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Copyright © 2020 Lety Friederich

2ª Ediçã o

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sem a permissã o da autora.
Capa
Folha de Rosto
Ficha Catalográ ica
Capı́tulo 1
Capı́tulo 2
Capı́tulo 3
Capı́tulo 4
Capı́tulo 5
Capı́tulo 6
Capı́tulo 7
Capı́tulo 8
Capı́tulo 9
Capı́tulo 10
Capı́tulo 11
Capı́tulo 12
Epı́logo
Agradecimentos
Biogra ia
Obras
— Você acha mesmo que vai conseguir ser algué m na vida,
garota estú pida? Acha que algum prı́ncipe encantado vai sair
dessas merdas de livros que você lê e vir aqui te salvar? Você
nã o merece ser feliz, você arruinou minha vida!

— Eu arruinei sua vida? Você fez isso sozinha e agora está


fazendo o mesmo comigo. Apenas me deixe em paz! — gritei e
bati a porta, andando apressada para longe daquela que eu
costumava chamar de mã e.

A viciada Lenna. Quando ela nã o está sob o efeito das


drogas, inge nã o ter feito nada de errado comigo durante a
vida inteira e é até possı́vel icar no mesmo ambiente que ela.
As vezes, pergunta como está indo o trabalho e a faculdade.
Apenas respondo e me retiro, é o má ximo de educaçã o que
consigo ingir. Porque ela pode esquecer seus acessos de raiva
e viagem nas drogas, mas eu nã o esqueço todas as
negligê ncias e perigos que o vı́cio dela me expô s e danos que
me causou.

Desde a infâ ncia, sou conhecida como a ilha da viciada


prostituta. Pessoas maldosas até espalhavam que eu tinha
nascido com Aids. Os pais nã o deixavam seus ilhos serem
meus amigos e, conforme as crianças cresciam, foram icando
mais maldosas comigo. Apelidos e comentá rios viralizaram na
escola, fazendo da minha vida um grande inferno. Minha mã e
realmente é uma prostituta e alguns, ou melhor, vá rios pais
dos meus colegas de escola já foram clientes dela. Bom, já que
eles jogavam meu nome na lama sem eu ter feito nada, porque
nã o levar alguns comigo, certo? Errado, isso fez as pessoas me
odiarem ainda mais, mas, pelo menos, aprenderam a nã o
cutucar onça com vara curta.

Eu nã o precisava de amigos. Desde cedo aprendi a viver


em mundos paralelos nos livros e sempre me diverti muito
neles. Infelizmente, nunca pude tê -los em casa, já que, os
ú nicos trê s livros que eu tinha, haviam sidos doados pelos
professores aos alunos e minha mã e os queimou em um
acesso de fú ria por ter me visto sorrir por eles. Eu tinha
apenas oito anos... Mas, por sorte ou, mais especi icamente,
por ser uma cidade pequena, a prefeitura fez um projeto
unindo a biblioteca da cidade com a da faculdade, sendo
assim, icava aberta os sete dias da semana, até à s nove da
noite. Os alunos tê m livre acesso a milhares de mundos, mas,
infelizmente, a maioria prefere o virtual. Uma pena para eles e
uma maravilha para mim, que tenho mais liberdade dentro
daquele paraı́so. Quanto mais eu cresço, menos quero minha
realidade e mais quero viver no mundo dos livros.

E clichê , e sei que é o sonho de vá rias leitoras, mas eu só


queria que algué m gostasse de mim de verdade. Acabei de
completar 18 anos e o mais perto de um sentimento bom que
as pessoas costumam sentir por mim é pena. Como a senhora
Mevis, a bibliotecá ria. E ranzinza e solitá ria, mas, quando me
viu chorando com o que tinha sobrado dos trê s livros
queimados nos braços, enxergou algo que ela també m
apreciava: o amor pelos livros. Criou certa empatia por mim.
Passei a frequentar a biblioteca todos os dias. Ela devia saber
que eu só comia na escola; a inal, cidades pequenas adoram
fofocas, principalmente para falar mal da minha mã e. Certo
dia, enquanto eu lia, a senhora Mevis deixou um lanche
embrulhado no papel alumı́nio ao meu lado e saiu. Isso foi se
repetindo, dia apó s dia... Seus lanches me izeram ter boas
noites de sono, matavam minha fome. Ela nunca me deixou
chegar perto demais a ponto de conversarmos sobre a vida ou
coisa assim. E estranho, eu queria conversar, mas a respeitava.

Aos 13, eu lhe escrevi um bilhete pedindo ajuda com o


vı́cio da minha mã e. Tinha medo dela, medo das pessoas que
colocava dentro de casa... A senhora Mevis colocou o bilhete
no bolso e virou as costas. Fiquei semanas sem ir à biblioteca,
triste pela ú nica pessoa que parecia gostar de mim ter me
abandonado. Mas logo descobri que, na verdade, ela tinha
denunciado. Boa parte dos policiais da cidade eram clientes e
só cios da minha mã e e a senhora Mevis foi ameaçada por eles.
Lenna fez questã o de esfregar na minha cara que eu nã o tinha
para onde correr, e que eu ainda deveria agradecer que tinha
um lugar pra morar e nã o me fazia trabalhar nos negó cios
dela. Lembro-me de ter chorado até o dia clarear, ouvindo as
ameaças dos policiais pela porta trancada do meu quarto.
Nunca apanhei muito dela, porque eu era rá pida e ela, na
maioria das vezes, preguiçosa demais para ir atrá s de mim. O
que era ó timo, já que eu nã o sabia segurar a lı́ngua e respostas
a iadas e sem iltros saı́am no automá tico.

Apesar de tudo, os professores do colé gio sempre foram


educados e me trataram igual a todos os outros alunos. Para
mim isso era su iciente. Eu queria muito ir para uma
universidade bem longe daqui, mas nã o criava expectativas;
era apenas sonho, já que eu nã o podia pagar. Entã o,
candidatei-me para cursar a graduaçã o inicial, de Artes
Liberais e Ciê ncias, solicitei uma bolsa para que eu pudesse
praticar serviço comunitá rio em troca das mensalidades; um
programa para pessoas como eu, que nã o podem arcas com os
custos. A senhora Mevis me surpreendeu com uma carta de
recomendaçã o e, acho que por consideraçã o a ela, eu fui
aceita. Serei eternamente grata por tudo que fez para mim em
todos esses anos. Mesmo praticamente sem me dizer quase
nada a seu respeito, é a pessoa mais importante da minha
vida. E realmente verdade quando dizem que atitudes valem
mais que palavras.

Minha casa icava a trê s quarteirõ es da biblioteca e


faculdade, entã o nã o demorei a chegar para estudar e, em
seguida, começar meu turno na biblioteca.

Estava limpando a prateleira com livros no andar de cima


quando um deles caiu sozinho no chã o. Levei um susto a
ponto de soltar um grito. Algué m do outro lado soltou um riso
rá pido e baixo, mas nã o vi ningué m. Peguei o livro; era pesado,
grande e de capa dura. Parecia bem velho e desgastado. “O
monstro do amor”. Achei o tı́tulo tosco, mas levei-o para á rea
de funcioná rios para ler durante minha pausa. Eu acreditava
em superstiçõ es e sinais; se derrubaram justo esse livro,
alguma coisa em minha vida ele iria agregar. Seja apenas uma
boa lembrança ou um aprendizado. Mas, em contrapartida,
morria de medo de assombraçã o; por exemplo, o livro caiu
“sozinho”. Meu pior pesadelo é encontrar uma alma penada
vagando pela biblioteca, ou em casa. Como eu me defendo
dessas coisas? Já sou estranha, imagina se me vissem
carregando sal grosso e uma barra de ferro? Deus me livre!
Infarto só de imaginar a possibilidade.

Estudava pela manhã e trabalhava parte da tarde e noite.


Costumava fechar a biblioteca junto com um vigilante que
cuidava de lá e da faculdade. Isso me deixava mais tranquila, já
que nã o con iava nos alunos que estudavam à noite. Se
soubessem que eu a fechava biblioteca sozinha, talvez
pudessem tentar fazer algo que me prejudicasse, e isso seria o
im para mim.

Eu tinha 45 minutos de pausa, sempre perto das 18h. Nã o


tinha opçã o a nã o ser fazer minha refeiçã o no refeitó rio da
faculdade. Esse horá rio nã o tinha começado as aulas do
perı́odo noturno ainda, apesar de sempre ter um ou outro
aluno por lá . Sentei-me com minha bandeja com um lanche e
uma caixinha de suco de maçã , apressei-me em comer para
poder abrir o livro e começar mais uma aventura. Era bom
demais sonhar com os livros. Devolvi a bandeja no devido
lugar e sentei-me novamente em outro canto do refeitó rio,
mais isolado. A primeira coisa que estranhei no livro era ele
ter a fonte manuscrita. Tinha notado isso quando caiu e dei
uma leve folheada, mas nã o tinha visto que era o livro todo
com a mesma fonte. Outra coisa estranha era a falta do nome
do autor e informaçõ es de ediçã o. Como é possı́vel um livro
ser distribuı́do sem o ano de publicaçã o, nome do autor e
editor? As trê s primeiras pá ginas estavam em branco, em
seguida, tinha algo que parecia um poema.
Caramba... pelo jeito vou gostar do livro. Só ico com raiva,
porque sempre acabo gostando de quem nã o devia: o vilã o.
Aposto que é um livro sobre vingança de um amor nã o
correspondido...

Comecei a leitura e as pá ginas tinham manchas de tinta.


Perguntava-me se aquilo foi escrito à mã o e nã o impresso...
Que demais! Talvez eu possa estar lendo o rascunho de algo
que hoje em dia é histó rico, Best-seller ou coisa assim, e talvez
tenha mudado de tı́tulo? Preciso ver pelo nome dos
personagens... Talvez depois eu consiga identi icá -los
buscando na internet.

A narrativa era em primeira pessoa contava a histó ria de


Dahlia, uma jovem bruxa que se apaixonou profundamente
nos sé culos passados. Nas poucas pá ginas que pude ler antes
de ter que voltar ao trabalho, senti a paixã o genuı́na que ela
nutria por algué m ainda sem nome no livro. Eu nã o teria outra
pausa, e nã o ia me arriscar levar o livro para casa, apesar de
estar morrendo de curiosidade, a inal, ela narrava um amor
proibido, e eu amo amores proibidos. As horas passaram
depressa. Quando faltavam 15 minutos para fechar a
biblioteca, dei mais uma espiada no livro, olhando para os
lados em cada segundo para ter certeza de que nã o estava
sendo observada lendo, enquanto era suposto estar
trabalhando. A jovem bruxa descrevia o dono dos seus tantos
suspiros apaixonados... Era alto o su iciente para que, mesmo
com ela nas pontas dos pé s, o topo da sua cabeça alcançasse
apenas o pescoço do seu amor. Ambos eram morenos, mas a
pele dele era poucos tons mais claros que a dela, e ele era
dono dos olhos cinzentos mais claros que ela já havia visto.

“Eu gostava de sussurrar seu nome ao vento, para que, quando


chegasse a hora de conversar pessoalmente com ele, eu não
temeria em gaguejar a pronuncia do nome que signi ica
‘guerra’ para alguns, e para outros, ‘lutador’. Killian, Killian,
Killian.”

Fechei o livro rapidamente e guardei no meu armá rio na


á rea de funcioná rios. Desejei boa noite ao vigilante e caminhei
para minha casa lentamente...

— Killian... — sussurrei seu nome, ansiosa para chegar


logo o amanhã e voltar à leitura.
Pude ver uma movimentaçã o em casa. Praguejei, pois hoje
nem consegui usar o banheiro na biblioteca por estar lendo e
odeio ter que sair do meu quarto com pessoas estranhas lá .
Dei a volta e espiei a janela do meu quarto. A porta parecia
continuar trancada. Nã o tinha nada que pudessem me roubar,
mas seria pé ssimo deixar algué m entrar lá . As pessoas que
frequentam minha casa nã o eram boas in luê ncias. Abri a
janela e me impulsionei para cima, entrando no quarto. Olhei
debaixo da cama e dentro do armá rio, estava segura. Tranquei
a janela e joguei-me na cama. Eu só poderia sair do quarto
pela manhã , nã o gostava de me arriscar. Se nã o ouvissem
barulhos daqui, nem lembrariam que eu existo, mas se
soubessem que estou aqui, me importunariam pela noite
inteira, até apagarem com efeito de drogas e bebidas.
Troquei de roupa, tomei o restinho de á gua que tinha na
minha garra inha no quarto e deitei para dormir, deixando
meu celular de tela quebrada ao meu lado carregando e
programado para despertar à s oito da manhã , para que eu
pudesse tomar banho e estar na faculdade à s nove.

Despertei com batidas violentas na porta, eram trê s da


manhã . Que conveniente, a hora do diabo.

— Jade... Oh, minha Jade. Quando vai me deixar entrar?


Você já tem idade, querida, abra a porta...

Coloquei o travesseiro por cima da minha cabeça para


abafar o som e tentei voltar a dormir, rezando para que um
milagre acontecesse e um dia eu saı́sse desse inferno que
chamo de casa.

Na manhã seguinte, nada fazia as horas passarem mais


depressa. As aulas passaram tã o lentas, que me faziam querer
correr para biblioteca antes mesmo de acabarem. O trabalho
me remunerava em 300 dó lares, por seis horas diá rias de
segunda a sexta-feira. Eu nã o tinha recebido meu primeiro
salá rio, a inal, fazia poucos dias que estava estudando e
trabalhando. Mas eu tinha os lanches gratuitos no refeitó rio, e
só isso já era maravilhoso para mim.

Depois das aulas, eu nunca voltava para casa. Passava meu


tempo lendo na biblioteca até dar a hora de colocar minha
digital para iniciar meu turno. Entã o, quando as aulas
acabaram, corri para o refeitó rio, comi rapidamente, fui para
biblioteca, peguei o livro e me escondi em um corredor
afastado no andar de cima.

O pré dio tinha o té rreo, onde icavam vá rios corredores
formados por prateleiras lotadas, com placas indicando que
tipo de livros os visitantes encontrariam por ali. No centro da
biblioteca icavam mesas compridas e cadeiras almofadadas
para os alunos se sentirem confortá veis, mas, em minha
opiniã o, icavam muito expostos. Era bom para nó s
funcioná rios que tı́nhamos que icar de olhos neles, mas para
mim como leitora, que gostava de sossego enquanto lia, era
pé ssimo. No canto oposto ao da porta que liga a faculdade à
biblioteca, havia uma escada larga e comprida, que levava
para o andar de cima, onde havia mais e mais livros. Entre a
entrada e a escada, icava o balcã o de atendimento. A nossa
frente, as mesas compridas e, depois delas, outra porta para as
pessoas que nã o viriam pela faculdade.

No andar de cima, a parte central era toda aberta, onde,


em qualquer parte do parapeito que icá ssemos,
conseguirı́amos enxergar as pessoas lá em baixo, e no centro,
havia um bonito e grande lustre. Os alunos costumavam se
reunir na biblioteca para fazerem seus trabalhos depois da
aula, o que deixava tudo lotado, entã o, para nã o chamar a
atençã o ou ser interrompida, comecei a icar sentada no chã o
no ú ltimo corredor de um dos cantos do 1º andar, no meu
tempo de folga.

Eu tinha pouco mais de uma hora para ler antes de


começar o trabalho, nã o queria mais perder tempo. Abri o
livro e encarei novamente aquela fonte manuscrita. Ainda era
dia, entã o consegui ver com mais clareza que realmente aquilo
nã o se tratava de uma fonte, e sim de escrita à mã o.
Estranheza ameaçou a me dominar, mas a curiosidade... ah,
essa maldita ainda vai me matar. Prossegui na leitura. Dahlia,
a bruxa, narrava a abordagem feita pelo seu, até entã o,
pretendente. Todas as mulheres do vilarejo sonhavam com
ele. Por onde ele passava, era seguido por uma legiã o de
suspiros e desejos silenciosos.
Ele nunca estava sozinho. Killian andava com um grupo de
quatro amigos que eram extremamente atraentes també m —
que conveniente para as mulheres do vilarejo — mas tudo
mudou para ela quando ele a viu. Antes, sua mente só pensava
em possibilidades, mas notou o interesse recı́proco nele e
aquilo só perturbou ainda mais sua mente, principalmente
pela vibraçã o estranha que sentiu emanar dele naquele
momento. Abordou-a educadamente, mas, assim que se
tocaram, ela sabia... Killian era um lobo.

Dahlia tentou correr, fugir do sentimento avassalador que


a dominava, a atraçã o, o perigo, o proibido. Lobos e bruxas
eram inimigos há sé culos, assim como os vampiros. Mas
Killian tinha o dom de manipular, convencendo-a de que era
seguro, instigando-a a quebrar as regras... Depois de tanto ser
cercada e tentada por aquele que ela passou a denominar de
perverso, rendeu-se. Caindo de amores por ele — clichê, quem
não sabia que isso aconteceria? Mas nem por isso deixa de ser
interessante —, o romance entre os dois se desenvolveu a
ponto de ela querer fugir para longe, depois de seus pais
terem descoberto o caso que estava tendo. Jovem, negra, inal
do sé culo XIX, nã o precisava de muito para desonrar o nome
de uma rara famı́lia de negros que tinha dinheiro,
independê ncia e liberdade. Entã o, ela, Killian, seus quatro
amigos e outras duas bruxas fugiram para muito, muito longe.
Olhei as horas no reló gio pendurado na parede, era hora
de ir trabalhar. Que droga! Como vou sobreviver sem saber o
que izeram depois de fugirem?

Andei apressada até a á rea dos funcioná rios, deixei o livro


lá e coloquei minha digital. Voltei para a biblioteca e comecei a
trabalhar, tentando me manter ocupada até a hora da pausa,
onde eu teria mais alguns minutos de leitura. Pensei em me
esconder no banheiro por alguns minutos, mas acho que a
senhora Mevis iria descon iar e eu nã o queria abusar da sorte,
apesar da minha mente estar assim: só mais uma página, só
mais um capítulo... Sorri. O que seria de mim se eu nã o tivesse
essa biblioteca má gica? Talvez, eu já tivesse morrido.
Hoje era sexta-feira, o dia que a maioria dos alunos fazia
devoluçõ es e pegava novos livros. Senhora Mevis estava
encarregada de fazer o registro dos novos “empré stimos” de
livros, e eu, dar baixa nos devolvidos e colocá -los de volta em
seus lugares. Era cansativo subir e descer a escada com livros
nas mã os, há meses o elevador estava desativado. Entã o, para
nã o atrapalhar o luxo de pessoas no andar de baixo, coloquei
os que foram devolvidos ao lado do computador e comecei a
dar as baixas no sistema.

Nã o era sempre que eu podia mexer no sistema, entã o


aproveitei para pesquisar o livro que estava lendo. Digitei “O
monstro do amor” e nã o apareceu nada. Entrei no Google para
pesquisar, nã o encontrei nada de novo. Coloquei o nome dos
personagens: Killian Davies e Dahlia Ellis. Para minha inteira
decepçã o, continuei sem encontrar nada. Voltei ao trabalho
com minha mente metralhando ideias e teorias. Quando a
pausa chegou novamente, devorei as pá ginas do livro.

Dahlia, Killian e seus amigos Kyara, Lucien, Douglas, Kurt,


Mason e Tamira viajaram por um mê s, passando suas noites
sob o luar em um acampamento improvisado; em outras
noites, em tavernas com pensõ es sujas e baratas. Mas para
Dahlia, tudo que importava era estar com Killian. Adoro esse
sentimento que nasce em mim. Só conheço amor atravé s dos
livros e em cada um era um amor diferente. Para mim, era
inevitá vel amar; adorava mergulhar de cabeça em cada
sentimento narrado e sentia-me até preocupada com Dahlia,
com a forma como ela endeusava Killian. Mas acho que, no
lugar dela, faria o mesmo...

“Muitas luas haviam se passado desde que partimos. Killian


era protetor, me cercava de um modo que me fazia sentir
protegida e amparada. Tinha mania de beijar meus dedos das
mãos enquanto olhava em meus olhos e, poucos segundos
depois, agraciava-me com um pequeno sorriso de canto que
fazia todo meu corpo vibrar. Durante a noite, enquanto me
amava, seus dedos enroscavam meus cabelos da nuca e os
seguravam com força, dominando-me, mostrando o alfa que
era. Sua mão comandava meu ritmo e eu só o deixava fazer
tudo que queria comigo, porque amava cada segundo.”

Corri para a biblioteca, pela primeira vez odiando ter que


voltar ao trabalho.

Minha leitura já estava no nı́vel de todo o sentimento da


Dahlia ser projetado diretamente para o meu coraçã o. O ú nico
amor que conheço e permito sentir totalmente. Eu estava nas
nuvens, e até a senhora Mevis percebeu isso, pois chamou
minha atençã o quando demorei tempo demais limpando uma
prateleira, sonhando acordada. Mas vi quando ela saiu com
um pequeno sorriso nos lá bios. Fui para o primeiro andar
continuar a limpeza e organizar uma sessã o que estava
precisando. Estava distraı́da quando senti algué m atrá s de
mim. Virei rapidamente e nã o tinha ningué m. Um mini-infarto
me atingiu quando olhei ao redor e notei que estava sozinha.
Assombraçõ es perseguem aqueles que mais tê m medo, e eu
tenho de sobra dessas coisas. Continuei a trabalhar. Por
dentro, tentando acalmar meu coraçã o; por fora, olhando para
todos os lados e passando o pano rapidamente para terminar
logo minha atividade por ali. Resolvi começar a cantarolar,
para tentar me distrair, e estava dando certo, até eu escutar
uma risada.

— Quem está aı́?

Senti-me estú pida logo em seguida, pois é bem assim que


as mocinhas que morrem nos ilmes de terror fazem. No vã o
entre os livros da prateleira, vi um par de olhos azuis
cinzentos me encarando. Soltei o pano e dei dois passos para
trá s. A pessoa saiu do corredor, eu a vi indo em direçã o à
escada e depois saiu do meu campo de visã o. Aqueles olhos
pareciam quase... animalescos, por sua intensidade e aparente
hostilidade. Deixei passar alguns minutos para normalizar
minha respiraçã o e meus batimentos cardı́acos. Fui para o
té rreo e inventei atividades que me mantivessem ocupada ali.
Sei que logo seria inevitá vel voltar para o primeiro andar, mas
adiaria isso o má ximo que pudesse.

Nos dias que se passaram, continuei a ver os olhos azuis


em cada canto que olhava. Ele passava rapidamente pelos
corredores da biblioteca. Nunca tinha o visto na cidade, e ele
nã o era o tipo que passava despercebido, o que me deixava
nauseada, já que eu nã o via nenhuma das mulheres da
faculdade olhando para ele enquanto passava. E, digo
nauseada, porque as teorias que se formavam em minha
mente eram no mı́nimo, perturbadoras.

1. Ele é um fantasma.
2. Ele é algué m que as pessoas temem ou odeiam, por isso
nã o o olham.
3. Estou icando louca.

A minha lı́ngua chegava a coçar com vontade de contar a


algué m, entã o, por puro impulso, aproveitei que minha mã e
estava só bria e comentei:

— Como você sabe se está vendo um fantasma ou icando


louca?

— Deveria perguntar isso para a conselheira na faculdade.


Já que você nã o usa drogas, pode ter algum distú rbio ou coisa
assim.

Tive vontade de sorrir. Eram raras as vezes que ela era


algué m normal; se é que essa resposta pode ser considerada
normal.
Fui para o curso e depois para a biblioteca. Peguei meu tã o
amado livro “O monstro do amor” e levei-o para meu cantinho.
Quando ia me sentar, senti a presença novamente perto de
mim. Virei-me o mais rá pido que consegui, achando que, como
todas as outras vezes, nã o veria nada. Mas enganei-me, eu vi.
O homem de olhar selvagem, de cor azul acinzentado, estava
bem na minha frente. Envolvi o livro em meus braços,
apertando-o contra meu peito e dei dois passos para trá s.

— Está gostando da leitura?

O timbre da sua voz fez com que todos os pelos do meu


corpo se arrepiassem. Eu só nã o sabia se tinha sido de medo,
ou... sei lá o que mais poderia ser. Ele levantou uma
sobrancelha de forma arrogante, como se exigisse uma
resposta.

— Já leu esse livro? — Resolvi devolver outra pergunta.

— Talvez... Fiquei fascinado com a forma que você se


desliga do mundo enquanto lê .

Fascinado? Comigo? Faltei suspirar, ignorando meu medo.


Eu é que estou fascinada olhando para você, moço! Que linha de
maxilar era aquela? E esses lá bios cheios e bem desenhados,
minha nossa...
— Ainda nã o me respondeu se está gostando... — ele
continuou.

— Você també m nã o me respondeu se já leu... estamos


quites.

— Você sempre está na defensiva assim?

Bufei.

— Pelo jeito é novo na cidade.

— Acho que sou um dos moradores mais antigos, na


verdade.

— O que está fazendo falando comigo, entã o?

— Você nã o quer minha companhia? — Deu um passo em


minha direçã o, me intimidando e parecia... lertar comigo.

Espera, eu já sei o que está acontecendo!

— Você deve ser amiguinho do Brad, nã o é ? Ou da Sara.


Diga a eles que nã o sou tã o estú pida a ponto de cair numa
pegadinha tã o imbecil quanto essa.
— Espera, quem?

— Se puder me dar licença, eu quero muito ler esse livro...


SOZINHA.

— Que eu saiba a biblioteca é pú blica, entã o... — ele


retrucou, querendo ser engraçadinho.

— Sé rio? Nossa! E eu acabei de descobrir que você é só


mais um babaca por aqui.

— Eu só queria fazer amizade, só isso. — Levantou a mã o


em forma de rendiçã o, dando um passo para trá s.

— Você nã o é amigo deles? Nã o está vindo falar comigo


por causa deles?

— Eu nã o faço ideia de quem sejam.

Tirei um pouco da hostilidade em meu rosto e estendi a


mã o.

— Meu nome é Jade.

Ele olhou a mã o estendida, pareceu desconfortá vel por


alguns segundos e voltou a olhar para mim, para meus olhos,
mas sem responder o cumprimento de mã o.

— Sou Killian, muito prazer.

Quase pude sentir o chã o tremer ao ouvir seu nome. Olhei


para o livro, e para ele novamente.

— Você está bem?

— Acho que tive um mini-infarto — respondi, colocando a


mã o no peito e olhando para ele.

— O quê ?

Os pensamentos iam de um extremo a outro, lembrando-


me de cada descriçã o que Dahlia deu sobre Killian, sua
aparê ncia... Ele era compatı́vel em todas elas. TODAS!

— Eu, eu, hum, nã o estou me sentindo bem — sussurrei,


mais para mim mesma do que para ele. Um sorriso perverso
nasceu em seus lá bios.

— O que foi? Quer que eu vá com você até a enfermaria?

— Estou bem, obrigada. Quer dizer, nã o estou, mas... hum,


eu preciso ir. Tchau, Killian.
— Até logo, Jade.

Dizer seu nome em voz alta fez a temperatura do meu


rosto subir. Eu sabia que estava com as bochechas coradas.
Passei por ele e fui em direçã o à escada, mas, antes de descê -
la, olhei para onde ele estava e vi que havia sumido. Apressei o
passo e fui para a á rea de funcioná rios. Senhora Mevis veio
logo atrá s de mim.

— Jade, você está bem?

— Eu... eu... a senhora já viu algo estranho acontecer aqui?

— Estranho, como?

— Tipo, fantasmas, espı́ritos. Assombraçõ es? Já viu? —


Atropelei as palavras, confusa por tudo que aconteceu.

— Nã o, nunca.

— Mas a senhora acredita, ou tem medo?

— Nã o para os dois, menina. Isso é ilusã o da sua mente.


Está lendo algo pesado?

— Estou lendo um romance!


— Essas coisas nã o existem. Fique tranquila.

— Dizem que elas só vã o atrá s daqueles que tem medo...
— comentei, com o pensamento longe.

— Viu só , você é tã o corajosa! Nã o tem com o que se


preocupar.

— Você disse que nã o acreditava! E eu morro de medo! —


argumentei, apavorada.

— Estou tentando te ajudar, Jade! Onde foi que você acha


que viu algo? — Sua voz já era impaciente.

— No andar de cima, onde eu sempre me escondo para ler.

— Tenho certeza que é sua mente lhe pregando uma peça.


Você precisa parar de se esconder e fazer amizades.

— Todos me odeiam — bufei, desviando o olhar.

— Anos se passaram, talvez alguns tenham amadurecido e


aprendido a separar as coisas.

— Nã o pareceu quando fui pedir emprego poucos meses


atrá s.
— Ok, Jade, desisto. Nã o tenho idade para argumentar com
uma adolescente.

— Sou adulta, tenho 18 anos!

Ela acenou com a mã o, como se dissesse “tanto faz” e saiu.

Naquele dia nã o consegui ler meu tã o amado livro.


Coitado. Mas apenas a remota possibilidade de estar
acontecendo algo por eu estar o lendo, me fez ter um bloqueio
tenebroso.

Já haviam se passado trê s dias e ainda nã o consegui


retomar a leitura e nem fui ao meu cantinho isolado na
biblioteca, mas Killian nã o saiu da minha mente. Era irritante
como as tantas cenas de amor dentre Dahlia e ele rodavam
minha mente, fazendo-me imaginar tantas outras que
poderiam estar acontecendo nos capı́tulos seguintes e eu sem
conseguir ler... Precisava saber como acabava a histó ria e, ao
mesmo tempo, tinha medo de descobrir.
— Olá , Jade. — Aquela voz soou atrá s de mim me fazendo
pular de susto. — Você é muito assustada.

— Foi você quem chegou muito quieto!

— Tenho te observado... Parece estar fugindo de algo.

— E, talvez de um stalker.

Ele pareceu pensar por alguns segundos...

— O que é um stalker? — perguntou, confuso.

Eu arqueei as sobrancelhas, achando que ele estava


brincando. Mas sua expressã o continuou a mesma, exigindo
minha resposta.

— E um perseguidor. — Ficou pensativo por alguns


segundos, sua expressã o mudando conforme entendia o que
eu quis dizer.

— Está dizendo que sou um... stalker? — perguntou,


ofendido.

— O que você acha?


— Você tirou conclusõ es precipitadas sobre mim.

— Certas ou erradas?

— Nem todo certo, mas també m nem todo errado.

— Eu, hum... — Pensei em uma pergunta inteligente para


fazer, mas meu coraçã o batia tã o rá pido que sentia as batidas
ecoarem nos meus ouvidos e nã o me deixavam pensar direito.
— Onde você mora?

— Aqui perto, e você ?

— Hum... Aqui perto també m — respondi de forma vaga,


como ele.

— Como está sua leitura?

— Bom, faz trê s dias que ando sem tempo para ler...

Enquanto falava, me aproximei dele para tentar deduzir


qual a sua altura. Fiquei na ponta dos pé s e voltei ao chã o duas
vezes, constatando que eu batia no seu queixo quando estava
no alto. Dahlia deveria ter a minha altura... se fosse real.
— O que está fazendo? — ele perguntou vendo meu
comportamento estranho. Tive vontade de socar minha testa
na parede. Pensei em uma desculpa rá pida e soltei de forma
atropelada as palavras.

— Eu, hum, nada. Queria ver se estava bem limpo na


prateleira de cima.

— Entã o porque olhava para mim? — Pela primeira vez


notei um sincero divertimento em sua expressã o.

— Impressã o sua.

— Hoje vai voltar a ler? — perguntou, muito interessado.

— Nã o sei...

— Porque passa tanto tempo na biblioteca? Uma mulher


da sua idade nã o deveria, hum, frequentar mais festas e locais
agitados?

— Quer um lugar melhor para frequentar do que essa


biblioteca? Impossı́vel!

— Seu namorado nã o se importa?


— Nã o, eles nã o vivem sem mim e adoram que eu ique
por aqui.

— Eles? — ele perguntou surpreso e assustado. Nã o


consegui segurar a risada. Consegui relaxar um pouco na sua
presença.

— Sim, eles. Em cada livro que leio, apaixono-me por um


personagem diferente.

— Isso parece... desleal. — Senti um toque de irritaçã o na


sua voz, nossa, estou icando paranoica!

— Eles sabem dividir — expliquei.

— Como pode ter tanta certeza?

Bom, ele já devia me achar louca pelo que falei há pouco,
agora terá certeza.

— Bom, nenhum deles veio me dizer o contrá rio, entã o,


está tudo bem.

Ele me olhou fundo nos olhos, parecia me analisar


minuciosamente. Eu cocei a garganta e me virei para os livros
novamente, tentando retomar meu trabalho.
— Me conta um pouco do seu namorado atual... estou
curioso.

Deus, me dá uma prova de que nã o estou icando louca,


que esse homem ao meu lado realmente existe e que nã o é a
minha imaginaçã o fé rtil demais tirando sarro da minha cara!

— Eu preciso trabalhar, sinto muito. — Achei melhor


tentar despistá -lo.

— A biblioteca está vazia, você está à meia hora limpando


a mesma prateleira. — Irritei-me. Quem ele pensa que é para
falar mal do meu serviço?! Mesmo que seja verdade...

— Olha aqui, você é um... — Fui interrompida por uma


vaca falante.

— Jade, quem é seu amigo? Oi, é novo por aqui?

Eu nã o sei se iquei aliviada ou enraivecida por ter sido


interrompida por Sara. Aliviada, porque posso morrer em paz
sabendo que esse homem nã o é um personagem literá rio, ou
um fantasma, já que outras pessoas podem vê -lo. E
enraivecida porque simplesmente detesto a Sara Sataná s,
como carinhosamente a apelidei. Killian olhou para ela de
cima a baixo, ela sorriu e esticou a mã o.
— Eu sou Sara, e você ? — Fez mençã o em se aproximar,
talvez para beijá -lo no rosto ou algo assim, mas ele recuou e
isso a fez parar.

— Sou Killian... Adeus, Sara!

A boca dela se abriu, parecia indignada. Acho que era a


primeira vez que era dispensada tã o descaradamente. Fiquei
olhando perplexa, a inal, para mim, aquilo era hilá rio. Sei que
vou para o inferno por isso, mas adorei vê -la tã o sem graça.
Ela se recompô s e saiu pisando duro. Eu a segui com os olhos,
rindo da sua reaçã o. Quando notei, Killian tinha voltado sua
atençã o para mim.

— Podemos conversar, ou nã o?

Confesso que esse homem ganhou mil pontos comigo por


tê -la enxotado daquele jeito. Mas, a verdade é que quando a
esmola é demais, o santo descon ia. Apesar de que de santa
nã o tenho nada. Só que ele é bonito demais, e eu era tudo de
menos...

— Bom, meu atual namorado... Coincidentemente, chama-


se Killian.

— Interessante, gostei dele.


— Foi você que escreveu o livro? — perguntei de uma vez
o que vinha matutando na minha mente.

Por que ele estaria tã o interessado em saber da minha


leitura ou do meu atual — falso — namorado?

Ele riu.

— Nã o, porque pergunta?

— Bom, se tem algo que eu aprendi com Teen Wolf é que:


um é acidente, dois é coincidê ncia e trê s é padrã o. E acontece
que você e o Killian do meu livro tê m coisas demais em
comum.

Sua confusã o me deixou aliviada por um instante, pois


mostrava que ele estava me achando louca, o que já era
esperado. Mesmo algué m tendo o visto, ainda nã o estava
convencida de que tudo isso é coincidê ncia do destino.

— Espera, aonde você disse que aprendeu isso? — Isso me


deixou apreensiva.

— Teen Wolf. E uma sé rie de TV.


— Sobre um lobo adolescente? Que tipo de lobo? Nã o
entendi bem?

— Lobisomem. Em que mundo você vive que nunca ouviu


falar dessa sé rie?

Sua feiçã o saiu de confusa para zangado. Ele me pegou


pelo braço e me puxou mais para o canto do corredor.

— Você vai me contar tudo que sabe sobre esse mundo


sobrenatural, agora mesmo! — exigiu, eu me assustei com seu
ataque repentino.

— Mundo o quê ? Me solta!

— De lobisomens, bruxas, vampiros, nã o se faça de cı́nica!

— E você , nã o é ? — Parte de mim nã o queria acreditar,


mas agora era impossı́vel negar. — Você é o Killian do meu
livro! O que houve com você ?

Ele me soltou e andou de um lado para o outro, nervoso.


Olhava para mim e negava com a cabeça, parecia perdido e ao
mesmo tempo, desesperado.

— Vá lá para cima, é mais privado. Eu vou te contar tudo.


A minha parte curiosa queria subir, mas o meu lado que
teve que se virar de todas as formas para sobreviver gritou em
minha mente pedindo para nã o ir.

— Eu nã o, você acha que eu sou louca? Como fez para


outras pessoas te enxergarem? Você é um fantasma!

— Fale baixo, garota! Eu nã o sou um fantasma! Vá até lá e


eu te contarei tudo.

Ele saiu, indo em direçã o à escada. Eu permaneci parada.


Meu Deus, que merda está acontecendo?
Ele tocou em mim! Era só isso que minha mente acusava:
ele nã o poderia ser um fantasma. Mas, meu Deus... parte de
mim é muito cé tica e a outra é muito sonhadora. Meus dois
lados estã o combatendo sem descanso, um dizendo que é
impossı́vel e apresentando todas suas teorias para isso, e o
outro fazendo o mesmo, mas querendo provar o contrá rio,
que ele realmente é o Killian do livro. Andei desajeitada até a
senhora Mevis, que estava no balcã o de atendimento.

— Senhora Mevis, precisa de ajuda por aqui?

— Nã o, Jade. Está sem atividade para fazer?

— Nã o é isso, é que... queria fazer algo aqui.


— No balcã o de atendimento? — perguntou surpresa.

— E.

Ela sabe o quanto nã o gosto de atender os moradores da


cidade. Mas, talvez, se Killian me visse ocupada e sempre
perto de algué m, me deixaria em paz e desistiria dessa
maluquice. Eu nã o quero saber de nada. Nã o quero icar no
meio disso. Já tenho problemas su icientes com minha mã e e
os moradores da cidade.

— Bom, entre aqui. Vou deixar você fazer os cadastros e


ichas de hoje.

Sorri e entrei, mas minha felicidade nã o durou muito.


Muitas alunas começaram a entrar na biblioteca, atraı́das pelo
moreno de olhos selvagens que estava sentado lendo um livro
e, vez ou outra, me encarando bravo. Todas tentavam chamar
sua atençã o, Killian aparentava ter cerca de vinte e sete anos e
se portava com uma con iança inabalá vel, uma beleza como a
dele era incomum em uma cidade pequena como essa. Mas
para o desgosto delas, ele parecia concentrado demais em sua
leitura para notar seus esforços. Ou apenas as ignorava, eu
nã o fazia ideia.
Quando faltavam cerca de cinco minutos para minha
pausa, Killian parou na lateral do balcã o e icou calado. Todos
o encaravam. Eu nã o aguentei o suspense que ele fazia, estava
muito pró ximo a mim para que eu pudesse simplesmente
ignorá -lo.

— O que está fazendo?

— Estou te esperando.

— Para quê ?

— Jade, está tudo bem? Ele é um amigo? — Senhora Mevis


perguntou, mesmo sabendo que nã o tenho nenhum.

— Sou o namorado dela, senhora Mevis.

Um burburinho começou na biblioteca. Eu nã o sabia onde


en iar minha cara, tamanha era a vergonha que sentia. Ele
precisava falar alto assim uma mentira tã o deslavada?

— Senhora Mevis, vou tirar minha pausa, tudo bem?

— Claro, está na sua hora.


Larguei tudo e fui em direçã o ao futuro morto-morto
chamado Killian.

— E possı́vel matar algué m que já está morto? Porque eu


quero muito matar você agora!

— Está apaixonada por mim, por isso estou aqui.

— Eu ainda estou pensando quem é o mais louco de nó s


dois. Você por falar tudo isso ou eu por formar teorias e
escutar as merdas que você diz.

— Você vai calar a porra da boca para eu falar, ou o quê ?

— Vai à merda seu grosso! — retruquei, revoltada.

— Ah, mas que porra de garota que essa maldiçã o me


trouxe dessa vez! — Ele parecia indignado e isso só me
deixava mais brava.

— Sinto lhe informar que essa maldiçã o se chama vida, e é


você quem está vindo atrá s de mim. Se nã o quer falar comigo,
é só ir embora!

— Eu nã o posso ir embora, você sabe disso!


Parei no meio do corredor e ele veio à minha frente.

— Eu sou o Killian do seu livro, estou preso a esse lugar.


Você já chegou nessa fase da leitura, nã o chegou?

— Existe um verso no inı́cio do livro... — comecei a falar,


me lembrando.

— E a minha maldiçã o, é real.

— Killian, nã o brinca com uma coisa dessas, estou


acreditando...

— E real e eu posso provar. Hoje à noite quando estiver


indo embora, vou te mostrar.

Respirei fundo, concordei com a cabeça e voltei a andar em


direçã o ao refeitó rio. Peguei o que iria comer e nos sentamos.

— Se... Eu disse “se”, dissesse que acredito em você , o que


me contaria agora?

— Primeiro de tudo, nã o estou morto, nã o sou um


fantasma, entã o pare com suas paranoias.
— Ah, sim, claro, até porque meu pâ nico em ver um
fantasma nã o é o mesmo que ver um personagem literá rio
criar vida.

— Segundo, eu nã o sou a merda de um personagem


literá rio.

— O que você é entã o?

— Sou real, Jade! Aquilo que você está lendo é como um


diá rio. Dahlia o criou para me castigar! Estou preso à quele
livro e esse lugar há anos!

— Como?

— Existem certas coisas que é melhor eu nã o contar agora.

— Por quê ?

— Você pode parar de fazer tantas perguntas? Quanta


petulâ ncia!

— Se você parasse de enrolar e começasse a me contar, eu


nã o precisaria perguntar.

— Me dá um tempo, garota! Preciso pensar.


— Você precisa pensar? Agora, justo agora? Nã o está , sei
lá , há anos preso e sozinho? Precisa de mais tempo que isso?

— Ok, ok. Apenas feche a boca, ok? Ou melhor, comece a


comer, e apenas ouça minha histó ria.

Levei meu sanduı́che à boca buscando nã o olhar para ele,


mas, ao nosso redor, todos faziam exatamente isso: olhavam
para nó s dois. Deviam estar se perguntando: o que está
acontecendo? Pelo menos uma coisa eu tinha em comum com
todos eles: está vamos pensando o mesmo.

Eu nã o sabia o que era mais desconfortá vel: estar ao lado


de Killian ou ter toda a atençã o da escola. Mas, pensando bem,
nã o precisava saber, já que estavam acontecendo as duas
coisas ao mesmo tempo.

— Há muitos anos...

— Quantos? — perguntei sem conseguir conter, estava de


boca cheia.

— Você nã o tem educaçã o? — Dei de ombros, sem


respondê -lo. — Há cerca de 150 anos, eu conheci Dahlia.

— Bruxas sã o imortais?


— Puta que pariu, Jade! Cala a boca!

— Ok, foi mal!

— Por que você perguntou isso?

— Se ela já morreu, a maldiçã o nã o deveria ter acabado?

— Nã o, ela nã o morreu.

— Entã o sã o imortais?

— Nã o, elas envelhecem e morrem como humanos na


maioria das vezes.

— E... — Fui iniciar outra pergunta quando ele me cortou


irritado.

— Quer saber, acho melhor você fazer as perguntas do que


eu contar tudo — resmungou, irritado.

— Tudo bem, eu vou icar quieta agora.

— Vou resumir a histó ria e conforme você for lendo o


livro, eu respondo suas dú vidas, cansei de ser paciente.
— Sé rio que esse é você paciente?

— Normalmente, quando me irrito com algué m, ele


costuma perder a cabeça... literalmente.

— Isso era para ser uma ameaça?

— Para quem tinha tanto medo de fantasma, você está


bem corajosa agora.

— A inal, como você sabe que tenho medo de fantasma?

— Alé m da sua reaçã o, ouvi sua conversa com a velha da


biblioteca.

— Tenha respeito com ela! Você tem superaudiçã o? — Ele


fez que sim. — Visã o noturna? — Ele revirou os olhos e
concordou novamente. — Posso ver seus olhos de alfa? —
perguntei empolgada, lembrando que, no livro, Dahlia contou
que ele era um alfa.

— Estou me sentindo um experimento na sua mã o. —


Negou com a cabeça, parecendo incomodado.

— Só quero saber o quanto as sé ries que li e assisti estã o


certas e sã o reais.
De repente, peguei-o sorrindo.

— O que foi?

— Você é diferente.

— Oh, meu Deus! Já estou vendo tudo!

— Do que está falando? — perguntou, ainda divertido.

— Nos livros, quando um homem diz para a mocinha que


ela é diferente, isso é só o inı́cio de uma histó ria de amor.

— Você acha que eu vou me apaixonar por você ? — Nã o


gostei do tom de desdé m que usou, mas ignorei.

— Acho que você precisa de mim para alguma coisa, mais


precisamente para te livrar da maldiçã o. E faria qualquer coisa
para conseguir isso.

— Por que acha isso?

— Você quer me contar sua histó ria. Já pode falar com
outras pessoas, mas está aqui, comigo. — Uma ideia louca
surgiu em minha mente e perguntei empolgada. — Eu sou
algum tipo de escolhida? Ou descendente da Dahlia?
— Quê ? Nã o! — Olhou-me como se eu fosse louca, de novo.

— Entã o, porque eu?

— Quando algué m começa a ter sentimentos por mim, eu


me torno mais... real.

— Nã o faz sentido — retruquei em seguida.

— Por que nã o?

— Porque Dahlia iria querer que outro algué m se


apaixonasse por você , e você , se tornando real, tivesse a
chance de se apaixonar por outro algué m?

— E complicado...

— Entã o, se... eu deixar de sentir algo por você , irá


desaparecer?

— E...

Bati uma mã o na outra, limpando o farelo que sobrou do


meu sanduı́che e me levantei.
— Sorte a sua que sou formada em 6 temporadas de Teen
Wolf, 8 de The Vampire Di...

— Pare, apenas pare.

— Sempre quis dizer isso, mas continuando... Vou te


ajudar a se livrar da maldiçã o. Mas eu nã o quero que continue
com... isso.

— Isso o quê ?

— “Você é diferente” — imitei o tom que ele usou


anteriormente, revirando os olhos.

— Se você deixar de sentir...

— Hum... eu vou me esforçar para nã o... para nã o deixar de


sentir.

— Otimo.

— Já tentou com outras? — perguntei.

— Sim.

— E o que deu errado?


— Elas nã o me amavam de verdade — respondeu, seu tom
de voz era sé rio e sombrio.

Voltamos a andar em direçã o à biblioteca.

— Como pode ter tanta certeza disso?

— Se tivessem me amado de verdade, eu estaria livre. Vá


terminar de ler o livro, você vai entender.

Nó s chegamos à biblioteca, senhora Mevis pediu para eu


terminar de organizar e limpar o andar de cima. Estava com
sua cara sé ria, parecia uma mistura de descon iada e aliviada.
A inal, Killian nã o parecia algué m con iá vel. Ele tem cara de
algué m que frequenta lugares perigosos... Assim como as
pessoas que frequentam minha casa.

— Você nã o pode icar do meu lado pelo resto da noite —


avisei. Estava um pouco incomodada com sua presença, nã o
sabia como reagir a ele e toda essa situaçã o.

— Para onde quer que eu vá ?

— Eu nã o sei, mas nã o pode dizer por aı́ que é meu
namorado e icar ao meu lado o dia todo. Estou no trabalho.
— Ouvi dizer que sua mã e é uma meretriz...

Deixei o livro que segurava cair e soltei um palavrã o.

— O que é que tem?

— Como se sente sobre isso?

Ele estava do outro lado da prateleira, um pouco abaixado


para poder ver meus olhos no vã o da prateleira inferior. Acho
que foi a primeira vez que algué m me perguntou isso.

— Por isso ningué m aqui fala com você ? — insistiu,


quando nã o respondi a pergunta anterior.

— Eu cavei minha pró pria cova e caı́ nela, foi isso que
aconteceu.

— Me conte...

— Minha mã e, ela... Bom, ela era muito jovem quando tudo
aconteceu, tinha apenas 19 anos. Ela se envolveu com gente da
pesada... Meu pai, que já morreu, era um homem envolvido
com bandidos, trá ico, drogas... Mas só da regiã o. Ele a
engravidou e quando eu nasci, deixou-a dependente das
drogas... Ela nunca conseguiu superar e ir embora. Depois que
ele morreu, começou a se prostituir para conseguir bancar seu
vı́cio, minha casa virou um bordel onde só ela era a “meretriz”
e todos os homens dessa inú til cidade tinham que tirar
proveito da situaçã o. Era muito bonita, na verdade, mesmo
com todos os problemas, era a mais linda da cidade.

— Ainda nã o entendi o porquê de você dizer que cavou a


pró pria cova.

— Você nã o me deixou terminar! Bom, a cidade inteira já


odiava meus pais por ser quem eram, e piorou quando ele
morreu e ela “libertou” o pior nela. Cresci com meus colegas
de classe caçoando de mim por causa dela, os pais deles me
olhando com nojo, mas conforme eu fui crescendo, eu comecei
a ter raiva, e um dia eu explodi.

— Como?

— Bom, digamos que destruı́ um ou dois casamentos


dizendo na frente da escola inteira que o marido e pai de
algué m frequentava minha casa.

Killian riu.

— Achei que fossem parar de me perturbar depois disso, e


realmente me deixaram em paz. Com exceçã o dos olhares, que
se tornaram ainda mais raivosos em minha direçã o. E algumas
e outras pegadinhas que fazem à s vezes.

— Mas você nã o se importa...

— Nã o, por que me importaria? Sã o só pessoas que nã o


vã o mudar em nada na minha vida.

— Como pode passar por coisas assim, e sentir algo por


mim tã o rá pido? — questionou, parecia genuinamente
curioso.

— E tã o estranho falar sobre isso.

Ele já estava acomodado do outro lado, apoiado na estante,


ainda olhando para mim. Estava com medo de que ele a
derrubasse inteira, entã o fui para o outro lado, junto dele...
Precisava confessar, era bom conversar com algué m.

— Acho que... só conheço boas emoçõ es atravé s dos livros.


Nã o me detenho ao sentir tudo que o escritor quer passar. Se é
um livro triste e cheio de drama, eu me acabo em lá grimas; se
é uma comé dia, em risos. Ou se é um romance...

— Em amor — ele completou e eu concordei.


— O ú nico sentimento bom que algué m já sentiu por mim
foi compaixã o.

— A velha da biblioteca. — Olhei de cara feia para ele. —


Nã o é só compaixã o, ela cuida e parece gostar mesmo de você .

— Como é ... quando você nã o é ... real assim. Fica vagando
por aı́ como um fantasma ou... — Tentei mudar de assunto.

— Você ainda nã o acredita que nã o sou um fantasma!

Cutuquei o braço dele com meu indicador, era irme... eu ri.

— Acredito, posso te tocar.

— Você teve que me tocar para ser mais verdadeira com


suas palavras!

— Ok, ok. Só quero entender.

— E, ico vagando por aı́ sem poder tocar ou falar com


algué m.

— Igual um fantasma!

— Desisto de você ! — disse, cansado.


— Espera... Entã o, você nos ouve, nos vê ?

— Eu os ouço apenas em lua cheia. Em dias normais, só os


vejo em um silê ncio in inito...

— Já sabia sobre mim? Sobre minha mã e? — Nó s duas


costumá vamos ser o assunto da cidade, e eu frequento essa
biblioteca há anos, era impossı́vel ele nã o saber.

— E, eu já sabia. Boa parte, pelo menos. Mas na


perspectiva de outras pessoas, e nã o da sua.

Fiquei na dú vida entre icar furiosa ou deixar passar.

— Você dorme?

— Você faz muitas perguntas!

— Preciso saber onde estou me metendo, e todo


conhecimento é necessá rio para te ajudar a sair dessa.

— Existe uma pequena sala bem escondida, com um


colchã o e cobertor... — respondeu, contrariado.

— Você come?
— Nã o.

Eu nã o senti honestidade em sua resposta, mas, mais uma


vez, deixei passar. Entendi que preciso terminar de ler sua
histó ria, para tirar minhas pró prias conclusõ es, ele nã o vai
entregar muito do seu verdadeiro eu nesse jogo de perguntas
e respostas.

Distanciei-me dele, fui fazer meu trabalho e, inalmente,


ele me deixou sozinha. A verdade é que... eu nã o sei como
fazer isso. Eu nã o sei como olhar para ele e nã o o ligar ao
personagem que me afeiçoei no livro, a quem tanto Dahlia
amava e, no fundo, eu sei que Killian aprontou algo bem
pesado para receber uma maldiçã o como essa. A inal, algué m
que era capaz de amar como Dahlia amou, nã o faria algo tã o
maldoso se nã o tivesse uma razã o para isso. Ou faria? Eu nã o
sei, e tenho muito medo de descobrir.

Como posso seguir minha leitura, sabendo que ele vai


estar me observando? Será que vou conseguir conter os
sorrisos bobos que à s vezes escapam? Ou o suspiro que vem
consequente daquela sensaçã o de desejar ter um amor como
à quele na vida algum dia? També m nã o sei. Sempre me
considerei uma sobrevivente. Desde novinha, fui obrigada a
dar meu jeito para comer, me vestir, tomar banho, frequentar
a escola e sobreviver à adolescê ncia sem um trauma maior,
causado por algum drogado que frequenta minha casa. E esses
mesmos instintos sobreviventes, gritam na minha mente para
sair dali, pedir demissã o, nunca mais retornar à biblioteca. E
isso me assusta, porque aquele local sempre foi mais meu lar,
do que minha pró pria casa. Mas Killian... ele tem algo. E a
curiosidade nã o me deixa fazer isso.

Quando o reló gio marcou 20h55, eu já havia desligado


todos os computadores, senhora Mevis havia ido embora, e
apenas o vigilante da faculdade estava ali para fecharmos a
biblioteca.

— Killian, vá para o seu lugar. — O vigilante rosnou


olhando por trá s de mim.

Virei-me, eu nã o tinha notado sua presença. Mas, espera...

— Você sabe sobre ele? — perguntei espantada.

— Algué m tem que cuidar dos negó cios de Dahlia, Jade.


Agora vá para casa.

— Jade icará comigo mais um pouco.

— Nã o vou icar, nã o — retruquei.


— Jade, temos muito que conversar. Fique... — pediu,
quase suplicando. — Por favor.

Olhei para o vigilante, ele negou com a cabeça.

— Eu nã o vou icar, mas vou levar o livro.

— Você nã o vai conseguir tirá -lo daqui.

— Por que nã o?

— Ele e eu somos apenas um. Eu estou preso a ele, e ele


preso a esse lugar. Você nã o passará da porta com ele.

Olhei decepcionada.

— Por que você sabe sobre o Killian? — perguntei para


Melvin, o vigilante. Ele era um homem de um pouco mais de
40, nunca foi muito gentil, mas també m nunca me faltou com
o respeito.

— Isso nã o lhe diz respeito, Jade. Mas saiba que eu nã o sou
o ú nico que sabe sobre ele, e isso nã o vai ser bom para você .

— E ningué m faz nada para libertá -lo?


— Para ter o demô nio andando sobre a terra novamente?
Nã o, ele continuará aqui.

Olhei assustada para Killian. Demô nio? O que Killian


aprontou para ele falar assim?

— Muito obrigado, Melvin. Jade... Fique, por favor.

— Te vejo amanhã , Killian — disse e andei rapidamente


para saı́da.

Fui para casa tã o perturbada que nem me dei conta


quando entrei pela porta da frente e vi dois homens sentados
no sofá , fumando e preparando suas drogas.

— Jade, Jade... Como cresceu, minha princesa. Vem aqui


dar oi ao tio Chon.

Torci o nariz mostrando meu nojo.

— Nã o faça essa cara para mim, pirralha. Vou te ensinar a


ter mais respeito co... — Bati a porta e corri pelo lado de fora,
indo para a janela como sempre faço. Pulei-a, fechei a mesma
e corri para a porta, veri icando se estava mesmo trancada.
Troquei de roupa e deitei. Meus pensamentos foram
diretos para o homem de olhar selvagem, apelidado por
Dahlia como perverso e pelo vigilante como demô nio. O que
ele realmente é ? O que fez? Merece ajuda? Eu preciso ler esse
livro...
Caminhei decidida para a faculdade. Terminaria de ler esse
livro hoje, ou nã o me chamava Jade. Passaria a noite ali, se
fosse preciso, por isso trouxe salgadinhos e bolachas para
comer na madrugada. Nã o conseguia parar de tremer minha
perna esquerda, uma mania quando estou inquieta e ansiosa,
mas eu mesma me irritava com isso. A aula se arrastou, as
horas nunca passavam, mas quando inalmente terminou,
corri para o refeitó rio, louca para comer rá pido e ir ler. Peguei
minha comida e me sentei. Nã o demorou nem dois minutos,
Killian sentou ao meu lado.

— Estou decidida a terminar esse livro hoje — contei.

— E mesmo? Falta muito ainda para você ler.


— Nem que seja para eu passar a noite aqui, vou terminar.

— Interessante... Passaremos a noite juntos, entã o?

— Nã o, eu vou passar lendo o livro, e você vai para o


buraco onde se esconde.

— Por que toda essa hostilidade? Fiz alguma coisa?

— Por que ele te chamou de demô nio?

— Digamos que... eu nã o sou muito gentil com pessoas que


me contrariam.

— Contrariam em que sentido?

— Tem algum outro sentido essa palavra? Se nã o fazem o


que eu quero, oras. — Revirei os olhos.

— O que te faz pensar que merece minha ajuda, entã o?

— Eu teria uma dı́vida eterna com você , Jade.

— Eu nã o quero nada de você .

— Pode querer...
— O que eu poderia querer de você ?

Ele se aproximou, deixou seus lá bios bem pró ximos a


minha orelha, eu podia sentir o sopro quente enquanto
sussurrava.

— Eu poderia te dar outra vida... Uma vida sem uma mã e


drogada que te coloca em risco o tempo todo, poderia te dar
dinheiro, poder... Eu poderia te transformar, se assim
quisesse... Sã o tantas as coisas que eu poderia te dar se você
me livrasse dessa maldiçã o, querida.

Eu perdi o apetite naquele instante, e isso era algo raro de


acontecer. Killian se afastou e colocou a mã o no peito.

— O que você ... eu estou me sentindo... fraco — falou,


parecendo um pouco assustado.

— Talvez seja o encanto que eu tinha por você se


desfazendo.

— Como assim? Por quê ?

— Porque eu já nã o sei se você merece a liberdade. Você é


manipulador, Killian.
— O que o resto importa para você ? Olha tudo que você
pode ter, é só me ajudar, só precisa fazer isso e eu colocarei o
mundo aos pé s se for necessá rio. Faço cada um daqueles que
zombaram de você no passado se ajoelharem diante de ti. Eu
faço tudo, Jade, apenas nã o deixe de sentir.

Continuei olhando para ele sem expressar reaçã o diante


da sua proposta.

— Como pode nã o icar tentada com tudo que falei? O que
há de errado com você ?

— Eu nã o sou santa, mas nã o vou liberar o demô nio na


terra. Vou ler todo o livro, e depois decidir o que fazer.

— Nã o, nã o vai. Nã o vai ler o livro mais... Eu vou te contar
tudo, mas nã o deixe de sentir, você prometeu! Se continuar
com esse sentimento, eu vou desaparecer, Jade!

— Perdi a fome. Nó s nos falamos depois... — Levantei-me e


saı́ do refeitó rio. Killian veio atrá s.

— Vai icar colado em mim feito uma sombra?

— Se você deixar o sentimento ir embora, pense que eu


praticamente vou virar um fantasma, e pode ter certeza que
estarei colado em você o tempo todo!

Olhei para ele e nã o aguentei, comecei a rir.

— E um novo tipo de ameaça? Me ame ou viva a vida


sabendo que está sendo seguida pelo meu eu fantasma?

Ele sorriu.

— E.

— Eu disse, você é um stalker.

— Tanto faz!

Entrei na á rea dos funcioná rios, peguei meu livro e fomos


para meu cantinho. Sentamo-nos no chã o, lado a lado.

— Vai mesmo icar ao meu lado?

— Você nã o vai ver coisas agradá veis aı́, Jade...

— Você pelo menos se arrepende das coisas que fez?

Ele icou em silê ncio.


— Você nã o precisa ler esse estú pido livro... Eu te conto
tudo.

— Você nã o vai me contar tudo, vai esconder as partes


feias.

— Pode ser que nem tudo aı́ seja verdade — argumentou.

— Por que Dahlia mentiria?

— Por que eu mentiria?

— Bom, porque você quer se libertar, talvez?

Ele suspirou, derrotado.

— Eu falei sé rio no refeitó rio... Eu farei tudo por você , Jade.

— Eu nã o quero nada.

— Como pode nã o querer? Nã o quer se livrar de todos os


drogados que frequentam sua casa? Que podem lhe fazer mal
a cada momento? Você tem noçã o do que falam de você por
aqui?
— Eu nã o quero saber. Mas, espera. Andou falando com
algué m aqui, ou ouviu?

— Sua amiga Sara veio atrá s de mim mais cedo... E


acontece que ela adora falar mal de você .

Bufei.

— Você nunca namorou algué m? — perguntou, mudando


de assunto.

Acomodei-me melhor no chã o com o livro no meu colo,


abri e, enquanto procurava a pá gina que havia parado,
respondi.

— Claro que sim, já te falei sobre eles.

— Oh, claro. Personagens literá rios. Fora eles, algum?

— O que você acha?

— Nã o é possı́vel que a cidade inteira tenha aversã o a


você . E você é bonita, jovem... Nã o é possı́vel algué m nã o ter se
interessado.
— Estamos na era da tecnologia. As pessoas querem
namorar o que você tem, e nã o o que você é . Sã o seus amigos
pelo nú mero de seguidores que tem nas redes sociais, pelo
quanto é bonito ou tanto de dinheiro e in luê ncia tê m. E, bom,
eu nã o tenho redes sociais. Nã o me acho feia, mas tudo em
minha aparê ncia é comum: olhos e cabelos castanhos, pele
parda... Nã o faço parte do padrã o de beleza que é corpos
magros, mas malhados, olhos claros e cabelos loiros. Nem
sequer tenho dinheiro para ter boas roupas e maquiagens
para melhorar isso. Sobre in luê ncia, bom, sou pé ssima nisso
també m. Entã o nã o, nunca tive nenhum namorado.

— Estou decepcionado.

— Por quê ?

— Achei que pelo menos fosse citar meu nome como seu
primeiro.

— Nã o somos namorados. Você disse que nã o é um


personagem literá rio.

Ele sorriu. Seus olhos azuis cinzentos eram difı́ceis de


encarar. O contraste da sua pele morena com eles era incrı́vel.
Ele usava uma barba por fazer també m que...
— Você se barbeia?

— Que tipo de pergunta é essa?

— E, como funciona? Tipo, você está preso aqui há tantos


anos, como corta seu cabelo, ou faz a barba, ou... tem essas
roupas modernas?

Ele colocou as duas mã os no rosto e depois as parou na


boca, mostrando incredulidade, e eu continuei esperando sua
resposta.

— Digamos que... é como se meu corpo tivesse parado no


tempo. Mesmo se eu malhasse, ou comesse, meu corpo nã o
mudaria. Mas meu cabelo e barba crescem, entã o eu mesmo
corto e faço com frequê ncia. E sobre as roupas... existem
algumas pessoas que querem estar bem comigo quando eu me
livrar da maldiçã o, entã o me fazem favores.

— Pessoas como o Melvin? — questionei.

— Ele é um caso a parte.

— Por quê ?

— Ele joga dos dois lados, nã o posso con iar.


— Ele é humano?

— Nã o. Um lobo.

Respirei fundo.

— Existe mais algué m que eu conheça que també m é lobo,


vampiro, bruxa, sei lá ...

— Porque nã o volta a ler, hein?... Tem pouco tempo até


começar a trabalhar... — Ele se levantou. — Vou te deixar
sozinha com o livro por um tempo. Nó s nos vemos depois...

Eu nem disse nada, apenas comecei minha leitura. Ele


demorou alguns segundos até sair. Eu suspirei, confusa com
meu coraçã o.

Era um dia festivo, os moradores do pequeno vilarejo


festejavam a boa colheita que haviam feito naquela temporada
e foram muito acolhedores conosco, nos convidando para
participar. Mais cedo, eu, Kyara e Tamira nos juntamos com as
mulheres e ajudamos a preparar a refeição e separar as
bebidas. Os rapazes se juntaram aos homens que tanto tinham
trabalhado naquela temporada e agora estavam bebendo em
comemoração. Eu e Killian dançávamos em volta da fogueira,
tudo ia bem, até ele sentir cheiro de sangue. Nós olhamos em
volta e vimos nossos amigos fazendo o mesmo.

— Eu vejo todos, menos Tamira. Onde ela está? Porque não


está com Lucien? — perguntei, um pouco nervosa.

— Fique com Kyara no meio de todos, eu já volto.

Eu me aproximei de Kyara, descobrindo que Tamira teria


ido apenas fazer suas necessidades; mas ainda não tinha
voltado. Eu não estava preparada para saber o que realmente
tinha acontecido a ela quando Killian voltou e nos levou para
um canto isolado.

— Tamira foi morta por um vampiro, Dahlia. E deixaram


isso com ela.

Lucien chegou carregando a cabeça decepada de um lobo


negro.

— Oh, minha nossa! Estão declarando guerra!

Eu não podia imaginar que aquela noite mudaria tudo...


Killian icou obcecado em obter sua vingança e descobriu que,
com a minha magia, poderia mudar a forma como se
transforma em lobo. Eu iz cada coisa que ele pediu, cada feitiço
que conhecia, busquei mais informações, eu e Kyara nos
esgotamos, cegamente, fazendo tudo que ele e seu bando
queriam, até chegarmos a perfeição.

— Agora, teremos nossa vingança, e eu manterei você


protegida, querida.

O olhar dele retornou para o jeito que era quando o conheci.


Isso me deixou preocupada, eu não via mais o seu amor por
mim neles, só via a selvageria e sede de poder... mas eu o deixei
seguir em frente com seus planos, deixei fazer o que quisesse.
Simplesmente estava cega demais, então, quando voltei a
enxergar, já era muito tarde. Tinha caído no abismo que era
meu amor por ele. Um caminho sem volta, escuro, assassino e, o
pior de tudo, despertou o lado ruim em mim, tornou-me mais
como ele.

Olhei no reló gio e faltava só dois minutos para eu colocar a


digital e começar a trabalhar. Nã o teve jeito; decepcionada,
levantei-me e fui trabalhar. Mas eu sabia que ele nã o
demoraria a voltar. Ou ao menos, esperava que nã o... Trabalhei
e, quando deu meu horá rio de pausa, Killian també m nã o
apareceu. Aquilo já estava começando a me perturbar. Segui a
leitura, cada vez mais curiosa e louca para descobrir o que ele
havia feito. Dahlia continuava a narrar sobre seu amor por ele.
Ela amava o que ele proporcionava a ela, o sentimento, o
poder que ele exalava, seu jeito de comandar e ar de
autoridade.

Comecei a notar que, boa parte do que dizia sobre ele, era
como gostava de estar na companhia de um alfa, de um
homem poderoso. Era mais o que ele representava para os
outros, o que tinha, como a beleza, aparê ncia fı́sica. Ela nunca
falava algo do interior dele, do seu espı́rito. Gostava do fato de
todos o temerem, de ser desejado por outras mulheres e,
mesmo assim, pertencer a ela. Por um momento, comecei a
duvidar do sentimento dela. Nã o que estivesse mentindo em
sua narrativa, na intensidade e pureza do seu sentimento, mas
talvez ela estivesse enganada... Talvez, ela só estivesse
apaixonada... Pois é isso a diferença entre o amor e a paixã o,
certo? O amor aceita e ama tudo aquilo que você é , conhece
seus defeitos e qualidades. A paixã o é algo avassalador e
passageiro, pois é ilusó ria. Você ama aquilo que acha que a
pessoa é e, quando as diferenças e defeitos aparecem, o
sentimento nã o resiste e vai embora...
Tudo mudou quando, em uma nova viagem, eles pararam
em uma vila e nela já tinha um alfa com outra alcateia. Lobos
sã o extremamente territoriais. O alfa local já conhecia o
histó rico assassino de Killian e nã o o recebeu bem. Ambos,
orgulhosos, travaram uma guerra sangrenta para liderar todo
o bando e Killian venceu. De acordo com Dahlia, Killian
absorveu todo o poder do alfa que derrotou e os lobos que
pertenciam a ele se juntaram à alcateia de Killian, tornando-o
praticamente invencı́vel. O poder de um alfa vem da sua
alcateia. Killian agora tinha uma grande e poderosa, poré m,
nem todos gostavam e aceitavam seu comando. Killian passou
a icar irritado e instá vel, e pediu mais favores à Dahlia. Ele
queria a força dos seus traidores. Queria recolher para si o
poder daqueles que conspiravam contra ele. Dahlia, a im de
agradar o seu amado, fez tudo que ele desejava. Pensava que,
assim que eliminasse as frutas podres do bando, a paz reinaria
sobre eles novamente. Ela teve que usar a magia negra tã o
condenada pelo antigo coven que fazia parte, mas, em nome
do seu amor, deu a Killian a força para drenar dos seus betas
toda a vida e poder contido neles.

Voltei a trabalhar, já prevendo como essa histó ria poderia


acabar, e nã o seria nada bom. Quando deu a hora de fechar a
biblioteca, para nã o levantar suspeitas ao vigilante Melvin, eu
saı́ dela por onde era de costume, dei a volta e entrei
novamente pela entrada da faculdade. Ela nã o costumava icar
trancada. Todas as luzes costumavam icar acesas até a uma
da manhã , apó s isso, apenas luzes de emergê ncia. Fui para o
meu cantinho na biblioteca e voltei a ler, imaginando que
Killian iria aparecer a qualquer momento, mas ele nã o o fez, e
nã o consegui me concentrar na leitura por isso. Quando o
reló gio marcou onze e meia, resolvi ir atrá s dele. Guardei meu
livro na mochila e segui para o refeitó rio. Nele, os quatro
corredores da faculdade se encontravam, assim como a escada
para o primeiro andar. No centro dele, resolvi chamá -lo.

— Killian! Killian! — chamei e esperei por alguma


resposta, mas nã o tive. — Vamos! Nã o seja sentimental,
apareça!

Por mais que estivesse chateada com ele, um lado da


minha mente ainda esperava que, assim como nos livros de
romance, Killian tivesse sua redençã o no inal. Mas, acontece
que esse livro nã o teve seu inal escrito, e minha mente nã o
conseguia acompanhar isso...

— Killian!

Chamei novamente, entrando por um dos corredores. Eu


estava tranquila procurando-o, mas, de repente, senti um
calafrio. Por um segundo, lembrei-me da promessa que Killian
fez de me assombrar se eu parasse de sentir, mas... eu nã o
deixei de sentir, tudo que eu mais quero é vê -lo de novo!

— Killian, nã o tem graça! Aparece!

Eu nã o tinha andado muito para dentro do corredor


quando escutei um rosnado e som de passos vindo de trá s de
mim. O rosnado se tornou mais alto e, seja o que for, parecia
mais zangado. Quando olhei para trá s, um lobo do meu
tamanho estava parado no refeitó rio, olhando diretamente
para mim, com uma cara nada amistosa. Seu pelo era de uma
mistura acinzentada com partes pretas, seria lindo, se nã o
fosse tã o aterrorizante.

— Killian, é você ? — perguntei, olhando para ele, e dando


passos para trá s. O lobo grunhiu de forma selvagem, iquei
aterrorizada. — Ah, seu ilho da puta! — gritei e corri. —
Killian, para!!! Killian!

O lobo latia e grunhia e eu conseguia ouvir suas patas e


unhas baterem contra o piso, cada vez mais perto. Virei o
corredor e, mais à frente, vi Killian parado.

— Corra, Killian, corra! — gritei enquanto continuava


correndo, em um misto de alı́vio e pavor. Alı́vio, porque nã o
estava sendo perseguida por Killian, e pavor, bom, porque
tinha um lobo gigantesco atrá s de mim.

Killian me esperou com uma cara nada amistosa. Quando o


alcancei, ele abriu uma porta e nos puxou para dentro com
rapidez, trancando-a em seguida.

— Ele vai arrebentar isso! — gritei desesperada.

— Ele só quer dar um aviso, nã o vai querer prejudicar a


faculdade.

— O quê ? Você acha que um lobo vai se importar com a


faculdade, pelo amor!

— Se ele for o prefeito, vai sim.

Eu estava sem fô lego por causa da corrida, com sede, com
vontade de dormir, com tudo. Mas, puta merda, o prefeito da
cidade é um lobo? Resolvi ignorar esse comentá rio.

— Onde você se meteu o dia todo?

— Sentiu minha falta? — ele disse com um sorriso nos


lá bios, guiando-me para baixo, descendo a escada.
— Onde estamos?

— No que eu gosto de chamar de prisã o, ou cativeiro, o


que achar melhor.

Quando descemos todos os degraus, com uma iluminaçã o


precá ria, consegui ver o colchã o, cobertor e algumas roupas
penduradas em cabides em uma estante de livros improvisada
como guarda-roupa.

— O que tem na mochila? — perguntou, parecia


envergonhado do lugar que costumava dormir.

— Hum... salgadinho, bolacha... o livro.

— Infelizmente, aqui nã o é um lugar bom para ler.

— Estou percebendo. Será que já posso ir embora?

Ele negou com a cabeça.

— Nã o é recomendá vel.

— Você acha que ele me mataria?


— Acho que ele quer te assustar, Jade. Nã o estamos numa
fase onde eles podem suspeitar que você pode quebrar a
maldiçã o. Principalmente por você , bom, ser você . Mas nã o
temos total domı́nio do que fazemos quando nos
transformamos, entã o, sim, ele poderia te matar.

Revirei os olhos.

— E o que eu vou fazer entã o? Se nã o posso ler o livro, nã o


tenho motivos para icar.

— Tem sim... nó s podemos conversar. Suspeito que você


sinta tanta falta disso quanto eu.

— Você nã o parece ser do tipo que ama jogar conversa


fora.

— Quando se passa mais de cem anos preso, qualquer um


pode começar a apreciar isso. Vem aqui. E pobre, mas é limpo.

Eu ri e sentei-me no seu colchã o, mas bem longe dele, que


sorriu por isso.

— O que você fez depois de drenar os betas da outra


alcateia? — perguntei.
Já que nã o poderia ler, talvez ele pudesse me contar.

— O que você pediria se eu dissesse que faria qualquer


coisa?

— Você nã o entendeu que eu nã o serei comprada? Nossa


conversa no refeitó rio nã o foi su iciente para você ? — Olhei
para ele, chateada.

— Nã o, nã o por me tirar daqui. Pense em mim como


algué m... normal. Algué m em quem você con ia. — Ele se
aproximou e se sentou ao meu lado. — O que me pediria?

Dessa vez, ele sussurrou, e aquilo me tirou dos eixos. Notei


que seus olhos estavam presos aos meus, eu nã o sabia o que
falar, o que fazer, como reagir, aquilo era claramente uma
provocaçã o.

— Nã o consigo pensar em nada...

— E se eu te pedisse algo... você diria sim?

— Sim, nã o, quer dizer, depende — gaguejei e atropelei as


palavras.

Ele soltou um sorriso de tirar o fô lego.


— Seus sentimentos por mim sã o intensos, pequena Jade.
Nã o queria que pensasse que estou tirando proveito disso,
mas, a verdade, é que eu quero...

— Tirar proveito dos meus sentimentos?

— Quero você . — Ele me empurrou, me deitando no


colchã o e icou sobre mim. — Quero ter seu primeiro beijo,
sua primeira vez... Desde a maldiçã o, eu nunca me senti tã o
real, com tanta disposiçã o para fazer... Tudo. Ningué m me
amou tã o forte quanto você .

Respirei fundo uma, duas, trê s vezes. Ele estava em cima


de mim e esperava alguma reaçã o da minha parte, mas eu
paralisei, por fora pelo menos, porque, por dentro, eu gritava,
ansiava pelo toque dos seus lá bios e ao mesmo tempo, tinha
receio.

— Eu pedi para você nã o fazer isso...

— Amar é bom, Jade... Quero te mostrar quã o bem eu


posso fazer a você ...

— Você já amou, Killian?


Ele nã o respondeu, mas me pegou de surpresa quando
desceu seu corpo em cima do meu, forçando minhas pernas a
se abrirem para seu corpo se ajustar ali. Eu quase podia ouvir
meus pró prios batimentos cardı́acos totalmente
descontrolados. Seus braços icaram nas laterais da minha
cabeça e suas mã os, começaram a mexer no meu cabelo. Eu
nã o sabia o que fazer com as minhas mã os, tudo era novo para
mim, e a beleza dele... Ah, o olhar desse homem tinha uma
conexã o direta com meu coraçã o.

— Eu nunca amei, Jade... Mas nã o evito outros


sentimentos.

— Que sentimentos?

— Atraçã o... Você tem um olhar destemido que eu admiro.


— De repente, ele desceu seu rosto para a lateral do meu, e
passou de forma provocativa seu nariz e sua boca pelo meu
rosto e maxilar. — Seu cheiro natural... Ele me excita de tal
forma que eu só poderia explicar te mostrando. — Puxou
meus cabelos e pressionou seu membro em minha intimidade.
Eu a senti icar ú mida e vibrei por inteira, quase me
engasgando com minha pró pria saliva. — E preciso confessar...
Todo dia eu conto as horas para você chegar, desde que te vi
pela primeira vez. Gosto de estar com você , Jade.
Meu coraçã o idiota derreteu-se inteiro por ele... Eu me
odiei por isso, entã o, sem conseguir conter, lá grimas
escorreram pelos meus olhos.

— Você nã o tem ideia do quanto eu queria que tudo isso


fosse real, mas nã o sei se posso con iar em você , Killian.

— Preciso ser sincero, nã o é inteligente con iar em mim,


mas tudo que eu acabei de dizer é verdade. E nunca tive tanta
certeza de que algué m pode quebrar minha maldiçã o.
Acredito em você , Jade.

Olhei nos seus olhos por alguns segundos, estudando-o,


tentando enxergar sua alma...

— E eu acredito que você vai quebrar meu coraçã o.

Ele limpou as lá grimas do meu rosto e beijou minha testa,


deitando do meu lado e puxando-me para deitar em seu peito.

— Desculpa te pressionar assim, fazia muito tempo que eu


nã o icava tã o... envolvido.

Olhei para cima, para seu rosto. Ele abaixou um pouco a


cabeça e deu um pequeno sorriso.
— Feche os olhos, pequena. Posso sentir que está cansada.
O dia hoje foi longo...

Fechei os olhos e ousei colocar a mã o no seu peito, icando


mais confortá vel, pelo menos pra mim, que estava deitada em
parte do seu peito e braço que me apoiava. Um de seus braços
envolvia minhas costas, me mantendo perto; o outro apoiava
sua cabeça. Seus batimentos estavam acelerados, mas sua
respiraçã o estava tranquila. Um contraste curioso, mas eu
realmente estava cansada e me entreguei ao sono, nos braços
de algué m que eu, de um jeito nada convencional, estava
completamente apaixonada.
Eu sentia algué m cutucar meus ombros e chamar meu
nome. O susto foi tã o grande, que me sentei rá pido demais e,
se os re lexos de Killian nã o fossem tã o rá pidos, teria batido
minha cabeça na dele.

— Nã o queria te assustar.

— Achei que estava em casa e algué m tinha entrado no


meu quarto — confessei rapidamente, tentando normalizar
minha respiraçã o e dizendo ao meu subconsciente que meu
maior medo nã o tinha acontecido.

O silê ncio se instalou por alguns segundos. Esfreguei meus


olhos e minha barriga roncou de fome.
— Eles tentam?

— Quase sempre...

Minha barriga fez um barulho alto, deixando-me


constrangida, mas quebrou o clima tenso daquela manhã de
sá bado. Alcancei minha mochila, peguei meu pacote de
bolacha e minha garra inha de á gua vazia. Ele se ofereceu para
ir encher e saiu, enquanto eu iquei comendo. Nã o demorou a
voltar. Bebi um pouco de á gua e tentei nã o olhá -lo. Suas
palavras ecoavam na minha mente, eu nã o conseguia nã o me
sentir boba, mas era... Ainda tinha fé de que ele nã o seria um
vilã o no restante da histó ria. Queria tentar quebrar sua
maldiçã o sem peso na consciê ncia.

— Está com vergonha, Jade?

— Por que estaria?

— Bom, é a primeira vez que dorme com um homem, nã o


é ? — Engasguei com a á gua e isso o fez rir ainda mais.

— E, mas nó s nã o dormimos, dormimos, nó s apenas...


dormimos. — Dei ê nfase na ú ltima vez que disse dormimos.
Ele fez cara de confuso e iquei irritada por ser tã o estú pida e
por ele ingir que nã o entendeu. — Nã o se faça de sonso! Você
entendeu o que eu quis dizer!

Depois de me encarar por longos segundos enquanto eu


tentava desesperadamente voltar ao meu estado usualmente
sarcá stico, ele perguntou:

— Vai icar na biblioteca durante o dia?

— Talvez... Você só consegue icar dentro do pré dio? Nem


no espaço aberto da faculdade você consegue ir? — perguntei.

— E mais como uma demarcaçã o de perı́metro no terreno.


Isso aqui era uma pequena pensã o, a biblioteca e faculdade
vieram depois num espaço maior.

— A pensã o foi demolida? Onde você “morou” enquanto


isso?

— Nã o queira saber, Jade.

— E alguma espé cie de parede de magia que nã o te deixa


passar pela saı́da, ou é como na primeira temporada de
American Horror Story que você sai pela “porta” e entra
novamente no mesmo segundo?
— Primeiro, você realmente precisa parar com as
referê ncias desses negó cios que você assiste. Segundo, é algo
que me repele, nã o deixa nem eu chegar perto, mais parecido
com essa analogia da parede que você mencionou.

Levantei-me e arrumei o lixo dentro da minha mochila


para jogar fora depois...

— Você já vai?

— Sim.

— Por quê ? Pensei que passaria o im de semana por aqui,


para terminar de ler o livro...

— Por que quer que eu leia tã o rá pido o livro? Sinto que o
que eu vou ver nã o será algo que vai cooperar para eu... hum...
gostar mais de você .

— Se você icar aqui, poderá realmente me conhecer e,


quem sabe, assim você me perdoe.

— Killian, que merda você fez para icar preso aqui por
tanto tempo?
Ele franziu a testa, parecia perturbado. Começou a andar
de um lado para o outro.

— Eu me defendi... de forma extrema...

— Se defendeu?

— Eles queriam me matar, Jade.

— E você só revidou?

— Mais ou menos...

— Como assim mais ou menos? — Dei dois passos para


trá s. Por azar, eu estava do lado ao contrá rio da saı́da quando
ele começou a se aproximar.

— Eu nã o vou te machucar, nã o precisa ter medo —


sussurrou quando icou bem perto de mim.

— Você está me enlouquecendo... Eu perdi o juı́zo, Killian.


Você provavelmente é um assassino e eu ainda estou aqui.

— E, ainda está aqui, sã e salva... Sem nenhum dano.


— Nã o diga isso, minha mente nã o concorda com a parte
de “nenhum dano”.

— Seu coraçã o acelera quando está assim comigo, nã o é ,


Jade? — Ele sorriu. — Por que nã o deixa eu te mostrar como é
ser beijado por aquele que amamos... Experimente a sensaçã o,
o que isso pode te causar de ruim?

— Eu... hum... Nã o escovei os dentes — falei, tentando


desviar dele, mas ele me segurou rindo e me empurrou contra
a parede.

— Nã o me importo.

E beijou-me.

Era como se todas as borboletas do mundo estivessem


voando livres dentro de mim. Ele foi calmo, segurou meu rosto
e eu, mesmo sem nunca ter beijado algué m, simplesmente
sabia o que fazer. Passei meus braços ao redor do seu pescoço
e ele investiu mais seu corpo contra o meu. Quando nos faltou
ar, afastou-se por poucos milı́metros. Ainda sentia sua
respiraçã o bater contra meu rosto, mas nã o conseguia abrir os
olhos. Foi tudo tã o bom, eu simplesmente nã o queria que
aquilo acabasse. Ele começou a distribuir leves beijos no meu
rosto e nã o consegui conter o sorriso.
— Olhe para mim... — Abri os olhos e encarei os seus. —
Atingi as expectativas?

— Quem disse que eu tinha expectativas? — respondi,


rindo. — Ok, ok. Você foi melhor... foi muito melhor.

Ele me beijou novamente. Dessa vez, suas mã os desceram


pelas laterais do meu corpo, parando bem abaixo do meu
bumbum. No mesmo segundo, elas me impulsionaram para
cima, guiando minhas pernas a se entrelaçarem no seu corpo
e seus beijos desceram para meu pescoço. Eu me senti...
diferente. Um diferente bom, mas...

— E melhor, hum, eu preciso ir — falei, escapando do seu


ataque e pegando minha mochila no chã o. Ele icou por alguns
segundos de costas para mim, mas notei o quanto sua
respiraçã o estava ofegante. Como nã o fez mençã o em se virar,
disparei em direçã o a escada.

— Ei, espere... — Ele me alcançou rapidamente, segurando


minha mã o e me fazendo parar. Estava um degrau acima dele,
só assim para quase chegar a sua altura. — Você vai voltar?
Hoje?

—Nã o sei...
— Volte... Vou te esperar no lugar de sempre.

— Aquele é o meu lugar — falei, brincalhona.

— Agora é nosso. — Beijou-me novamente. Coloquei meu


rosto na curva do seu pescoço, pensando que seu
comportamento naquela manhã , e em alguns outros
momentos, era tudo que eu queria na minha vida. E
pensamentos assim, me apavoravam... — Deixe o livro comigo,
você nã o pode entrar na sala de funcioná rios e nã o vai querer
deixar à mostra na estante para algué m pegar.

— Eu vou saber se você arrancar alguma pá gina — avisei,


ele suspirou.

— Se eu quiser quebrar a maldiçã o, você precisa saber de


toda histó ria, Jade. Nã o farei isso.

— E se eu nã o conseguir quebrar sua maldiçã o, Killian, o


que vai acontecer?

— O que sempre aconteceu... Eu continuo trancado aqui.

— E eu? Vou continuar a te ver?

Ele me soltou, afastando-se um pouco.


— Provavelmente nã o... mas nã o é algo que tenha que se
preocupar agora. Apenas... volte essa tarde, e durma comigo
de novo. — Piscou.

Eu sorri.

— Vou ver o que posso fazer...

Killian me acompanhou até a saı́da da faculdade, e depois


retornou ao seu covil do mal, como preferi chamar. Aos
sá bados, algumas turmas faziam aulas extras, entã o havia
algumas pessoas por ali que me olharam curiosas, mas ignorei
todas e segui meu caminho.

Quando cheguei em casa, Chon ainda estava lá . Ele esteve


preso e ouvi comentá rios de que tinha sido solto, mas que
ainda nã o podia aparecer na á rea. Era uma pena que seu
sumiço tenha durado apenas dois anos, e mais pena ainda que
eu tenha feito a burrice de entrar pela porta, e nã o pela janela.

— Onde passou a noite?

— Saı́ cedo e já voltei — respondi passando direto por ele.

— Quebrei a porta do seu quarto durante a noite, você nã o


estava lá .
Olhei assustada, minha mã e nã o esboçou nenhuma reaçã o.

— O que te faz pensar que tem algum direito aqui?

— Se você teve alguma coisa na vida, é graças a mim, Jade!


Seja menos mal agradecida!

— O que, pagou TV a cabo para você assistir e esticou um


ponto para o meu quarto?

— Oi? Eu coloquei uma TV no seu quarto, com blu-ray e


ainda paguei Net lix para você a vida inteira! — Ok, era
alguma coisa, mas nã o ia dar o braço a torcer.

— Tudo para eu parar de chorar ou implicar com esse


monte de drogado que você trá s para dentro da minha casa.

— Mas iz do jeito menos doloroso para você , nã o é ?


Porque me importo com você , isso nã o conta?

— Se você realmente se importasse, tiraria eu e minha


mã e dessa situaçã o, e nã o traria mais gente para dentro de
casa.

— Ok, já chega! Tinha me esquecido do quanto você era


rebelde.
— E eu esquecido o quanto você inge ser uma boa pessoa!
— Revirei os olhos.

Chon nã o era um drogado. Até hoje nã o entendo o que ele
faz no meio deles. Quer dizer, sei que ele ganha dinheiro. Mas
ele parece ser tã o inteligente, nã o sei por que perde tempo
com isso. Cheguei ao meu quarto e vi a porta toda
arrebentada. Tentei ao má ximo segurar o choro, o que vou
fazer agora? Senti Chon atrá s de mim.

— Como vou me proteger dos drogados que toda noite


tentam entrar no meu quarto? — sussurrei, expondo meu
medo.

— Eu já comprei outra porta, Jade. Devem chegar a


qualquer momento com ela. E eu estou aqui agora, voltei para
icar, vou colocar ordem nesse lugar, eu prometo.

Entrei no meu quarto e sentei na cama.

— Nã o pense que por isso icarei grata, você só inge que
cuida de nó s para continuar com a in luê ncia que meu pai
tinha.

— Seu pai era um drogado como sua mã e, eu sempre


cuidei de tudo e era ele quem levava o cré dito.
— Nã o estou nem aı́ para nenhum dos trê s, assim que eu
juntar dinheiro, vou embora e se a sorte estiver ao meu favor,
nunca mais vejo você s.

— Completou 18 anos, mas continua se comportando


como se tivesse 15.

— Vá para o inferno! — gritei irritada, ele riu.

— De acordo com você , já estou nele.

Grunhi com raiva, mas nã o me prendi ao sentimento.

Peguei roupas limpas, toalha e fui para o banheiro tomar


banho, arrumando-me lá dentro mesmo, já que nã o tinha
porta no meu quarto. Coloquei roupas dentro da mochila,
queria ir comprar comida, mas nã o tinha nada de dinheiro e,
quando resolvi checar os armá rios da cozinha para ver se
tinha algo, Chon estava lá com algumas pessoas.

— Ei, Jade. Olhe quem está aqui, já vieram trocar sua
porta.

— Ponto alto do meu dia, uhul! — falei com um sarcasmo


descarado.
— Vem aqui checar os armá rios da cozinha, esse sim será
o ponto alto do seu dia. Fiz compras.

Nã o me contive. Quando abri a geladeira, me senti no


paraı́so. Só via geladeiras cheias assim nos ilmes que eu
assistia. Normalmente, tinha uma ou outra coisa que algumas
pessoas que frequentavam minha casa deixavam por lá e,
depois de eu checar se estava lacrado, roubava para mim.
Bem, eu nunca disse que era santa... Dois policiais — será que
eu devo chamá-los assim, já que são tão corruptos quanto o
diabo? — estavam na cozinha e olhavam-me de cima a baixo.

— Sua pirralha cresceu, Lenna. Já tem 18?

— Já — respondi por ela enquanto olhava os armá rios


cheios. Nossa, Chon era um idiota, mas representou bem dessa
vez.

— Nã o vai entrar para os negó cios da famı́lia?

— Nã o tenho interesse.

— Ela se acha boa demais para isso — minha mã e disse e


todos riram.

Eu ri també m.
— E, é , vamos rir para a palhaça nã o perder o emprego! —
Só vi o chinelo voando na minha direçã o e, quando desviei,
acertou o notebook de algué m que foi ao chã o.

— Meu notebook, caralho!

— Nã o mandei deixar ali — ela respondeu ao Chon, que se


levantou e pegou o notebook, vendo que nã o dani icou nada.

Eu, por puro orgulho, nã o peguei nada e fui para o quarto,
escondi a mochila embaixo da cama e sentei nela, vendo os
funcioná rios instalarem a porta. Quando terminaram,
entregaram-me duas chaves e eu, disfarçadamente, perguntei
se havia mais alguma, mas disseram que eram apenas elas.
Tranquei a porta e aproveitei a distraçã o das pessoas da casa e
saı́, indo para a biblioteca. Acho que nã o seria bom dormir
duas noites seguidas fora, principalmente agora que Chon
retornou e ainda está em alerta. Odeio isso, mas pre iro nã o
provocar mais.

Voltei para a biblioteca e Killian nã o demorou a me


encontrar no “nosso” canto. Tentei pegar o livro da mã o dele e
ele o desviou, deixando para trá s dele.

— Nã o vai nem me cumprimentar?


— Nã o é como se nã o tivé ssemos nos visto há poucas
horas — falei, olhando para o livro tentando alcançá -lo,
lutando contra o impulso de estar novamente em seus braços,
mas Killian nã o facilitava.

— Nã o vai olhar para mim? — Olhei em seus olhos, ele se


aproximou mais e recuei um pouco. — Que desculpa vai
arrumar para nã o me beijar dessa vez?

Tentei conter o sorriso, mas nã o consegui. Por que ele era
tã o charmoso?

— Nenhuma.

Ele sorriu.

— E um bom avanço.

— Nã o signi ica nada. — Dei de ombros, desviando o olhar,


totalmente envergonhado.

— E depois dizem que os homens nã o prestam! Como


pode dizer que nã o signi ica nada? Nã o me magoe desse jeito!

Eu ri. Meu coraçã o saltava no peito, feliz e realizado,


totalmente entregue e rendido aos encantos do lobo de olhar
cinzento e feroz.

— Killian, pode fazer algo por mim?

— O que você quiser.

— Nã o brinca comigo — pedi, baixando o olhar para o seu


peito.

Ele depositou o livro na estante ao nosso lado e envolveu


os braços ao meu redor. Como posso me sentir tã o bem ali?
Tudo isso era carê ncia de afeto? Como poderia amá -lo assim,
tã o rá pido, tã o forte, tã o sincero e avassalador?

— Eu nã o posso te fazer promessas, Jade. Talvez nunca


possa. Você vai ler coisas a meu respeito que nã o vai gostar e,
sinceramente, a ideia de você me odiar tem me causado
certo... desconforto. Nã o me culpe por nã o querer tirar as
mã os de você enquanto você ainda deixa.

— Como posso icar tranquila ao seu lado sabendo que vai


partir meu coraçã o em poucas pá ginas?

— Eu já nã o sou o mesmo, Jade.

— Como posso con iar que você mudou?


— E um risco que você vai ter que correr.

— E muita pressã o para minha cabeça. Em um momento,


sou a pessoa mais invisı́vel, mas ao mesmo tempo, está vel
daqui. E de repente, meu nome está novamente na boca do
povo, os olhares voltados todos para mim e meu coraçã o e
minha mente em uma guerra sem im sobre o que fazer com
você .

— O que sua mente diz?

— Que você vai me machucar mais do que qualquer um já


tenha feito.

— E seu coraçã o?

Ele nos virou, se sentou no canto me puxando para sentar


entre suas pernas. Uma de suas mã os acariciava meu cabelo e
a outra estava sobre minha perna dobrada.

— Meu coraçã o diz para eu ter fé .

— Fé ?

— Que você pode aprender a me amar, e entã o eu nã o me


sentiria culpada por ser egoı́sta e libertar um possı́vel
assassino.

Ele icou em silê ncio por alguns segundos, eu mantinha o


olhar ixo em minhas mã os que estavam no colo.

— Sua famı́lia ferrou com você a vida inteira...

— Estou com medo do meu julgamento por você ser


afetado por isso.

Seu silê ncio era curioso.

— Você tem um coraçã o gigante, Jade. Sinceramente


espero que um dia algué m te ame como merece.

— Esse algué m nã o será você , nã o é ? — Virei um pouco o


rosto e pude vê -lo sorrir.

— Quando acabarmos com a maldiçã o, farei tudo que lhe


faz mal sumir. E, quem sabe, se conseguir me redimir, eu seja
ao menos metade do homem que você merece.

Suspirei. Egoı́sta. Nesse exato momento eu quero ser


egoı́sta e iludida.
— Eu nã o sei se estou pronta para saber toda a verdade —
confessei, nã o quero perder seja lá o que tenho com ele.

— Nã o leia o livro hoje, nem amanhã . Fique comigo... seja


egoı́sta. Eu també m nã o estou pronto para ver a decepçã o nos
seus olhos.

Contraditó rio, mas era tudo o que eu queria.

— Por que é tã o fá cil ser sincera e aberta com você ?

— Acho que sua essê ncia é essa. As pessoas daqui nã o


sabem o que estã o perdendo por te ignorar.

Ele me puxou para ainda mais perto e me beijou. Eu faltei


derreter nos seus braços, no seu toque. Mas, ao mesmo tempo,
sentia-me em completo pâ nico. Meu ser o queria, meu coraçã o
já estava entregue, mas minha mente berrava: VAI DEVAGAR,
CARALHO!

— Vejo que nã o trouxe mochila...

— Nã o pretendia icar à noite.

— Por que nã o? Espera, pretendia, mudou de ideia?


— Eu... Honestamente, nã o sei o que fazer. Algué m que
viveu por anos comigo e minha mã e retornou. Hoje, ele jogou
na minha cara que se eu tive alguma coisa na vida, foi por
causa dele. Nã o é mentira, mas tem seus porquê s.
Antigamente, ele aparecia mais aos ins de semana, só nos
ú ltimos anos antes de ser preso que realmente morou
conosco. Por causa dele, tinha um pouco mais de comida em
casa, mas ele normalmente comia fora entã o nã o mudava
muita coisa para mim, apenas coisas para beliscar a noite. Ele
me deu uma TV velha com blu-ray e me deixava usar sua conta
na Net lix, mas... — Dispersei-me, lembrando o passado. — O
problema real nã o é ele morar conosco ou ingir que se
importa, mas é que... Sempre achei diferente a forma como ele
me olhava, era como se sempre esperasse algo em troca, e eu
acho que nã o era um simples obrigada.

— Ele já tocou em você ?

— Nã o, nunca. Mas, depois de dois anos fora, ele retornou


e ontem, quando notou que eu nã o estava no quarto,
arrombou minha porta! Quando cheguei hoje, só tinha restos
dela.

— Mas que ilho da p...


— Ele já comprou outra e foi instalada, por isso demorei
um pouco. Contudo, acabei vindo sem trazer nada. Nã o sei o
que pensar sobre ele.

— Viu a instalaçã o da porta? Quantas có pias da chave


vieram?

— Perguntei para o montador, ele disse que tinha somente


as duas que me entregou.

— E você acredita nele?

— Nem um pouco. Por isso eu nã o sei o que é pior, icar


fora de casa ou lá .

A preocupaçã o tomou toda sua expressã o, eu podia sentir


seu corpo inteiro icar tenso.

— Alguma chance de esse homem ir preso de novo?

— Nã o sei, ele acabou de voltar.

— Se eu estivesse livre, te levaria para bem longe deles...


mas, por enquanto, só posso tentar te convencer a passar suas
noites comigo. Sem pressã o para mais nada, só dormir...
Ele beijou meu rosto e dei um pequeno sorriso.

— Vou pensar...

— Vá à sua casa agora e traga roupas, aqui você decide


quanto tempo vai icar...

— E se outros lobos vierem atrá s de mim, e nã o só para


dar um aviso?

— Eu vou te proteger.

— Você consegue se transformar?

— Eu chego bem perto disso na lua cheia, mas... A magia


daqui me impede de completar.

— Entã o como me protegeria?

— Eu tenho meus truques, nã o sou um total incapaz. —


Piscou e eu ri.

— Você tem tanta sorte de eu nã o ter juı́zo e també m nada


a perder.
— Nã o diga isso, sua vida é valiosa, Jade. Seja otimista, sua
condiçã o irá mudar, você tem apenas 18 anos.

— Eu sou otimista até demais, Killian. Mas, ok, você me


convenceu. Volto em alguns minutos...

— Te espero por aqui. — Nó s nos levantamos, mas,


quando fui me afastar, ele segurou minha mã o.

— Jade, qualquer problema que tiver, corra para cá o mais


rá pido que puder.

— Eu nã o quero trazer mais problemas para você . — Ele


riu.

— Nã o se preocupe com isso.

— Eles tê m armas, Killian...

— Apenas venha e nã o demore. Vou te esperar aqui.

Assenti e ele soltou devagar minha mã o. Saı́ sem olhar


para trá s. A biblioteca estava vazia, só tinha a estagiá ria que
icava apenas aos ins de semana atrá s do balcã o, jogando em
seu celular sem ter o que fazer.
Quando cheguei em casa, tentei entrar pela janela, mas ela
icou emperrada e nã o subia a ponto de eu conseguir passar
por ela. Nã o teve jeito, tive que entrar pela porta. Era um
pouco mais de cinco da tarde, nã o tinha ningué m na sala, mas
eu sabia que tinha mais algué m em casa, pois ouvia os
gemidos da minha mã e ecoarem do quarto dela pelo corredor.
Suspirei, mas cheguei em um nı́vel de nã o me surpreender
mais com isso, nã o me deixava mais me afetar tanto quanto
antes.

Talvez, parte de mim estivesse feliz demais. Podia chamar


de efeito Killian, a empolgaçã o que me causava, o modo como
ele me tratava. Nã o foi a forma como me seduziu e hipnotizou
que me izeram gostar dele. Quer dizer, isso també m. Mas, as
coisas mudaram quando quis saber minha histó ria e
perguntou como me sentia a respeito dela. E també m, há
pouco, quando disse que minha vida era valiosa e torcia para
algué m me amar como, supostamente, eu merecia. Parecia
desejar verdadeiramente o meu bem. Sou imatura com muitas
coisas da minha vida, entã o ico confusa se o fato de ele
desejar o meu bem é o su iciente para que eu lute por ele. E
su iciente para esquecer o que quer que tenha feito no
passado? Desejar o bem a algué m é um bom sinal, nã o é ?
Espero que sim, porque eu quero Killian livre e, se possı́vel,
comigo.
Entrei no meu quarto e puxei minha mochila de debaixo da
cama, decidida a passar a semana ao lado daquele que tem me
enlouquecido. Coloquei mais algumas roupas, nã o que eu
tivesse muitas, mas, por segurança, coloquei mais. Notei que a
casa estava silenciosa e iquei com receio de sair, mas nã o
podia esperar muito, pois, quanto mais tarde icava, mais
pessoas iriam aparecer por ali. Abri a porta do quarto e dei de
cara com Chon.

— Onde pensa que vai?


— Passear.

— Onde, na biblioteca? — E riu.

— Nã o é da sua conta.

— O que tem na sua mochila?

— Olha que engraçado, a resposta para essa pergunta é a


mesma para a da pergunta anterior: nã o é da sua conta!

Ele puxou meu braço e alcançou a mochila que estava com


a alça apoiada apenas em um ombro, eu me virei, tentando
puxar a mochila de volta, mas ele nã o soltou, e nem eu. O
tecido cedeu e revelou todo o conteú do.

— VOCE ESTAVA FUGINDO? — Ele gritou furioso.

— Nã o!

— Sua puta do caralho, como ousa!

Eu me assustei. Em anos, ele nunca tinha falado assim


comigo. Claro que nã o era delicado, mas nunca tinha sido
assim. Dei dois passos para trá s e minha mã e apareceu
fumando um cigarro e se embrulhando em um roupã o.

— O que está acontecendo?

— Jade estava fugindo! — falou e apontou para as minhas


roupas, que agora estavam no chã o.

— Nã o, eu só ia dormir fora! Nã o ia fugir! — Claro que


jamais daria cré dito a eles, mas eu estava cheia de roupas na
mochila, era difı́cil de acreditar em mim. E eu tinha motivos de
sobra para fugir.

Os olhos dilatados da minha mã e vieram feito lanças em


minha direçã o.
— Dormir aonde?

— Eu... nã o é como se você se importasse! Porque nã o me


deixam quieta! Eu nã o incomodo ningué m!

— Responda, Jade!

— Eu... eu... iz amigas, eu ia dormir na casa de uma delas.

— Amigas? — Minha mã e riu. — As garotas dessa cidade


tem nojo de você , Jade. Fale a verdade! — exigiu.

— Elas sã o novas aqui, quando ouviram a histó ria já me


conheciam e nã o se in luenciaram...

— Você está saindo com algué m?

— O quê ? NAO!

— O que contou a ele sobre nó s?

— Nã o estou saindo com ningué m!

— Fale a verdade, caralho! Sua mimada ingrata!


— Mimada ingrata? Vamos rever o signi icado dessas
pala... — uma mã o veio em cheio em meu pescoço me
enforcando e me fazendo bater com as costas na parede. Era
Chon.

— Você tem um rostinho bonito demais, Jade, por isso é


ingrata.

— Ela é igualzinha você , Lenna. — O olhar de Chon


percorreu todo meu corpo, dos pé s a cabeça, e ela notou isso.

— Eu era perfeitinha, como ela. Mas entã o... — Ela pareceu


se perder em sua mente, olhando para um ponto qualquer. O
aperto em meu pescoço nã o me as ixiava mais, apenas me
mantinha no lugar. — Você estragou tudo! — As lá grimas
escorreram no meu rosto, principalmente quando ela apagou
o cigarro na minha bochecha.

— MAE! — gritei, Chon me soltou à s pressas chamando o


nome dela també m.

— Quem estragou tudo na sua vida foi você mesma!


Porque nã o me deu para adoçã o se nã o me queria?

— Eu deveria era ter te abortado!


Aquilo me feriu feito um tiro. Bom, pelo menos eu acho
que a dor seja a mesma. Apesar de que, no fundo, eu sempre
soube que ela pensava assim, mas ouvi-la dizer foi... horrı́vel.

— Uau, mã e. Finalmente colocou em palavras tudo que


seus atos demonstraram em todos meus anos de vida. —
Aplaudi com puro e cristalino sarcasmo. — Mas saiba que tem
um sentimento em mim que é todo destinado a você : pena. Eu
tenho pena de você , mã e.

Ela gritou enfurecida, agarrando-me pelo cabelo e


socando-me na parede de novo. Ela parecia fora de si, eu gritei
de dor. Chon a empurrou para longe e me jogou para dentro
do quarto.

— Você s duas estã o icando loucas, porra! — Tirou uma


chave do bolso e me trancou lá dentro. Eu sabia que ele tinha
uma có pia!

Fui para a janela e empurrei-a para cima, mas só entã o


notei quatro pregos bem presos na estrutura de madeira, nã o
permitindo que a janela subisse mais do que já estava, que
eram mı́seros centı́metros. Tirei o lençol da minha cama e
enrolei na minha mã o. Em uma atitude desesperada para
forçar os pregos. No fundo sabia que nã o funcionaria, mas nã o
custava tentar. Olhei para meu quarto, procurando por algo
que eu pudesse usar para quebrar a janela e nã o achei nada.
Nã o seria estú pida em tentar quebrar no soco, já sentia dores
demais para bancar a aventureira nisso. Meu rosto ardia pelo
cigarro apagado nele, e todo o resto do meu corpo doı́a. Mas
eu estava com a adrenalina a mil. Sei que icaria pior depois...
Os gritos da minha mã e com certeza podiam ser ouvidos por
toda rua, mas eu sabia que ningué m viria me socorrer.

— Jade? Jade! — chamaram do lado de fora da janela, mas,


quando olhei, nã o vi ningué m.

— Quem é ?

— Eu vou jogar um tijolo, saı́a da direçã o da janela.

Eu nã o sabia quem era, mas obedeci e, segundos depois, o


tijolo veio, quebrando o vidro. Peguei-o rapidamente e
continuei a quebrar mais partes para que eu pudesse passar,
mas tinha poucos segundos antes de Chon abrir para ver o
que eu tinha aprontado. Quando eu terminava de atravessar,
ele abriu a porta e, em um segundo de susto, descuidei-me e
cortei o braço. Nã o tive tempo de olhar, mas sabia que tinha
sido fundo. Corri o mais rá pido que pude para a faculdade,
entrando pelos fundos.
— Você e Killian só me arrumam para a cabeça! Que
merda, Jade! — Melvin, o vigilante, falou, e só entã o eu
reconheci a voz. Ele jogou o tijolo.

— Acho que vou vomitar — falei, sentindo â nsia e tontura.

— Nã o tem equipe de limpeza hoje e nã o estou a im de


limpar vomito de adolescente, entã o nã o faça isso!

Olhei para trá s e vi o rastro de sangue que deixei no


caminho, Melvin també m olhou e praguejou, pois teria que
limpar.

— Eu vou matar o Killian!

— Ele pediu para você ir atrá s de mim?

— Ele me obrigou!

— Jade! Jade! — Killian gritou correndo em minha direçã o.

— E sé rio, Melvin, eu vou vomitar.

Killian me segurou antes que eu caı́sse. Olhei para meu


braço, que estava sangrando muito, e a bile veio até a
garganta.
— Se você nã o me levar agora para o banheiro eu vou
vomitar em você — avisei, escondendo meu rosto no seu
peito, a im de evitar olhar para o sangue e tentar conter a dor,
encolhendo meu corpo nele.

— Obrigado, Melvin, eu assumo daqui.

— Eles virã o atrá s dela, a coisa estava feia lá .

— Eu cuido disso també m.

— Leve-a para o vestiá rio, deixe-a tomar um banho para se


limpar do sangue e se acalmar. Vou deixar o kit de primeiros
socorros na porta em poucos instantes.

Fechei os olhos e mantive-os assim até que Killian sentou


em um lugar e fez-me esticar o braço, fazendo-me també m
desencostar dele. Ele amarrou fortemente algo em volta do
corte e gemi ainda mais de dor.

— Você assiste tantos ilmes com lobos e outras coisas e


tem enjoo de sangue?

— Normalmente nã o tenho, mas acho que foi, hum, a


junçã o de tudo que aconteceu.
Abri meus olhos enquanto falava, os azuis cinzentos
estavam ixos em direçã o ao queimado de cigarro em meu
rosto.

— Eu sabia que tinha algo errado...

— Preciso sair daqui — disse, tentando me levantar.

— E ir para onde? — Fiquei em silê ncio, nã o tinha para


onde ir. — Você ica comigo.

— Chon virá atrá s de mim.

— Hoje, para o azar dele, é lua cheia. Se ele vier atrá s de


confusã o, ele vai encontrar uma bem feia. Foi ele que fez isso
com você ?

— Nã o. Foi minha mã e. — Senti a confusã o e surpresa


emanar dele, nã o deveria, mas... Ah, eu nã o avisei do corte na
janela. — O corte eu iz na janela enquanto escapava, mas o
cigarro no meu rosto foi... hum, minha mã e.

Ele icou em silê ncio por alguns segundos, eu nã o


conseguia olhá -lo.
— Tem mais, nã o é ? — Fiz que sim com a cabeça. — Nã o
quer me contar? — Fiz que nã o. Ele suspirou e eu me encostei
a ele novamente.

— Você acha que vou precisar de pontos?

Eu me sentia um bebê no seu colo. O cheiro da sua pele era


magni ico, e ele era quente e aconchegante. Tinha amarrado
sua pró pria camiseta em meu braço, sendo assim, eu me
encostava direto em sua pele...

— Precisamos limpar para ver...

— Eu nã o queria me mexer...

Ele riu.

— Está confortá vel no meu colo? — Fiz que sim com a


cabeça sem me desencostar dele. — Entã o podemos icar
assim só mais um pouco, mas, em seguida, vamos lavar seu
braço para checar.

Batidas na porta nos tiraram de uma bolha que era só


nossa. A voz de Melvin avisava que o kit estava lá e que estava
indo embora.
— Preciso te confessar algo — ele sussurrou.

— Estou ouvindo... — respondi de olhos fechados.

Ele fazia um carinho no meu cabelo que me fez relaxar por


alguns minutos e eu nã o queria sair daquilo.

— Nunca iquei sem saber o que fazer, Jade. Nã o sei o que
te falar sobre a sua situaçã o e estou me sentindo pé ssimo por
nã o poder fazer nada a respeito.

— Você está aqui comigo, é su iciente.

— Nã o deveria ser su iciente, entende? Você nã o pode se


contentar com isso, eu nã o sou su iciente para te tirar dessa.

Estranhei seu tom e, mesmo com toda dor no corpo,


levantei-me e saı́ do seu colo rapidamente.

— Por que está me dizendo isso?

— Porque você merece mais! O que eu posso te oferecer,


hein? Uma sala empoeirada com um colchã o velho? Por
quanto tempo conseguiremos esconder dos moradores locais?
— Eu nã o estou entendendo. Isso é só até quebrar a
maldiçã o e...

— E se você nã o quebrar?

Fiquei em silê ncio, abri e fechei a boca algumas vezes


antes de realmente falar.

— Mas você disse que... acreditava em mim — falei,


decepcionada. Se nem ele, que sabia de tudo, estava certo que
eu era capaz, como eu poderia continuar otimista?

Ouvi um bater de palmas e Killian, no mesmo segundo,


icou entre mim e o homem sarcá stico que batia palmas em
um canto distante de nó s.

— Você continua um bom mentiroso, Killian. O dom da


manipulaçã o nã o enferrujou com o tempo.

Killian deu dois passos para trá s, sem me olhar,


procurando com sua mã o o meu corpo e me segurando atrá s
dele.

— O que você quer, Declan?


— O de sempre, você sabe. Vim checar como você está
falhando dessa vez.

— Claro, como sempre, o pau mandado de Dahlia. Você


nã o cansa de ser o brinquedinho dela?

— Muitos anos se passaram, Killian, você nã o faz ideia de


como ela mudou, do quanto tudo mudou.

— E mesmo? Será que mudou? Aposto que se eu dissesse


sim, ela te deixaria no segundo seguinte.

Eu pisquei e, de repente, o homem estava na frente de


Killian. Dei um pulo de susto.

— E eu aposto que nã o. — Sorriu, todo seguro de si.


Deveria ser seguro mesmo, era dono de uma beleza
desconcertante. Ele e Killian davam uma boa disputa. Seus
olhos se voltaram para mim. — Vem aqui, menina, deixe-me
ver o que ele escolheu dessa vez.

Ele esticou a mã o na minha direçã o, mas Killian o


empurrou para longe. O homem bateu com as costas no
armá rio e olhou para Killian muito bravo.

— Você nã o vai tocá -la! Vai embora!


O homem apenas se ajeitou, voltando a uma pose
despreocupada e levantou a mã o; no mesmo segundo, Killian
foi jogado para outra extremidade do vestiá rio, fazendo um
estrondo imenso.

— Killian! — gritei preocupada, mas logo em seguida fui


tomada novamente pelo susto.

O homem estava parado na minha frente e nã o fez


cerimonia para tocar meu rosto. Eu nã o consegui fazer mais
nada.

— Uau, Killian, que menininha feroz você encontrou, hein?


— Fechei meus olhos com seu toque. Ele nã o me deixou sentir
medo dele, mas, ao mesmo tempo, sentia que ele tinha
invadido todo meu subconsciente. — Que covardia ele ter
escolhido justo você para entrar nessa.

— Do que está falando?

— Você já tem tantos problemas, menina. Nã o merecia


morrer por amor. — Fiquei confusa, mas preferi enfrentá -lo.

— Nã o vou morrer, eu acredito, nó s vamos quebrar a


maldiçã o.
— Você é de longe a mais tola de todas que ele escolheu.
Nã o percebe que quanto mais você demora para ler, mais
difı́cil será para sair com vida?

Baixei o olhar, nã o entendendo ao certo o que ele quis


dizer com isso. Como poderia fazer diferença mais ou menos
tempo?

Seu toque saiu do meu rosto e foi para meu braço. Ele tirou
a camiseta enrolada e me curou. Eu o olhei surpresa e
agradecida.

— Obrigada.

— Nã o me agradeça, menina. Estou segurando Killian no


lugar e ele está furioso comigo. Eu juro que nã o queria, mas
vou deixá -la sozinha com um lobo que nã o se transforma há
anos.

— Mas ele disse que nã o conseguia se transformar...

— Acho que nã o tinham irritado ele o su iciente durante


todo esse tempo. — Sorriu de canto, um sorriso maldoso.

— Em Teen Wolf isso nunca era bom — sussurrei, olhando


em direçã o de onde vinham os rosnados.
Antes, eram apenas humanos; agora... nã o sei explicar com
o que se parece.

— Por que está fazendo isso? — perguntei.

— Considere isso uma ajuda, Jade. Vou torcer para que saia
com vida essa noite e assim tenha chance de perceber que a
recompensa nã o vale o risco. Killian estava certo, você merece
mais e terá mais se sobreviver e for para bem longe daqui.

Olhei para ele por alguns segundos. Nas poucas palavras


que trocou com Killian, entendi que ele e Dahlia estã o juntos e,
ciente do que notei dela no livro até o momento, ele só é mais
um peã o no seu jogo.

— Você també m merece mais.

— Do que está falando?

— Dahlia está com você pelo mesmo motivo que estava


com Killian.

A expressã o dele se contorceu em ó dio.

— Eu nã o tenho nada a ver com ele!


— Tem. Sã o dois homens poderosos, bonitos, que ela
adora exibir. Mas você ... — Nã o me contive. Toquei seu rosto e
seus olhos se arregalaram em surpresa. — Você nã o me
deixou ter medo, me trouxe paz com seu toque. Nã o a deixe te
usar para o mau.

O rosnado do Killian se tornou ainda mais alto, ele parecia


furioso. Eu poderia ouvir as patas e unhas baterem contra o
piso, mas ele ainda estava preso.

Declan se afastou com o cenho franzido, olhando-me como


se eu fosse o bicho mais estranho do mundo.

— Ok, veja a minha bondade entã o. — Ele torceu a mã o e


escutei o rosnado feroz e furioso de Killian reverberar
altı́ssimo també m em dor. — Boa sorte, Jade. — E sumiu.

Outro uivo soou no lugar, poderoso e tã o potente que fez o


pré dio tremer.

— Killian? — chamei, tremendo junto com o pré dio, mas


de medo. Eu ainda nã o o via, mas ouvia. Ele bufava com
lufadas de ar pesadas e ferozes; Estava entre mim e a porta de
saı́da do vestiá rio. Como eu passaria por ele?
— Killian, por favor, estou assustada, nã o sei o que fazer.

Que diabos! Sei que lobos nã o tem total controle, mas eles
tê m consciê ncia do que fazem quando se transformam? Será
que ele irá me reconhecer? Isso era uma pergunta que eu
tinha que ter feito. Merda!

As passadas estavam devagar, mas contı́nuas e eu sabia


que eram em minha direçã o. Comecei a andar para trá s.

— Killian, por favor... — supliquei quando o vi.

Era tã o aterrorizante que eu nã o sabia mais o que fazer a


nã o ser implorar a Deus pela minha alma, apesar de nunca ter
sido ensinada a nada sobre igreja.

Ele era gigante, suas pernas deveriam ter quase a minha


altura. Todo preto, seus olhos vermelhos pareciam
demonı́acos. Continuei a andar para trá s até bater contra a
parede onde icavam os chuveiros. As lá grimas escorriam dos
meus olhos sem parar, o que eu faço? O que eu faço? O que eu
faço? Perguntava-me sem parar em minha mente, olhando
para todos os lados.

De repente, um lobo bem menor apareceu em meu campo


de visã o. Killian virou em sua direçã o e rosnou tã o furioso que
o lobo se encolheu todo e fugiu. Tive a impressã o de ser o
Melvin. Nã o o culpo por ter fugido, talvez, se eu pudesse, faria
o mesmo. Pelo menos ele tentou. Killian se voltou para mim
novamente e, quando chegou perto su iciente para eu sentir
suas lufadas de ar, desabei a chorar e só tive uma reaçã o, que
foi a mais louca que eu poderia ter na vida. Foi algo totalmente
impensá vel e impulsivo. Abracei desajeitadamente uma de
suas pernas da frente e parte do seu pescoço, e consegui
colocar a mã o na lateral da sua cabeça, mas longe dos dentes
a iados. E chorei ainda mais, estava desesperada...

— Por favor, eu estou aterrorizada, com medo e confusa...


Volta para mim — supliquei.
O corpo do lobo icou todo travado, mas eu continuava a
segurar irme e meu rosto estava encostado em seu pelo
negro. Ele deu um passo para trá s, afastando-me dele e, em
segundos, de um jeito sobrenatural e má gico, transformou-se
em Killian novamente. Um Killian nu, mas meu Killian. Corri
para ele, que abriu o braço para me receber.

— Me perdoe... me perdoe — suplicou inspirando


profundamente meu pescoço e cabelo. Eu també m estava tã o
grudada nele que era quase como se quisé ssemos nos fundir.

Afastou-se por segundos e beijou-me enlouquecidamente.


Levantou-me no colo, entrelacei minhas pernas nele e beijei-o
de volta com tudo que eu tinha. Meu coraçã o estava a mil por
hora, a adrenalina estava pulsante em nossos corpos. Ele
caminhou e encostou-me na parede, prendendo e... nossa.

— Nã o posso, nã o posso — sussurrou entre os beijos e de


repente ligou o chuveiro em cima de nó s. — Preciso me
acalmar, preciso me acalmar — repetia tudo sem abrir os
olhos.

Busquei novamente seus lá bios, ele tentou fugir da minha


busca, mas sem me afastar. Eu o queria, queria tudo dele.

— Jade, me ajude.
— Nã o.

Ele soltou um riso abafado.

— Eu vou... eu vou... eu estou muito excitado, minha


pulsaçã o está acelerada, nã o vai ser bom pra você .

Eu me desenrosquei dele, iquei de pé e passei a mã o no


seu rosto enquanto a á gua nos molhava. Ela estava um pouco
fria, mas o corpo de Killian ainda parecia ferver. Eu estava
toda molhada, literalmente, mas eu o queria...

— Você disse que podia me mostrar como era a sensaçã o


de ser beijada por aquele que amamos, agora eu quero que
você me mostre quã o bem pode me fazer sentir ao fazer amor
com aquele que estou apaixonada.

— O que você vai ler, pode te fazer se arrepender disso


mais tarde.

— A ú nica coisa que eu tenho é o agora, Killian. Eu quero


ter mais esse momento com você .

Ele segurou meu rosto, olhando-me nos olhos, ainda


estava ofegante, mas se concentrava em mim.
— E eu quero ter muitos outros momentos com você , Jade
— confessou.

— Entã o lute comigo.

Ele inalmente pareceu ceder.

— Sempre ao seu lado.

Segurou a barra da minha camiseta e eu estiquei os braços


para cima. Ele puxou e tirou. Desabotoei e abaixei o zı́per da
minha calça e ele se ajoelhou na minha frente, baixando minha
calcinha e calça ao mesmo tempo. Quando chegou aos pé s, ele
jogou meu tê nis e meia longe, terminando de tirar minha
roupa. Nesse meio tempo, já tinha me livrado do sutiã . Fiquei
nua e com ele de joelhos na minha frente. Killian começou a
passar as mã os por minhas pernas e forçou uma delas a se
levantar, apoiando as costas do meu joelho no seu ombro e
pegando-me de surpresa com sua lı́ngua na minha intimidade.

Apoiei a cabeça na parede e segurei no registro do


chuveiro com uma mã o. A outra foi para seu cabelo. Eu nã o
conseguia nem por em palavras cada sensaçã o que me
causava com sua lı́ngua, era muito mais intenso do que eu
imaginava ao ler os livros eró ticos e muito, muito melhor. Eu
tentava manter minha perna irme, mas, quando via, meu
joelho falhava e tremia. Killian começou a se levantar,
distribuindo beijos do caminho da minha barriga até a minha
boca, no mesmo segundo que seu dedo tocou minha
intimidade.

— Você tem um gosto tã o bom, Jade. Eu poderia passar


horas provando tudo de você .

Engoli em seco. Nã o conseguia segurar, seu dedo em mim


estava maravilhoso, mas me perguntava como seria ter seu
pau me preenchendo. Aquilo caberia em mim?

Killian começou a me beijar e distraiu meus pensamentos,


acho que ele notou que eu estava icando tensa. Segurou
minha mã o e guiou-a para seu membro, sem separar nosso
mais que eró tico beijo, e fez-me passar a mã o por toda sua
extensã o dura, grossa e comprida.

— Alguma vez já tinha se tocado, Jade? — Fiz que nã o. — E


saudá vel se masturbar e se conhecer, mas, a partir de agora,
quero que guarde toda excitaçã o que tenha só para mim.

Ele me invadiu com um dedo, meu corpo se retesou por


um instante, mas me beijou e distraiu novamente, fazendo
també m minha mã o voltar a se movimentar no seu membro.
— Vou te fazer gozar e, mais tarde, eu te preencho todinha
com meu pau.

Novamente ele icou de joelhos na minha frente, levantou


minha perna e usou sua boca e lı́ngua contra meu ı́ntimo de
forma tã o... deliciosa. Em conjunto com seu dedo, icou
perfeito. Praticamente gritei quando aumentou o ritmo. Seu
dedo estava no meu clitó ris e, droga... era indescritı́vel. A
famosa onda de ê xtase e alı́vio me atingiu em cheio pouco
depois, junto com tremores. Eu me sentia leve feito uma pena.
Killian me olhou e sorriu, um sorriso diferente. Ele tinha suas
duas mã os segurando meu rosto e olhava-me nos olhos
enquanto a á gua corria na lateral dos nossos corpos.

— Por que nã o quis transar comigo aqui?

— Nã o seria confortá vel para você nessa posiçã o. Nã o na


sua primeira vez... e eu nã o deixaria você se deitar por aqui. —
Olhou com nojo ao redor.

Quase gritei de euforia por uma demonstraçã o de afeto


como essa. Ele beijou meus lá bios, abraçando-me e tirando-
me um pouco do chã o. Sentia seu coraçã o descompassado
bater contra seu peito e acho que ele podia sentir o meu
també m. Nó s nã o tı́nhamos toalhas ali, nem roupas limpas,
nem nada. Entã o, vesti as minhas roupas ensopadas e ele as
dele, todas rasgadas, e corremos para o seu covil do mal. No
percurso, quase caı́ umas trê s vezes por estar molhada, mas
ele me segurou. Quando chegamos, ele disse que tinha um
pente, eu penteei meu cabelo rapidamente do jeito que deu,
pois estava com muito nó depois de todos os episó dios desse
dia. Tirei a roupa molhada e vesti uma camiseta sua. Deitei-me
no colchã o e ele veio em seguida, cobrindo-nos.

— Agora que estamos em uma posiçã o favorá vel, você


pode transar comigo?

Ele riu alto, e eu també m.

— Nã o estraga o clima, Jade.

Eu avancei sobre ele, icando por cima e o beijei. Suas


mã os vieram sobre meu traseiro, apertando minha pele e me
forçando contra ele, contra seu membro, que me cutucava
deliciosamente.

— Você tem certeza? Absoluta? — perguntou.

— Nã o estraga o clima, Killian! — eu o imitei, ele riu.

— Isso deveria ser importante para você , Jade.


— Você já mentiu para mim, Killian?

— Mentir, nã o, mas omitir, sim.

— E quando disse que gostava de estar comigo, e que se


importava comigo... isso era verdade?

— Absoluta verdade.

— Entã o eu nã o tenho porque me arrepender. Por favor,


nã o diga mais nada para tentar me impedir.

— Fiz minha parte como homem, te alertei e te dei opçã o,


mas eu te quero, e muito, Jade. A decisã o é sua, agora é com
você .

Respirei fundo, deitei e o induzi a vir por cima de mim. Ele


veio.

— Eu quero ser sua.

— Entã o você será ...

Ele me beijou e desceu sua mã o para minha intimidade,


começando com toques leves, mas irmes... Ele era calmo, mas
eu podia sentir que se segurava ao má ximo para nã o fazer
tudo com pressa e ser gentil. Acho que Killian nã o era gentil...
Eu já estava um pouco ofegante, tirei a camiseta que vestia e,
em seguida, ele começou a distribuir mordidas pelos meus
lá bios, maxilar e foi descendo pelo meu pescoço, clavı́cula e
seios. Nestes, ele deu mais atençã o. Mas nã o demorou muito e
eu agradeci por isso. Queria senti-lo me preenchendo,
descobrir a sensaçã o, fundir-me com Killian. Eu queria tomá -
lo como meu e entregar até minha alma para ele. Soa
desesperado, mas meu coraçã o concorda com tudo que eu
disse até agora.

Ele se posicionou em minha entrada e se abaixou, icando


praticamente todo deitado em cima de mim. Seus antebraços
estavam nas laterais da minha cabeça, sustentando parte do
seu corpo. Ele beijou meu rosto e eu busquei seus lá bios. Ao
mesmo tempo, invadiu-me devagar, segundos que pareciam
nã o terem im. Era uma mistura de dor e prazer... Era como um
rito de passagem, acho que meu primeiro rito de passagem.

— Jade — sussurrou de olhos fechados, seu rosto veio


para a lateral do meu, de forma carinhosa, passando sua
bochecha na minha, como se quisesse me confortar. Ele se
mexeu devagar e continuou... — Você está bem? — Fiz que sim
com a cabeça. — Nã o vou te perguntar se está doendo, porque
estou sentindo você toda tensa, quer parar? — Fiz que nã o e o
obriguei virar o rosto para me olhar.

— Eu quero que seja bom para você també m.

— Você nã o faz ideia do prazer que estou sentindo pelo


simples fato de você con iar em mim. Estar dentro de você
está sendo... delicioso. — Mordeu meu lá bio inferior e
aumentou um pouco o ritmo.

A dor ainda estava presente em mim, mas... O prazer


estava começando a tomar conta de todo meu ser. Agarrei a
pele de suas costas, segurando com irmeza quando ele
aumentou ainda mais o ritmo e beijou-me tã o enlouquecido
que me distraiu de qualquer dor que eu sentia. Uma de suas
mã os agarrava meu cabelo com irmeza.

— Você é tã o gostosa... Nunca vou te deixar ir, Jade... nunca.

Aquilo aqueceu meu coraçã o, meu lado sonhador terminou


de fechar a porta na cara do meu lado preocupado que gritava
para ter cuidado com ele. Terminei de me entregar
inteiramente, sem reservas. Finalmente eu senti que era
querida por algué m...
O dia amanheceu, Killian dormia tranquilo ao meu lado. Eu
levantei com o maior cuidado do mundo para nã o acordá -lo e
també m, porque eu estava toda dolorida. Enganaram-me nos
livros, a primeira vez dó i pra cacete e é pior ainda depois de
um tempinho. Mas Killian foi um perfeito cavalheiro comigo,
entã o eu faria tudo de novo... Chequei minha roupa. Ela ainda
estava ú mida, mas nã o queria icar apenas com uma camiseta
do Killian. Vesti e, assim que terminei de colocá -la, escutei a
voz de Chon gritando por mim nos corredores. Killian
despertou no mesmo segundo já em alerta, dei a ele um
sorriso sem graça.

— Nã o está pensando em ir até ele, nã o é ?


— O que quer que eu faça entã o?

— Deite aqui do meu lado e ignore essa voz.

— Chon nã o vai desistir.

— Você precisa saber que eu posso ser mais teimoso do


que qualquer ser humano que você já tenha conhecido.

— Killian — falei em tom de aviso, a inal, eu iria me


esconder até quando? Chon poderia colocar a polı́cia, ou
melhor, os amigos corruptos dele atrá s de mim e isso só
complicaria a situaçã o do Killian.

— Você disse que icaria aqui. Eles nã o sã o sua famı́lia,
Jade. Famı́lia nã o faz o que eles fazem com você .

— Eu nã o tenho dinheiro, nã o tenho nem sequer roupa.


Preciso ouvir o que ele tem para falar.

Killian deu um salto, levantando-se contrariado e veio para


trá s de mim. Ele me manteve no lugar e afundou seu rosto no
meu pescoço, respirando profundamente.

— Ok, vamos ver o que ele quer.


Ele estava nu, eu suspirei quando saiu de perto de mim
para vestir sua roupa. Era lindo, mesmo quando acabava de
acordar... Arrumei meu cabelo como pude e mesmo assim
icou uma porcaria. Bebi á gua enquanto ı́amos em direçã o à
voz do Chon e nã o demorou para o encontrarmos.

— Que merda é essa? Onde você dormiu?

— Me poupe, Chon. O que você quer?

— Como assim o que eu quero? Queria saber de você , mas


agora exijo uma explicaçã o!

— Ele é sempre tã o cı́nico assim, Jade? — Killian


perguntou, provocando-o.

— Quem diabos é você ?

— O namorado dela, nã o que eu lhe deva alguma


satisfaçã o, ou sequer ela.

— Que porra é essa, Jade?! Vamos embora, sua mã e está


tendo um surto na casa e... — Ele chegou perto de mim
curioso e segurou meu braço. — Onde está o corte? Eu vi você
se cortar! Cadê a queimadura de cigarro?
Killian o empurrou com força e ele caiu de bunda no chã o
um pouco distante. Fui pega desprevenida, nã o sabia o que
responder. Droga! Li tanto livro sobrenatural para depois dar
um mole desse? Como nã o pensei que ele fosse perceber!

— Ela nã o vai voltar para casa, e eu o aconselho a ir


embora e esquecer que ela existe.

— Vai para o inferno! Jade, estou mandando! Você volta


para casa agora comigo!

— Você nã o manda em mim, Chon.

— Nã o seja criança, Jade. Eu sou o ú nico que um dia já


cuidou de você , vamos embora!

— Você me enforcou, deixou minha mã e me queimar e a


vida inteira levou drogados para dentro de casa. Diz que
cuidou de mim, mas nunca tentou tirar minha mã e do vı́cio,
nunca impediu que eu visse tudo de errado que faziam em
casa. Entã o, faça um favor, vá embora!

Killian segurou minha mã o e virou as costas, puxando-me


para andar com ele. Mas Chon tentou segurá -lo e Killian o
socou no rosto, fazendo-o mais uma vez cair. Chon pegou a
arma e apontou para o rosto de Killian, puto da vida.
— CHON! Por favor, pare! — Ele respirava ofegante,
segurei a mã o de Killian em uma tentativa de fazê -lo
permanecer parado.

— Isso nã o vai icar assim! Você é uma de nó s, você sabe
que eles nunca vã o te deixar ir sabendo o tanto que sabe. Eles
virã o atrá s de você !

— Mande-os vir me procurar, faz tempo que estou


querendo um tipo de açã o — Killian respondeu, fazendo-me
virar e voltando a andar para longe de Chon.

Respirei fundo e olhei para trá s, vendo Chon sair batendo


os pé s. Ok, agora eu estou morrendo de fome, nã o tenho
dinheiro, nã o tenho nem mais teto para morar e... Nã o sou
virgem. Oh, Deus, eu vou quebrar mesmo a minha cara.

— Por que está tã o quieta?

— Estou apenas calculando quanto minha vida está fodida.

— Queria voltar para aquele lugar? — perguntou


parecendo indignado.

— Pelo menos a geladeira estava cheia — respondi sem


olhá -lo, dando de ombros. — Estou com fome.
Ele saiu me puxando feito um bruto, podia ouvi-lo bufar
enquanto eu era arrastada pelos corredores. Ele estava muito
bravo comigo.

— Ei! Vai devagar, eu ainda estou dolorida! — reclamei,


mas nã o tive sucesso em fazê -lo parar.

Quando chegamos em seu “covil”, Killian tirou de baixo de


algumas roupas um aparelho de celular. Vi ele digitar uma
mensagem de texto tã o rá pido e furioso que achei que
quebraria o velho aparelho. Ficou aguardando uma resposta,
mas nã o me atrevi a perguntar o que ele estava tramando,
a inal, meu humor estava tã o á cido quanto o dele. O meu
motivo era de fome. O dele era eu, aparentemente.

— Kurt vai chegar em uma hora. Ele vai te levar para


comer algo e comprar algumas roupas.

— Kurt? Kurt? O seu amigo do livro, Kurt? — perguntei,


descrente.

— Sim.

— Como diabos ele está vivo?


— A força de um lobo vem da sua alcateia e vice-versa, eles
eram leais a mim como alfa. A maldiçã o que me manteve vivo
e jovem, manteve-os també m.

— Estou chocada.

— Dahlia nã o contava com certas brechas em seu feitiço, a


ligaçã o de um alfa com seus betas pode ser muito forte.

— Eles vê m te visitar? Quando você está , assim... —


Apontei para ele, que desfez a cara de bravo, mas icou triste.

— Bom, vendo essa brecha, ela armou um feitiço para nã o


deixá -los entrar.

— Você tem dinheiro?

— Um pouco. Kurt e os outros tê m mais.

— Por que você vive com tã o pouco entã o?

— Isso é um “castigo”, Jade, nã o estou de fé rias. Cada vez


que o pau mandado do Declan via algo novo por aqui, ele dava
um jeito de queimar, quebrar ou sumir com o objeto. — O nojo
era explı́cito em sua voz e expressã o.
Fiquei o observando, pensando em tudo que ele passou
nesse tempo. Como nã o enlouqueceu por icar trancado aqui?

— Você pode con iar no Kurt — disse de repente, tirando-


me dos meus devaneios.

— Como pode ter tanta certeza? Tantos anos se passaram...

— O elo que uni o bando nos permite sentir as vibraçõ es


um do outro. Eles só sobreviveram por serem meus betas, e
meus amigos.

— Hum...

— Mais alguma pergunta, senhorita?

— Quando você se livrar da maldiçã o, vai embora com


eles?

— Quando você me livrar da maldiçã o, vou embora com


você! Mas eles sempre estarã o por perto...

— Que bom que você voltou a acreditar que posso te livrar


dessa.
— Agora eu tenho certeza disso, Jade. Só você pode ser
capaz de me livrar dessa maldiçã o.

Eu sorri...

Conversamos por mais um tempo, e logo Killian me levou


até a saı́da pelos fundos da faculdade.

Quando eu ainda estava na lateral, vi um carro freando


feito um louco e buzinando continuamente. Bufei frustrada,
caminhando até o lado do motorista.

— Deixe eu adivinhar... Kurt? Para que todo esse


escâ ndalo?

— Queria causar boa impressã o. Entra aı́.

Dei a volta no carro e entrei no banco do carona. Foi tã o


estranho, eu mal sabia colocar o cinto de segurança, senti-me
tã o envergonhada. Kurt saiu com o carro e logo eu comecei a
espirrar por causa da roupa ú mida e o ar condicionado gelado.

— Entã o, em que loja você quer ir?

— Podemos comer primeiro? Estou com muita fome.


— E claro, o que você quiser.

Prestei atençã o no seu rosto, ele nã o me era estranho...

— Da onde eu te conheço?

— Sou dono de uma concessioná ria de carros na cidade


vizinha. Deve ter visto alguma foto minha por aı́.

— Oh! Sim, é claro! Do comercial! Caramba... que coisa


estranha.

— Eu ser um lobo ou ter mais de 150 anos?

— Os dois, eu acho.

— Como Killian está ?

— Aparentemente bem, mas é difı́cil saber.

— Até que parte do livro você leu?

— Até a parte que ele drena os betas da outra alcateia.

Vi ele franzir o cenho, mas manteve sua atençã o na


estrada.
— Melvin disse que Killian voltou tem semanas, por que
leu só isso?

— Eu, hum... leio devagar?

— Ou está com medo de descobrir algo que nã o goste?

— Eu só ... hum... eu e Killian conversamos bastante,


trabalho e estudo ali, nã o tenho muito tempo de sobra.

— E, eu sei. Melvin falou de você .

— Ele me odeia.

— Normalmente ele odeia todo mundo, mas de você ele


parece ter pena.

Suspirei, pelo menos nã o me odeia.

— Que coisa, juntou-se ao clube de um da senhora Mevis.

— Chegamos.

Ele estacionou em uma rua que tinha vá rias lojas e


lanchonetes. Era a um pouco mais de meia hora de distâ ncia.
Entramos em uma lanchonete e ele se sentou em uma mesa
dando atençã o ao seu celular e já fui direto olhar o cardá pio.

— Pode icar a vontade, peça o que quiser.

— Nã o ica oferecendo muito, eu sou folgada.

Ele riu.

— Entã o aproveita, todos os meus amigos sã o folgados, já


estou acostumado.

Eu iz o pedido e ele icou mexendo no seu iPhone de


ú ltima geraçã o. Comi mais do que deveria. Comi tanto, que se
estivesse em casa, abriria o botã o da calça para dar uma
aliviada. Quando terminei, dei um longo suspiro, satisfeita.

— Ningué m deveria passar fome.

— També m acho, é algo que dó i muito.

— Já passou?

— Já . Essa foi a primeira vez que comi mais do que minha
fome pedia. Normalmente, apenas me alimento o su iciente
para continuar de pé .
— E, Melvin me contou como você foi criada, que sua mã e
é uma, hum...

— Drogada, prostituta, viciada... Acho que ela é tipo uma


celebridade na cidade.

— Você nã o parece se importar — comentou intrigado.

— Fui obrigada a aprender a ser indiferente para manter a


sanidade. Nã o é fá cil... Mas, en im, podemos ir?

Ele pagou a conta e nó s saı́mos em direçã o a uma loja de


roupas. Kurt era gentil e bem humorado e recebia muitos
olhares por onde passava; eu també m, mas por motivos muito
opostos.

Escolhi quatro pares de roupas bem bá sicas, nã o queria


abusar. Deles, somente um era short e blusinha para usar fora
do trabalho e faculdade. O restante eram calças e camisetas.
Peguei um cardigã e dois pares de sapatos, dois conjuntos de
lingeries e mais trê s calcinhas extras. Procurei pelas roupas
mais baratas e simples, uma vendedora gentil me ajudou por
um tempo, auxiliando-me no tamanho. Kurt nã o parecia com
pressa, sentado em um banco perto do caixa, deixando-me à
vontade para escolher o que quisesse. Tentei ser rá pida, mas
à s vezes me via totalmente dispersa, olhando aquele tanto de
opçõ es de roupas e imaginando-as em mim. Quando cheguei
perto de Kurt, já fui tentando me explicar e sentia-me tã o mal
por fazer ele ou Killian gastar comigo, que me atrapalhei e
atropelei todas as palavras.

— Por favor, Kurt, eu nã o quero abusar da sua boa


vontade, juro que, assim que possı́vel, irei te pagar, mas
precisava comprar tudo isso porque... — Fui interrompida
com uma gargalhada. — Que foi? Qual a graça?

— Você nã o tinha dito que era folgada?

— Só com comida, comida é prioridade.

— Killian me avisou que você pegaria o mı́nimo de roupa e


se sentiria culpada. Por isso, pedi para aquela encantadora
vendedora pegar seu tamanho e selecionar ela mesma
algumas roupas para você .

Olhei para seu lado e havia trê s sacolas de roupas, olhei ao


redor e nã o tinha ningué m por perto que pudesse ser dono.

— Você ... Nã o é possı́vel. Que...

— Killian me avisou e eu quis ser prá tico. Dá aqui esses


també m que já vou pagar.
— Nã o... Quer dizer, espera, eu estou... Sem reaçã o.

Falei sem saber o que fazer, quer dizer, eu posso aceitar


tudo isso? Devo? Quero? E claro que eu quero, mas o que isso
quer dizer de mim? Ah, merda. Tomou a sacola da minha mã o
e foi na direçã o do caixa, só me restou esperar e bisbilhotar as
sacolas que já comprou, é claro.

Andei para o carro com um sorriso contido nos lá bios.


Quando entramos, eu só queria agradecer a Kurt.

— Kurt, nã o sei nem como te agradecer...

— Quebre a maldiçã o do Killian, liberte aquele vacilã o e


terá minha eterna gratidã o. — Eu sorri.

— Os outros també m moram aqui perto?

— Cada um de nó s optou por seguir rumos diferentes, mas


juramos icar sempre por aqui até libertar Killian. Moramos
no má ximo duas horas de distâ ncia da faculdade, mas nunca
por muito tempo no mesmo lugar.

— Isso é tã o crepú sculo. — Eu o vi revirar os olhos. —


Você s nã o precisavam se mudar, era só dizer que usavam os
produtos Ivone.
Ele riu alto.

— Você está tã o Rochelle hoje! Só falta dizer que seu
marido tem dois empregos...

Gargalhei, feliz por ele entender a referê ncia e ainda


comentar algo a mais. Mas minha gargalhada foi cortada
quando os dois pneus esquerdos praticamente explodiram,
fazendo Kurt perder o controle do carro.

— Puta que pariu! — Kurt tentou retomar o controle, mas


vimos Declan logo à frente. Segurei-me como pude quando o
carro começou a capotar, mas em certo momento eu perdi a
força. O airbag foi acionado e quando o carro parou, mesmo
estando de ponta cabeça, notei que nã o tinha me machucado
muito. Kurt també m parecia bem.

— Me escute — ele começou a sussurrar. — Nã o se mova.

— O que ele quer?

— Nã o é ó bvio? Quer nos matar.

— Entã o o que fazemos?


— Nó s... — começou, mas parou quando notamos Declan
bem ao lado da minha janela.

— Poxa... Vejo que estã o bem. Que droga. — Pude ouvi-lo


estralar a lı́ngua em desapontamento. Socorro...

— Declan, por favor, nã o... — supliquei.

Em um estalar de dedos, nossos airbags explodiram e eu


me senti no inferno com meu corpo queimando. Gritei o nome
do Declan, ou acho que gritei, pois eu gemia e chorava de dor,
tudo em mı́seros segundos. Eu nã o conseguia abrir os olhos
com tanta dor que sentia. Ouvi outro estalar de dedos e senti
um alı́vio instantâ neo na pele.

— Ultima chance! — gritou.

O alı́vio durou um segundo, pois vi quando ele chutou a


lataria do carro fazendo-nos rodopiar vá rias e vá rias vezes.
Com a adrenalina, nã o senti dor quando meu corpo, mesmo
com o cinto, foi de um lado para o outro no carro. Ao sentir um
impacto forte na cabeça, apenas deixei a escuridã o me
envolver e, em poucos segundos, nã o vi mais nada.
Ouvi vozes, mas nã o as entendia. Eu nã o consegui abrir os
olhos, havia uma luz muito forte em minha direçã o que me
irritava, e sentia meu corpo em movimento e sendo tocado
por algué m. Lembrei-me do que tinha acontecido e deduzi que
eram pessoas me resgatando. Tentei me mover e todo meu
corpo reclamou de dor. Gemi em resposta.

— Vai icar tudo bem, Jade, vai icar tudo bem...

Reconheci a voz de Kurt. A luz ainda incomodava meus


olhos mesmo eles estando fechados. Senti o movimento do
carro, acho que está vamos em uma ambulâ ncia. Era estranho
como o cansaço queria me dominar e eu lutava para continuar
consciente mesmo de olhos fechados, mas nã o resisti por
muito tempo.

Era como se poucos segundos tivessem se passado, mas ao


mesmo tempo, sabia que tinha icado apagada por um tempo.
Sentia-me confortá vel em uma superfı́cie macia, mas ouvia
Kurt gritando dentro do quarto, provavelmente com algué m
no celular, já que nã o ouvia resposta dos seus gritos. Eu abri
os olhos por alguns segundos, mas era difı́cil demais mantê -
los abertos. Entã o, simplesmente, o sono me dominou outra
vez.

Abri os olhos assustada. Nã o sei explicar, mas senti como


se estivesse caindo, poré m, quando abri os olhos, vi que era só
um sonho, mas o sentimento de susto foi totalmente real.

— Pronta para desistir?

Só entã o notei Declan tranquilo sentado na poltrona ao


lado da minha cama.

— Por que está fazendo isso comigo? Eu nunca iz nada


para você e para a Dahlia.

— Você é apenas um fantoche, Jade. E logo será apenas


mais um efeito colateral.
— Por que se incomodam tanto? Dahlia está com você
agora, nã o é ? Por que icar se intrometendo na vida do Killian?

— Se tivesse lido todo o livro, saberia.

— Acho que o fantoche nessa histó ria é você , Declan. Se


Dahlia fosse feliz com você , nã o se incomodaria tanto com o
que Killian faz ou deixa de fazer.

Ele gargalhou.

— Você é tã o ingê nua, Jade. Mas por ser tã o corajosa,
prometo colocar uma rosa no seu tú mulo.

Engoli em seco, mas notei que qualquer mal estar que eu


sentia, já nã o estava ali.

— Você me curou de novo — comentei.

— Seus cã es de guarda foram comer, nã o podia esperar


sua boa vontade em acordar.

— Nã o imaginava que bruxos eram tã o poderosos assim.

— Sem conversa iada, garota. Vá embora, desista de livrar


Killian da maldiçã o e salve sua vida.
— Nã o posso, nã o quero desistir.

Ele icou em silê ncio olhando para mim, praticamente me


estudando.

— Eles estã o voltando. Se você voltar para aquela


biblioteca, vai morrer pelas minhas mã os, ou pelas do Killian.

— O quê ?

— Quer voltar para lá ? Volte! Mas o seu im será apenas


esse. Leia todo o livro antes de tomar uma decisã o, assim
saberá para que tipo de monstro você entregou tudo que tinha
e está envolvida.

E ele desapareceu. Entregou tudo que tinha? O que ele quis


dizer com isso? Ele nos viu na noite passada? Meu Deus! Dois
homens entraram no quarto e me olharam surpresos e
confusos, quem diabos sã o eles?

— Quem sã o você s?

— Mason e Lucien, amigos do Kurt e Killian. Você estava


apagada até minutos atrá s, como está tã o lú cida com o tanto
de sedativo que lhe deram?
Fiquei confusa, eles fecharam a porta e se aproximaram.

— Declan esteve aqui... ele deve ter feito algo.

— Os ataques deles nunca foram tã o pesados, estamos


mais perto que nunca de quebrar a maldiçã o.

Eu podia ver a empolgaçã o dos dois.

— Como Kurt está ?

— Está ó timo. Nã o pode voltar para te ver porque, bom,


qualquer arranhã o que tenha tido já foi curado, entã o... seria
suspeito.

— E o que vamos dizer sobre eu estar curada?

— Você ainda tem pontos e ferimentos pelo corpo. Acho


que Declan apenas te curou temporariamente ou
internamente.

— Porque Declan ica dizendo que Killian vai me matar?

Um silê ncio perturbador se instalou entre nó s.


— Nã o sei, nã o faz sentido nenhum para mim — Lucien
respondeu, dando de ombros.

Sua resposta nã o me convenceu, mas ignorei. Tentei me


mover e só entã o notei a tala em minha perna esquerda.

— Que diabos! Quebrei a perna?

— Aparentemente teus ossos sã o bem fracos, mas, para


sua sorte, nã o quebrou, apenas trincou.

— Que maravilha! — resmunguei.

— Melvin levou suas compras para Killian, mas deixou


algumas coisas aqui.

— Podem chamar o mé dico? Ou enfermeira? Quero ir


embora.

Mason andou até mim e apertou um botã o pró ximo à


minha cama. Logo a enfermeira chegou e, em seguida, o
mé dico. Junto deles, todas as dores voltaram. Declan me curou
temporariamente apenas para poder conversar comigo, ilho
da mã e! O mé dico nã o me liberou, prescreveu mais remé dios e
determinou que eu iria embora apenas na quarta-feira, apó s
tomar doses de vitamina no soro, pois, segundo ele, tinha uma
anemia que deveria ser tratada.

Minha mã e foi avisada sobre o que aconteceu comigo e,


para minha surpresa, apareceu com Chon no hospital na terça-
feira. Mason e Lucien nã o quiseram sair do quarto e Chon
estava possesso por isso, mas ao menos nã o estava fazendo
escâ ndalo.

— O que você s querem? Vieram rir da minha desgraça?

— Que coisa, hein, pirralha. Diziam que eu nã o cuidava de


você , mas bastou um dia fora de casa para quase morrer.

— Com certeza foi a praga que você jogou em mim.

— Pode ser. — Ela deu de ombros. — Quando vã o te


liberar?

— Por que quer saber?

— Você sabe demais, Jade... Ou continua conosco, ou já nos


disseram que virã o atrá s de você . — Chon cochichou,
tentando nã o deixar tã o à s claras tudo que falava.

— Desde quando você se importa?


— Nã o me venha com drama, Jade — disse, fazendo pouco
caso. — Nã o vai apresentar seus amigos?

— Nã o.

— De onde se conhecem? — perguntou, olhando para


Mason e Lucien.

— Se ela nã o faz questã o de contar, eu faço menos ainda —


Mason respondeu com uma expressã o nada amigá vel. Ela se
contorceu em descontentamento.

— Foi com um deles que você a viu, Chon?

— Nã o, ele nã o está aqui.

— Seguiu o caminho da mamã e, nã o é ? Enquanto ingia


dar uma de santa trabalhadora e estudiosa, en iada nos livros,
na verdade, estava biscateando e buscando os homens ricos
por aı́. Nã o foi com eles que Chon te viu no domingo, e nem
que você sofreu o acidente, entã o, me diz, virou puta mesmo?
O que você está aprontando? Sã o policiais?

Ela praticamente rosnou a ú ltima pergunta. Seus olhos


estavam focados, cheios de raiva. Notei suas mã os tremulas.
Ela nã o estava sob efeito de drogas, mas já se sentia
necessitada delas, e isso a tirava o controle també m.

— E, mã e, virei acompanhante de homens ricos. Conheci


todos eles na biblioteca onde eu trabalho e estudo.

Meu sarcasmo a fez perder o controle. Ela veio para cima


de mim furiosa, mas Chon a segurou.

— Chon, eu nã o tenho interesse na vida de você s, nã o vou


dizer nada à polı́cia, e nem sobre “os policiais”. Apenas me
deixem em paz.

— Isso nã o depende só de mim. Eles nã o querem saber se


você é ilha dela já que, bom... nã o preciso falar. Entã o, ou você
é cumplice, ou você é inimiga, Jade. Acho bom você voltar
como se nada tivesse acontecido, ou todos irã o ter
consequê ncias por isso.

Suspirei.

— Nos vemos amanhã .

Seguranças já aguardavam na porta, prontos para fazê -los


saı́rem, de certo ouviram a explosã o da minha mã e. Nã o quis
conversar sobre eles e Mason e Lucien respeitaram meu
silê ncio. Pedi um tempo sozinha e, antes de saı́rem do quarto,
entregaram-me um celular, mas nã o falaram nada. Segundos
apó s saı́rem, ele vibrou na minha mã o e o nome Killian
apareceu na tela.

— Killian?

— Ei! Jade! Como é bom ouvir sua voz... Como está?

— Minha mã e e Chon acabaram de sair daqui. Se


tivé ssemos conversado antes de eles virem, diria que estava
bem, mas agora, estou triste.

— Isso logo vai acabar... — Resolvi nã o contar que amanhã


teria que voltar para aquela casa, nã o havia nada que Killian
pudesse fazer por agora. — Espero que Mason e Lucien estejam
te tratando bem.

— Eles nã o precisam icar aqui o tempo todo.

— Um minuto que icaram fora do quarto, Declan apareceu.


Então... Precisam sim.

— Por que Declan disse que se ele nã o me matar, você vai?
Novamente, o silê ncio carregado de uma descon iança que
eu tanto odeio, surgiu na ligaçã o.

— Killian?

— Você me ama, não ama?

— Sim.

— Con ia em mim?

— As vezes.

— Jade!

— Killian, o que isso tem a ver?

Ele suspirou.

— Tudo que precisa saber é que eu não faria nada para te


machucar. Con io no sentimento que tem por mim, e tudo que
quero é ser livre com você, só com você. Vou tirar você desse
buraco, cuidar de você e ser tudo para você, acredite em mim...

Eu respirei fundo, ele pigarreou e mudou de assunto.


— Kurt fez um bom trabalho comprando as roupas, ele me
contou sobre como te enganou com a vendedora.

Eu ri e, depois disso, engatamos em uma das nossas


conversas longas e, à s vezes, sem sentido, com minhas loucas
perguntas. Ele me contou que alguns homens estranhos foram
na biblioteca no perı́odo da tarde no domingo, pouco antes do
acidente. Disse també m que a senhora Mevis deveria aparecer
aqui hoje. Quis chorar de emoçã o ouvindo-o contar o quanto
ela parecia a lita por nã o me ver. Nó s encerramos a ligaçã o
com quase duas horas de duraçã o. Era hora do almoço e, por
mais que eu goste do Killian, queria me concentrar na comida.
Pouco depois, como comentou, a senhora Mevis apareceu,
toda descon iada e discreta, mas notei o quanto ela se
esforçou para segurar a emoçã o. Ficou por uns trinta minutos
e foi embora, mas isso melhorou muito meu dia.

No inal da tarde de quarta-feira, fui liberada. Com mil e


uma receitas de remé dios e vitaminas, duas muletas e uma
data de retorno para retirar os pontos e checar a perna. Era
feriado nacional, as ruas da pequena cidade estavam vazias,
pois boa parte dos moradores tinham ido viajar. Nã o iz nada o
dia todo, mas já estava cansada quando cheguei à faculdade.
Mason e Lucien me deixaram lá e foram embora depois de eu
muito insistir que poderia caminhar sozinha pela lateral. Vi
que icaram parados me olhando até eu chegar ao inal do
caminho e entrar pelos fundos, trajeto que demorou um
pouco, já que ainda estava toda desajeitada com as malditas
muletas. A faculdade estava um completo silê ncio, o “covil” do
Killian icava um pouco longe dali, eu já estava sem paciê ncia
de andar com uma mochila nas costas e as muletas. Queria
gritar e chamar Killian para me ajudar, mas ao mesmo tempo,
minha teimosia me fazia continuar, a inal, eu nã o era fraca. Só
preguiçosa... à s vezes.

Um calafrio me fez entrar em estado de alerta. Parei de


andar e olhei para os lados.

— Isso nã o tem graça — sussurrei.

Vozes femininas começaram a sussurrar, vindas de todos


os lados. Comecei a ver vultos me rodeando, sombras. Puta
que pariu! Fantasmas! Espı́ritos! Puta merda, como chamo
isso? O que eu faço? Virei para um lado e tentei correr
desajeitadamente, mas vi uma mulher parada em meu
caminho. Quase chorei de medo e pavor, mas o choque me fez
travar. Virei novamente para onde estava e congelei, vendo a
mulher, o espı́rito, a apenas um passo de mim. Ela foi rá pida,
segurou meus dois pulsos e, quando tentei gritar, minha voz
nã o saiu. De repente, imagens foram aparecendo em minha
mente. Ela queria me mostrar algo, mas eu só sentia medo,
puro e cristalino pavor.
Eu a vi em vida, pude reconhecê -la. Estava em uma casa
muito antiga, ela foi até uma pequena estante e pegou um
livro. As imagens passavam em minha mente de forma rá pida
e resumida. Era difı́cil acompanhar, mas pude reconhecer o
livro: era o de Killian, “O monstro do amor”. Ela sentou em
uma pequena cadeira de madeira numa varanda e abriu o
livro, suas roupas e o local me remetiam o sé culo passado. Ela
começou a ler o mesmo livro, a mesma histó ria, eu pude sentir
o amor nascer dentro dela. Pouco depois, Killian se
apresentou a ela, vestindo roupas da é poca e um penteado
diferente. Queria parar de ver, mas nã o tinha controle de nada.
Ela tinha. Vi o romance acontecer entre os dois, vi ele beijá -la,
mas seus olhos eram tã o vazios de sentimentos, nada se
parecia com o Killian que eu conheço. Tudo pareceu acontecer
muito rá pido. Eu nã o ouvia suas conversas, mas conseguia
deduzir tudo com clareza. Ela lia com rapidez e frequê ncia.
Quando estava no im, eu a vi de pé de frente para uma mesa,
ela olhava para o livro e consegui ler com clareza o que dizia
na ú ltima pá gina.

Pela primeira vez, ouvi suas vozes.

— Você tem certeza de que isso irá funcionar?


— Você me ama, não é? Só precisamos de um pouco do seu
sangue nesse livro e assim icaremos livres para vivermos nosso
amor.

Ela fez que sim, mas senti toda a sua insegurança. Killian
pegou uma faca e ela estendeu a mã o. Ele a beijou no rosto e
ela fez um sinal para ele continuar. Ele a cortou bem
pouquinho e deixou algumas gotas de sangue pingarem no
livro. Ficaram aguardando alguns segundos. Ela perguntou
algo e ele se voltou para ela furioso. Gritou, eu nã o ouvi as
palavras, mas ele a chamou de mentirosa, tenho certeza, pude
ler em seus lá bios. Mas em um ato totalmente inesperado por
mim, ele simplesmente en iou a faca no abdô men dela. Nã o
contente, ele a girou, ferindo-a ainda mais. Eu queria parar de
ver aquilo, era demais para mim, a decepçã o era uma
avalanche em meu ser, esfregando na minha cara tudo que nã o
consegui ver sozinha.

O olhar traı́do dela para ele o fez cair em si, mas nem isso o
fez se pronti icar a ajudá -la. Acho que, no fundo, ele queria ver
se, no caso de ela morrer, com sua vida paga, iria funcionar e
ele iria se libertar. O espı́rito me soltou e eu só tive tempo de
respirar fundo, outro espı́rito veio e fez o mesmo, e depois
mais outro. Eu via a histó ria se repetir, mas desta ú ltima vez, a
mulher o enfrentou, e ela me deixou ouvir toda a verdade que
eu já deveria ter descoberto no livro.

— Mas, Killian, tudo o que você fez foi errado. Desde o início
você tem me manipulado, assim como fez com Dahlia!

— Eu amava Dahlia!

— Não! Ela era conveniente para você! Você estruturou todo


um plano para fazê-la usar magia em você, sabendo que não
poderia ser revertido. Você só se aproximou dela porque sabia
do que ela seria capaz. Você matou a melhor amiga dela e
colocou a culpa em um vampiro, para travar uma guerra e
motivá-la a fazer tudo pela vingança! Você é um monstro!

Ele icou tã o furioso que ela nã o teve tempo de ter uma
reaçã o, suas garras vieram certeiras no rosto dela com um
grande impacto, ela caiu morta no chã o.

Elas me izeram ver tudo, alertando-me que logo eu seria


apenas mais uma. As palavras de Declan começaram a fazer
sentido, eu me senti tã o suja, o pior dos seres humanos. A
verdade estava na minha cara e eu nã o enxerguei, eu nã o quis
enxergar... Como ele pode me beijar daquele jeito, ingir se
importar comigo como fez e, em sua mente, tramar minha
morte?

Comecei a chorar desesperadamente, os espı́ritos ainda


estavam ali, mas, pouco a pouco, foram sumindo, a inal, já
tinham passado sua mensagem. A dor da traiçã o e decepçã o
foi crescendo no peito e subindo pela garganta, a â nsia de
vô mito vinha até o ú ltimo. Era horrı́vel, como ele pô de?
Cheguei a acreditar que... que ele estava começando a sentir o
mesmo por mim. Como pude ser tã o estú pida? Tinha certeza
de que tinha visto o sentimento em seus olhos... Como fui
idiota, ingê nua... Agora entendo porque Dahlia fez o que fez...

— Jade? — Escutei a voz do Killian ao longe. — Jade, o que


houve?! — Seus passos rá pidos vinham em minha direçã o.

— Nã o! Nã o! Nã o se aproxime!

Eu me esforcei e consegui me levantar. Killian parou


quando eu gritei para nã o se aproximar. Eu o enxergava todo
embaçado pela nuvem de lá grimas em meus olhos.

Respirei fundo, passei a mã o nos meus olhos e agarrei


irme minhas muletas. Corri para fora da faculdade, quase
caindo por umas trê s vezes. Killian apenas andou, sem fazer
mençã o de querer me alcançar, olhando-me confuso. Quando
cheguei onde ele nã o poderia me alcançar, comecei a pensar
em tudo que eu queria falar ou gritar para ele, mas nada saı́a.

— Como você pô de? — perguntei, voltando a chorar.

O bolo em minha garganta nã o me deixava continuar.


Sentei-me no chã o, derrotada.

— Jade...

— Como você pô de matar aquelas mulheres? Você ... você


ia fazer o mesmo comigo...

— Como você ... como... O quê ?

— Você me enganou desde o começo, ingiu que se


importava, fui o alvo mais fá cil, nã o fui? Por isso me escolheu?
— Comecei a deduzir, minha mente trabalhando sem parar em
teorias. — Eu era a mais propı́cia a cair de amores por você .
Sempre me via sozinha pela faculdade e cheia de problemas
na famı́lia, achou que eu seria um alvo fá cil nessa nova era em
que você quase nada conhecia.

— Jade, do que está falando?


— NAO SE FAÇA DE CINICO!

— Eu sei o que iz no meu passado! Foi por isso que


demorei mais de cinquenta anos para tentar de novo!

— Por quê ? Ningué m que passou por aqui era tã o


visivelmente estú pida como eu para você arriscar? Desta vez
queria acertar?

— Jade...

— Cala a boca! Cala a boca, Killian, você ... você ... — Eu


voltava a chorar. Ele se atreveu a fazer o mesmo, parecia
desnorteado. Eu quis dar com a minha muleta na cara dele,
tamanho era o ó dio que eu sentia por vê -lo ainda tentar
manter a má scara. — Você usou dos meus sonhos, das minhas
curiosidades e fraquezas para oferecer a mim tudo que eu
sempre sonhei, mesmo eu tendo negado o que tinha oferecido
antes. Você me manipulou e eu nem sequer percebi! Eu me
apaixonei perdidamente, dei a minha alma para você e você ...

— Eu nã o queria que fosse assim, mas eu juro, juro por


tudo, que eu nã o ia te matar, eu nã o faria isso... Você é
diferente para mim. Desde o inı́cio...

— Você espera que eu acredite?


— Eu nã o mereço, eu sei... Eu me arrependo fortemente do
que iz com elas. Mas a culpa nã o é só minha, a Dahlia, ela...

— PARA! PARA DE TENTAR JUSTIFICAR! Isso nã o tem


justi icativa! Você as matou e ponto inal!

— ME ESCUTA! POR FAVOR! Eu te imploro, apenas me


escuta!

— Eu nã o consigo nem sequer olhar para sua cara e nã o


querer vomitar.

— E você tem razã o, eu... eu sou um monstro, eu fui cruel,


mas... E diferente! Esse lugar tem uma magia que inibe tudo
que eu sou, cada dia aqui é uma tortura para minha mente e
minha natureza de lobo. Eu nasci para ser livre e Dahlia faz
algo que... me cega.

— MENTIRA! Isso é mentira! Você conseguiu parar


comigo, porque era conveniente para você ! Porque eu ainda
nã o tinha tentado colocar meu sangue no livro e só por isso
você parou!

— Você tem noçã o do quanto isso me doeu? Até agora nã o


entendo como você conseguiu me fazer parar, pensei que ia te
estraçalhar lá dentro, Jade, meu interior, meu lado animal, era
tudo que eu queria fazer... mas, quando ouvi seu pedido, meu
cora... minha mente tomou conta, eu consegui voltar para
você .

— Eu sempre tive razã o sobre você ...

— Do que está falando?

— Que você iria me machucar mais do que qualquer um já


tinha feito. — Levantei-me. Vi Killian começar a icar agitado
andando de um lado para o outro, como um leã o preso em
uma jaula.

— Jade, nã o vai... Nó s precisamos conversar. Tem mais


coisas que você precisa saber antes de tirar conclusõ es
precipitadas.

— Adeus, Killian. — Dei poucos passos e ele gritou meu


nome a plenos pulmõ es.

— Jade, eu me apaixonei por você ! — Travei. Como ele


ousa? — Perdidamente e enlouquecidamente. Esse
sentimento me sufoca, porque eu sei que eu nã o sou digno de
você , ou de sequer sentir isso, mas, por favor, nã o me deixe.
De repente, a terra começou a tremer, ele me olhou
assustado.

— CORRE, JADE! POR FAVOR, VEM! — Por puro impulso,


tentei chegar até ele, mas fui puxada por magia e jogada para
longe, bati com a lateral do meu rosto em uma pedra no
gramado. Minha perna dava rajadas de dor e eu gritei por
causa dela.

— Você nã o acreditou nele, nã o é mesmo, Jade? — Declan


rosnou, de repente, bem na minha frente.

— Declan...

Ele me levantou com magia e me manteve lutuando no ar,


levando-me para o lugar em que eu estava inicialmente. Uma
mulher apareceu na minha frente e vá rias outras pessoas
foram parando a poucos metros de distâ ncia. Bruxos...

Uma morena de olhar maldoso e con iante parou na minha


frente. Olhou-me com desgosto e virou-se para Killian.

— Eis que sinto cheiro de desespero no ar — ela zombou.

— Dahlia, eu... — comecei a falar.


— Nã o dirija a palavra a mim, garota.

— Eu... — Tentei novamente falar, mas ela simplesmente


me feriu mais. Por que ela tem tanta raiva de mim?

— PARA! PARA! VOCE VAI MATA-LA!

Killian gritou, eu podia vê -lo andando de um lado para o


outro, mas toda vez que tocava a proteçã o que o impedia de
sair, era repelido e parecia sentir dor, mas tentava a cada
momento.

— Nã o é como se você se importasse, nã o é mesmo?

— Você nã o sabe de nada, Dahlia, deixe-nos em paz.

— Paz? Paz? E isso que você quer depois de tudo que fez?
Acha que merece ter paz?

— Entã o deixe-a ir, e tudo voltará a ser como antes. Eu ico


preso aqui, mas ela vai embora, viva.

Ela fez uma cara de deboche, como se estivesse pensando e


o pior: tendo ideias.

— Hum... nã o, eu acho que nã o.


— Dahlia, se você tocar nela, eu juro que...

— Que o quê ? Você está aı́, preso... e eu, bom... estou aqui,
com ela...

Veio ao meu lado e tocou minha bochecha, vi a mã o dela


sair suja de sangue. Estava tã o perturbada que nã o senti o
sangue escorrer no meu rosto.

— Nã o é sempre que você está desse lado, Dahlia, ou


preciso contar as vezes que você veio me oferecer liberdade
em troca de eu voltar a ser seu?

Os bruxos ao redor icaram horrorizados, eu só consegui


olhar para Declan, ele nã o expressou nenhuma reaçã o.

— Você pode inventar a mentira que quiser, ningué m aqui


vai acreditar.

— E mesmo? Bom, eu posso contar todos seus cortes de


cabelos dos anos em que te vi durante meu tempo aqui, e bem,
a ú ltima vez foi há 20 anos, você estava bem moderna para a
é poca, mas preciso admitir que eu gostei. Declan deve ter
gostado també m, nã o é Declan?
De repente, fui posta de joelhos e chorei sem pudor com a
dor que sentia. Declan se afastou para que Dahlia assumisse o
comando. Uma faca surgiu na mã o dela e ela foi para trá s de
mim. Vi pelo olhar do Killian que ela levaria aquilo a diante,
ele estava assustado demais.

— Para... Para, você nã o pode matar ela!

— E mesmo? Nã o posso? Por quê ?

Nã o tinha um porque, ningué m ali estava interessado na


minha vida. O desespero em Killian era palpá vel.

— Por que quer me matar, o que eu iz pra você ? —


perguntei, minha voz saiu trê mula, a dor que eu sentia era
muito forte.

— Você é só um efeito colateral, menina... nada pessoal.

— Eu ia quebrar a maldiçã o, nã o é ? — perguntei,


começando a entender.

— Nã o, nã o ia.

— Entã o porque veio tã o rá pido quando ele confessou


estar apaixonado por mim?
— Eu só estou buscando um pouco de diversã o, só isso. E
você será o espetá culo — desconversou, mas a senti nervosa.
E entã o tudo fez sentido.

— Killian, nã o é o meu sangue que tem que ser derramado


no livro. E o seu!

Todos icaram confusos e fazendo comentá rios.

— Sangue com amor tem que ser derramado. Killian é


incapaz de amar!

— Ele foi incapaz de amar você ! Oh, meu Deus! E claro!


Você é tã o segura de si que imaginou que se ele nã o foi capaz
de te amar, ele nã o seria capaz de amar ningué m! Viu isso se
repetir atravé s dos anos, mas agora que...

Ela começou a me enforcar com sua magia, meus olhos


estavam em Killian. Eu escutava, sentia o desespero e a pressa
dele para sair da faculdade, até que, com um rugido feroz,
conseguiu. Sua saı́da causou uma explosã o gigantesca de
magia. Fui jogada para longe de novo, estava fraca e com o
corpo todo doendo, mas tentei ver o que acontecia ao meu
redor. O lobo grande e preto estava com um dos bruxos na
boca, estraçalhando-o. Era horripilante, mas eu queria que ele
vencesse aquilo. Comecei a tossir e senti o gosto de sangue na
boca, meus olhos quase nã o paravam abertos quando uma
mã o segurou e puxou meus cabelos para trá s. Quase nã o senti
seu toque hostil e bruto, sabia que falta pouco para eu
desmaiar.

— PARA! PARA AGORA! — Era ela, Dahlia. Senti a lâ mina


a iada em meu pescoço.

Killian parou e voltou ao normal, nu. Somente mais trê s


bruxos haviam sobrado, e Declan e Dahlia.

— Solta ela — ele ordenou com di iculdade, parecia nã o


respirar. O que houve?

— Você pode estar do lado de fora, mas está usando toda


sua força para se manter aqui. Nã o irá durar muito tempo,
precisa voltar.

— E nã o voltarei para dentro sem ela, eu a quero, agora.

— Ela você nunca terá .

— Dahlia, eu faço qualquer coisa, o que você quer? Apenas


a deixe viver.
— Quer ver uma coisa, menina... Eu vou te mostrar quem é
Killian Davies — ela sussurrou em meu ouvido, e eu sabia que
apenas eu tinha escutado. — Você nã o precisa mais dela para
se livrar da maldiçã o, Killian. Você icará livre, contando que a
mate.

— Pare com seus joguinhos, Dahlia. Nã o vai funcionar.

— Eu sou uma mulher de palavra, ou você já se esqueceu


disso? Tudo que precisa é matá -la e terá sua liberdade.

— Demorou centenas de anos, mas eu entendi a maldiçã o.


Ela nã o tem que pagar com a vida para eu ser livre, você quem
a mataria por saber que eu me apaixonei por algué m que nã o
fosse você !

Ela bufou de ó dio.

— NAO. Você nã o merece icar livre! Nã o depois de tudo


que fez!

— Eu nã o mereço, mas ela merece, entã o deixe-a fora


disso! — rosnou, feroz.

Ela já nã o tinha estruturas para aquilo, sabia que tudo que
havia feito por anos estava desmoronando. E eu, bom, eu sabia
o que ia acontecer.

— Você se apaixonou mesmo por ela? Do que abriria mã o


para mantê -la a salvo?

— De tudo.

— Da sua vida?

— Nã o, nã o... — comecei a resmungar como pude.

— Tudo, Dahlia.

Ela formou uma bolha em volta do Killian e dentro dela


tinha uma grande adaga.

— Sua vida em troca da dela.

— Nã o, nã o, nã o... ela está mentindo. — Sinto que levei a
eternidade para conseguir falar essa pequena frase, usei toda
minha força para manter meus olhos focados em Killian, ele
nã o podia fazer isso.

— Que escolha eu tenho, Jade? — perguntou, derrotado, se


colocando de joelhos no chã o.
— Nã o faz isso — supliquei, vendo-o colocar a adaga em
seu pró prio peito. Era prata, de acordo com as lendas, isso iria
matá -lo!

— Nã o se preocupe, ele nã o faria isso por ningué m. E


egoı́sta demais para se importar com qualquer outra vida —
sussurrou novamente para apenas eu escutá -la. Era uma
luná tica, todos ali viam que ele ia fazer, e ela tinha fé que nã o.

Olhando para mim, com os olhos cheios de palavras nã o


ditas, sentimentos nã o expressados e uma vida inteira ao meu
lado nã o vivida, ele en iou a adaga em seu peito, devagar. Suas
mã os tremiam com a força que fazia e segurava o impulso de
nã o tirar. Gritei e chorei. Ele me amava... Ele me amava de
verdade.

— Nã o, Killian!!! — gritei.

Ele ainda nã o tinha desmaiado, se deitou no chã o e sorriu


para mim como se dissesse que tudo icaria bem. Mas nã o
icou. Dahlia, descrente que ele tinha feito mesmo aquilo,
estourou a bolha que o mantinha isolado e se jogou no chã o,
chorando feito uma louca, nã o acreditava que tinha perdido.
Eu tentei me arrastar até ele, que estava quase perdendo a
consciê ncia, tinha muito sangue. O má ximo que consegui
alcançar foi sua mã o. Ele me olhava em despedida.
Conseguimos entrelaçar nossos dedos, mas seu olhar se
tornou assustado. Achei que ele estava partindo, mas
segundos depois senti algo atravessar meu peito. De imediato,
engasguei com um lı́quido viscoso que vinha do fundo do meu
ser.

— Você prometeu. — Eu o escutei sussurrar, mas nã o


iquei acordada para ouvir a resposta.
Acordei no susto. Estava na biblioteca, ensanguentada e
muito assustada, mas isicamente bem. Vi o livro “O monstro
do amor” em cima da mesa, nã o entendi o que estava
acontecendo. Só sabia que tinha que pegá -lo e correr de volta,
e foi o que eu iz. Quando cheguei, olhei para o chã o e me vi
caı́da ao lado do corpo de Killian. Dahlia me olhou e nã o
entendeu nada també m. Ela tentou usar magia em mim.
Fechei os olhos esperando o baque e, para minha surpresa,
nada aconteceu.

— O que, o que você ...

Eu nã o sabia o que estava acontecendo, nem ela. Só joguei


o livro na poça de sangue ao lado dos nossos corpos e esperei
alguns segundos. Nada aconteceu.

— Nã o ouse me deixar agora, o mı́nimo que você pode


fazer por mim é acordar para eu te bater! Killian! Killian! —
gritei, exaltada.

Eu nã o sabia ver pulsaçã o ou coisa do tipo, mas virei seu


corpo e me assustei vendo ainda mais a quantidade de sangue
que estava ali. Puxei com toda minha força a adaga do seu
peito, esperei mais alguns segundos, e nada aconteceu.

— PORQUE VOCE ME TRAIU ASSIM! — Dahlia gritou para


Declan.

— Nã o vou me dar o trabalho de te responder — Declan


estralou o dedo e Dahlia sumiu. Fiquei abismada com o poder
desse homem.

— Por favor, salve ele... — supliquei.

— Nã o — respondeu, me olhando com raiva.

— Eu te imploro!

— Nã o... eu nã o devo nada a ele.


— Nã o importa, faça como sua boa açã o do ano! — insisti.

— Você foi minha boa açã o do sé culo, Jade. Se dê por
satisfeita.

Senti movimentos no corpo do Killian. A ferida ainda


estava ali, mas ele parecia começar a recobrar a consciê ncia.
Abracei-o apertado, provavelmente estava o machucando, mas
precisava tentar aliviar algo das intensas emoçõ es que eu
sentia.

— Como pode ainda amar um monstro com ele? — Ele me


olhava em um misto de nojo e, també m, curiosidade.

— Ele aprendeu a me amar.

— Nã o muda tudo que fez!

— Vou fazê -lo se redimir, eu prometo.

Ele olhou com nojo para Killian.

— Nã o pense, nem sequer por um segundo, que eu te


salvei por você , ou por ele. E que deixei você libertá -lo por
bondade. Só o iz porque ele foi iel a você ! Quando notei a
intençã o de Dahlia, quando vi que ainda o queria, eu te protegi
com um feitiço. Se ela te matasse, você voltaria a vida, mas se
ele o izesse, bom, apenas aconteceria o que todos esperavam,
e você continuaria morta. Usei os dois para testá -la e ela
reprovou.

— Mesmo assim, obrigada, Declan.

— Se ele sair da linha, eu voltarei e o que vai aguardá -lo é


a morte.

— Ele nã o vai sair... Ei, Declan... Espero que você encontre
algué m que o ame de verdade.

Ele soltou uma bufada. Antes que desaparecesse, eu o


chamei novamente.

— O que vai acontecer com Dahlia? E você ?

— Dahlia vai pagar pelo o que fez. Ela o manteve aqui por
interesse pró prio e será julgada pelo coven. Killian matou
aquelas garotas que você viu, mas aquilo sã o apenas projeçõ es
feitas por Dahlia, ela te manipulou.

— E... tudo que eu vi, aconteceu daquele jeito?


— Nem tudo, mas nã o diminui a culpa dele. Nunca se
esqueça do que ele já foi capaz de fazer.

— Sei disso, nã o vou esquecer.

— Ela nã o vai mais aparecer na vida de você s, entã o se


mantenham na linha para eu poder fazer o mesmo.

E entã o ele desapareceu diante dos meus olhos. O meu


corpo, que estava ao lado de Killian, desapareceu també m, era
apenas uma ilusã o para enganar Dahlia e me dar tempo.
Killian abriu os olhos devagar, mas depois se sentou depressa,
olhando para os lados.

— Calma, acabou... Acabou, Killian, estamos livres.

— Nã o, eu vi... eu... — Ele colocou a mã o na cabeça e fez


uma careta de dor. — Declan... Ele se voltou contra ela, nã o
foi? — Concordei com a cabeça. — Ele nã o era tã o burro
quanto eu pensava...

Respirei fundo, ele fez o mesmo. Seu corpo ainda estava


sujo de sangue, ele ainda estava nu, seu rosto estava ferido e,
mesmo assim, era tudo que eu queria ver.
— Me perdoa... Me perdoa por tudo que eu te iz passar,
mas eu juro, desde que te conheci, nunca foi minha intençã o...
Eu... — Ele se engasgou. — Eu te amo, Jade. Conhecer o
sentimento com você e ver o tipo de dor que posso in ligir em
quem sente o mesmo me fez me sentir ainda mais horrı́vel do
que sentia já há dezenas de anos. Mas eu simplesmente nã o
conseguia parar de querer mais e mais de você .

Eu recuei um pouco e suspirei.

— O que você fez nã o foi certo.

— Sinto muito por isso.

— Foi horrı́vel.

— Eu nã o tenho desculpas para dar, só que... era minha


natureza presa. Dahlia mexia com a minha cabeça, com meus
instintos, nunca foi só a minha maldade.

— Só quando foi com ela... — comentei, lembrando-me do


inı́cio da sua histó ria, lá ningué m mexia com a cabeça dele.

— Sim, eu era jovem demais e os erros que cometi foram


horrı́veis, mas... Olhe, vou entender se você quiser icar o mais
longe possı́vel de mim e respeitar. Mas eu juro, com todo meu
coraçã o, que é você . Que eu nunca lhe faria mal e que morreria
mais mil vezes por você se fosse preciso. E você , tive que icar
preso aqui para poder te encontrar. Eu te amo, Jade, e se você
disser que sim, passarei nossa vida inteira recompensando
você por tudo que lhe causei.

— Você vai ter que aprender a cozinhar, eu gosto muito de


comer.

— Faço um banquete toda noite só para você .

— Você vai ser a sobremesa?

Ele riu e me puxou em sua direçã o. Fui com empolgaçã o


para seu colo e Killian gemeu de dor.

— Desculpa, desculpa... — Abraçou-me e eu a ele.

Escutei barulho de carros parando, vi os amigos dele


correndo em nossa direçã o e Melvin parado no canto com o
celular na mã o. Ele nã o se mete em lutas, mas é de grande
ajuda.

— Que merda, hein cara! Fico anos sem vê -lo e, quando
vejo, você está pelado? — Mason resmungou, ingindo nojo,
mas abraçou Killian.
Enquanto eles se reencontravam, fui até Melvin e abracei-
o.

— Obrigada.

— Eu nã o iz nada.

— Kurt disse que o senhor també m gosta de mim, como a


senhora Mevis.

— Nã o gosto de fazer parte da maioria. — Deu de ombros


e piscou para mim. — O que vai fazer agora?

— Eu... nã o sei.

— E claro que nó s vamos embora, para bem longe... —


Killian respondeu vindo até nó s.

— Nã o deixe de se despedir da senhora Mevis...

— Nã o sei se ela gostaria que eu fosse até a casa dela —


comentei, em dú vida. Ela nunca me convidou para ir até lá .

— Acho que ela icaria arrasada se nã o fosse.

Sorri.
Kurt chegou carregando algumas das coisas que estavam
no covil de Killian. Acredito que eram nossas roupas e os
poucos pertences dele.

— Acredito que você nã o tenha ido ao quarto do Killian


antes de tudo acontecer, Jade... E uma pena. Killian tinha
preparado uma surpresa pra você .

— Ah, merda — Killian colocou a mã o no rosto, parecia


envergonhado.

— O que era? — perguntei curiosa.

Nó s ainda está vamos nos fundos da faculdade. Killian


vestia uma bermuda para poder sair dali, enquanto Kurt e
Mason riam. Eu, Lucien, Douglas, que eu acabei de conhecer, e
Melvin, olhá vamos curiosos para os dois.

— Ele tinha colocado velas pelo cô modo e... — Todos


começaram a rir, exceto eu. — Tinha pedido uma pizza.

— Ah, é verdade. A pizza fui eu quem trouxe — Melvin se


pronunciou.

— Você s já izeram isso? Preparam um encontro


româ ntico? — perguntei para eles e todos responderam um
nã o como se aquilo fosse a coisa mais brega do mundo. — E
estã o todos solteiros, né ?

— E, logo a hora de você s vai chegar. Vã o ver! — Killian


disse me puxando para ele.

Todos responderam com “até parece” ou coisa do tipo, mas


eu sabia que, no fundo, até eles sabiam que o momento deles
iria chegar. Leve o tempo que for... Bom, agora com Killian
livre, eles irã o envelhecer como mortais, entã o, nã o poderiam
demorar tanto.

— Está pronta para ir?

Killian me perguntou antes de irmos para o carro. Olhei


em direçã o à minha casa, onde... aquela que eu sempre chamei
de mã e, morava. E Chon.

— E se nó s... hum.... e se eles...

— Você quer se despedir. — Deduziu.

— Nã o sei o que eu quero — falei com lá grimas nos olhos
e a voz falhando. — Eles... quer dizer, eu nã o sei porque eu
quero.
— Ei, nã o há nada de errado nisso. Ela é a sua mã e e eu
nã o vou te julgar porque você quer vê -la uma ú ltima vez.

— Eu nã o deveria querer.

— Me surpreenderia se nã o quisesse.

Killian estava sujo de sangue e nã o queria entrar naquela


faculdade de jeito nenhum, entã o tivemos que improvisar para
nos limpar e podermos ir para minha casa. Ele pegou uma
garrafa de á gua que tinha no carro do Kurt e molhou duas
camisetas. Passamos pelas partes do corpo que nã o seriam
cobertas pelas roupas limpas que vestimos, ele com calça e
jaqueta jeans e eu com calça jeans e moletom. Calçamos
sapatos mesmo sem meias e entramos no carro de Kurt para
irmos. Todos os outros nos seguiram, mas icaram vigiando na
rua.

Por sorte, a casa parecia silenciosa, entã o ningué m de fora


estava ali. Entrei pela porta da frente com Killian logo atrá s de
mim. Caminhei devagar, nã o escutava som nenhum. O carro do
Chon nã o estava na garagem, será que eles saı́ram? Eles nã o
costumam sair. Fui silenciosa até o corredor onde icava meu
quarto e vi a porta aberta. Quase caı́ para trá s quando vi
minha mã e sentada na minha cama, que tinha uma colcha
bonita estendida nela. Ela olhava para janela, perdida.

— Mã e?

Levantou-se, assustada.

— Chon já voltou?

— Eu nã o sei do Chon...

— Bom... como você nunca chegava, achei melhor ele ir te


buscar — ela respondeu, mas desviou o olhar, nã o conseguia
me encarar.

— Eu... hum... — Dei um passo a frente. — Por quê ?

— Achei que há essa hora esse povinho que você tem
andado já teria te abandonado — disse com desdé m olhando
para trá s de mim.

— Eu nunca vou deixá -la — Killian avisou.

— Veremos!

— Mã e, eu... eu vim dizer adeus.


— O quê ?

— Eu... eu. Eu vou embora, com Killian. — Minha voz


voltou a icar embargada.

Por que era tã o difı́cil dizer adeus para ela? Ela sempre me
fez tã o mal.

— Você acha que ele vai cuidar de você ?

— Acho.

Ela virou para a janela e endureceu a postura.

— Entã o vá . Qualquer lugar longe daqui será melhor para


você .

— Mã e, eu amo o Killian, mas se você disser que você quer


sair dessa vida, nó s levamos você , eu... nó s vamos dar um jeito.
Você pode curar o seu vı́cio e...

— VAI EMBORA, JADE! Vai embora e nunca mais volte! Eu


tive um milhã o de oportunidades para ir embora e EU NAO
QUIS, nã o será agora que isso irá mudar.
— Mã e, por favor... Nó s estamos vivas, ainda há tempo de
recomeçar. Sei que nem sempre você foi assim. Quando era
jovem, você era uma boa pessoa... Nã o quer mudar? Nunca
existiu nem um tantinho de amor por mim no seu coraçã o?

— Como você pode querer perdoar tudo que te iz passar?

— Você tem uma doença, mã e. Eu só tenho 18 anos,


normalmente a gente morre, sei lá , com uns 70... Você tem
mais da metade da minha vida para ser minha mã e. Nã o
vamos perdê -la també m...

Ela olhou para Killian, como se buscasse uma reprovaçã o


da parte dele, que nã o a levaria conosco.

— Nó s podemos te ajudar, mas só se você realmente


quiser. Meus amigos conhecem pessoas importantes que
podem te colocar numa clı́nica de forma sigilosa. Você pode ir
embora sem olhar para trá s.

— E Chon?

Suspirei.

— Nó s deixamos um bilhete... Ele nã o é um drogado, nem


deve dinheiro para ningué m. Está nessa vida porque quer.
Pode ter passado a vida conosco e feito uma coisa ou outra,
mas nunca quis realmente nos ajudar.

Lá grimas começaram a escorrer do seu rosto.

— Nã o mereço sua ajuda.

— Eu quem decido isso — respondi.

Ela olhou para os lados, tinha limpado todo meu quarto.


Coisa que nunca a vi fazendo.

— Nã o, eu vou colocar você s em risco... vou...

— Nã o se preocupe com isso. Por favor, apenas diga-me


que vai se esforçar para seguir em frente.

Ela fez que sim com a cabeça um milhã o de vezes.

— Eu vou, quero melhorar... eu... vou pegar algumas coisas


no quarto.

E saiu rapidamente.

— Desculpa ter colocado você nessa posiçã o, mas é que...


— Ele negou com a cabeça me fazendo parar de cochichar.
— Ela quer melhorar, entã o ela vai. Vamos dar um jeito,
nã o precisa se preocupar.

— Essas clı́nicas custam muito dinheiro, nã o pensei direito


quando ofereci, eu...

— Preciso de um celular... Tenho que te mostrar uma coisa.

— O quê ? — perguntei, nã o entendendo a mudança brusca


de assunto.

— Assim que chegarmos ao carro, eu te mostro a quantia.


Mas... meu dinheiro nã o icou parado. Em meu bando, tenho
gê nios investidores que souberam aplicar o dinheiro para
render, anos apó s ano. Entã o, linda, dinheiro é a ú ltima das
nossas preocupaçõ es.

Fiquei aliviada, ele realmente parecia nã o se importar.

— Qual é a primeira?

— Escolher a cidade que vamos morar e a casa.

— Eu posso escolher os mó veis da cozinha?

— Para quê ? Você disse que eu que terei que cozinhar.


Eu sorri.

— Hum... estou pronta. — Minha mã e apareceu na porta


com uma mochila e uma sacola com roupas.

Sabia que tinha barreiras que demorariam a serem


ultrapassadas por nó s, mas aquilo era muito mais que eu
esperava.

— Nã o vai ser fá cil, mã e. Mas juro que vai valer a pena.

Ela fez que sim com a cabeça e seguiu em direçã o à saı́da


da casa. Killian segurou minha mã o e sorriu, puxando-me para
ir para o carro.
Naquela noite, todos fomos para a casa de Kurt, um local
grande e bonito que ico até com dó por ele ter que deixar,
mas nã o parecia se importar. Os rapazes que estavam soltos
há muito tempo sabiam mais sobre o novo mundo do que
Killian, entã o estudaram com cuidado o novo lar e escolheram
uma cidade do outro lado do paı́s, nã o muito grande, nem
muito pequena. Ideal para seus negó cios e recomeço.

No dia seguinte, despedi-me da senhora Mevis com muito


choro e coloquei em palavras tudo que ela sempre signi icou
para mim. Ela també m nã o conseguiu se conter, nã o queria
que eu fosse embora, mas icou muito feliz por eu estar
levando minha mã e para um centro de reabilitaçã o. Espero
um dia poder voltar para visitá -la. Quando está vamos
terminando de arrumar tudo na casa de Kurt para ir embora,
fui ao quarto da minha mã e e vi que ela estava em chamada
com algué m. Meu coraçã o se partiu achando que ela estava me
traindo, mas na verdade, só quis explicar para o Chon.

— “Eu não queria te deixar, mas não podia deixá-la ir


embora sem eu tentar concertar os erros de uma vida toda.

— O que eu vou falar para todo mundo?

— Que você não sabe de nada, você realmente não sabe.

— E se eles quiserem ir atrás de vocês?

— Você cuidou da Jade do seu jeito, e de mim. Mas nunca


realmente nos ajudou. Não estou reclamando, você já falou de
eu ir para uma clínica, eu quem nunca aceitei. Mas você nunca
lutou por nós.

— Essa é a minha vida.

— E era a nossa, mas não será mais. Então, se já sentiu


alguma coisa por nós, faça-os esquecer que existimos e os
convença que não falaremos com ninguém, pois não vamos
mesmo.

— Farei o possível. Espero que ique bem, Lenna.

— Estou com medo, Chon, os ataques estão vindo, eu não sei


quanto tempo mais vou conseguir icar sem as drogas antes de...

— Você tem que conseguir.

— Preciso desligar.

— Adeus, Lenna.

— Adeus, Chon.

Pigarrei e entrei no quarto, com a alma leve.

— Já estamos indo...

— Já estou pronta — ela falou e deu um minú sculo sorriso.

Eu iz o mesmo. Ajudei-a com a sacola e fomos para o


carro. Ela no banco de trá s, eu no carona e Killian ao volante.
— Ah, você sabe dirigir é ? Como? — perguntei confusa,
tentando me lembrar de quando os carros foram inventados.

— Nã o, mas eu aprendo rá pido.

— Eu acho que eu pre iro ir no carro do Kurt. E sé rio.

Ele riu.

— Eu já testei hoje de manhã , minha coordenaçã o motora


é boa, re lexos melhores ainda e já decorei tudo que tenho que
fazer, e pronto. Nã o tem segredo.

— Nó s vamos morrer.

Minha mã e estava inquieta no banco de trá s, querendo se


meter, mas tentando se conter. Antes que eu pudesse
contestar mais, ele saiu com o carro e, para minha surpresa,
ou nem tanta, ele dirigiu muito bem. Seguia Kurt e fazia tudo
que ele fazia, mas por isso, passou em trê s sinais vermelhos.
Na vez de Kurt, ele tinha passado em amarelos. Mas tudo
bem...

Cerca de duas horas antes da cidade que irı́amos morar,


paramos para deixar minha mã e na clı́nica. Era uma linda
fazenda que trazia muita paz.
— Virei te visitar sempre. Prometo — falei antes que a
levassem.

Ela estava muito inquieta e implorando pelas drogas, a


viagem foi muito longa e cansativa, mas ela se saiu melhor do
que eu poderia imaginar.

— Eu... eu... — Ela tentava falar, mas se continha, era seu


lado lú cido lutando contra o vı́cio na superfı́cie dela.

Eu sabia que, se ela falasse algo, seria para machucar,


porque estava ferida pela abstinê ncia.

Para alguns, poderia ser cruel vê -la sofrendo assim, mas,
para mim, era uma vitó ria. Ela ia vencer esse vı́cio e, quem
sabe, poderemos criar o vı́nculo que nunca tivemos.

Killian e eu nos hospedamos em um hotel e icaremos nele


até escolhermos a casa. Os outros izeram o mesmo. No
quarto, inalmente pudemos icar a só s, em paz, pois na casa
de Kurt os rapazes icaram boa parte do tempo colocando os
assuntos em dia, e eu, dormindo. Larguei minha pequena mala
no chã o e ele em seguida me abraçou por trá s, beijando meu
pescoço.
— Hum... — Virei-me para ele, que atacou loucamente
minha boca, beijando-me com ferocidade. — O que é isso,
hein?

— Você tem noçã o do quanto estou feliz? Do quanto estou


grato? — Eu sorri. — Do quanto eu quero fazer amor com
você em um lugar descente como esse... Nessa noite e muitas
outras?

Ele começou a beijar meu pescoço e suas há beis mã os


vieram desabotoar meu jeans.

— Eu quero te fazer feliz, Jade.

— Eu ico muito feliz quando me beija desse jeito.

— E mesmo? — ele riu. — Entã o, acho bom eu continuar,


nã o é ? — Fiz que sim com a cabeça. — O que mais te faz feliz?

Tirei sua blusa e camiseta.

— Sentir você bem perto de mim. Sua pele... seu cheiro.

Ele tirou toda minha roupa.


— Isso també m me deixa feliz... e excitado. — Eu ri. — Fale
mais... Amo sua voz.

— Honestamente... Acho que nã o tem nada em você que eu


nã o aprecie. Gosto quando você me seduz, sussurra em meu
ouvido tudo que pode me mostrar, quando demonstra o
quanto se importa comigo... E amo ainda mais que tudo seja
verdade.

Ele me pegou no colo, eu entrelacei minhas pernas ao seu


redor e meus braços em seu pescoço. Puxei levemente seus
cabelos pretos entre os dedos, seus olhos estavam nos meus,
ixos e cheios de sentimentos. Ele me deitou na cama e veio
por cima de mim.

— Quero que me conte algo.

— O que quiser...

— O que fez você se apaixonar por mim? — perguntei,


curiosa.

Ficou pensativo, mas nã o parado. Voltou a distribuir beijos


e mordiscar minha pele, em minha clavı́cula, pescoço, seios e,
entre as provocaçõ es, começou a falar, lenta e sedutoramente,
enlouquecendo-me ainda mais.
— Acho que foi a curiosidade... As perguntas sem noçã o. —
Eu ri. — O seu sorriso. Sua voz... cada vez que você ia embora,
eu praticamente contava as horas para ouvi-la com suas
perguntas e histó rias sobre os ilmes e livros que conhecia.
Quando vi sua essê ncia, seu coraçã o, apenas me deixei levar.
Só queria mais e mais de você , tudo que eu poderia ter, eu
queria. Sua amizade, sua con iança, seu amor, seu juı́zo. Cada
pedacinho de você . — Ele beijou o interior da minha coxa e
senti meu corpo inteiro tremer. — Enrolei como pude para
você nã o ler o livro, porque, quanto mais demorasse a
terminar, mais tempo eu teria com você me amando... —
Engatinhou para cima de mim e beijou meus lá bios. —
Quando pensei que poderia te perder, surtei. Queria o melhor
para você , sabia que era longe de mim, mas... eu já nã o sou o
mesmo daquele que você leu no livro. Sou o que você tem aqui
na sua frente. Um homem apaixonado e disposto a se redimir
e recomeçar, por você , com você ...

— Minha mã e me disse que nenhum prı́ncipe sairia dos


livros para me salvar... Você parece um prı́ncipe para mim.
Você també m está me dando um recomeço, Killian.

— Sempre ao seu lado. — Sorri ao lembrar que ele me


disse o mesmo dias atrá s, quando pedi para lutar junto
comigo.
— Sempre juntos.

Ele me beijou com a paixã o que transbordava entre nó s, e


logo me tomou como dele, de novo... Meu Alfa, meu homem,
meu amor. Eu nã o sabia o que o destino tinha reservado para
nó s, nem sequer se seria eterno, mas torcia com todo meu
coraçã o, para que no inal da nossa histó ria, tenha um “então,
eles viveram felizes para sempre.” A inal, eu tive a sorte de
encontrar o amor em um lobo que, tecnicamente, saiu de um
livro, no meu refú gio favorito que era uma biblioteca. Por que
nã o acreditar que ainda existem amores reais que terminam
no felizes para sempre? Eu acredito, e nos olhos de Killian,
vejo que ele també m...
Querido leitor, como está seu coraçã o no momento? O meu
está transbordando esperança e amor! Jade e Killian
ganharam meu coraçã o de forma tã o avassaladora, que até
tatuei no meu braço direito um lobo e uma mulher se
transformando em pá ssaros, como se estivesse se libertando.
Mesmo com uma histó ria tã o curta, espero que eles tenham
conquistado um lugar especial no seu coraçã o també m.

Muito obrigada por ter chegado até aqui e pela


oportunidade de conhecer meu trabalho!

Com carinho e gratidã o,

Lety Friederich.
Maria Letı́cia, ou Lety Friederich como é conhecida, nasceu
em 1995 no Paraná , mas foi criada no interior de Sã o Paulo.
Divide seu tempo entre ser escritora, mã e de um prı́ncipe
chamado Marcelo e sempre que pode vai explorar o mundo.
Ama ilmes, livros e sé ries, em especial romance, fantasia,
sobrenatural e suspense.

Começou a escrever em 2015, enquanto enfrentava uma


fase difı́cil na vida. Descobriu na escrita um refú gio seguro e,
atravé s dos livros, conquistou a liberdade que sempre sonhou
em ter.
Fanpage:
Lety Friederich

Instagram:
@letyfriederich

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