24 de Julho de 2003.
Angola em síntese: país rico, povo pobre. Cerca de um milhão de barris exportados por
dia, multinacionais petrolíferas que vão a render 20 mil milhões de dólares em cinco
anos, diamantes em abundância. Mas aqui, o petróleo é "off shore" (extra territorial),
extraído por plataformas que multiplicam os recordes a grande profundidade. A quase
totalidade deste crude desaparece imediatamente para as refinarias do Texas e da
Luisiana, do outro lado do Atlântico, seguindo a rota do escravos.
"Off shore" são também as contas bancárias do regime de Dos Santos, alimentadas com
os pagamentos ocultos das companhias de tráfico de armas. Quanto aos 12 milhões de
angolanos comuns, eles estão aqui. Com um terço das crianças que morrem de doenças
ou com fome antes dos 5 anos, 83% da povoação por baixo do umbral da pobreza e 70%
sem acesso a água potável, 10 milhões de minas anti pessoais na terra 500.000 mortos
numa guerra civil que terminou o ano passado com a morte do chefe dos rebeldes da
UNITA, Jonas Savimbi.
Enclave de Cabinda
O padre Jorge Casimiro Congo celebra a sua missa cedo. O Sol levanta-se apenas neste
domingo, quando a sua igreja, à beira do mar, se enche de fiéis. São várias centenas,
sentados até no pátio. Dentro, um grupo de mulheres cobertas com panos azuis cantam e
dançam a Avé Maria. Depois de estudar em Roma e em Friburgo, o padre Congo voltou
ao seu torrão natal. As suas denúncias frequentes das injustiças sofridas pelo povo de
Cabinda, as tentativas de intimidação e inclusivamente de ameaças de morte que tem
recebido e a sua simpatia pela luta que conduz a Frente de Libertação do Enclave de
Cabinda (FLEC) contra o governo de Luanda fazem que cada semana os seus sermões
sejam um grande movimento político.
Esta manhã, depois de alguns minutos puramente bíblicos, a homilia deriva: "Somos os
filhos da misericórdia de Deus. Liberta as almas dos corpos, dos povos, das nações".
Antes de entrar simplesmente no cerne da questão: " Deus não pode aceitar o que
vivemos. O governo mata-nos e oprime-nos. Trata-nos como se fossemos vacas que
pastam no seu campo de petróleo".
A Cabinda Gulf Oil, propriedade dos norte americanos de Chevron Texas com
participação da Total e Agrip, produz 420.000 barris por dia (60% do petróleo
angolano) em Cabinda, pequeno enclave de 160.000 habitantes, localizado entre a
República Democrática do Congo (RDC, ex Zaire) e o Congo Brazzavile, separado do
resto de Angola por uma estreita franja de terra. Consta de três territórios bem distintos.
Na parte costeira, está a base onde se produz o petróleo. No sector continental, uma
floresta onde se combate. Entre os dois, uma cidade, uma estrada e algumas povoações
(kimbos) miseráveis.
De facto, os dirigentes da Cabinda Gulf Company tem tão pouca intenções de manter a
menor relação com os selvagens que os rodeiam que a cada renovação do parque
informático, destroem centenas de computadores e os enterram no mato em vez de doá-
los às escolas de Cabinda.
O mato é outra história. Junto aos Congos, alberga 2000 guerrilheiros da FLEC
divididos em duas facções, a Flec-Renovada e a FLEC-FAC. Em Outubro de 2002,
10.000 soldados governamentais lançaram uma grande ofensiva contra eles, uma vez
que ficaram "disponíveis" para reprimir o separatismo cabindense depois da paz
assinada em Abril com a UNITA. Uma tremenda informação publicada por uma das
fundações do financiador e filantropo norte americano George Soros enumera as
atrocidades cometidas pelas tropas de Luanda (massacres, execuções sumárias,
violações de mulheres e jovens, tortura, deportação de povoações inteiras, saques,
destruição de colheitas) e pela guerrilha (sequestro de estrangeiros e cobrança de um
imposto de guerra; aos que não pagam contam-lhe o nariz e as orelhas).
Luanda, a capital
O sistema, que tem por único objectivo a manutenção no poder do regime, consiste em
alimentar um número limitado de privilegiados e reprimir todos os demais. Foi chamada
"a república dos dominantes" Algumas centenas de famílias podem assim enviar os seus
filhos a estudar para Inglaterra, comprar bons automóveis com ar condicionado,
telefones celulares e produtos de marca em lojas discretas, tão bem fornecidas como
perfeitamente impossíveis de encontrar para quem não conhece a direcção e a contra
senha que permitirá abrir a porta.
A corrupção perverteu a economia do país e fez de Luanda uma das cidades más caras
do mundo. Devora cada mês milhões de petro dólares. A organização londrinense
Global Witness revelou em Março de 2002 que faltavam nas contas do Estado em 2001,
1,4 mil milhões de dólares. Quanto ao processo Elf e o "affaire" de Angolagate, de que
se agarram a Justiça francesa e a Suiça, dizem que o presidente José Eduardo dos Santos
não se esqueceu de encher os seus bolsos – é o cidadão mais rico do país – e que as
petrolíferas ocidentais se dedicam em grande ao jogo dos pagamentos ocultos.
Fonte: Le Temps, diário suíço surgido da fusão, em 1998, de Noveau Quotidien, Journal
de Geneve e Gazette de Lausanne. É um importante meio de informação, com boas
investigações sobre temas internacionais.
Tradução livre.
http://www.cubafar.com/forum75/forum_posts.asp?TID=339
http://www.letemps.ch/