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2ª Ediçã o
O pré dio tinha o té rreo, onde icavam vá rios corredores
formados por prateleiras lotadas, com placas indicando que
tipo de livros os visitantes encontrariam por ali. No centro da
biblioteca icavam mesas compridas e cadeiras almofadadas
para os alunos se sentirem confortá veis, mas, em minha
opiniã o, icavam muito expostos. Era bom para nó s
funcioná rios que tı́nhamos que icar de olhos neles, mas para
mim como leitora, que gostava de sossego enquanto lia, era
pé ssimo. No canto oposto ao da porta que liga a faculdade à
biblioteca, havia uma escada larga e comprida, que levava
para o andar de cima, onde havia mais e mais livros. Entre a
entrada e a escada, icava o balcã o de atendimento. A nossa
frente, as mesas compridas e, depois delas, outra porta para as
pessoas que nã o viriam pela faculdade.
1. Ele é um fantasma.
2. Ele é algué m que as pessoas temem ou odeiam, por isso
nã o o olham.
3. Estou icando louca.
Bufei.
— O quê ?
— Estranho, como?
— Nã o, nunca.
— Dizem que elas só vã o atrá s daqueles que tem medo...
— comentei, com o pensamento longe.
— E, talvez de um stalker.
— Certas ou erradas?
— Bom, faz trê s dias que ando sem tempo para ler...
— Impressã o sua.
— Nã o sei...
Bom, ele já devia me achar louca pelo que falei há pouco,
agora terá certeza.
Ele riu.
— E.
— Estou te esperando.
— Para quê ?
— Como?
— Por quê ?
— O que foi?
— Você é diferente.
— Você quer me contar sua histó ria. Já pode falar com
outras pessoas, mas está aqui, comigo. — Uma ideia louca
surgiu em minha mente e perguntei empolgada. — Eu sou
algum tipo de escolhida? Ou descendente da Dahlia?
— Quê ? Nã o! — Olhou-me como se eu fosse louca, de novo.
— E complicado...
— E...
— Isso o quê ?
— Otimo.
— Sim.
— Eu nã o sei, mas nã o pode dizer por aı́ que é meu
namorado e icar ao meu lado o dia todo. Estou no trabalho.
— Ouvi dizer que sua mã e é uma meretriz...
— Eu cavei minha pró pria cova e caı́ nela, foi isso que
aconteceu.
— Me conte...
— Minha mã e, ela... Bom, ela era muito jovem quando tudo
aconteceu, tinha apenas 19 anos. Ela se envolveu com gente da
pesada... Meu pai, que já morreu, era um homem envolvido
com bandidos, trá ico, drogas... Mas só da regiã o. Ele a
engravidou e quando eu nasci, deixou-a dependente das
drogas... Ela nunca conseguiu superar e ir embora. Depois que
ele morreu, começou a se prostituir para conseguir bancar seu
vı́cio, minha casa virou um bordel onde só ela era a “meretriz”
e todos os homens dessa inú til cidade tinham que tirar
proveito da situaçã o. Era muito bonita, na verdade, mesmo
com todos os problemas, era a mais linda da cidade.
— Como?
Killian riu.
— Como é ... quando você nã o é ... real assim. Fica vagando
por aı́ como um fantasma ou... — Tentei mudar de assunto.
— Igual um fantasma!
— Você dorme?
— Você come?
— Nã o.
Olhei decepcionada.
— Isso nã o lhe diz respeito, Jade. Mas saiba que eu nã o sou
o ú nico que sabe sobre ele, e isso nã o vai ser bom para você .
— Pode querer...
— O que eu poderia querer de você ?
— Como pode nã o icar tentada com tudo que falei? O que
há de errado com você ?
— Nã o, nã o vai. Nã o vai ler o livro mais... Eu vou te contar
tudo, mas nã o deixe de sentir, você prometeu! Se continuar
com esse sentimento, eu vou desaparecer, Jade!
Ele sorriu.
— E.
— Tanto faz!
— Eu falei sé rio no refeitó rio... Eu farei tudo por você , Jade.
Bufei.
— Estou decepcionado.
— Por quê ?
— Achei que pelo menos fosse citar meu nome como seu
primeiro.
— Por quê ?
— Nã o. Um lobo.
Respirei fundo.
Comecei a notar que, boa parte do que dizia sobre ele, era
como gostava de estar na companhia de um alfa, de um
homem poderoso. Era mais o que ele representava para os
outros, o que tinha, como a beleza, aparê ncia fı́sica. Ela nunca
falava algo do interior dele, do seu espı́rito. Gostava do fato de
todos o temerem, de ser desejado por outras mulheres e,
mesmo assim, pertencer a ela. Por um momento, comecei a
duvidar do sentimento dela. Nã o que estivesse mentindo em
sua narrativa, na intensidade e pureza do seu sentimento, mas
talvez ela estivesse enganada... Talvez, ela só estivesse
apaixonada... Pois é isso a diferença entre o amor e a paixã o,
certo? O amor aceita e ama tudo aquilo que você é , conhece
seus defeitos e qualidades. A paixã o é algo avassalador e
passageiro, pois é ilusó ria. Você ama aquilo que acha que a
pessoa é e, quando as diferenças e defeitos aparecem, o
sentimento nã o resiste e vai embora...
Tudo mudou quando, em uma nova viagem, eles pararam
em uma vila e nela já tinha um alfa com outra alcateia. Lobos
sã o extremamente territoriais. O alfa local já conhecia o
histó rico assassino de Killian e nã o o recebeu bem. Ambos,
orgulhosos, travaram uma guerra sangrenta para liderar todo
o bando e Killian venceu. De acordo com Dahlia, Killian
absorveu todo o poder do alfa que derrotou e os lobos que
pertenciam a ele se juntaram à alcateia de Killian, tornando-o
praticamente invencı́vel. O poder de um alfa vem da sua
alcateia. Killian agora tinha uma grande e poderosa, poré m,
nem todos gostavam e aceitavam seu comando. Killian passou
a icar irritado e instá vel, e pediu mais favores à Dahlia. Ele
queria a força dos seus traidores. Queria recolher para si o
poder daqueles que conspiravam contra ele. Dahlia, a im de
agradar o seu amado, fez tudo que ele desejava. Pensava que,
assim que eliminasse as frutas podres do bando, a paz reinaria
sobre eles novamente. Ela teve que usar a magia negra tã o
condenada pelo antigo coven que fazia parte, mas, em nome
do seu amor, deu a Killian a força para drenar dos seus betas
toda a vida e poder contido neles.
— Killian!
Eu estava sem fô lego por causa da corrida, com sede, com
vontade de dormir, com tudo. Mas, puta merda, o prefeito da
cidade é um lobo? Resolvi ignorar esse comentá rio.
Revirei os olhos.
— Que sentimentos?
— Quase sempre...
— Sim.
— Por que quer que eu leia tã o rá pido o livro? Sinto que o
que eu vou ver nã o será algo que vai cooperar para eu... hum...
gostar mais de você .
— Killian, que merda você fez para icar preso aqui por
tanto tempo?
Ele franziu a testa, parecia perturbado. Começou a andar
de um lado para o outro.
— Se defendeu?
— Mais ou menos...
— Nã o me importo.
E beijou-me.
—Nã o sei...
— Volte... Vou te esperar no lugar de sempre.
Eu sorri.
Chon nã o era um drogado. Até hoje nã o entendo o que ele
faz no meio deles. Quer dizer, sei que ele ganha dinheiro. Mas
ele parece ser tã o inteligente, nã o sei por que perde tempo
com isso. Cheguei ao meu quarto e vi a porta toda
arrebentada. Tentei ao má ximo segurar o choro, o que vou
fazer agora? Senti Chon atrá s de mim.
— Nã o pense que por isso icarei grata, você só inge que
cuida de nó s para continuar com a in luê ncia que meu pai
tinha.
— Ei, Jade. Olhe quem está aqui, já vieram trocar sua
porta.
Eu ri també m.
— E, é , vamos rir para a palhaça nã o perder o emprego! —
Só vi o chinelo voando na minha direçã o e, quando desviei,
acertou o notebook de algué m que foi ao chã o.
Eu, por puro orgulho, nã o peguei nada e fui para o quarto,
escondi a mochila embaixo da cama e sentei nela, vendo os
funcioná rios instalarem a porta. Quando terminaram,
entregaram-me duas chaves e eu, disfarçadamente, perguntei
se havia mais alguma, mas disseram que eram apenas elas.
Tranquei a porta e aproveitei a distraçã o das pessoas da casa e
saı́, indo para a biblioteca. Acho que nã o seria bom dormir
duas noites seguidas fora, principalmente agora que Chon
retornou e ainda está em alerta. Odeio isso, mas pre iro nã o
provocar mais.
Tentei conter o sorriso, mas nã o consegui. Por que ele era
tã o charmoso?
— Nenhuma.
Ele sorriu.
— E um bom avanço.
— E seu coraçã o?
— Fé ?
— Por que é tã o fá cil ser sincera e aberta com você ?
— Vou pensar...
— Eu vou te proteger.
— Nã o!
— Responda, Jade!
— O quê ? NAO!
— Quem é ?
— Ele me obrigou!
Ele riu.
— Nunca iquei sem saber o que fazer, Jade. Nã o sei o que
te falar sobre a sua situaçã o e estou me sentindo pé ssimo por
nã o poder fazer nada a respeito.
Seu toque saiu do meu rosto e foi para meu braço. Ele tirou
a camiseta enrolada e me curou. Eu o olhei surpresa e
agradecida.
— Obrigada.
— Considere isso uma ajuda, Jade. Vou torcer para que saia
com vida essa noite e assim tenha chance de perceber que a
recompensa nã o vale o risco. Killian estava certo, você merece
mais e terá mais se sobreviver e for para bem longe daqui.
Que diabos! Sei que lobos nã o tem total controle, mas eles
tê m consciê ncia do que fazem quando se transformam? Será
que ele irá me reconhecer? Isso era uma pergunta que eu
tinha que ter feito. Merda!
— Jade, me ajude.
— Nã o.
— Absoluta verdade.
— Você disse que icaria aqui. Eles nã o sã o sua famı́lia,
Jade. Famı́lia nã o faz o que eles fazem com você .
— Isso nã o vai icar assim! Você é uma de nó s, você sabe
que eles nunca vã o te deixar ir sabendo o tanto que sabe. Eles
virã o atrá s de você !
— Sim.
— Estou chocada.
— Hum...
Eu sorri...
— Da onde eu te conheço?
— Os dois, eu acho.
— Ele me odeia.
— Chegamos.
Ele riu.
— Já passou?
— Já . Essa foi a primeira vez que comi mais do que minha
fome pedia. Normalmente, apenas me alimento o su iciente
para continuar de pé .
— E, Melvin me contou como você foi criada, que sua mã e
é uma, hum...
— Você está tã o Rochelle hoje! Só falta dizer que seu
marido tem dois empregos...
Ele gargalhou.
— Você é tã o ingê nua, Jade. Mas por ser tã o corajosa,
prometo colocar uma rosa no seu tú mulo.
— O quê ?
— Nã o.
Suspirei.
— Killian?
— Por que Declan disse que se ele nã o me matar, você vai?
Novamente, o silê ncio carregado de uma descon iança que
eu tanto odeio, surgiu na ligaçã o.
— Killian?
— Sim.
— Con ia em mim?
— As vezes.
— Jade!
Ele suspirou.
Ela fez que sim, mas senti toda a sua insegurança. Killian
pegou uma faca e ela estendeu a mã o. Ele a beijou no rosto e
ela fez um sinal para ele continuar. Ele a cortou bem
pouquinho e deixou algumas gotas de sangue pingarem no
livro. Ficaram aguardando alguns segundos. Ela perguntou
algo e ele se voltou para ela furioso. Gritou, eu nã o ouvi as
palavras, mas ele a chamou de mentirosa, tenho certeza, pude
ler em seus lá bios. Mas em um ato totalmente inesperado por
mim, ele simplesmente en iou a faca no abdô men dela. Nã o
contente, ele a girou, ferindo-a ainda mais. Eu queria parar de
ver aquilo, era demais para mim, a decepçã o era uma
avalanche em meu ser, esfregando na minha cara tudo que nã o
consegui ver sozinha.
O olhar traı́do dela para ele o fez cair em si, mas nem isso o
fez se pronti icar a ajudá -la. Acho que, no fundo, ele queria ver
se, no caso de ela morrer, com sua vida paga, iria funcionar e
ele iria se libertar. O espı́rito me soltou e eu só tive tempo de
respirar fundo, outro espı́rito veio e fez o mesmo, e depois
mais outro. Eu via a histó ria se repetir, mas desta ú ltima vez, a
mulher o enfrentou, e ela me deixou ouvir toda a verdade que
eu já deveria ter descoberto no livro.
— Mas, Killian, tudo o que você fez foi errado. Desde o início
você tem me manipulado, assim como fez com Dahlia!
— Eu amava Dahlia!
Ele icou tã o furioso que ela nã o teve tempo de ter uma
reaçã o, suas garras vieram certeiras no rosto dela com um
grande impacto, ela caiu morta no chã o.
— Jade...
— Jade...
— Declan...
— Paz? Paz? E isso que você quer depois de tudo que fez?
Acha que merece ter paz?
— Que o quê ? Você está aı́, preso... e eu, bom... estou aqui,
com ela...
Ela já nã o tinha estruturas para aquilo, sabia que tudo que
havia feito por anos estava desmoronando. E eu, bom, eu sabia
o que ia acontecer.
— De tudo.
— Da sua vida?
— Tudo, Dahlia.
— Nã o, nã o, nã o... ela está mentindo. — Sinto que levei a
eternidade para conseguir falar essa pequena frase, usei toda
minha força para manter meus olhos focados em Killian, ele
nã o podia fazer isso.
— Eu te imploro!
— Você foi minha boa açã o do sé culo, Jade. Se dê por
satisfeita.
— Ele nã o vai sair... Ei, Declan... Espero que você encontre
algué m que o ame de verdade.
— Dahlia vai pagar pelo o que fez. Ela o manteve aqui por
interesse pró prio e será julgada pelo coven. Killian matou
aquelas garotas que você viu, mas aquilo sã o apenas projeçõ es
feitas por Dahlia, ela te manipulou.
— Foi horrı́vel.
— Que merda, hein cara! Fico anos sem vê -lo e, quando
vejo, você está pelado? — Mason resmungou, ingindo nojo,
mas abraçou Killian.
Enquanto eles se reencontravam, fui até Melvin e abracei-
o.
— Obrigada.
— Eu nã o iz nada.
Sorri.
Kurt chegou carregando algumas das coisas que estavam
no covil de Killian. Acredito que eram nossas roupas e os
poucos pertences dele.
— Nã o sei o que eu quero — falei com lá grimas nos olhos
e a voz falhando. — Eles... quer dizer, eu nã o sei porque eu
quero.
— Ei, nã o há nada de errado nisso. Ela é a sua mã e e eu
nã o vou te julgar porque você quer vê -la uma ú ltima vez.
— Mã e?
Levantou-se, assustada.
— Achei que há essa hora esse povinho que você tem
andado já teria te abandonado — disse com desdé m olhando
para trá s de mim.
— Veremos!
Por que era tã o difı́cil dizer adeus para ela? Ela sempre me
fez tã o mal.
— Acho.
— E Chon?
Suspirei.
E saiu rapidamente.
— Qual é a primeira?
— Nã o vai ser fá cil, mã e. Mas juro que vai valer a pena.
— Preciso desligar.
— Adeus, Lenna.
— Adeus, Chon.
Ele riu.
Para alguns, poderia ser cruel vê -la sofrendo assim, mas,
para mim, era uma vitó ria. Ela ia vencer esse vı́cio e, quem
sabe, poderemos criar o vı́nculo que nunca tivemos.
— O que quiser...
Lety Friederich.
Maria Letı́cia, ou Lety Friederich como é conhecida, nasceu
em 1995 no Paraná , mas foi criada no interior de Sã o Paulo.
Divide seu tempo entre ser escritora, mã e de um prı́ncipe
chamado Marcelo e sempre que pode vai explorar o mundo.
Ama ilmes, livros e sé ries, em especial romance, fantasia,
sobrenatural e suspense.
Instagram:
@letyfriederich