se converter em ameaças tradicionais rapidamente na região.
Como fonte adicional de insegurança no continente sul-americano, também deve ser considerado o fato de
a região ser marcada pela instabilidade política da maioria de seus países, os quais têm apresentado recorrentes
dificuldades em consolidar seus regimes democráticos desde o fim das ditaduras militares. Dada a tradicional
vinculação entre os grupos políticos dos países sul-americanos, eventos domésticos antidemocráticos como
os observados na Bolívia em 2008, no Equador em 2010 e no Paraguai em 2012 se caracterizam como novas
ameaças à segurança regional por seu potencial de gerar externalidades nos vizinhos, além de necessariamente
prejudicarem a execução dos projetos de desenvolvimento regional em andamento no continente. Ademais,
a ocorrência deste tipo de rompimento democrático dificulta o próprio combate às demais ameaças.

4 MECANISMOS REGIONAIS DE SEGURANÇA

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, a preocupação com a segurança na América
do Sul conta com um instrumento coletivo hemisférico para sua promoção, criado a partir da iniciativa dos
Estados Unidos: o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) ou Pacto do Rio, de 1947. Sob
a lógica do conflito bipolar, o tratado objetivava garantir a proteção dos países latino-americanos 10 contra
agressões externas.
Dessa forma, o acordo conformava um sistema de segurança coletiva – um ataque contra qualquer
membro seria considerado um ataque contra todos (Artigo 3o) – e inseria formalmente a América Latina no
bloco ocidental capitalista. Contudo, sua efetividade limitada foi revelada quando o instrumento foi invocado
pela Argentina na ocasião da Guerra das Malvinas em 1982 e não obteve resposta, demonstrando que apenas
funcionaria no caso de a agressão externa partir de um país do bloco antagônico.
O final da Guerra Fria, com o desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
em 1991, não veio acompanhado da denúncia automática do tratado por parte de nenhum de seus contra-
tantes.11 Dessa maneira, apesar do anacronismo e da ineficácia aparentes, o Tiar permaneceu em vigência sem
sofrer qualquer alteração para que se adequasse à nova realidade política internacional e à transformação do
caráter das ameaças presentes no hemisfério. Somente em 2003, com a realização da Conferência Especial
sobre Segurança, o debate em torno das novas ameaças, com destaque para o terrorismo, viria a ser feito no
âmbito da OEA, tendo como resultado a Declaração sobre Segurança nas Américas, sem grandes consequên-
cias no sentido de provocar modificações na arquitetura institucional da organização. De todo modo, o Tiar
permanece como o único sistema de segurança e defesa coletiva regional propriamente dito do qual participam
os países sul-americanos (exceto Guiana e Suriname).
Por outro lado, com o avanço da democratização e dos processos de integração regional na América
do Sul, desde o final dos anos 1990 tem-se testemunhado o aparecimento de declarações e mecanismos que
buscam garantir a paz entre os países da região e promover a confiança mútua e a solução pacífica das controvérsias.

9. O restabelecimento das relações diplomáticas entre os países se completou somente em 2010.


10. Dos países independentes à época na América Central e na América do Sul, não assinaram o Tiar em 1947: Equador (1949) e Nicarágua (1948). Cuba, Haiti e República Domini-
cana foram os países caribenhos a assinar o tratado. Após a revolução em 1959, os cubanos foram expulsos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e dos mecanismos do Tiar.
11. Apenas o México denunciou o tratado em 2002, quando foi invocado pelos Estados Unidos para obter apoio dos demais contratantes no contexto da Guerra ao Terror.

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Dentre eles, destacam-se12 a Declaração Política do Mercosul, Bolívia e Chile sobre a Zona de Paz, assinada
em 1998, e a Carta Andina para a Paz e a Segurança, firmada em 2002. No contexto do continente sul-
-americano como um todo, na Segunda Cúpula Sul-Americana, em 2002, emitiu-se a Declaração da Zona
de Paz Sul-Americana.
Além desses documentos, tomando a manutenção da ordem democrática como uma questão de segurança,
no sentido apregoado pela paz kantiana,13 as iniciativas de integração regional também passaram a contar com
as chamadas “cláusulas democráticas”, consubstanciadas no Protocolo de Ushuaia, de 1998, no Mercosul, e
no Protocolo Adicional ao Acordo de Cartagena, de 2000, na Comunidade Andina de Nações (CAN). Estes
protocolos preveem diferentes tipos de sanções aos países participantes dos blocos nos quais ocorram tais
rupturas, tendo como limite a suspensão da sua participação dentro do exercício de integração. Na OEA,
assinou-se a Carta Democrática Interamericana em 2001. Em âmbito sul-americano, o tema da manutenção
da ordem democrática apareceu desde a primeira cúpula, em 2000, no Comunicado de Brasília. De todo
modo, ele viria a ser devidamente institucionalizado na União de Nações Sul-Americanas (Unasul) somente
após a tentativa de golpe contra Rafael Correa no Equador em 2010, com a assinatura do Protocolo Adicional
ao Tratado Constitutivo da Unasul sobre Compromisso com a Democracia.
Após esses desenvolvimentos, o processo de construção de confiança entre os países sul-americanos atingiu
seu auge com a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), no final de 2008, no âmbito da Unasul.
Apesar de ser fruto de conversas iniciadas em 2006, a proposta formal surgiu por parte do Brasil, no contexto
da crise entre Colômbia, Equador e Venezuela. Em função disso, os objetivos da nova instituição tiveram como
foco central o fomento da confiança para a garantia do estabelecimento de uma zona de paz na América do
Sul, de forma a possibilitar a estabilidade democrática e o desenvolvimento na região. Além desses, acabaram
se tornando também objetivos gerais a construção de uma identidade sul-americana em matéria de defesa e
a formação de consensos para a cooperação militar. Portanto, ao contrário do que o presidente venezuelano
expressou esperar de uma organização desse tipo nos anos que precederam sua criação, o CDS acabou não
incorporando funções de um sistema de segurança coletiva ou de uma aliança militar.
Para Medeiros Filho (2010, p. 6-9), além das questões da zona de paz e da formação de uma identidade
sul-americana em defesa, outras duas demandas justificariam a criação do conselho: o combate ao crime
organizado e a cooperação na produção e comercialização de produtos da indústria bélica. Sobre a primeira
demanda, o tema do tráfico de drogas e das guerrilhas acabou sendo tratado separadamente com a criação
do Conselho de Luta contra o Narcotráfico, em 2009. Seu estatuto foi formulado em 2010 e o conselho
passou a se chamar Conselho sobre o Problema Mundial das Drogas (CSPMD). Seu objetivo central é se
estabelecer como uma instância de consulta, cooperação e coordenação para o enfrentamento desse problema.
Seu grande diferencial está na abordagem holística da questão, incluindo tanto a oferta como a demanda das
drogas em suas preocupações e considerando a resolução do problema como uma responsabilidade comum
e compartilhada. Além disso, no que concerne à redução da oferta, preocupa-se especialmente com o de-
senvolvimento alternativo a ser planejado para as áreas de cultivo e produção da droga. O Plano de Ação do
CSPMD, aprovado em 2010, tem cinco linhas de ação: redução da demanda; desenvolvimento alternativo,
integral e sustentável, incluindo o preventivo; redução da oferta; medidas de controle; e lavagem de dinheiro.

12. Anteriormente, o Brasil e a Argentina, em conjunto com os países da Costa Oeste africana, promoveram a Resolução no 41/11 na Assembleia Geral da ONU, em 1986, a qual
define a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Deve-se lembrar ainda que antes, em 1985, a aproximação entre os dois países, que culminaria na formação do Mercado
Comum do Sul (Mercosul), iniciou-se com a assinatura de um entendimento de confiança mútua no campo da segurança, assegurando os propósitos de uso pacífico da tecnologia
nuclear por ambas as partes.
13. Para uma discussão filosófica do significado da paz kantiana, ver Fukuyama (1992, p. 281).

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A respeito da outra demanda apontada pelo autor, cumpre assinalar que ela se faz presente nos objetivos
específicos do estatuto do CDS. Além disso, na primeira reunião ordinária do conselho em 2009, decidiu-se
sobre a elaboração de um diagnóstico da indústria de defesa no continente, necessário para a promoção da
complementaridade produtiva, da pesquisa e da transferência tecnológica. Mas este não foi o único tema
abordado: na mesma reunião, acordou-se pela criação do Centro Sul-Americano de Estudos Estratégicos em
Defesa (CSEED-CDS), cujo estatuto foi aprovado na segunda reunião ordinária do CDS em Guayaquil, no
ano seguinte. Nesta ocasião, o principal resultado foi a aprovação de um conjunto de procedimentos para
a aplicação das Medidas de Fomento da Confiança e da Segurança (MFCS). Elas envolvem intercâmbio de
informações e transparência – contando com o desenvolvimento de uma metodologia única para a medição
dos gastos de defesa – e medidas de notificação mútua sobre atividades militares intra e extrarregionais –
buscando evitar a repetição de episódios como aquele que causou mal-estar entre Colômbia e Equador. Por
fim, a novidade trazida pela terceira reunião ordinária, realizada em Lima em 2011, encontra-se na decisão de
incluir no plano de ação para 2012 a proteção da biodiversidade e dos recursos naturais estratégicos como uma
das áreas prioritárias. De fato, a cúpula da Unasul de 2012 centrou-se na ideia de compreender os recursos
naturais como eixo dinâmico da estratégia de integração regional.
Esses processos podem ser traduzidos como uma clara iniciativa sul-americana no sentido de contar com
mecanismos próprios voltados para a governança regional da segurança, sem a interferência da superpotência
hemisférica. Nesse sentido, é emblemática a abordagem holística tomada pelo CSPMD, por exemplo, em
clara discordância com os métodos repressivos patrocinados pelos Estados Unidos no Plano Colômbia. De
toda forma, esse movimento indica apenas uma emancipação da região no tratamento desses temas, mas não
aponta no sentido da confrontação com os americanos. Vale destacar que o CDS foi apontado pelos americanos
em outubro de 2012 – primeira vez em que foi citado em documento oficial de defesa dos Estados Unidos –
como uma iniciativa de cooperação regional a ser encorajada pelos países sul-americanos, uma vez que ajuda
a construir interdependência e integração entre suas forças armadas (Estados Unidos da América, 2012).

5 O PAPEL DO BRASIL NA SEGURANÇA REGIONAL

Não se pode afirmar que a participação do Brasil como intermediador em eventuais desentendimentos entre
países sul-americanos seja uma tradição da política externa brasileira, uma vez que o país se caracterizou ao
longo de sua história como tradicional defensor dos princípios da não intervenção e da autodeterminação
dos povos. Dessa forma, do século XIX até o final da Guerra Fria, o país apenas se colocou nesta posição na
Guerra de Letícia (entre Colômbia e Peru, em 1932), mas não se envolveu na Guerra do Pacífico, na Guerra
do Chaco e na Guerra das Malvinas, nem nos litígios fronteiriços em aberto no continente. Além disso, à
exceção da Guerra do Paraguai, o Brasil jamais participou de conflitos armados com os vizinhos. Em razão
de seu peso bastante desproporcional em relação ao deles, conforme descrito anteriormente, de uma forma
geral o país historicamente evitou tomar atitudes que pudessem incitar acusações de imperialismo do outro
lado de suas fronteiras.
Em todo caso, nos anos 1990, na ocasião da Guerra do Cenepa entre Equador e Peru, o presidente
Fernando Henrique Cardoso colocou a diplomacia brasileira à disposição para intermediar uma solução
negociada para o conflito, ao lado dos governos de Argentina, Chile e Estados Unidos. A mediação obteve
sucesso e o acordo de paz foi assinado em Brasília, em 1995. Além desse episódio, o Brasil também mediou

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Diagnóstico da Segurança Regional Sul-Americana: classificações teóricas
preliminares

algumas ocasiões de perturbação da ordem democrática doméstica no Paraguai e na Bolívia nos anos 1990
e 2000 (Gratius, 2007).
Além desse tipo de iniciativa, em decorrência da experiência adquirida com o sistema interamericano
forjado após a Segunda Guerra Mundial, bem como da cooperação entre os regimes militares na América
do Sul ao longo de boa parte da Guerra Fria, o Brasil também tem o papel de incentivador e promotor da
cooperação militar com os vizinhos sul-americanos. Essas atividades abarcam o recebimento de militares dos
outros países para treinamento em terras brasileiras, o envio de brasileiros para aperfeiçoamento técnico nas
escolas militares dos vizinhos, o compartilhamento de informações estratégicas para a defesa, a realização de
exercícios militares conjuntos, entre outras.
O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), inaugurado em 2002, é um importante projeto brasileiro
que tem efeitos positivos para o combate ao narcotráfico em todo o continente. Um de seus objetivos é o mo-
nitoramento do espaço aéreo, detectando a atividade de pequenas aeronaves em pistas de pouso clandestinas
para o tráfico ilícito de drogas. O Brasil coopera com o compartilhamento de alguns relatórios do sistema
com vizinhos andinos, principalmente Colômbia e Peru.
Do ponto de vista da indústria de defesa, a América do Sul se apresenta como importante mercado consu-
midor dos produtos do Brasil, principal produtor nesta área do continente. Vale destacar a venda de 25 aviões
Super Tucano, modelo combate, entre 2006 e 2008, para a Colômbia, e a venda de doze e dezoito aeronaves
do mesmo modelo, entre 2009 e 2011, para Chile e Equador, respectivamente. Desenvolvido pela Embraer
principalmente para operações na selva, a tecnologia do modelo apresenta grande serventia para o enfrentamento
dos grupos insurgentes ligados ao narcotráfico nos países andinos.
Dessa forma, o papel brasileiro na defesa regional, especialmente desde o final da Guerra Fria e a altera-
ção nos padrões de relação com a Argentina, tem sido o de promover a cooperação e a integração em matéria
de defesa,14 tendo como principal projeto de sucesso nessa empreitada a criação propriamente dita do CDS.
Além disso, o país também se dispõe a intermediar pacificamente conflitos que possam ocorrer entre os demais
países sul-americanos. Em última análise, o próprio peso desproporcional dos recursos de poder do país tem
efeito estabilizador na região, uma vez que essa realidade entra nos cálculos estratégicos dos demais países
sul-americanos quando da tomada de decisões relacionadas a situações conflituosas entre eles.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do panorama exposto, é possível classificar de maneira preliminar, com base nas abordagens teóricas
brevemente expostas na introdução, o tipo de configuração observado nas relações de segurança do continente
sul-americano.
A análise, de acordo com a abordagem de Kolodziej (1995), aponta para a classificação do continente
como uma comunidade pluralista de segurança encaminhando-se para se tornar uma comunidade de segurança.
Embora os dois sistemas sejam caracterizados pelo compromisso de seus integrantes em estabelecer relações
pacíficas entre si, a diferença entre eles está no fato de a comunidade de segurança apresentar compartilhamento
de valores fundamentais entre seus integrantes, os quais adaptam seu comportamento a princípios, normas e
instituições comuns e a processos conjuntos de decisão em nome de um convívio pacífico. Dessa forma, uma

14. Este é um objetivo presente na própria Estratégia Nacional de Defesa do Brasil (Brasil, 2010). Está presente também no Livro branco da defesa nacional (Brasil, 2012).

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Diagnóstico da Segurança Regional Sul-Americana: classificações teóricas 15
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vez que o CDS está se consolidando gradativamente como uma instituição regional de segurança na qual
se busca uma visão integrada de quais são as ameaças que incidem sobre o continente e quais são as formas
eleitas para combatê-las, além das provisões no sentido de fomentar a confiança entre os países integrantes,
pode-se afirmar que a América do Sul, com seu baixo grau de incidência de conflitos interestatais, está se
tornando uma comunidade de segurança.
Examinando sob os seis critérios de Tavares (2008), a América do Sul apresenta padrão de segurança
de comunidade pluralista de segurança, a melhor posição que esta variável pode adotar, uma vez que não há
expectativa ou preparo para o uso da força entre seus integrantes. O padrão de conflito sul-americano, por
seu turno, é de “conciliação”, também o mais pacífico de todos, pois a região possui mecanismos internos de
resolução de disputas. O padrão de paz positiva, que leva em consideração o desenvolvimento humano e a
participação política, é moderado.
Dentre os instrumentos de paz e segurança, a América do Sul se caracteriza como o tipo integrado
regionalmente, com compromissos normativos e existência de instituições. Os agentes que contribuem para
a paz e a segurança, por sua vez, são os próprios Estados, mas também se conta com a atuação de Organi-
zações não Governamentais (Ongs). Por fim, o nível de integração regional é considerado médio, pois as
políticas adotadas levam em consideração o ambiente regional, mas praticamente não há cessão de parcelas
de soberania em favor das instituições regionais – nem perspectivas para que isso ocorra no futuro próximo.
Combinando a posição das seis variáveis, a América do Sul é classificada como uma coalizão regional: há um
compromisso com a paz e há laços formais e informais entre seus integrantes, mas o caminho a percorrer no
sentido da paz positiva – resolução dos problemas relacionados à pobreza e à desigualdade de renda15 – não
permite classificá-la como uma comunidade regional.
Por fim, adotando a ótica de Buzan e Wæver (2003), no caso sul-americano se observa o fortalecimento
gradativo de um padrão de regime de segurança, desenvolvendo-se na direção de uma comunidade de segu-
rança. Para a consolidação dessa condição, são requisitos a consolidação do CDS, propondo uma identidade
sul-americana em matéria de defesa, e do CSPMD, conformando uma estratégia unificada dos países do Cone
Sul e dos andinos para combater a principal ameaça incidente no continente. Dessa forma, seria formada
uma comunidade equipada com medidas de fomento à confiança, capazes de eliminar completamente os
padrões de inimizade.

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BUZAN, B.; WÆVER, O. Regions and powers. The structure of international security. Cambridge: Cambridge
University Press, 2003.

15. Para mais informações e dados a esse respeito, ver Cepal (2012).

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Diagnóstico da Segurança Regional Sul-Americana: classificações teóricas
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